segunda-feira, maio 01, 2023

O cheiro


Parece que a Ovibeja anda na moda. Ao que li, este ano, o governo não foi convidado para lá ir. A CAP, que parece que não gosta da ministra da Agricultura, terá deixado entender que a senhora não seria bem vinda. No entanto, como a CAP acha que aposta no futuro, entendeu por bem convidar o líder da oposição. Não, não convidou André Ventura, optou pelo "next best", por Luís Montenegro. Ah! E o presidente da República também lá esteve.

Sou pouco dado a cenas rurais, mas, imaginem!, até eu já fui à Ovibeja. É verdade. Há um quarto de século. Tinha estado numa visita oficial à Polónia, a acompanhar António Guterres, e, no regresso, ele disse-me: "Não vamos diretos para o  aeroporto de Figo Maduro. Antes, você vai ter que ir comigo à Ovibeja". 

E o Falcon, em que vínhamos de Varsóvia, lá foi aterrar ao famoso aeroporto de Beja. (A vida é estranha em coincidências: há quatro dias, também num voo que não era de carreira comercial, também vim de Varsóvia, mas para o aeroporto de Tires). Passei assim a fazer parte da restrita lista de pessoas que alguma vez na vida aterrou no aeroporto de Beja. Não guardei o diploma.

À chegada a Beja, esperava-nos o então ministro da Agricultura, Fernando Gomes da Silva. A CAP gostava tanto de Gomes da Silva como gosta da atual ministra. Isto é, muito pouco. E lá fomos os três para a Ovibeja. Aquela visita ficou-me na memória olfativa e auditiva. 

Olfativa porque uma feira de gado é um inigualável deslumbre para as pupilas. Entre bois, vacas, cabras, cavalos e porcos, pelo menos, venha o diabo e escolha o cheiro. Mas aquela foi também uma feira auditiva, porque, para além dos óbvios grunhidos que compõem o som ambiente, teve lugar, a certo passo, uma pequena cerimónia onde António Guterres e o então líder da CAP tomaram a palavra. Nesse momento formal, num palanque, fiquei colocado entre o agricultor-mor de serviço e o Fernando Gomes da Silva. 

Enquanto o homem da CAP se queixava ao primeiro-ministro, com palavras fortes, da ação do Ministério da Agricultura, Gomes da Silva (lembras-te, Fernando?) emitia, ao meu ouvido, sonoras imprecações, reagindo às críticas, às quais, contudo, não ia poder responder. Como a sua voz está muito longe de ser inaudível, fiquei com a nítida sensação de que o líder da lavoura devia estar a tomar nota daqueles pesados comentários. Eu, colocado no meio geográfico do potencial dissídio físico, cheguei a temer o pior.

Já bem ao final da noite, quando, finalmente, conseguimos chegar a Lisboa, e ainda antes de ir para casa, decidi ir beber um copo ao Procópio. Sentei-me na "Dois" e o Nuno (Brederode dos Santos) logo reagiu: "Estás a cheirar a qualquer coisa esquisita!". Expliquei que tinha estado numa feira de pecuária e que devia ser um odor a gado. Ele simplificou: "A mim cheira-me a merda, desculpa lá!"

25 anos depois, o Nuno continua a ter razão. A mim também me cheira.

8 comentários:

amadeu moura disse...

Chapeau! Boa maneira de festejar o 1º de maio!

Verdade se diga, onde paira a CAP cheira a bosta...

Anónimo disse...

Durante alguns anos fui à feira de Agricultura em Paris que é gigantesca; na seccção dos animaizinhos, efectivamente, o cheiro insuportável é a m... dos ditos, nem com máscara
se evita o odor, mas os franceses devem estar habituados; por alguma razão inventaram os perfumes!

Flor disse...

Nunca fui a Ovibeja. Fui uns anos seguidos á feira de agricultura de Santarém. Nunca senti esses odores talvez que a maior parte dos animais encontra-se ao ar livre. Eu gostava imenso de ver os animais e depois passar pelas tasquinhas.

Unknown disse...

Disse "Sou pouco dado a cenas rurais, mas, imaginem!, até eu já fui à Ovibeja." E "Já bem ao final da noite, quando, finalmente, conseguimos chegar a Lisboa, e ainda antes de ir para casa, decidi ir beber um copo ao Procópio. Sentei-me na "Dois" e o Nuno (Brederode dos Santos) logo reagiu: "Estás a cheirar a qualquer coisa esquisita!". Expliquei que tinha estado numa feira de pecuária e que devia ser um odor a gado. Ele simplificou: "A mim cheira-me a merda, desculpa lá!""

O que diz não o enaltece, conforme eu esperaria da sua pessoa, que admirava. É com muita pena minha que um embaixador não esteja familiarizado com a economia do seu País. Como nos pode defender/representar/implementar negócios, lá fora, como pode desempenhar o seu papel? Enalteço o Eng. António Guterres pela iniciativa, é pena que alguns dos nossos representantes falem de forma depreciativa sobre o que somos e a economia que temos. É pena que não se lembrem disso nas suas necessidades básicas diárias (vulgo alimentação) e nos momentos em que desenvolvam as tarefas para a qual são pagos pelos produtores de "bois, vacas, cabras, cavalos e porcos, pelo menos".
Já sei que retoricamente falando não terei grande hipótese de o refutar mas espero que, ao menos, reflita sobre as suas opiniões.

Unknown disse...

Seriam os sapatos!

Francisco Seixas da Costa disse...

Do "desconhecido" (anónimo, claro) que escreveu o comentário, insultuoso, sobre o relato irónico que escrevi neste post, pessoa que, seja lá quem ela for, não recebo lições de empenhamento, por muitos anos, na defesa dos interesses da nossa agricultura, aconselharia que, na pequena caixa no alto, à esquerda, escrevesse as iniciais "PAC" ou "Agricultura" e fizesse uma pesquisa. Talvez isso o faça pensar.

JFM disse...

Já lá passei pelo menos uma vez.
Este ano foi só pela televisão, mas querem acreditar que quando vi as personagens com os bigodes do outro em decor foi um leve cheiro a isso que me ocorreu espontaneamente.

Sérgio Nunes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...