Ao final da tarde de hoje, vou estar presente numa cerimónia oficial em que, por razões que não vêm ao caso, terei de usar, na lapela, a insígnia da Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, distinção com que orgulhosamente fui distinguido, há bem mais de uma década. Trata-se da mais elevada condecoração, na ordem e no grau, que, como servidor público, eu poderia ter recebido - a menos que, patetamente, me considerasse merecedor da Torre e Espada...
Um dia, em França, onde sair à rua sem a condecoração mais elevada que se possua é quase um ato de descortesia cívica, decidi colocar na “boutonnière” a insígnia dessa minha condecoração portuguesa. Fi-lo a título excecional, porque, em regra, usava o Grande-Oficialato da Ordem do Mérito francês, que me foi atribuída em 1986 - e que, à vista de um “maître” de restaurante, sempre me garante logo uma excelente mesa... Mas, nesse dia, por uma qualquer razão, decidi “pôr o cristo”, como no jargão diplomático se diz.
Entrei numa cerimónia pública francesa com roseta vermelha sobre uma fita amarela na lapela da Grã-Cruz de Cristo e reparei que as pessoas olhavam para mim com um ar estranho, entre o surpreendido e o perplexo. Foi então que um amigo, o embaixador polaco em França, um homem que havia sido chefe do Protocolo no seu país e, por essa razão, muito conhecedor dessa coisas, me observou, discretamente: “Francisco, você não deve usar essa sua Grã-Cruz da Ordem de Cristo em França, como sabe...”
Como dizem os brasileiros, nesse instante, “caiu a ficha”! Ele tinha toda a razão! Há mesmo uma legislação francesa, do século XIX, que proibe a exibição pública, no território francês, das insígnias da Ordem de Cristo portuguesa e da Ordem de Cristo da Santa Sé. Eu sabia disso, mas tinha-me esquecido!
Porque é que isso acontece? Por um motivo simples: essas condecorações são exatamente iguais, no tocante à roseta usada na “boutonnière”, à “Légion d’Honneur”, a mais alta condecoração francesa. E porque, em França, quem usar indevidamente condecorações está sujeito a uma potencial prisão, as distinções similares estrangeiras estão banidas. É claro que, cono embaixador, eu nunca poderia ser preso em França, mas, no limite teórico, poderia ser considerado “personna non grata”. se persistisse em usar publicamente a Ordem de Cristo portuguesa.
Retrospetivamente, posso imaginar o que pensou quem me viu com aquela condecoração: como era completamente implausível que eu tivesse a Grã-Cruz da Légion d’Honneur (até hoje, só vi os presidentes da República francesa usarem-na, porque é de atribuição raríssima!), devem ter julgado que estavam a ver mal ou que eu estava a usar um elemento decorativo de muito mau gosto. Fiquei contente, assim, com o aviso do meu amigo polaco.
Contava-se nas Necessidades que, um dia, a um importante diplomata português foi perguntado pelo embaixador francês, numa receção em Lisboa, se a condecoração que ele exibia era a Ordem de Cristo, embora num grau mais baixo do que a Grã-Cruz. O nosso diplomata, "modesto", terá respondido: "Non! Ce n'est que la Légion d'Honneur"!" (é apenas a "Légion d'Honneur")