Cada vez mais tenho a sensação de que parte da rigidez que Bruxelas está a indiciar, quando à trajetória proposta para o défice estrutural português, a projetar do OGE2016, se deve muito à indecisão sobre a situação política que se vive em Espanha.
As instâncias comunitárias podem estar a temer que uma qualquer flexibilidade indiciada no caso português possa, na hipótese de um governo de esquerda se implantar em Madrid, vir a "adubar" um orçamento espanhol "ambicioso" para 2017. E com Renzi, na Itália, a começar a "levantar a garimpa", vislumbram uma onda do Sul, que sabemos que sempre desvaria a ortodoxia tradicional do Norte. Acresce que Espanha e Itália representariam sempre incumensuravelmente mais do que o caso português.
Vale a pena lembrar que o conceito de "défice estrutural" foi colocado como critério, no discurso condicionante europeu, pelo Tratado Orçamental, um acordo imposto à pressa à Europa num tempo de desregulação dos mercados, e cujas regras vieram a cumular-se às do Pacto de Estabilidade e Crescimento que fora, à partida, o referencial único para a presença dos Estados na zona euro. É verdade que o TO foi aceite por todos e por todos deve ser respeitado até que, eventualmente, venha a ser revisto. Esse respeito não exclui, como já não excluiu para imensos paìses a aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento, a possibilidade de derrogações pontuais das regras, atendendo a situações específicas detetadas. Por isso é que há sempre lugar a um diálogo com a Comissão Europeia. Estranha-se, contudo, que se tenham atenuado na Europa as vozes no sentido de lançar o debate sobre a revisão do TO, tanto mais que estão hoje mais claros do que nunca alguns efeitos assimétricos nefastos da sua aplicação.
Não conhecendo, naturalmente, pormenores das negociações entre Lisboa e Bruxelas, devo dizer que me sinto muito confortável com a serenidade que o governo tem vindo a demonstrar no tratamento público da questão.
Só lamento - mas confesso que não fico surpreendido - que a oposição de direita esteja a procurar limitar internamente, sabendo que isso tem impactos externos inevitáveis (nomeadamente no alarme nas agências de notação), a margem negocial de manobra europeia do executivo, esquecendo que qualquer flexibilidade que agora fosse possível obter representaria um aliviar dos sacrifícios que o povo português suporta. Ou será que teme que venha a provar-se que era possível fazer melhor do que o "lindo serviço" que fizeram?