Ao passar, ontem, num certo cruzamento de Viana, não pude deixar de lembrar-me do dia em que ouvi, há quase meio século, um comerciante local, amigo do meu pai, explicar como se empenhava em ajudar os turistas franceses que, nestes tempos de férias, atravessavam a cidade: "Ali, ao pé do Hotel Aliança, eu digo-lhes 'sempr'en frent' e eles nunca se enganam na estrada para a fronteira".
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domingo, julho 29, 2012
Esclarecimento
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sexta-feira, julho 13, 2012
Grandes e pequenos
Ontem, durante um almoço de trabalho de alguns embaixadores europeus com a nova presidente da Comissão de Negócios estrangeiros da Assembleia Nacional francesa, Elisabeth Guigou, falou-se, como recorrentemente acontece, do conceito de "países grandes" e de "países pequenos" na União Europeia, a propósito da necessidade da gestão europeia não aparecer dominada por qualquer "diretório" auto-assumido, que afaste alguns das decisões que a todos importam.
O meu colega luxemburguês, George Santer, com a sua proverbial boa disposição, que muita falta vai fazer em Paris, quando, daqui a dias, trocar esta capital por Berlim, citava alguém, dizendo que, em rigor, só há dois "grandes" países na Europa: "La Grande-Bretagne et le Grand-Duché du Luxembourg..."
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quarta-feira, julho 04, 2012
Verbos irregulares
Há quase dez anos, naquela que era então uma das duas livraria inglesas de Viena (hoje mesmo, em visita à cidade, constatei que já só há uma), deparei com um livro intitulado "Portuguese irregular verbs". A minha vocação para um conhecimento renascentista do mundo não vai ao ponto de me levar a interessar por um tema tão gramaticalmente especializado como aquele que o título indiciava. Mas a curiosidade de bibliófilo foi mais forte. E dou hoje graças por isso.
O livro, de Alexander McCall Smith, relata a divertida história (conto de memória) de um filólogo alemão que, com um zelo notável, terá empreendido um estudo aprofundado sobre tão escaldante temática. Segundo a novela, a edição do livro, em que espelhava toda a sua sabedoria sobre o assunto, não se terá consagrado num êxito estrondoso, se nisso descontarmos a satisfação proporcionada ao seu próprio ego. O estimado professor lusófilo, de que o volume acolhe pormenores deliciosos de um seminário passado na Índia, e cujo grande objetivo de vida era ser agraciado com uma condecoração portuguesa, tinha como hábito procurar saber do destino das escassas centenas de exemplares da edição da sua obra-prima. E, por essa razão, sempre que se deslocava a casa de um amigo, procurava perceber o destaque dado nas respetivas estantes ao seu monumental e volumoso estudo, incontroverso referencial sobre a matéria no mundo gramatical da lusofonia. E algumas desilusões teve. Complexa foi, porém, a sua relação com uma namorada, dentista de profissão, a quem, como era natural, oferecera um exemplar dedicado da sua tão estimada obra. O único imponderável foi, contudo, o facto desse laço afetivo se ter entretanto desfeito, com a antiga afeição, por vingança, a decidir destinar a utilização do volume como apoio para o seu pé, no arranque de dentes aos clientes.
Será que este divertido livro teve uma edição portuguesa? Não faço a mínima ideia.
sábado, fevereiro 25, 2012
Selassie
O anedotário popular português durante a ditadura era feito de pequenas historietas, que se pretendiam ridicularizadoras do regime e das suas figuras. Vistas à luz do humor de hoje, essas graças aparecem de uma inocuidade quase infantil. Mas, à época, repetidas à boca pequena nos empregos e nos cafés, constituiam-se como um subtil discurso de resistência, denegridor da seriedade formal com que as personagens do poder sempre gostam de se revestir.
Uma dessas historietas dizia respeito à visita a Portugal, em 1959, do imperador da Etiópia, Hailé Selassie. A visita, integrada numa frustrada sedução de líderes "do sul" para amenizar a pressão internacional sobre a política colonial portuguesa, processava-se cerca de um ano depois da grande "chapelada" eleitoral que havia colocado o contra-almirante Américo Tomaz no palácio de Belém. O sufrágio havia sido comprovadamente recheado de fraudes, o que, para muitos, terá inviabilizado a eleição do candidato opositor, o general Humberto Delgado. Por essa razão, a legitimidade política de Tomaz, como presidente, era, à época, ainda muito contestada em largos setores portugueses.
O Negus foi recebido no Cais das Colunas, em Lisboa, em "grande estadão", pelo novo presidente da República (não consegui encontrar uma foto conhecida desse encontro, com Tomaz de imponente bicórnio). E é assim que a pequena "história" regista o que teria sido o primeiro contacto entre os dois:
- Eu sou Américo Tomáz, presidente de Portugal.
- Eu Selassie (leia-se "sei lá se é)...
Ontem, ao verificar que a missão da troika vai passar a ser dirigida pelo etíope Abebe Selassie, não pude deixar de me lembrar da anedota. Com a certeza plena de que a curiosidade fonética do nome do novo "fiscal" não deixará de acordar entre nós, uma vez mais, o inesgotável e corrosivo poder do riso, qualidade essa que nunca ninguém nos conseguirá confiscar, por mais amarelo que ele possa andar, nos dias que correm.
domingo, dezembro 25, 2011
Anónimos
Não, este post não é sobre os prudentes comentadores deste blogue que, por modéstia, não nos privilegiam com os nomes e apelidos, obrigando-nos a um esforço de imaginação sobre quem poderá estar por detrás dos seus judiciosos textos.
A história é do tempo da velha Emissora Nacional e foi-me ontem contada por um amigo.
Uma locutora, com aquele serenidade das gerações em que a "locução ofegante" ainda não fizera escola e se não transformara em pandemia, apresentava uma obra de música clássica. Melhor: duas obras, que se iam suceder, na emissão, uma à outra. E, desta forma, iluminou os "senhores ouvintes":
- Seguidamente, senhores ouvintes, vamos ter oportunidade de ouvir uma obra musical de um anónimo do século XVIII. Logo de seguida, do mesmo autor, porque segundo a nota que aqui tenho é também de um anónimo, ouviremos uma outra sua obra. Esperemos que gostem.
sábado, dezembro 10, 2011
"Tina"
O "The Sun" não foi nada inventivo na sua primeira página de hoje. Num "remake" sem rasgo do celebre, insultuoso e eurofóbico título de Novembro de 1990, sobre Delors (que a proverbial decência deste blogue obriga a não repetir aqui) o tablóide saúda a atitude intransigente de David Cameron em Bruxelas, mas não deixa de alertar para um possível "backlash" detrimental para os interesses britânicos.
Nao estivesse a senhora Thatcher (ironicamente) com a doença do alemão e talvez repetisse ao seu sucessor o acrónimo de que tanto gostava quaando falava do capitalismo liberal: "tina" ("there is no alternative"). Palavra que, paradoxalmente mas noutro sentido, é verdadeira para todos os outros.
É a vida. Foi uma certa e breve Europa.
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quinta-feira, dezembro 08, 2011
Marti
O convite era interessante: para assistir, no CCB a um concerto da soprano Monserrat Caballé. Numa parte do espetáculo, seria acompanhada da sua filha, Monserrat Marti.
Alguns governantes de então, bem como figuras sociais, ficaram numa área reservada. No intervalo, no regresso aos lugares, estava a cena preste a reabrir-se, veio à conversa, no grupo, a questão de saber de onde viria o nome "Marti", da filha de Caballé.
Pensando fazer uma graça que logo daria lugar a algumas gargalhadas, pelo ridículo da sugestão, adiantei:
- Deve ter sido o resultado de algum "caso" entre a Monserrat Caballé e o revolucionário cubano José Marti...
À minha volta, fez-se um silêncio reverente, prenhe de respeito pelo meu "conhecimento" histórico e biográfico. José Marti viveu no século XIX, tendo morrido em 1895.
De todos os presentes, apenas Manuel Maria Carrilho fez um largo e culto sorriso de gozo. E eu entrei em silêncio, porque há muito já aprendi que é muito sério brincar com a ignorância.
quarta-feira, outubro 05, 2011
Não enche!
Figura muito conhecida do mundo da banca e da finança do Brasil, desaparecida há uma década, Walter Moreira Salles, que também foi embaixador em Washington, era uma personalidade convivial e conhecida como simpática e de acesso fácil. Por isso, não terá estranhado quando, numa casa de banho de um restaurante, alguém se aproximou e lhe fez um pedido algo bizarro:
- O senhor podia fazer-me um grande favor! Sou empresário e estou ali numa mesa com clientes. Nem imagina quanto me ajudaria se, à passagem, pudesse dar um sinal de que me conhece. Se eles percebessem que sou conhecido de Walter Moreira Salles isso aumentaria, de imediato, o meu prestígio.
Salles terá achado a ideia, se bem que estranha, bastante inóqua. Pelo que anuiu, perguntando o nome do homem. Minutos depois, ao passar pela mesa onde o seu "conhecido" já tinha entretanto regressado, lançou:
- Olá, João. Como vai você, meu amigo?
A reação é que não foi a esperada. O João olhou para Salles "do alto", como se ele estivesse a importunar a conversa profissional, e respondeu:
- Waltinho, não enche, tá?!
Dois amigos brasileiros, cada um a seu modo, contaram-me esta historieta, há dias. Acho-a um belo exemplar da caridade não reconhecida.
sexta-feira, agosto 19, 2011
Feiras
Num debate na Assembleia da República, o líder do CDS/PP tinha feito uma crítica a alguns aspetos da presidência portuguesa da União Europeia que então decorria, nesse início do ano de 2000, em que eu tinha alguma responsabilidade na matéria. Não era nada de muito radical, mas apenas o tom habitual dos partidos de oposição, que sempre procuram certos "nichos" de divergência pontual, mesmo quando subscrevem, por razões de Estado, o essencial da ação do governo na área externa. Como era o caso.
Nesse seu discurso, a que o primeiro-ministro estava a dar resposta aos temas substantivos, o líder oposicionista tocara, em moldes que recordo críticos, a questão da distribuição geográfica das reuniões europeias que a presidência portuguesa estava a realizar pelo país, como era habitual nesses longínquos tempos em que os Estados membros ainda pesavam alguma coisa no exercício das presidências semestrais. Já não recordo bem, mas talvez porque Aveiro não estivesse nesse mapa...
Da bancada do governo, fiz então chegar, discretamente, àquele lider partidário uma pequena nota manuscrita, que dizia basicamente o seguinte: "Achei muito injusta a sua crítica ao mapa de reuniões comunitárias no território português. Com efeito, deve ter notado que a cimeira final da presidência portuguesa está marcada para uma determinada cidade, num gesto que pretende ir ao encontro daquilo que se sabe ser objeto de um carinho especial da sua parte. Não foi por acaso que escolhemos Santa Maria da ... Feira!".
Não deixarei de perguntar ao meu atual ministro se se lembra da gargalhada sonora que deu ao ler a minha nota, para imensa perplexidade de deputados de várias bancadas e dos meus colegas de governo.
quinta-feira, agosto 18, 2011
Prestígio
A pequena história que anteontem contei, sobre um percalço familiar de um meu conterrâneo, suscitou algumas indignações femininas. Nada de que se não estivesse à espera!
Isto acicatou, devo dizer, o meu pendor para, neste tempo "light" estival, provocar o "politicamente correto" e trazer à memória uma outra historieta, de que há muito ouvi falar.
Tratava-se de um cavalheiro, bem apessoado, figura de elevado nível na administração pública de Vila Real, o qual, por razões funcionais, era obrigado a deslocar-se "lá baixo", a Lisboa, com alguma regularidade. Nesses tempos dos anos 60, essas viagens eram longas, obrigando a estadas de mais do que uma noite.
Um dia, uma amiga da mulher desse oficioso viajante perguntou-lhe:
- Ouve lá! Tu não achas que o teu marido, com todas essas viagens a Lisboa, não pode ser tentado a ter por lá algum "caso"?
A senhora, pessoa serena e muito educada, respondeu-lhe:
- Sabes?, se calhar tens razão. Mas se há coisa que eu não posso controlar é isso. Ele fica lá por Lisboa no Suíço-Atlântico e tudo pode acontecer. Mas, olha!, se alguma coisa ocorrer, ao menos tenho a esperança de que ele não faça "fracas figuras"...
Estou certo que mesmo as mais empedernidas feministas do meu "quadro" de comentadores não deixarão de achar tocante esta preocupação com o prestígio familiar.
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quarta-feira, agosto 17, 2011
Tecnologias
Aqui deixo uma breve historieta da minha terra, verídica, para elevar a boa disposição ao nível dos "spreads".
O homem tinha partido de regresso a casa, pela tardinha. A certa altura, foi seduzido por alguma "fruta" (o termo é de raiz futebolística nortenha, para quem não saiba) humana que se oferecia à beira da estrada. Parou, negociou e, antes do resto, telefonou à mulher, informando-a de que um compromisso de última hora o impedia de ir jantar.
E lá foi, acompanhado, para a mata próxima. Horas depois, chegado a casa, foi recebido pela cara metade de caçadeira na mão. A tragédia foi evitada, a custo, por familiares. O que acontecera? O nosso homem esquecera-se de desligar o telemóvel, depois da chamada para a esposa, que assim teve o "privilégio" de ouvir o "relato" ao vivo do recreio do cônjuge.
Vi-o hoje, feliz da vida.
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terça-feira, agosto 02, 2011
Título
- Tu sabias que ele é um aristocrata?
- Quem, aquele tipo? Não fazia ideia.
- É. Deve ser por isso que chegou atrasado.
- Porquê?
- O homem nunca utiliza auto-estradas, vem sempre por estradas antigas.
- Mas não utiliza auto-estradas para poupar dinheiro?
- Não. É que um dia assustou-se quando viu, na entrada de uma auto-estrada, "Retire o título"...
- Quem, aquele tipo? Não fazia ideia.
- É. Deve ser por isso que chegou atrasado.
- Porquê?
- O homem nunca utiliza auto-estradas, vem sempre por estradas antigas.
- Mas não utiliza auto-estradas para poupar dinheiro?
- Não. É que um dia assustou-se quando viu, na entrada de uma auto-estrada, "Retire o título"...
sábado, julho 30, 2011
Passos perdidos
Café de S. Bento. Fragmentos de um discurso ocioso.
- É incrível, o tipo lá conseguiu ser eleito outra vez deputado. Na legislatura anterior, não abriu o bico. Nem nas comissões! E põem-no outra vez nas listas. É um escândalo!
- É preciso dar tempo ao tempo. Consta até que já está a preparar um projeto de lei.
- Não acredito! É um calaceiro. Não é capaz de apresentar nada. Que lei é?
- A lei do menor esforço...
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sexta-feira, julho 29, 2011
A revisão da Constituição
A conversa estava solta e animada. Na sala daquela família burguesa da Foz portuense, discutia-se, entre amigos, a situação política decorrente das recentes eleições. Não havia grandes diferenças ideológicas entre os presentes, todos favoráveis aos "novos ventos". A certo passo, veio à baila o tema da revisão da Constituição. Revelavam-se divergentes as opiniões sobre o interesse de, nesta fase da vida política nacional, introduzir um debate que, segundo alguns, poderia abrir clivagens indesejáveis no seio novo espetro parlamentar. Outros, mais radicais, consideravam, precisamente, que era importante aproveitar a nova relação de forças para acabar com o que consideravam ser os "anacronismos" existentes no texto fundamental, ainda muito tributário dos tempos revolucionários dos anos 70.
O David era um dos membros da família a quem estas coisas da política pouco diziam. Com quase quarenta anos, sabia-se que o seu voto havia sido sempre no lado conservador, com variações de partido, mas raramente dava uma opinião sobre esses temas. As "guerras" em que se metia, como feroz portista que era, situavam-se, maioritariamente, no futebol. A mais recente tinha a ver com a "traição" do Villas Boas, que trocara o Dragão por Stamford Bridge. Aí sim, era um radical impenitente.
Por isso, todos estranharam que, ao passar da varanda para a sala, em busca de uma cervejas, tivesse lançado, para o grupo: "Pois eu, cá por mim, sou favorável a que se façam mudanças na Constituição". E logo saíu, em direção à cozinha, sem dar mais pormenores sobre as suas opções concretas na matéria. Todos se entreolharam, estranhando esta inesperada tomada de posição, tanto mais que o David não participara em nenhuma fase da conversa, onde se tinham abordado as questões laborais e de saúde. Ninguém ligou muito.
Minutos depois, o David reapareceu, sobraçando umas cervejas e alguém perguntou: "Ó David, diz lá então o que é que gostarias que mudasse na Constituição".
O David parou junto à saída para a varanda, refletiu um instante e adiantou: "Olhem! Para já, acho que deviam fazer uma rotunda no cruzamento com a Oliveira Monteiro. Assim como está é muito perigoso".
O David parou junto à saída para a varanda, refletiu um instante e adiantou: "Olhem! Para já, acho que deviam fazer uma rotunda no cruzamento com a Oliveira Monteiro. Assim como está é muito perigoso".
Esta história, com poucas semanas, foi-me contada por amigos do Porto, onde se situa a rua da Constituição. E quase só tem graça para eles. Mas ela aqui fica, nestas minha férias nortenhas.
Despedidas
Estão na moda as despedidas da escrita antiga, agora que o Acordo Ortográfico vai, contra ventos, marés e Graças Mouras, entrar definitivamente em vigor.
Ontem, chegou-me este delicioso texto:
"Quando eu escrevo a palavra ação, por magia ou pirraça, o computador retira automaticamente o c na pretensão de me ensinar a nova grafia. De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais na língua portuguesa.
Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim.
São muitos anos de convívio. Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes cês e pês me acompanharam em tantos textos e livros desde a infância. Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da professora: não te esqueças de mim!
Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí. E agora as palavras já nem parecem as mesmas. O que é ser proativo? Custa-me admitir que, de um dia para o outro, passei a trabalhar numa redação, que há espetadores nos espetáculos e alguns também nos frangos, que os atores atuam e que, ao segundo ato, eu ato os meus sapatos.
Depois há os intrusos, sobretudo o erre, que tornou algumas palavras arrevesadas e arranhadas, como neorrealismo ou autorretrato. Caíram hifenes e entraram erres que andavam errantes. É uma união de facto, para não errar tenho a obrigação de os acolher como se fossem família.
Em 'há de' há um divórcio, não vale a pena criar uma linha entre eles, porque já não se entendem. Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, os és passaram a ser gémeos, nenhum usa chapéu. E os meses perderam importância e dignidade, não havia motivo para terem privilégios, janeiro, fevereiro, março são tão importantes como peixe, flor, avião. Não sei se estou a ser suscetível, mas sem p algumas palavras são uma autêntica deceção, mas por outro lado é ótimo que já não tenham.
As palavras transformam-nos. Como um menino que muda de escola, sei que vou ter saudades, mas é tempo de crescer e encontrar novos amigos.
Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do cê não me faça perder a direção, nem me fracione, nem quero tropeçar em algum objeto abjeto. Porque, verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser atual nem atuante com um cê a atrapalhar."
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quarta-feira, julho 20, 2011
Despedida do trema
Anteontem, falou-se aqui do Acordo ortográfico. Hoje vou falar do trema.
Há muito que, em Portugal, o trema - esses dois pontinhos sobre certos "u", para obrigar a pronunciá-los isoladamente - deixou de existir. Mas, no Brasil, só agora, com a implementação do Acordo Ortográfico (é verdade, no Brasil também mudam algumas coisas...), o trema vai desaparecer. E, nesse país, resolveu despedir-se com uma bela carta, que me chegou e que reproduzo:
Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema. Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüíferos, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüenta anos. Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente estou fora. Fui expulso para sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!... O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio... A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. O dois pontos disse que eu sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé. Até a cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cara de pau que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra. E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I. Desesperado, tentei chamar o ponto final para trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões.... A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K e o W, "Kkk" pra cá, "www" pra lá. Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que aliás, deveria se chamar TÜITER. Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou "tremendo" de medo. Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas.E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar!... Nós nos veremos nos livros antigos. Saio da língua para entrar na história. Adeus,
Há muito que, em Portugal, o trema - esses dois pontinhos sobre certos "u", para obrigar a pronunciá-los isoladamente - deixou de existir. Mas, no Brasil, só agora, com a implementação do Acordo Ortográfico (é verdade, no Brasil também mudam algumas coisas...), o trema vai desaparecer. E, nesse país, resolveu despedir-se com uma bela carta, que me chegou e que reproduzo:
Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema. Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüíferos, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüenta anos. Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente estou fora. Fui expulso para sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!... O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio... A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. O dois pontos disse que eu sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé. Até a cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cara de pau que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra. E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I. Desesperado, tentei chamar o ponto final para trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões.... A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K e o W, "Kkk" pra cá, "www" pra lá. Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que aliás, deveria se chamar TÜITER. Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou "tremendo" de medo. Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas.E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar!... Nós nos veremos nos livros antigos. Saio da língua para entrar na história. Adeus,
TREMA
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quarta-feira, junho 22, 2011
Humor político
Uma excelente iniciativa francesa é o prémio anual "Press Club humour et politique", que consagra "bon mots" de figuras públicas.
O vencedor este ano foi o antigo primeiro-ministro socialista Laurent Fabius, premiado por esta frase: "Mitterrand é hoje adulado, mas ele já foi o homem mais detestado de França. O que não deixa de constituir alguma esperança para muitos de nós...".
O vencedor este ano foi o antigo primeiro-ministro socialista Laurent Fabius, premiado por esta frase: "Mitterrand é hoje adulado, mas ele já foi o homem mais detestado de França. O que não deixa de constituir alguma esperança para muitos de nós...".
Veja-se esta de Nathalie Artaud, candidata trotskista da Lutte Ouvrière às próximas eleições presidenciais, que afirmou: "Eu talvez não seja eleita presidente da República, mas não serei a única".
Notável também foi o dito do antigo ministro chirarquiano da Cultura, Renaud Donnedieu de Vabres: "Passar de ministro a passeador do nosso cão supõe um enorme trabalho sobre nós mesmos".
Uma das minhas preferidas é, porém, a frase de Patrick Devedjian, cujo futuro político parecia ameaçado pelos muitos inimigos que criou e que acabou por ter um resultado surpreendente nas últimas eleições cantonais: "Havia tanta gente no meu enterro que eu decidi não estar presente".
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Política francesa
quarta-feira, junho 08, 2011
"Tard"
Há dias, em Portugal, um amigo surpreendeu-se quando eu lhe disse que o mundo operário francês começou a aparecer designado, desde há alguns anos, como "la France qui se lève tôt", para sublinhar a penosa condição da sua vida quotidiana.
Vi-o matutar um pouco sobre a frase para, instantes depois, comentar:
- Eu, cá por mim, pertenço ao "Portugal qui se lève tard...".
E, depois, ainda se queixam das "bocas" anti-sulistas dos alemães...
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Notas soltas
sexta-feira, junho 03, 2011
Astérix em mirandês
Um amigo bem nortenho, fez o favor de me enviar o "Le grand fossé", um belo álbum das aventuras de Astérix (e Obelix, não esqueçamos!), numa edição limitada, em língua mirandesa ("L galaton").
Igualmente me ofereceu, editada igualmente em mirandês, a banda desenhada "Os Lusíadas" ("Ls Lusíadas), com o clássico traço de José Ruy.
Os mirandês está bem e recomenda-se!
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Livros
quarta-feira, dezembro 22, 2010
Nomes
A carreira diplomática portuguesa é, de há muito, uma escola de convivência bem disposta, onde se trocam graças, "nicknames" e humor, este às vezes um pouco ácido, na maioria dos casos inóquo. É com essa ironia que se conserva um ambiente e uma "cultura" muito próprios, que alguns não entendem, que outros invejam.
Quando entrei para a carreira, ouvi histórias ligadas a dois "nomes", que nunca esqueci. Diziam respeito a colegas antigos, figuras respeitadas da nossa profissão. Só conheci pessoalmente o primeiro.
Quando entrei para a carreira, ouvi histórias ligadas a dois "nomes", que nunca esqueci. Diziam respeito a colegas antigos, figuras respeitadas da nossa profissão. Só conheci pessoalmente o primeiro.
Esse primeiro era o embaixador Braga Condé, trasmontano como eu. Qual era a graça que lhe dizia respeito? Era o facto de alguns colegas, ao referirem-se-lhe, falarem do "nosso colega Draga". Porquê "Draga"? Porque era "Braga com 'dê'..."
A outra história refere-se a Carlos Lemonde de Macedo, que não julgo ter conhecido. Ao que me dizem, dado tratar-se de alguém de pendor bastante conservador, havia colegas que se lhe referiam como "Carlos Le Figaro de Macedo"...
Sem a ironia, a diplomacia tem muito menos graça!
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