segunda-feira, maio 01, 2023

O cheiro


Parece que a Ovibeja anda na moda. Ao que li, este ano, o governo não foi convidado para lá ir. A CAP, que parece que não gosta da ministra da Agricultura, terá deixado entender que a senhora não seria bem vinda. No entanto, como a CAP acha que aposta no futuro, entendeu por bem convidar o líder da oposição. Não, não convidou André Ventura, optou pelo "next best", por Luís Montenegro. Ah! E o presidente da República também lá esteve.

Sou pouco dado a cenas rurais, mas, imaginem!, até eu já fui à Ovibeja. É verdade. Há um quarto de século. Tinha estado numa visita oficial à Polónia, a acompanhar António Guterres, e, no regresso, ele disse-me: "Não vamos diretos para o  aeroporto de Figo Maduro. Antes, você vai ter que ir comigo à Ovibeja". 

E o Falcon, em que vínhamos de Varsóvia, lá foi aterrar ao famoso aeroporto de Beja. (A vida é estranha em coincidências: há quatro dias, também num voo que não era de carreira comercial, também vim de Varsóvia, mas para o aeroporto de Tires). Passei assim a fazer parte da restrita lista de pessoas que alguma vez na vida aterrou no aeroporto de Beja. Não guardei o diploma.

À chegada a Beja, esperava-nos o então ministro da Agricultura, Fernando Gomes da Silva. A CAP gostava tanto de Gomes da Silva como gosta da atual ministra. Isto é, muito pouco. E lá fomos os três para a Ovibeja. Aquela visita ficou-me na memória olfativa e auditiva. 

Olfativa porque uma feira de gado é um inigualável deslumbre para as pupilas. Entre bois, vacas, cabras, cavalos e porcos, pelo menos, venha o diabo e escolha o cheiro. Mas aquela foi também uma feira auditiva, porque, para além dos óbvios grunhidos que compõem o som ambiente, teve lugar, a certo passo, uma pequena cerimónia onde António Guterres e o então líder da CAP tomaram a palavra. Nesse momento formal, num palanque, fiquei colocado entre o agricultor-mor de serviço e o Fernando Gomes da Silva. 

Enquanto o homem da CAP se queixava ao primeiro-ministro, com palavras fortes, da ação do Ministério da Agricultura, Gomes da Silva (lembras-te, Fernando?) emitia, ao meu ouvido, sonoras imprecações, reagindo às críticas, às quais, contudo, não ia poder responder. Como a sua voz está muito longe de ser inaudível, fiquei com a nítida sensação de que o líder da lavoura devia estar a tomar nota daqueles pesados comentários. Eu, colocado no meio geográfico do potencial dissídio físico, cheguei a temer o pior.

Já bem ao final da noite, quando, finalmente, conseguimos chegar a Lisboa, e ainda antes de ir para casa, decidi ir beber um copo ao Procópio. Sentei-me na "Dois" e o Nuno (Brederode dos Santos) logo reagiu: "Estás a cheirar a qualquer coisa esquisita!". Expliquei que tinha estado numa feira de pecuária e que devia ser um odor a gado. Ele simplificou: "A mim cheira-me a merda, desculpa lá!"

25 anos depois, o Nuno continua a ter razão. A mim também me cheira.

domingo, abril 30, 2023

Desporto é isto!

A grandeza de um clube vê-se quando consente um golo na sua própria baliza. Para atenuar a derrota do adversário, para evitar a humilhação do outro. Dias há em que o meu Sporting admite mesmo a derrota, por um extremo de bondade, para satisfazer quem o calendário lhe opôs. Quem não perceber isto é dispensado de comentar.

"A Arte da Guerra"


Esta semana, no "A Arte da Guerra", o podcast de temas internacionais do "Jornal Económico", converso com o jornalista António Freitas de Sousa sobre as queixas de Sergei Lavrov sobre António Guterres, o curioso empenhamento da Arábia Saudita na reentrada da Síria na Liga Árabe e as dificuldades no governo britânico, pela ocorrência de mais uma demissão ministerial.

Poder e ouvir aqui: https://youtu.be/tdykRB3l0xQ

sábado, abril 29, 2023

Ex-jornalistas

Há jornalistas que, num passado não muito distante, parecia exalarem objetividade e rigor, olhavam com equanimidade para as várias posições e, como ficava então bem evidente, esforçavam-se por não tomar posição por qualquer dos lados. Hoje, é o que se vê. 

Batista-Bastos chamava-lhes "pessoas injustamente acusadas de serem jornalistas".

Círculo Jorge Coelho


Um dia, há já uns bons anos, Jorge Coelho propôs a um grupo de uma dezena de pessoas a criação de uma tertúlia, composta por gente de origens e formações diversas, que tinham, como mais relevante ponto comum, o facto de serem suas amigas. 

Sem a menor agenda de ação, trocaríamos impressões regulares sobre o país, os seus problemas e os caminhos do futuro. Consistiria num jantar, organizado de quando em vez, quase sempre com um convidado, muitas vezes uma figura pública, seguido de debate, posterior à intervenção. 

Fizemos um bom número desses encontros, que sempre tiveram lugar no Hotel Vila Galé Ópera, sob o acolhimento do Jorge Rebelo de Almeida. Acho que todos saímos mais ricos desses debates.

Um dia, fez há pouco dois anos, o Jorge Coelho morreu. Exatamente com os mesmos companheiros da "Tertúlia Ópera", e com o mesmo espírito, foi entretanto criado o "Círculo Jorge Coelho", grupo que, tal como a canção de Moustaki, também podia ter-se chamado "Les Amis de Georges".

Na próxima semana, o grupo volta a reunir. Por aquela mesa perpassará, como sempre, a boa memória do Jorge, embora por ali já não possamos contar com a sua graça, o seu sorriso, as suas histórias e, em especial, a sua amizade.

Ucrânia


Ontem, na CNN Portugal, em conversa com Júlio Magalhães, falei sobre o futuro do conflito na Ucrânia e as eventuais saídas para a guerra. 

Pode ver, clicando aqui: https://cnnportugal.iol.pt/videos/nem-sempre-um-compromisso-final-se-faz-a-luz-da-justica-a-contraofensiva-de-kiev-e-a-certeza-historica-e-muito-dificil-derrotar-a-russia/644c41c10cf2c84d7fd393a0

E se falássemos da Europa?


Margarida Marques, antiga secretária de Estado dos Assuntos Europeus e atual deputada ao Parlamento Europeu, é uma pessoa que leva muito a sério aquilo em que se empenha. Desde 2021, decidiu lançar um podcast semanal de conversas, intitulado "E se falássemos da Europa?", envolvendo figuras muito diversas, das mais variadas áreas e origens. Ontem, competou o extraordinário número 100 dessas gravações em vídeo. 

Tive o privilégio de ser o primeiro convidado dessa série de programas, como recordámos na festa que ontem organizou na delegação do Parlamento Europeu, em Lisboa. 

Por lá encontrei gente que já não via há muito, de que é exemplo o meu velho amigo José Rebelo, histórico correspondente em Lisboa do "Le Monde", na imagem com Margarida Marques.

Para ver os vídeos do "E se falássemos da Europa?", basta clicar aqui: https://www.youtube.com/@esefalassemosdaeuropa887

sexta-feira, abril 28, 2023

O Roque Laia


Ontem, no Porto, durante a Assembleia Geral de uma empresa, e perante uma questão suscitada por uma interpelação de um acionista à mesa, pensei para comigo: "Faz falta agora o Roque Laia". Se eu repetisse isso a qualquer das colegas da administração que me ladeavam, estou certo que não entenderiam. Ser mais velho é isto mesmo.

O "Guia das Assembleias Gerais", de Mariano Roque Laia, com uma 1ª edição em 1957, foi, por muitos e bons anos, em Portugal, a "bíblia" das Assembleias Gerais. Era uma utilíssima codificação de regras e procedimentos, sem força jurídica vinculativa mas com um peso "moral" que quase ninguém ousava contestar. Usar "o Roque Laia" com mestria era meio caminho andado para gerir bem uma Assembleia.

Há 53 anos, eu era presidente da Assembleia Geral da Associação de Estudantes do ISCSP, então com um U de "Ultramarina" no final. Depois da surpresa de uma derrota nas eleições do ano anterior (julgávamos serem favas contadas e a lista adversária apanhou-nos desprevenidos), tínhamos, entretanto, recuperado a Associação, nas eleições desse ano.

A primeira reunião da Assembleia Geral a que presidi veio a ser muito complicada, com uma imensidão de intervenções adversas e um ambiente bastante tenso. Até "pides", que ali eram estudantes, em horário pós-repressivo, apareceram, para ajudar a alguma confusão. A sala estava cheia de colegas mais velhos, quadros do Ministério do Ultramar, que se haviam conjugado para dificultarem a vida aos "esquerdistas" que tinha retomado a Associação. Displicentes, os nossos apoiantes tinham desmobilizado e eram em número insuficiente.

Eu tinha estudado muito bem "o Roque Laia", coisa que poucos faziam. Por isso, tinha na ponta da língua todo o arsenal de procedimentos e figuras, passíveis de ser usadas, nos momentos de impasse na assembleia. Perante as obstruções, lá fui driblando as dificuldades, sempre dentro das sagradas "regras do Roque Laia".

Tudo aquilo era feito sob o olhar atento do professor Martim de Albuquerque, que a direção da escola tinha destacado para acompanhar e fiscalizar a assembleia. Era assim mesmo a prática desse tempo: as reuniões de estudantes eram frequentemente vigiadas pelo corpo docente.

No final da sessão, com ar pesado, Albuquerque veio ter comigo e disse-me: "Você foi muito hábil na condução da reunião. Parabéns. Mas não apreciei a orientação que imprimiu aos trabalhos e vou ter de informar o diretor da escola". Não sei se lhe disse "olhe que não! olhe que não!", mas deve ter sido uma coisa parecida.

Meses depois, um desaguisado em público com o diretor da escola valeu-me um processo disciplinar e a posterior suspensão, por seis meses. No sufrágio do ano seguinte, a minha reeleição para o cargo de presidente da Assembleia Geral veio a ser rejeitada pelo Ministério da Educação. Não pude tomar posse. Coisas da vida desse tempo.

Miguel Sousa Tavares...

 


... no "Expresso" de hoje.

quinta-feira, abril 27, 2023

Álvaro Mendonça e Moura


Confesso ter ficado surpreendido pela notícia de que o meu colega Álvaro Mendonça e Moura, embaixador que, até há pouco, desempenhou as funções de secretário-geral do MNE, vai assumir, dentro em breve, o cargo de presidente da CAP - Confederação dos Agricultores de Portugal. 

Sabia-lhe algum empenhamento recente na agricultura, mas desconhecia que ele chegasse a uma imersão profunda no associativismo da nossa lavoura, para utilizar uma expressão bonita e clássica.

Contudo, considero muito importante, num tempo em que as questões agrícolas re-assumem relevância na nossa economia, que quem institucionalmente a passa a representar possa ser alguém com o conhecimento de um antigo representante diplomático português na União Europeia.

Álvaro Mendonça e Moura e eu entrámos no mesmo dia nas Necessidades, vai para 48 anos, e ficámos bons amigos desde então. Só o futebol nos divide! O Álvaro teve uma carreira distintíssima, um percurso em tudo conforme às suas qualidades profissionais, dado que foi um dos mais talentosos diplomatas da sua geração. 

Desejo-lhe as maiores felicidades nesta sua nova fase de vida.

Vida


Começar uma reunião de trabalho com estes dois pratos em frente, como me aconteceu na terça-feira, remete-me para as clássicas tentações de Haddock.


O truque

Há um truque clássico na imprensa, na utilização de imagens, documentos ou escutas indevidas ou mesmo ilegais. É dizer: "É verdade que são privados mas, a partir do momento em que se tornam públicos, seja lá de que maneira for, é impossível evitar comentar o seu conteúdo, não é?"

É isto!

É muito revelador que alguns, em lugar de se solidarizarem com as autoridades do Estado perante o espetáculo, democraticamente degradante, de partidos políticos terem destratado um convidado estrangeiro, logo "mudem de conversa" para criticar os comportamentos dessas autoridades.

quarta-feira, abril 26, 2023

Crimes, digo eu

Recebo "alertas' do Correio da Manhã. (Devo ter posto um "vezinho" algures). Não imaginam o que se aprende! Aparecem por aí cadáveres todos os dias! Ao lado de Portugal, a aldeia do Padre Brown, na Fox Crime, para mim um "benchmark" no género, é um jardim infantil do crime.

Mitos

A ideia de que a extrema-direita cresce por ação dos socialistas é uma mera desculpa de uma direita que, como se tem visto, não consegue afirmar lideranças e promover políticas, alternativas e democráticas, que sejam eleitoralmente atrativas para o eleitorado não-socialista.

Cravos ao alto!


Afinal, a vendedora de flores, com nome e cara, que deu cravos aos soldados que andavam pela Baixa lisboeta, acendendo G3s de vermelho, o que veio a fazer a felicidade gráfica da imprensa internacional, era um belo mito urbano. 

No Porto, na "Praça", também surgiram cravos nas armas dos "prontos" ensonados, que ali andavam sem nada para fazer. Ao fundo da imagem, no Passeio das Cardosas, lá está ainda o Banco de Angola, para o qual esse dia acabaria por ser o primeiro do resto da sua encurtada vida. 

O que pode suscitar uma fotografia do 25 de Abril no Porto!

terça-feira, abril 25, 2023

Lapelas

Os líderes do Chega e da IL não colocaram um cravo ao peito, na cerimónia do 25 de Abril. Há coincidências que só são surpresas para quem anda distraído. Apenas comemora a data quem se sente  próximo dos valores de Abril. Assim, fica tudo muito mais claro. Parabéns, Joaquim Miranda Sarmento.

Circo

As palhaçadas de Ventura e dos seus arruaceiros pode criar a falsa ideia de que tudo aquilo é uma mera comédia. É, mas não só. Há um país mal-disposto e desiludido que, se não tiver respostas credíveis para os seus reais problemas, pode acabar por ir por ali. Foi assim que nasceu o fascismo, lembrem-se.

... e chega!

O Chega, na liberdade que a democracia lhe concede, tem todo o direito de atuar fora do sistema. Não havendo, ao que parece, razões constitucionais para ilegalizar o partido, nada impede que o sistema, de que o Chega ostensivamente se considera fora, o marginalize por todos os meios legais.

Basta

O Presidente da República deveria tirar as necessárias consequências dos acontecimentos que hoje ocorreram no modo como, no futuro, virá a relacionar-se com o Chega. As forças políticas cujo comportamento põe em causa os interesses externos do Estado não podem ser tratadas da mesma forma que as outras.

"Um olhar fardado"

 

Ler aqui o artigo em "A Mensagem de Lisboa".

Viva!


Começar bem a agenda de trabalho, num dia chuvoso e cinzento, aqui na Polónia. Viva o 25 de Abril, sempre!

segunda-feira, abril 24, 2023

O meu 24 de abril


Saí de manhã de casa, em Santo António dos Cavaleiros, onde vivia, desde que casara, quatro meses antes. De carro, entrei na Escola Prática de Administração Militar, na Alameda das Linhas de Torres, em Lisboa. Às nove horas, iniciei a primeira aula de "Ação Psicológica", ao meus instruendos. Era aquela a minha tropa.

Pelo meio-dia, recolhi à biblioteca. Além de "oficial de Ação Psicológica" e coordenador do curso de formação de oficiais milicianos nessa especialidade, era também bibliotecário e diretor do jornal da unidade, "O Intendente".

O António Reis bateu à porta. O António, mais tarde um consagrado historiador e professor universitário, era o nosso contacto com os oficiais do quadro, na clandestina articulação que, desde há meses, íamos mantendo com o setor profissional militar.

Conhecíamo-nos desde 1969, ao tempo da articulação da oposição democrática para o ato eleitoral desse ano. Ele tinha tido um papel destacado, como candidato oposicionista por Santarém, eu trabalhara ativamente na Comissão Democrática Eleitoral de Vila Real. Nessas últimas semanas, encontrávamo-nos regularmente na "Seara Nova", a revista oposicionista que, à época, acolhia várias correntes políticas.

Para espanto de muitos e do próprio, António Reis havia sido escolhido, meses antes, para a especialidade de Ação Psicológica, que eu coordenava. A máquina das informações militares, na sua articulação com a PIDE (ninguém dizia DGS), tinha óbvias lacunas. Só há poucas semanas, o Exército mandara "reclassificá-lo", devendo regressar a Mafra, onde o esperava um destino como Atirador de Infantaria. Por esses dias, tentávamos atrasar os efeitos dessa transferência.

Notei que o António vinha com ar grave. Pediu-me para reunir o pequeno grupo de oficiais milicianos que estavam no segredo das movimentações. Minutos depois, informou-nos que o golpe militar, de que há semanas falávamos, estava previsto para essa noite.

Ficámos tensos, confrontados com o peso da informação recebida. Aos pedidos de detalhes que colocámos, no tocante ao âmbito da nossa ação, adiantou explicações vagas. Ele próprio não tinha muitos mais pormenores.

Ao final do dia, quando saí da unidade, não tive dúvida de partilhar a informação com o meu pai, que, vindo de Vila Real, estava de visita a Lisboa. Democrata dos sete-costados, alimentava, contudo, uma desconfiança persistente sobre a capacidade dos militares para derrubarem o regime que ele sempre detestara.

Jantei com os meus pais e com um tio. Foi uma ocasião estranha: se a operação militar que iria decorrer, horas depois, tivesse sucesso, o futuro desse meu tio - um imenso amigo de todos nós, a começar por mim - iria sofrer uma grande mudança. Ele era deputado, por Vila Real, à Assembleia Nacional...

À mesa, apenas eu, o meu pai e a minha mulher estávamos a par do que iria ocorrer, pelo que a conversa, para nós os três, não deixou de ter sempre isso como pano de fundo.

Acabado o jantar, deixei os meus pais na Feira das Indústrias, à Junqueira, onde havia uma exposição de antiguidades. À saída, ao deparar com o Rolls-Royce que transportara o presidente da República para a inauguração do evento, o meu pai disse à minha mãe uma frase enigmática, que ela lembraria até ao fim da vida: "Se uma coisa que o nosso filho me disse vier, de facto, a acontecer, amanhã o Américo Tomaz já não volta a entrar neste carro".

Nenhum de nós teve então a presciência de intuir que esse amanhã iria passar a ser conhecido como "o 25 de Abril".

domingo, abril 23, 2023

Segundo o "Financial Times"...


 

Lugar à mesa


O serviço do Protocolo de Estado está sedeado no Ministério dos Negócios Estrangeiros mas, na realidade, serve todas as grandes instituições do Estado, a começar pela Presidência da República.

Um dia, em 1987, trabalhava eu nos Assuntos Europeus, o secretário-geral do MNE chamou-me e pediu-me se eu não me importava de ir chefiar, por duas semanas, o serviço do Protocolo. Tinha havido um qualquer problema, envolvendo conjunturalmente a disponibilidade das chefias regulares, e era-me solicitado que tomasse conta do serviço nesse período. 

Nunca me considerei um especialista em protocolo, mas, como diplomata "generalista", sempre tive a pretensão de ser capaz de operar em qualquer área da atividade do ministério, sem exceção. E, movido também por alguma curiosidade, disse que sim à tarefa.

Mudei-me assim, por quinze dias, da Visconde Valmor para os dourados do "palácio velho" das Necessidades, última morada dos reis portugueses, até ao 5 de Outubro.

Tive o gosto de trabalhar, nesse tempo, num serviço pelo qual tenho o maior respeito e cuja ação, através de alguns profissionais altamente responsáveis que por lá têm passado, se tem revelado, ao longo dos anos, numa âncora essencial para o bom curso da vida das instituições nacionais, em especial das relações externas do país. 

O comum dos cidadãos está longe de saber o que o país deve, em termos de crises evitadas e de soluções discretamente encontradas para inesperados problemas, a essa estrutura que tem sabedoria para conseguir induzir bom-senso comportamental aos atores políticos, bem como racionalidade e modos civilizados à máquina governativa. Das posses a funerais de Estado, passando por visitas de dignitários estrangeiros ou pela organização de deslocações internacionais dos nossos governantes de topo, até à gestão da vida do corpo diplomático estrangeiro em Portugal, o Protocolo de Estado é responsável por uma multiplicidade de tarefas, algumas de elevada delicadeza. O protocolo é, um pouco, como os árbitros de futebol: só se fala dele quando falha.

Num dos primeiros dias dessas minhas episódicas funções, fui informado de que um velho embaixador, há muito reformado, figura com nome histórico nos anais da casa, pedia para ser recebido por mim. Anuí, de imediato, e fui buscá-lo à porta do gabinete que ocupava. 

Após alguns circunlóquios, o vetusto diplomata explicou a razão por que queria falar com a pessoa que estava a dirigir o Protocolo, na circunstância eu: tinha surgido, na véspera, na imprensa, a notícia de que, meses depois, se deslocaria a Lisboa, em visita de Estado, o presidente de um país onde esse embaixador tinha, em tempos, chefiado a nossa missão diplomática. E disse-me: "Eu imagino que o meu nome irá surgir na lista dos convidados do senhor Presidente da República para o banquete na Ajuda. Mas como já fui embaixador há muito tempo, achei que era melhor lembrar o meu nome, até para evitar algum lapso por parte do Protocolo". Não deixava de ter graça ele insinuar de que estava quase a fazer um favor ao Protocolo...

O costume protocolar é convidar, por vezes, para os banquetes de Estado, antigos embaixadores portugueses que tenham servido nas capitais dos países cujos chefes de Estado nos visitam, embora sem que tal seja um imperativo e uma regra absoluta. Disse ao embaixador que ele podia estar seguro de que eu deixaria uma nota para que o seu nome viesse a ser incluído na futura lista de convites. E cumpri o prometido. Se foi ou não convidado, isso já não sei.

Essa conversa acabou por ser uma bela lição pela negativa: achei a cena tão triste, tão pouco compatível com a dignidade de um servidor público daquele nível, que jurei a mim mesmo que, quando me aposentasse, jamais cairia na fragilidade de vir a "mendigar" para que não se esquecessem de mim, para recolher, enfarpelado, algumas vitualhas em cerimónias de Estado. 

Cumpri sempre isso escrupulosamente. Mas, naturalmente, quando as autoridades de turno do país me convocam para essas ocasiões, nunca cometo a indelicadeza de não estar presente. Como ainda ontem aconteceu. Mas, repito, sempre sem que antes me tenha feito lembrado.

sábado, abril 22, 2023

Lula cá

Lula teve razão quando disse, esta manhã, que houve membros permanentes do Conselho de Segurança que iniciaram guerras à revelia da ONU. E fez bem em citar os EUA no Iraque e a Rússia na Ucrânia. Mas enganou-se quando referiu a intervenção da França e do Reino Unido na Líbia. Essa ação teve aval da ONU e do seu Conselho de Segurança. É um facto indiscutível. Se bem conheço o tropismo de alguns comentadores, alguns vão agora partir para a análise do que ocorreu depois da intervenção. Só que - tenho muita pena! - essa não é a questão.

Prémio científico Mário Quartin Graça


Tive a honra de ser convidado pela Casa da América Latina para presidir ao júri do Prémio científico Mário Quartin Graça, apoiado pela consultora Cunha Vaz & Associados e que distingue anualmente "trabalhos de estudantes portugueses e latino-americanos que tenham, preferencialmente, concluído a dissertação" na área das Ciências Sociais e Humanas, "numa universidade ibérica, latino-americana, ou norte-americana". 

Mais informações sobre o prémio podem ser consultadas aqui: https://casamericalatina.pt/premios/premio-cientifico/.

Mário Quartin Graça morreu em 2014, com 74 anos, como na altura assinalei neste blogue.

Conheciamo-nos mal, mas apreciávamo-nos. Vivemos em circuitos diferentes, mas tínhamos amigos comuns que nos fizeram aproximar, em especial nos seus últimos anos de vida, em que trocámos diversa correspondência, onde emergiram interesses comuns, experiências partilhadas em tempos diversos. Em comentários neste blogue, deixou notas sempre agradáveis, atentas e interessantes.

Mário Quartin Graça era um homem do mundo da cultura, com passagens de muito mérito pelo espaço diplomático. Ler as suas memórias, "Páginas Amarelas", um livro que guardo com uma sua amável dedicatória, ajuda-nos a perceber melhor um homem que gostava muito da vida, das coisas e das pessoas, que teve o grande mérito de não se ter apenas passeado, indiferente ou lúdico, pelos lugares por onde andou e trabalhou. Estudou e interpretou, com argúcia não isenta da graça que lhe estava no nome, esses mundos que frequentou e que tão bem retratou. Comungávamos um interesse agudo pelo Brasil, eu invejava-lhe a experiência espanhola que profissionalmente me ficou a faltar.

Ser convidado a coordenar o júri do prémio criado com o seu nome será, além de uma agradável responsabilidade, um imenso gosto.

Ainda o Brasil e a Ucrânia


Aqui fica o que, há umas horas, eu disse na CNN Portugal sobre a iniciativa de Lula da Silva no caso ucraniano. Na imagem, fica claro que o presidente brasileiro não está a concordar com o que eu estou a dizer...

Ver e ouvir aqui.

sexta-feira, abril 21, 2023

21 de abril

Foi no dia 21 de abril de 1947, na igreja de São Martinho, nas Pedras Salgadas. Oficiou o padre Domingos, que recordou o evento, por ocasião do almoço que organizei, 50 anos depois. Era o dia do casamento dos meus pais.

O meu pai, originário de Viana do Castelo, funcionário da Caixa Geral de Depósitos, tinha sido transferido para Vila Real, um ano antes. Num baile do Clube de Vila Real, ter-se-á encantado com uma jovem solteira que ali conheceu, quase oito anos mais nova. 

Como as regras da época mandavam, foi ter com o meu avô, antigo magistrado e então conservador do Registo Predial na cidade. "Vamos até minha casa conversar", contava o meu pai ter-lhe sido dito pelo meu avô, durante esse encontro no café Excelsior. 

Beberam um cálice de "vinho fino". E falaram. Era voz corrente na família que, através de amigos de confiança, o meu avô terá depois "tirado informações" sobre quem era aquele pretendente à mão da filha, se era de "boas famílias", lá por Viana. E, isso constatado, deu o seu "nihil obstat" ao casamento. 

Os meus pais não foram felizes: foram imensamente felizes. Quem os conheceu sabe isso bem. Sem grande dinheiro mas sem problemas financeiros, levaram uma vida agradável, longa e, quase até ao fim, com saúde. Cuidaram em cultivar sempre ambas as famílias, onde o destino também quis - felicidade puxa felicidade - que nunca tivesse emergido o mais leve conflito de relação pessoal. Os meus pais gozaram bem a existência cómoda que tiveram, passearam bastante pelo mundo, fizeram muitos e bons amigos. O seu único filho teve a sorte de poder herdar, essencialmente, essa sua felicidade.

A cada dia 21 de abril, lembro-me desse momento fundacional da minha família, do qual, naturalmente, não fui testemunha presencial.

quinta-feira, abril 20, 2023

"A Arte da Guerra"


Esta semana, no podcast do "Jornal Económico", "A Arte da Guerra", converso com o jornalista António Freitas de Sousa sobre as polémicas declarações de Lula da Silva, as eleições presidenciais e legislativas na Turquia e, finalmente, o recrudescer da guerra civil no Sudão.

Pode ver e ouvir aqui.

quarta-feira, abril 19, 2023

João Serra


Acabo de saber que morreu o João Serra. Tinha 74 anos. 

Conheci-o há quase meio século, no Movimento de Esquerda Socialista (MES). Depois disso, fomo-nos encontrando aperiodicamente pela vida, muitas vezes em circunstâncias em que também estava envolvido Jorge Sampaio, de quem ele era grande amigo e que assessorou em Belém, chegando a seu chefe da Casa Civil. 

O João e eu coincidimos, por cerca de dois anos, na Fundação Cidade de Guimarães, na preparação de Guimarães - Capital Europeia da Cultura, de que ele foi presidente e eu conselheiro. 

João Bonifácio Serra era historiador e foi professor e investigador em diversas instituições de ensino superior, tendo obra publicada nesse domínio. Nos últimos anos, estava muito ligado às questões culturais da cidade de Leiria. 

Deixo um abraço de pesar à sua Família.

Partido Socialista



Faz hoje 50 anos o Partido Socialista. 

Criado na clandestinidade, em 1973, o Partido Socialista é, a meu ver, a formação política que, de forma mais determinante, ajudou a dar corpo e a consolidar o regime democrático português. Se apenas o sectarismo pode querer retirar ao Partido Comunista Português o papel central e admirável que teve na luta contra a ditadura, o Partido Socialista, que ficará representado na História de Portugal pela figura ímpar de Mário Soares, é, sem a menor dúvida, a força política estruturante do regime democrático, embora não devamos esquecer que o PSD, desde os tempos em que se chamou PPD, teve também, e faço votos para que possa continuar a ter, um papel importante na consagração do regime.

Não vou poder aceitar o simpático convite que recebi para estar presente na festa dos 50 anos do Partido Socialista. Porém, com a maior sinceridade, desejo o melhor para o futuro da força política portuguesa da qual continuo a sentir-me mais próximo.

segunda-feira, abril 17, 2023

Propriedades


O direito absoluto à propriedade privada deveria poder incluir o nosso próprio espaço aéreo...

Amigos, amigos...

A diplomacia portuguesa, na questão ucraniana, tem uma posição definida, da ONU à NATO, passando pela União Europeia. Não serão os argumentos do Brasil que a vão mudar. E posso imaginar que, em Brasília, se pense de forma simétrica. Amigos, amigos, Ucrânia à parte!

Fresquinhas!


Recebi novas análises, "fresquinhas", saídas do laboratório. Olho para os números com a ignorância atrevida do hipocondríaco que sou. As normais dão-me alibi para novas comezainas, as desviantes só apelam a mais medicação. Tudo exceto mudar de vida: caminhadas, dietas, privações.

Pessoa


Não conheci Joaquim Pessoa, um "rapaz" da minha idade que hoje partiu. Mas devo-lhe belas palavras.

Lula, a Ucrânia e o resto


Disse ontem na CNN Portugal o que penso sobre as consequências das tomadas de posição de Lula a propósito da guerra da Ucrânia e da China.

Pode ver aqui.

domingo, abril 16, 2023

Lula, o Brasil e nós

Nos últimos 200 anos, as relações entre Portugal e o Brasil atravessaram momentos muito complexos. Chegou mesmo a haver um corte de relações. Em tempos de dessintonia política entre os dois lados do Atlântico, foi sempre possível salvaguardar um módico de entendimento, mesmo no plano retórico, que conseguiu dar continuidade favorável ao património de relação histórica existente. Seria, assim, de uma imensa irresponsabilidade se, por virtude de uma questão circunstancial na ordem internacional, por muito importante que ela seja, pudessem vir a emergir efeitos, com consequências gravosos e duradouras, para o curso do entendimento bilateral. O Brasil não se esgota em Lula, como não se esgotou em Bolsonaro ou nos sinistros presidentes militares da sua ditadura, que, recordo, coexistiram com o Portugal de Abril, a partir de 1974. Portugal pode não gostar, pontualmente, de atitudes internacionais tomadas pelo Brasil , mas manda o bom senso - e o sentido de Estado - que saibamos viver com as nossas diferenças e, em especial, que assumamos a prevalência da importância histórica da relação luso-brasileira sobre tudo isso.

sábado, abril 15, 2023

Chegados à bóia..


... vira-se à direita.

¿

É minha impressão ou os hispanofalantes utilizam cada vez menos, na sua escrita, o ponto de interrogação invertido (¿), a iniciar as frases interrogativas? É um sinal que dá imenso jeito, porque antecipa o sentido da frase. É uma pena que, na língua portuguesa, o sinal nunca tenha vingado.

... e, com este sol,

 


... volto a ter mais uma assoalhada!

"A Arte da Guerra"


Esta semana, no "A Arte da Guerra", o "podcast" de temas internacionais do "Jornal Económico", converso com o jornalista António Freitas de Sousa, sobre o caso dos documentos secretos desviados do Pentágono e as polémicas de Macron, na sua visita à China, a continuação da crise política em Israel e os equilíbrios interpartidários em Espanha, no caminho para as eleições locais de maio.

Poder e ouvir aqui.

Outro assédio


- O embaixador vem? Ó diabo! Então temos carro, telhado ou contínuo!

Não percebi logo a observação irritada do governante português, que eu acompanhava, em resposta à indicação, dada pelo seu chefe de gabinete, de que o nosso embaixador naquela capital europeia, onde mudaríamos de avião, iria aparecer na sala VIP, durante a escala de cerca de duas horas que aí faríamos, vindos sei lá de onde, a caminho de Lisboa. Passava-se a cena nos anos 80.

O nosso avião estava prestes a aterrar, pelo que o governante das Necessidades, ao ver a perplexidade que a sua observação provocara em mim, explicou:

- É que os seus colegas diplomatas, sempre que me apanham de passagem por algum país, fazem de mim uma espécie de "muro das lamentações", trazendo-me os problemas que não conseguem resolver diretamente com os serviços, lá em Lisboa. Como se eu pudesse andar a despachar pelo caminho! Ou é o carro que está velho, ou é o contínuo que falta, ou é o orçamento para as obras no telhado! Começo a estar farto!

Nessa como em outras ocasiões, eu notara já que os governantes perdiam a paciência, com frequência, quando apanhados para questões de intendência, no decurso de uma viagem. Muitas vezes cansados, sem nenhumas respostas à mão, reagiam mal a terem de tomar conta do pedido ou chamar os membros dos gabinetes que os acompanham para apontar a questão. Embora, muitas vezes, verdade seja, os problemas com que os diplomatas se defrontam nos postos sejam bem reais.

Nos anos em que estive no governo, fui eu, algumas vezes, a vítima desse "assédio". Talvez por isso, aprendi: como embaixador, gabo-me de nunca ter incorrido nesse pecadilho, precisamente porque sabia bem "do que a casa gasta"...

Assim, nessa madrugada, à saída do avião, a cara com que o nosso governante olhou para o pobre do meu colega, que se havia tirado dos seus cuidados e dos seus lençóis àquela indigesta hora matutina, estava longe de ser a mais simpática. 

Seguimos para a "sala vip". Um boa meia-hora depois, vejo o embaixador debruçado sobre o ouvido do governante, que continuava com um ar de poucos amigos.

Regressados ao avião, não me contive:

- Desculpe a minha curiosidade, se calhar não devia estar a perguntar isto. Mas, afinal, o que queria este embaixador? Vi-os numa longa conversa...

O governante sorriu:

- Queria apenas outro posto. E nem pediu muito. Sempre é mais "barato" do que querer reforço do orçamento, mais pessoal ou um carro novo.

sexta-feira, abril 14, 2023

Itamaraty

Posso estar enganado - e gostaria de estar - mas tenho a sensação de que gestos recentes da diplomacia brasileira, nos factos e no tom, vão rapidamente entrar em conflito com a posição americana. O Brasil de Lula mostra coragem externa, mas pode vir a correr fortes riscos.

Lula na China

Não parece terem surgido informações concretas sobre o resultado das conversas entre os presidentes chinês e brasileiro quanto a uma eventual iniciativa de paz para a Ucrânia.

O que Luís Montenegro NÃO disse à CNN

"Sob a minha liderança, o PSD não fará nunca qualquer acordo com o Chega, do qual possa decorrer o seu apoio parlamentar a um governo por mim chefiado e, por maioria de razão, para a participação conjunta num qualquer executivo".

quinta-feira, abril 13, 2023

Lama

O nojento episódio ocorrido com o Dalai Lama vai ficar por ali ou haverá um movimento internacional para retirar consequências criminais para aquele indiscutível ato de pedofilia? E será que o Dalai Lama vai prosseguir os seus circuitos promocionais pelo mundo, como se aquilo se não tivesse passado? 

Caramba!

Um tribunal anulou extinção da Fundação José Berardo, porque o órgão administrativo do Governo que tomou a decisão não teria competência para tal.

Não haverá maneira de, por uma vez, alguém neste governo fazer as coisas que tem de fazer de uma forma inatacavelmente correta, sem correr o menor risco de estar a pisar ... o risco? Será assim tão difícil ser competente?  

quarta-feira, abril 12, 2023

Biden nas Irlandas


Fica aqui o que disse, esta noite, na CNN Portugal, sobre a visita que Joe Biden está a fazer à ilha da Irlanda.

Ulster

Por favor, senhoras e senhores jornalistas e comentadores, não usem Ulster como sinónimo de Irlanda do Norte! Não é. O Ulster é composto por nove condados, três dos quais estão fora da Irlanda do Norte e se situam na República da Irlanda.

Que diabo!

Às vezes, pergunto-me se é por inépcia ou por descaso que, na política nacional, se adubam os problemas. Depois da polémica em torno da possível presença de Lula na sessão do 25 de Abril, que necessidade havia de fazer coincidir a visita com esse mesmo dia? "Fishing for trouble"?

terça-feira, abril 11, 2023

"Vaut le détour"


Desde há vários anos que, praticamente, deixei de fazer as deslocações ao Norte pela perigosa e tensa A1. Viajo, em descanso e sem pressões, pela combinação da A8/A17. Para quem não saiba, informo que a quilometragem é exatamente a mesma. E, ali perto de Óbidos, quando vejo o desvio para Peniche e estou cerca da hora de jantar, lembro-me de ir ao "Tribeca". 

O que é o "Tribeca"? O "Tribeca" é um excelente restaurante situado em Serra d'El-Rei, a menos de meia dúzia de quilómetros da A8. Os guias Michelin utilizam a classificação de "Vaut le détour" para identificar locais que, podendo estar fora dos eixos principais, justificam o desvio para serem visitados. O "Tribeca" merece amplamente uma saída da auto-estrada.

Por que é que se chama assim? Quem conhece Nova Iorque saberá que Tribeca é uma zona no sul de Manhattan cheia de restaurantes e belas lojas. Tribeca significa "triangle below Canal Street". 

O "Tribeca" de Serra d'El-Rei é uma espécie de brasserie, com uma agradável decoração, uma carta magnífica e um serviço a condizer. Há horas, jantei lá muito bem, com quantos me acompanhavam a terem a mesma opinião. 

Há anos que sou cliente do "Tribeca" e, de todas as vezes que por lá fui, saí sempre satisfeito e nunca me arrependi do "détour". Confesso que não tenho na minha agenda muitos restaurantes dos quais possa dizer o mesmo.

Saiba aqui mais sobre o "Tribeca": https://www.tribeca-restaurante.com/index.html

segunda-feira, abril 10, 2023

Liberdades

A Avenida da Liberdade vai mudar o sentido do trânsito. É pena que o especialista que decidiu a medida no passado não faça uma auto-crítica ou, em alternativa, nos não explique, com os seus argumentos, a irracionalidade da nova decisão. O contraditório enriquece sempre.

Como é?

O Ministério da Agricultura contratou uma empresa privada para controlar os preços. Foi um aqui d'el rei! Mas então a doutrina liberal não é adepta de entregar tarefas especializadas, em "terceirização", à iniciativa privada?

O aero-riso

 


Ler coisas como esta cria uma imensa tristeza.

domingo, abril 09, 2023

Pelo ar

Se a comissão que está encarregada do "novo" aeroporto vier a pedir um prolongamento do prazo que lhe foi dado para análise das propostas ficará claro, em definitivo, que não haverá nunca um aeroporto. É com este tipo de procedimentos dilatórios que as coisas, por cá, nunca se fazem.

sábado, abril 08, 2023

"A Arte da Guerra"


Esta semana, no podcast "A Arte da Guerra", do Jornal Económico, converso com o jornalista António Freitas de Sousa sobre os tempos mais recentes na Rússia e na Ucrânia, as mudanças políticas o ingresso da Finlândia na NATO e, finalmente, as atribulações judiciárias de Trump, com as respetivas consequências políticas.

Pode ver aqui.

sexta-feira, abril 07, 2023

Zinha


Há uns tempos, falei por aqui do Vicente, um corvo (de que eu tinha algum medo, confesso agora) que, na minha infância, pousava pelo largo de S. Pedro, em frente às lojas do Borrão e do Taboada, junto à escola industrial e à Rosa das castanhas. Na Vila Real de então, o Vicente foi tão popular como o foram Bertelo e o Honório (desista de entender isto quem não for dessa cidade). A Zinha foi das poucas pessoas que, num comentário, aqui recordou comigo essa ave. 

A Zinha nasceu na mesma rua que eu, a Avelino Patena, chamada pelos antigos de rua da Travessa e que alguns vila-realenses menos atentos, que não ela, ainda hoje confundem com a rua das Pedrinhas. 

Eu era da idade de um irmão da Zinha, o Quim, que o tempo já levou. Mas já não de outro, mais velho, que sabia desenhador de mérito e que, na cidade, rivalizava, na arte da construção dos tapetes de flores, com o Lima do café Imperial. A família da Zinha, a família Claro, teve no passado um lugar bastante importante na história política e social de Vila Real, para quantos não saibam mas ficam agora a saber.

A nossa rua, a rua onde eu e a Zinha nascemos, trazidos ao mundo pelas mãos hábeis da dona Judite, que também era ali nossa vizinha, era, em si mesmo, um mundo! 

Ao alto, por debaixo da casa dos imensos Mota e Costa, havia a loja de fazendas do pai do Quim Rato, seguido da do senhor Olívio das bicicletas, cujo filho, com o mesmo nome, foi um dos meus grandes amigos de vida. Em frente, era o João Albardeiro, com os tiques que não são para aqui chamados, o seu inconfundível chapéu de abas e que era o organizador, sem falhas, por esta época, da "queima do Judas", rito que, por um tanto sinistro, nunca apreciei por aí além. Logo após, ficava o armazém do senhor Fernandes, com a casa da família ao lado, cheio de sacos de farinha e milho amontoados, por onde gostávamos de trepar e nos esconder. A barbearia do pai do Augusto (na rua, eu conhecia essencialmente os filhos das pessoas), que, ia jurar!, se situava ao lado da casa dos Claro, era quase em frente da tasca do senhor António (que será feito da filha Lucília?). Logo depois, vivia eu com os meus pais e os meus avós e, a seguir, era a casa de uma tal menina Adelaide, que me lembro de já não ser tão menina como isso, que punha fados na rádio muito alto e aguçava apetites aos meus tios solteiros. Na esquina, em frente à tipografia do senhor Agostinho, viviam o Vítor e o Carlos Almeida. Ali por perto, nas Pedrinhas, por cima do latoeiro, havia o dr. Lisboa com o filho Mário e, um pouco mais acima, depois do armazém do senhor Lito, habitava o imenso "rancho" dos Barreto, seguido da família Teixeiró. Saí com sete anos daquela rua, para ir viver com a minha família para outra, mas, como se pode observar, fui sempre passando por lá e dela fiquei com muitas memórias. 

Escrevi isto com a certeza de que a Zinha teria achado alguma graça a esta geografia afetiva dos nossos mútuos lugares da infância, mas com a antecipada tristeza de saber que ela acaba de desaparecer. Vai-se com a Zinha aquela alegria boa com que sempre nos cruzávamos na Gomes, o imenso e permanente sorriso com que nos dava as boas-vindas de regresso à cidade onde ambos nascemos e onde, no dia de hoje, eu estou de chegada e ela de partida definitiva.

Lula e Amorim

O presidente Lula, que vai a Pequim dentro de dias, diz esperar poder convencer Xi Ji Ping a que a China integre um grupo de países - com o Brasil, a Indonésia e a Índia - que tentariam uma paz negociada para a Ucrânia. 

Nas declarações que entretanto fez, o presidente brasileiro foi adiantando que a Crimeia poderá ter de ser cedida por Kiev à Rússia e que esta deve ponderar a possibilidade de renunciar à integração de território ucraniano que unilateralmente decidiu fazer.

Em diplomacia, está-se sempre a aprender e tenho forte esperança de que o presidente Lula, ao utilizar este método de trazer para a praça pública estas propostas, a montante de uma visita oficial a uma potência que sobre o assunto deve já ter algumas ideias bem assentes, saiba o que está a fazer e, no final, acabe por nos dar uma lição negocial, trazendo uma boa surpresa. 

Não esqueço, contudo, e espero que o Brasil também não tenha esquecido, a humilhação que a diplomacia brasileira sofreu em 2010, quando, com a Turquia, procurou imiscuir-se, com alguma ligeireza, na questão nuclear com o Irão e acabou a ser tirada de jogo, sem honra nem glória. Nessa altura, o Brasil deveria ter aprendido que é arriscado tentar "to punch above one's weight", isto é, que, às vezes, a areia é demasiada para a carroça que se tem.

Dito isto, que fique claro: se o Brasil viesse a conseguir desbloquear uma solução de paz para a Ucrânia, o mundo ficar-lhe-ia imensamente grato e a esplêndida diplomacia brasileira ficaria muito prestigiada. Mas se tal não acontecer, Lula talvez devesse colocar isso a débito dos conselhos da pessoa que já o conduziu ao erro de cálculo de 2010: Celso Amorim.

João Semana


Ontem, em Ovar, onde passei a buscar pão-de-ló para esta Páscoa, deparei-me com uma rua chamada "Dr. João Semana". É de imenso bom gosto um município ter decidido dar o nome de uma artéria da cidade a uma simpática figura de ficção criada pelo romancista Júlio Dinis, o qual, embora portuense, ficou fortemente ligado à terra. Deixo um imaginado retrato da personagem da autoria de Roque Gameiro.

quarta-feira, abril 05, 2023

Dignidade e falta dela

Que necessidade têm alguns deputados, em comissões parlamentares, durante as inquirições às pessoas convocadas, de assumirem um tom cáustico, intervalado com regulares esgares para a plateia? Por que razão não assumem um tom neutro e respeitoso? Por saberem que estão na TV?

Poirot em S. Bento

Há comissões parlamentares que parecem filmes do Poirot: uns entram como vilões e passam a vítimas, os bons afinal não eram tão bons assim e, vai-se a ver, o delito, afinal, tem vários progenitores. E é tudo na TV! É um fartote para o país do "eles são todos iguais!"

Aviso à navegação

Há alguns (muito poucos, felizmente) comentadores que, pelas razões há dias referidas, deixaram de poder opinar sobre o que aqui é publicado. É assim escusado tentarem fazê-lo de novo.

E agora, Manuela?




A minha amiga Manuela Júdice, uma mulher "dos sete instrumentos" que, entre montes de outras coisas que fez e faz (bem) na sua vida, organizou, magistralmente, por Portugal, a Temporada cultural cruzada Portugal-França 2022, foi ontem justamente condecorada pelo Estado francês, numa cerimónia que teve lugar na respetiva embaixada em Lisboa, ao final da tarde.

Tive o gosto de ser convidado, já há semanas, para essa cerimónia, por indicação da Manuela. E tive agora o desgosto de constatar que, inadvertidamente, faltei ao evento, porque, por uma qualquer razão, ele sumiu da minha agenda eletrónica. Estou mesmo a pensar regressar ao confiável Moleskine.

E agora, Manuela? Os meus sinceros parabéns e as minhas imensas desculpas. Sei que vais acabar por me perdoar...

(Aqui fica uma fotografia da Manuela Júdice que tirei no Alvor, em dia de céu chamuscado).

terça-feira, abril 04, 2023

Finlândia

A prova de que a Federação Russa persiste numa narrativa completamente desligada da realidade é o facto de não saber ler, fora dos clichés habituais, as razões da adesão da Finlândia à NATO e o que motivou a profunda mudança do paradigma estratégico daquele país.

Habitação

Haverá algum estudo académico - sério, independente e não tributário de agendas politiqueiras - que ajude a explicar o estado da arte da questão habitacional em Portugal em 2023, com ponderação serena das razões que conduziram às principais disfunções agora evidenciadas?

Congresso da Oposição Democrática - 1973

 


Dia 19 de abril, no Centro Cultural de Belém.



segunda-feira, abril 03, 2023

Hi ! Donald !

Tinha acabado de falar dele na televisão e logo Donald Trump me mandou este email. Como dizia alguém, não há coincidências, mas sei lá!



Mistério


Quando Tarja Hallonen, que conheci como uma excelente ministra dos Negócios Estrangeiros da Finlândia, foi a primeira mulher a ascender à chefia do Estado naquele país, não se falou tanto dela como agora se fala de Sanna Marin.

Na terra de Steinbroken

Sanna Marin sofreu a síndroma Gorbachev: afinal, gostam mais dela cá fora do que dentro da Finlândia.

Grande Estado!

Ah! Grande Estado! Ou te condenam porque tudo o que fazes é para esmagar o pobre do cidadão ou te batem à porta, por tudo e por nada, para que possas responder aos anseios mais ínfimos de cada um. Afinal, inimigo ou amigo, o Estado está sempre contigo.

Ó diabo!

O autor de um blogue russo foi ontem pelos ares. Isto da blogosfera começa a ser um terreno perigoso...

O nabal e a eira

 


Não há almoços grátis. Não é possível andarmos anos e anos a tentar atrair estrangeiros, acenando-lhes com as amenidades deste país à beira-praia hipotecado, apelando a que viessem para aqui largar os carcanhóis, encher os restaurantes que quisemos cada vez mais estrelados, esportular em roupas finas na Liberdade, enfrascando-os em quintas requintadas do Douro e ensoleirando-os em golfes regados com água cara no Allgarve do Pinho, sem, ao mesmo tempo, não lhes dar o direito de comprarem casas por aí, ou de os estimularmos ao uso do Alojamento Local, em face da penúria de hotéis na estação alta. Ou será que queremos voltar às ruas da amargura da Nazaré, ao ala-arriba do xaile e do chambres/zimmer/rooms? Face ao défice de capital caseiro, é bom ter gente de fora a estimular a nossa economia? Ah! Pois é, mas, para isso, convençam-se!, essa gente tem de andar por aí, a abarrotar o Chiado, a atulhar-nos as filas do SEF da Portela e as do Gomes da Comporta, com as suas reformas altas que inflam os nossos preços e compram, por uma tuta e meia, aquilo a que o portuga médio não consegue chegar. É escolher! Ou uma coisa ou outra! Só mais uma coisa, para que não restem dúvidas: reagir contra os da estranja tem um nome, chama-se xenofobia.

domingo, abril 02, 2023

O cozido do Chiringuito


Em Lisboa, aos domingos, há algumas casas que servem "cozido à portuguesa". Há excelentes, como é o caso do Nobre e do Faz Figura. E há um caso sério de qualidade e merecida popularidade, como é o cozido do Chiringuito, em Campo de Ourique.

Para o almoço dominical no Chiringuito, no pico do inverno, há que reservar com imensa antecedência. Mas também há bambúrrios, desistências de última hora, para gente com sorte, como me aconteceu para o almoço de hoje, com o dono da casa a informar-me, horas antes, da vaga de uma mesa para quatro, como eu pretendia. 

O Chiringuito, convém dizê-lo a quem não conheça a casa, é muito mais do que o cozido do domingo. Nos outros dias, é um belo restaurante, num improvável espaço, onde é recriado um ambiente quase rústico, bastante acolhedor. Aconselho a que, em lugar de consultarem a carta de vinhos, os clientes se inspirem na prateleira do corredor entre as duas salas. Fica-se logo com uma imensa e sofisticada sede.

Notícias do caos

Tenhamos alguma esperança de que o resultado do referendo parisiense sobre as trotinetes urbanas acabe por ter também algum efeito por cá. O caos a que se assiste, neste domínio, na cidade de Lisboa configura um imenso escândalo. Quererá Carlos Moedas tentar um referendo?

Os cromos

Este blogue tem mais de catorze anos de publicações diárias. Estou certo que me creditarão alguma experiência no tratamento dos imensos comentadores que por aqui têm surgido, que deixaram mais de 70 mil comentários publicados. 

Alguns foram visitantes fugazes, outros mantêm-se por bastante tempo. Alguns são parcimoniosos na escrita, outros são prolixos nos comentários. Uns gostam daquilo que escrevo, outros não gostam. Uns são "de um lado", outros são "do outro". É assim que deve ser. 

Há, dentre os meus comentadores, um grupo, a que intimamente chamo os cromos, que acabam, um dia, por ver a porta de saída apontada. Acontece depois de um ciclo. 

Começam por uma linguagem crítica face àquilo que o autor do blogue propõe nos seus posts. Ora isso é sempre de estimular, porque, sem contraditório, mesmo forte, isto não tem a menor graça. Depois, adquirida que foi alguma "confiança", ensaiam tiradas cada vez mais agressivas, mais provocatórias, o que, dentro de um certo limite, até acho graça publicar, para surpresa de muitos. Finalmente, um escasso e muito pequeno grupo não consegue controlar, mantendo-se num registo de urbanidade, o facto de se sentir em contradição insanável com quase tudo o que escrevo. Gente desse núcleo, um dia, descamba e entra pelo insulto e - limite dos limites para mim, que sou, há que convir, o "dono da bola" - tem expressões de desrespeito, já de cariz pessoal, que não me apetece tolerar. Nos últimos dias, dois cromos, gente ácida e triste, foram mandados dar uma volta ao bilhar grande, como se diz na minha terra. 

O concerto da Júlia

Foi assim, depois do almoço de hoje. A pianista, com menos de 10 anos, chama-se Júlia.