Ontem, no comemoração do dia nacional de uma grande potência, tive ocasião de comprovar, uma vez mais, que, na ordem internacional, sendo todos os países juridicamente iguais, alguns há que são bem mais "iguais" do que outros.
As festas nacionais dos países mais importantes estão sempre, um pouco por todo o mundo, recheadas de atuais ou antigas estrelas políticas (do governo e oposição), empresariais e até culturais, desejosas de aproveitar o melhor possível esses momentos, testemunhando com a sua presença o interesse por Estados que sabem relevantes à escala global, com os quais, por exemplo, os melhores negócios se fazem. Além disso, tais ocasiões acabam também por ser "social gatherings", para contactos e, vá lá!, também para alguns serem vistos, fotografados para revistas e relevados perante os "olheiros" avaliadores da hierarquia social. Esses são também momento áureos para o infernal bando dos "pique assiettes", que mendigam convites e sempre avançam, socialmente famélicos, sobre as mesas das vitualhas e bebidas.
Numa cidade como Paris, onde há quase centena e meia de embaixadas ou representações internacionais (no meu caso, somadas às muitas outras que atuam junto da UNESCO), e porque têm muito mais que fazer, os próprios diplomatas acabam por ser obrigados a fazer uma criteriosa seleção dos eventos a que esforçadamente comparecem. Aqui entre nós que ninguém nos lê, para os diplomatas com maior rodagem, os cocktails representam, regra geral, longos minutos de padecimento, de conversas sem particular objeto nem grande sentido, para além dos temíveis efeitos dietéticos ou hepáticos, para quem se não souber controlar. Aqui ou ali, é verdade, encontra-se nessas ocasiões alguém de interesse, a quem se aproveita para passar alguma mensagem ou perguntar alguma informação, sendo que isso tem de ser feito em rápidos segundos, porque logo nos cai em cima um outro conviva, que introduzimos ao primeiro através do já clássico "não sei se já conhece...?" (eu deixo quase sempre os nomes em suspenso, esperando que ambos se apresentem, não vá ter uma "branca" com a identificação de um deles). A melhor "técnica" é, instantes depois, deixar os dois recém-apresentados à fala e, pretextando uma qualquer razão, zarpar logo para outra, tendo a porta de saída como supremo objetivo a atingir.
Desde há muitos anos que, cada vez mais, sou uma avis rara neste tipo de ocasiões, que frequento com grande parcimónia. Dou atenção prioritária a países com especiais relações com Portugal e, às vezes, às amizades mantidas com alguns chefes de missão. Mas, devo dizer, com muito maior probabilidade me desloco a uma festa nacional de um pequeno país africano ou asiático, de um minúsculo Estado caribenho ou centro-americano, ou mesmo de uma remota ilha do Pacífico, do que sou visto na imensa mole humana que se acotovela nas escadarias de acesso às festas dos grandes países, que por aqui sempre convocam o "tout Paris".
Esclareço que, para além de assumir esta minha atitude com o prazer de ajudar a que colegas de Estado menos populares vejam a sua ocasião social menos "desertificada", não me é indiferente o facto da minha presença acabar por ser bastante apreciada e notada, não raramente atenuando a tristeza de verem a sua festa quase vazia. Por vezes, tive já tal atitude retribuída com uma atenção particular quando interesses portugueses estiveram em jogo, quando, mais tarde, tive demandas a fazer a esses colegas no plano das nossas relações bilaterais ou a solicitação de votos em organizações internacionais.
A diplomacia social é um tema muito mais interessante do que frequentemente se julga.