sábado, julho 12, 2025

Falemos então da velhice, através de Philippe Noiret


"Il me semble qu'ils fabriquent des escaliers plus durs qu'autrefois. Les marches sont plus hautes, il y en a davantage. En tout cas, il est plus difficile de monter deux marches à la fois. Aujourd'hui, je ne peux en prendre qu'une seule.

A noter aussi les petits caractères d'imprimerie qu'ils utilisent maintenant. Les journaux s'éloignent de plus en plus de moi quand je les lis : je dois loucher pour y parvenir. L'autre jour, il m'a presque fallu sortir de la cabine téléphonique pour lire les chiffres inscrits sur les fentes à sous.

Il est ridicule de suggérer qu'une personne de mon âge ait besoin de lunettes, mais la seule autre façon pour moi de savoir les nouvelles est de me les faire lire à haute voix - ce qui ne me satisfait guère, car de nos jours les gens parlent si bas que je ne les entends pas très bien.

Tout est plus éloigné. La distance de ma maison à la gare a doublé, et ils ont ajouté une colline que je n'avais jamais remarquée avant.

En outre, les trains partent plus tôt. J'ai perdu l'habitude de courir pour les attraper, étant donné qu'ils démarrent un peu plus tôt, quand j'arrive.

Ils ne prennent pas non plus la même étoffe pour les costumes. Tous mes costumes ont tendance à rétrécir, surtout à la taille.

Leurs lacets de chaussures aussi sont plus difficiles à atteindre.

Le temps lui-même, change. Il fait froid l'hiver, les étés sont plus chauds. Je voyagerais, si cela n'était pas aussi loin. La neige est plus lourde quand j'essaie de la déblayer. Les courants d'air sont plus forts. Cela doit venir de la façon dont ils fabriquent les fenêtres aujourd'hui.

Les gens sont plus jeunes qu'ils n'étaient quand j'avais leur âge.

Je suis allé récemment à une réunion d'anciens de mon université, et j'ai été choqué de voir quels bébés ils admettent comme étudiants. Il faut reconnaître qu'ils ont l'air plus poli que nous ne l'étions ; plusieurs d'entre eux m'ont appelé monsieur ; il y en a un qui s'est offert à m'aider pour traverser la rue.

Phénomène parallèle : les gens de mon âge sont plus vieux que moi. Je me rends bien compte que ma génération approche de ce que l'on est convenu d'appeler un certain âge, mais est-ce une raison pour que mes camarades de classe avancent en trébuchant dans un état de sénilité avancée ?

Au bar de l'université, ce soir-là, j'ai rencontré un camarade. Il avait tellement changé qu'il ne m'a pas reconnu."

O Nobel do ridículo


Ver aqui.

sexta-feira, julho 11, 2025

A festa pouco alegre dos BRICS


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Os parvos e os outros

Ao ver a imensidão de baixas médicas dos guardas prisionais, que hoje emulam com garbo as de muitos outros setores da função pública, lembrei-me que, em 42 anos de funcionário do Estado, devo ter "metido baixa" menos de uma dúzia de vezes. "Não tivesses sido parvo", imagino alguns a pensar.

Esquerda e direita

Não há grandes diferenças entre a esquerda e a direita? Há um século, um filósofo francês escrevia: "l’homme qui pose cette question n’est certainement pas un homme de gauche". Olhe-se a questão da privatização total da TAP é aí têm a prova provada da falsidade da ideia.

A lata

A carta de Trump a Lula, anunciando direitos aduaneiros sobre os produtos brasileiros, pelo facto da democracia brasileira estar prestes a condenar um ex-presidente golpista, vai ficar na história da infâmia diplomática. Trump tem uma imensa "vantagem": tem uma lata estanhada.

Denunciar

Há por aí quem procure aterrorizar os incautos, espalhando a ideia de que criticar as ações de Israel e defender abertamente os direitos dos palestinos equivale a ser anti-semita e até pró-terrorista. É preciso denunciar abertamente esta miserável falcatrua argumentativa. 

Desaguisado

Trump parece ter perdido a paciência com Putin. Putin terá alienado a boa vontade que Trump sempre lhe tinha dedicado. Há histórias de amizades rompidas bem mais interessantes, mas poucas com tantas consequências geopolíticas como esta. Os próximos capítulos vão ter graça.

O "espião" saído do quente


Há tempos, numa visita de trabalho a Luanda, ao olhar a baía do quarto do hotel onde estava hospedado, o meu olhar cruzou-se com aquela varanda. Era no andar de topo de um prédio não muito alto, que hoje se vê bastante degradado, num largo que dava para a 4 de fevereiro, a avenida marginal.

Nos anos 80, ali moravam uns amigos que, por vezes, nos convidavam. O dono da casa era português, a sua mulher era de uma das famílias mais conhecidas de Angola. Eram sempre ocasiões divertidas, no calor da noite, com música, grandes conversas, a comida e a bebida que podia haver, com a fantástica generosidade dos angolanos como pano de fundo.

Os tempos não iam fáceis para as relações políticas entre Portugal e Angola, mas tenho a sensação, vistas as coisas à distância, que a nossa qualidade de diplomatas portugueses nunca foi minimamente inibitória a que circulássemos pelas casas dos muitos angolanos que íamos conhecendo. Criámos nesses anos excelentes amizades, algumas que ainda perduram bem sólidas, mais de quatro décadas passadas. Como é aliás o caso das pessoas que então habitavam naquela casa.

Nesse tempo de guerra civil em Angola, cabiam-me, na nossa embaixada em Luanda, entre outras, tarefas de informação político-militar. Perceber as relações de poder no seio da classe dirigente angolana, tentar identificar e avaliar a força relativa das várias personalidades e das principais alas políticas, acompanhar a evolução do conflito então em curso - tudo isso fazia parte das minhas tarefas. E era um trabalho fascinante.

Um diplomata não é um espião, no sentido técnico do termo. Não usa fontes clandestinas, não paga informação, não anda atrás de segredos de Estado. Eu não cometia a menor ilegalidade e comportava-me sempre na escrupulosa observância dos limites impostos pela Convenção de Viena, essa "magna carta" a que a diplomacia tem de se subordinar. Conversava com muita gente, lia toda a informação "aberta" disponível, ouvia e tentava interpretar o que me chegava, por forma a procurar informar o meu governo, independentemente da cor política que prevalecesse em Lisboa, que vai variando com os humores do voto.

Na Luanda de então, quem comigo falava, tal como com os restantes colegas da embaixada, sabia do nosso interesse em andar bem informados. As outras embaixadas, em especial ocidentais, alimentavam o mito de que nós, portugueses, "sabíamos tudo". Não sabíamos, embora, em regra, soubéssemos bastante mais do que eles e, em especial, tivéssemos um quadro interpretativo dos factos que sempre me pareceu bastante mais eficaz do que o seu.

Contudo, muitas das vezes, ao falar com os meus interlocutores locais, dava-me conta de estar a receber informação errada, quer isso fosse feito deliberadamente para nos confundir, quer pelo interesse de alguns de se vangloriarem de conhecimentos que, afinal, não tinham. É da vida dos círculos diplomáticos, em toda a parte do mundo, que as coisas assim sejam. É sempre necessário contar com isso, no esforço para decantar a verdade.

No fundo, acabava por ser um jogo amigável, tanto mais que, estando Portugal e Angola, à época, um pouco "de candeias às avessas", pela liberdade de que a Unita então usufruía em Portugal e que desagradava muito ao governo angolano, isso não significava que, a prazo, estivéssemos necessariamente em rota de séria colisão. Como o tempo, aliás, veio a provar à saciedade.

Numa das noites passadas naquela varanda, num fim de semana, calhou na minha mesa um militar angolano muito bem colocado na máquina de guerra. Mesmo sem ser estimulado a revelações, foi-se abrindo sobre a evolução do conflito. Parecia estar propositadamente a ser loquaz. Ele sabia perfeitamente quem eu era e que o que me dissesse iria chegar às autoridades portuguesas. Eu ia colocando algumas questões e ele ia respondendo à minha curiosidade. Não eram segredos de Estado, mas o que ele dizia era muito mais significativo do que o que ouvíamos no discurso oficial. Eu estava muito atento e interessado naquela conversa.

Em Luanda, por esse tempo, em especial nos fins de semana, bebia-se bastante. Nessa noite, eu não estava a ser uma exceção. Por isso, tinha a noção de que as preciosidades informativas a que estava a ter um casual acesso não se estavam a fixar na minha cabeça com o rigor necessário.

Chegado a casa, no início da madrugada, procurei colocar no papel aquilo que de relevante recordava da conversa com o importante militar - dados que, pela fonte de onde provinham, tinham mais credibilidade e, daí, maior interesse para Lisboa. Rabisquei umas folhas de papel, na expetativa de poder delas vir depois a extrair um belo "telegrama", como a linguagem diplomática chama à correspondência entre os postos no exterior e as capitais. E fui-me deitar.

No dia seguinte, já sóbrio para trabalhar, olhei o que tinha escrito na véspera e constatei que percebia muito pouco do que tinha registado, sob alguma influência do álcool. Até eu tinha dificuldade de entender a minha letra, além de que algumas coisas não jogavam bem com as outras. Fiquei furioso comigo mesmo. Ainda repesquei algumas frases, mas tudo ficou muito distante da riqueza da conversa da noite anterior. O tal telegrama não ficou a obra-prima que eu pensara.

O militar que foi meu interlocutor nessa noite veio a ter uma carreira de enorme relevo. Nunca mais nos cruzámos. Já várias vezes pensei que, se acaso isso tivesse acontecido, teria coragem para lhe contar o que agora aqui revelo. Mas também pensei que ele me poderia vir a responder que, naquela noite, tinha tido o cuidado de me passar informação falsa ou orientada, aquilo a que, na linguagem desse mundo de sombras da "intelligence", na expressão clássica russa, se chama "dezinformatsyia". E ficávamos quites.

quinta-feira, julho 10, 2025

Embaixadores & políticos

Historicamente, a representação externa dos Estados começou por ser provida por personalidades da confiança do soberano, oriundas da aristocracia. Com os novos tempos e a multiplicação das embaixadas, o serviço diplomático profissionalizou-se. Foram progressivamente criados, em todo o mundo, quadros especializados de serviço público, para assegurar a continuidade da representação do Estado, independentemente dos ciclos políticos. Os embaixadores passaram, em regra, a ser escolhidos dentre os diplomatas profissionais mais qualificados. 

Alguns países, porém, continuaram a manter a prática de designar, para a chefia de certos postos, figuras exteriores às respetivas carreiras diplomáticas. Em geral, as ditaduras e regimes mais ou menos autoritários abusam desta prática, que também foi corrente em regimes presidencialistas (mas, por exemplo, quase já deixou de o ser no Brasil ou em França, nos dias de hoje). Um país como os EUA persiste e coloca, com regularidade, na chefia de muitas das suas embaixadas, figuras ligadas ao financiamento das campanhas que estiveram na base da eleição do presidente. Bem assessoradas, claro está, por competentes profissionais da diplomacia, porque se não dispensa quem "sabe da poda"...

Em Portugal, a Primeira República e o Estado Novo escolheram várias personalidades políticas e sociais para a chefia das principais missões diplomáticas, as quais, aliás, eram então muito poucas. Esta prática não viria a desaparecer por completo com o 25 de abril. Com vários pretextos, diversos governos colocaram figuras que lhes eram afetas em algumas embaixadas. Desde a Revolução, nos últimos 44 anos, com justificações de oportunidade, inicialmente ligadas à consolidação dos novos tempos políticos (que já lá vão!), a diplomacia portuguesa veio a albergar uma trintena de "embaixadores políticos", mais notoriamente em postos multilaterais. Os parisienses OCDE e UNESCO foram os mais escolhidos.

Na nossa história democrática recente, alguns desses "embaixadores” serviram num posto e, depois, saíram – quase sempre, após uma rotação governativa, como está na natureza precária da sua nomeação, feita por confiança política. Outros acabaram por rodar entre vários postos, usufruindo de uma legislação que lhes permitiu passar a integrar o quadro dos embaixadores profissionais de carreira. Desde há uns anos, vive-se um tempo diferente: não existe nenhum "embaixador político" na diplomacia portuguesa. 

O concurso de acesso à carreira diplomática é o mais exigente de toda a Administração Pública portuguesa. Os funcionários que integram essa carreira fazem um percurso variado, em Portugal e em postos no estrangeiro. As tarefas diplomáticas aprendem-se com tempo e maturação, os comportamentos apuram-se, as pessoas são testadas em diversos cenários geográficos e perante situações muito diversas. Ao final de cerca de duas dezenas de anos, a alguns, mas não a todos, é dada a possibilidade de chefiarem, primeiro missões mais pequenas e menos relevantes e, se nelas derem as devidas provas, seguem-se postos mais importantes. A diplomacia profissional portuguesa é regular objeto de reconhecimento público, quase generalizado, pelo muito que faz pelo país e pelo seu prestígio. Mas, afinal, será que ela não serve para representar Portugal em todos os postos diplomáticos? 

Será assim compreensível que, dentro da carreira diplomática, subsista um permanente sentimento contra a indigitação de figuras que, não tendo feito a tarimba da vida diplomática, não tendo nela subido, ao longo dos anos, os seus diversos escalões, surjam um dia, de "pára-quedas", num determinado posto, qualificados como "embaixadores", por uma simples decisão política. 

Dir-me-ão: mas não houve embaixadores políticos que, no passado, fizeram bom trabalho, que acabaram por ser um valor acrescentado para o serviço diplomático? Claro que sim, embora em poucos casos. Tal como eu talvez fosse capaz, com algum jeito, de não ser um mau Comandante da Região Militar Norte... Mas, como diz o povo, “cada macaco no seu galho”.

post scriptum - em breve perceberão por que republico aqui isto

quarta-feira, julho 09, 2025

Paz


Se o Comité Nobel tivesse coragem e dignidade, esta senhora, que não fechou os olhos à chacina em Gaza, era nomeada Prémio Nobel da Paz.

"Voyeurisme"

Nos últimos dias, dou comigo a acompanhar as audiências do processo Marquês com a mesma curiosidade com que, às vezes, sigo algums séries televisivas. O que virá a seguir? Ah! E então o que é que contavam Soares e Almeida Santos sobre a Dona Maria e o homem de Santa Comba? Digam lá! 

Do tempo


Há muitos anos, o ministro dos Negócios Estrangeiros João de Deus Pinheiro organizou em Lisboa uma reunião com cerca de duas dezenas de embaixadores portugueses, para abordar um qualquer tema da nossa política externa. Abriu a reunião e fez um "tour de table", pedindo muita concisão a cada um dos presentes. Um deles, um homem inteligente mas com uma expressão sincopada e quase gaguejante, com um discurso sem linearidade e com frequentes observações à margem, não conseguiu sequer terminar os prolegómenos daquilo que ia começar a dizer. A certa altura, o ministro interrompeu-o e passou ao colega seguinte. Algumas das pessoas presentes na reunião ficaram chocadas. Mas o ministro tinha razão: em Portugal, quando se diz a alguém que tem cinco minutos para expor uma ideia, é muito raro que essa limitação temporal seja observada. Pelo contrário, as pessoas chegam a ficar ofendidas pelo facto de os organizadores de um qualquer evento não mostrarem flexibilidade para se adaptarem ao seu ritmo pessoal de exposição. Em regra, por cá, ninguém respeita as regras do jogo definidas e as reuniões prolongam-se, quase sempre depois de já terem começado com atraso, como se tornou hábito.

Vem isto a propósito de uma reunião, por via digital, de que acabo de sair. Tratava-se de um grupo de "advisers" (talvez devesse dizer "advisors", porque a sede da empresa é nos EUA) de uma multinacional de um determinado setor. A reunião começou impreterivelmente às 14 horas. No início, na tela, ficou claro o tempo que cada intervenção iria ter - e começaram por falar os "big bosses", que acompanharam o que diziam com "power points" sintéticos. No final, no período de perguntas e respostas, nenhum dos intervenientes gastou mais de um minuto. O encerramento demorou cinco minutos. Às 14.57, com tudo dito e bem explicado, fechámos esta reunião quadrimestral. Muito informativa e extremamente útil. 

Quando se constata que, em Portugal, se trabalha muito mas que a produtividade é escassa, algumas razões haverá. E a má utilização do tempo é, com certeza, é uma delas.

Justiça

O caso Marquês marcará os meses que aí vêm. A justiça tem um desafio importante: para condenar Sócrates, terá de identificar, para além das idas e vindas de dinheiro, que decisões por ele tomadas ou influenciadas resultaram em vantagens que justificaram pagar tantos milhões.

terça-feira, julho 08, 2025

Nobel

É de facto uma imensa honra para Trump ser proposto para Prémio Nobel da Paz por iniciativa de alguém que é acusado de crimes de guerra e contra a humanidade.

Justiça

O caso da mulher grávida que desapareceu e que a voz pública acha que foi assassinada por um homem com quem teve uma relação, que o tribunal acaba de absolver por falta de provas, é um "case study" sobre o próprio conceito de justiça, em que o "in dubio pro reo" é regra de ouro.

segunda-feira, julho 07, 2025

A (não) fazer


Ontem, a meio da tarde, tive uma sensação estranha: ou era eu quem me estava a esquecer de alguma coisa ou, de facto, não tinha rigorosamente nenhum compromisso de escrita pendente. Era a primeira vez, desde há bastante tempo, que tinha essa sensação.

Passo a explicar. Na minha vida na última dúzia de anos, houve sempre textos que me tinha comprometido a escrever: artigos, intervenções, pareceres profissionais, palestras, prefácios ou coisas similares. Sempre que me libertava de algo que tinha acabado de completar, consultava uma temível e sempre mutante lista que trago no telemóvel, que tem por título imperativo "A fazer", em cujo topo estão os textos que tenho de escrever.

(Esclareço que tenho também no telemóvel listas bem mais agradáveis, como "Restaurantes a visitar", "Livros a considerar comprar" e "Ideias para fins de semana e férias"). 

Contudo, na tal lista de coisas "A fazer", lá estavam sempre: uma aula a preparar, um texto para um livro que prometera ("Escreva quando lhe der mais jeito! Não tem a menor pressa!"), uma croniqueta que ficara de enviar para uma publicação e outras coisas assim. Quem me manda a mim aceitar essas coisas?!

Durante anos, em especial quando mantinha colunas regulares em jornais, tornou-se quase angustiante, Depois, quando decidi acabar com esse tormento datado, sentava-me algumas vezes num sofá e exultava intimamente: "Magnífico! Até ver, não tenho mais nada que me tenha comprometido a escrever". Para, logo no segundo seguinte, sentir que tinha alguma coisa que estava, "on the back of my mind", a atazanar-me o pretendido sossego. E ia ao "A fazer". E, claro!, ainda faltava "aquele" texto!

Ontem, vi e revi a temível lista e concluí, com uma genuína embora efémera felicidade: "Não tenho nenhum compromisso pendente, em matéria de escrita". Desde há muito, é esta, verdadeiramente, a primeira vez que isto me acontece. Vou para férias de verão liberto de qualquer preocupação desse género. Mas outras tenho, claro, porque a vida não brinca em serviço.

Espanha (4)

Há um estranho "iberismo" nas redes sociais: gente da direita lusa desfaz-se em insultos contra Sánchez e exulta, de forma quase doentia, com os seus desaires; alguma esquerda exalta como pode o PSOE e chama "facho" a tudo quanto estiver à direita dos socialistas. Que coisa!

Espanha (3)

Não correu bem a Sánchez a reunião do PSOE do passado fim de semana. Mais trapalhadas e revelações comprometedoras para figuras próximas da liderança vieram a lume. As vozes críticas foram poucas, mas o mal-estar no partido é evidente. Que coelho ainda terá Sánchez na cartola?

Espanha (2)

A vedeta liberal do PP de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, pouco discreta candidata potencial à liderança da direita espanhola, viu-se obrigada a refrear as suas ambições, em face do quase unanimismo em torno de Feijóo. O seu tempo, claramente, não é este.

Espanha (1)

A direita espanhola, pressentindo o vento a soprar contra o PSOE, reentronizou Feijó com grande estadão. O "não é não" face ao Vox começou já a cair, embora com recusa de coligação. Salvo por uma improvável onde de fundo, não se percebe como um PP "só" conseguirá chegar a Moncloa.

América

É cedo para contar votos no Congresso americano, depois das eleições intercalares de 2026. Em regra, nada é garantido para qualquer dos lados. Talvez isso explique algum nervosismo - mas pode ser só irritação - no modo como Trump reagiu à criação do partido de Musk.

Médio Oriente


Na Antena 1, no programa Tik Tak, com Eduarda Maio, a abordar a situação na Palestina.

Ouvir aqui.

domingo, julho 06, 2025

Este blogue é o que é

Nos últimos dias, ouvi dois comentários sobre este blogue. 

O primeiro, estranhando que eu não tivesse falado sobre a morte de Diogo J. Para essa pessoa, era algo insólito que um acontecimento que mobilizou emocionalmente o país tivesse passado completamente desapercebido por aqui. 

O segundo, sublinhando que o blogue acabava por ser demasiado pessoal, com historietas minhas sobre assuntos irrelevantes para a maioria das pessoas, o que não facilitava a sua estabilização como algo que poderia facilmente ser: uma plataforma de debate sobre alguns temas de atualidade, no plano nacional ou global. E essa outra pessoa foi acrescentando o seguinte comentário: "Abre-se o blogue e nunca se sabe se vai surgir uma reflexão sobre um tema sério ou se optaste por publicar uma graçola, às vezes sem a menor graça, ou a que só tu achaste graça. Tenho que confessar: em muitos dias, esperava muito melhor de ti."

Ambos os comentários se interligam. Não comentei a morte de Diogo J mas coloquei a fotografia de um azulejo humorístico numa tasca. É ou não uma falta de sentido das proporções? Comentei uma dormida num hotel quando seria muito mais "útil" denunciar a vergonhosa deriva direitista do governo em matéria securitária e migratória? Como é que eu tenho o desplante de analisar a ementa de um restaurante de luxo onde fui jantar quando crianças morrem de fome em Gaza? 

Entendamo-nos de uma vez por todas: este não é um espaço de comunicação social. É um bloco-notas pessoal, repito, estritamente pessoal, às vezes de memórias, outras de comentários (cada vez mais) breves e às vezes caricaturais (passei a utilizar a cómoda brevidade do Twitter), de instantâneos apanhados ao acaso - na net, na rua, nos jornais que cada vez menos leio. O "Duas ou Três Coisas" é só isso e não tem a menor pretensão de ser mais do que é. Não quer ser doutrinário, não quer "ir a todas", ou sequer pretende ser coerente no equilíbrio global daquilo que publica. Este blogue, repito, é o que é, é um pouco o que sou. Gostam dele assim? Leiam-no. Não gostam? Passem à frente. Amigos como dantes!

Grande Portugal!


 

sábado, julho 05, 2025

Avignon


Um extraordinário espectáculo no Festival de Avignon, agora na RTP 2.  Sabem quem é o diretor deste que é o mais importante festival de teatro de França? O português Tiago Rodrigues. Ah! Pois é!

Espanha

Pedro Sánchez tenta evitar ser tingido pelas escandaleiras que saem de todo o lado no partido, desde a corrupção pura e crua até ao machismo ostensivo. A direita está à espreita e agita ruas e discursos. Numa Espanha economicamente sã e com voz externa, Sánchez vai sobrevivendo.

Tour

Começa hoje a Volta à França 2025 em bicicleta. Desde há 40 anos, com Bernard Hinault, que um francês não ganha a prova maior do ciclismo mundial.

França

François Bayrou, desistente do sonho presidencial em França, forçou Macron a nomeá-lo primeiro-ministro. Para surpresa de alguns e conforto do preconceito de outros, revelou-se um fraco líder do governo, onde se afronta a direita tradicional e o extertor ruidoso do macronismo.

sexta-feira, julho 04, 2025

Ai se fosse hoje...

Os Estados Unidos estão a dever um forte pedido de desculpas a Richard Nixon. Se o Watergate tivesse ocorrido neste "big, beautiful" mundo de Trump, nem uma agulha teria bulido do lado da agora "so-called" justiça americana para incomodar o presidente.

quinta-feira, julho 03, 2025

Pousadas de Portugal


A pretexto de ter dormido, há dias, no edifício daquela que foi a primeira Pousada portuguesa, evoquei aqui as Pousadas de Portugal, um interessante projeto de construção hoteleira estatal iniciado em 1942 e que ainda hoje se mantém, embora num outro registo funcional. 

As Pousadas foram inspiradas no modelo dos Paradores espanhóis. A ideia inicial era construir pequenas unidades hoteleiras em regiões para onde se queria promover o turismo. As Pousadas eram geridas por entidades privadas que se comprometiam a respeitar um certo padrão cultural regional, na decoração e na gastronomia. 

As primeiras unidades dispunham de muitos poucos quartos, havendo mesmo uma limitação temporal à sua ocupação, a fim de assegurar rotatividade.

No início dos anos 50, foi iniciada a conversão de alguns edifícios históricos em Pousadas, sendo a primeira a Pousada do Castelo, em Óbidos. 

Após o 25 de Abril, o Estado passou a assegurar a gestão da rede de Pousadas, através da empresa pública Enatur. 

Em 2003, o grupo hoteleiro Pestana entrou no capital da Enatur, passando a deter cerca de 49% do capital. 

Muitas Pousadas, em especial de pequena dimensão, foram encerradas a partir de então (outras já tinham fechado no passado) e foi reforçada a transformação de monumentos em Pousadas Históricas.

Algumas pessoas perguntam: desde 1942, ano da criação da primeira unidade, a Pousada de Santa Luzia, em Elvas, quantas Pousadas houve? E quantas efetivamente existem, nos dias de hoje? Em que ano foi criada cada uma das Pousadas? E qual foi o ano em que as que encerraram deixaram de funcionar?

Por estranho que pareça, não há nenhum registo centralizado desta informação. Por isso, deitei mãos à obra e decidi coletar esses dados. Deu algum trabalho! Quem sabe se estes dados não serão úteis para as Pousadas de Portugal...

Aqui fica o básico: 

  • Desde 1942, foram criadas 70 Pousadas. 
  • Atualmente (julho de 2025), existem 38 Pousadas. 
  • Ao todo, foram encerradas 32 unidades - 8 antes da chegada do Grupo Pestana (1942-2003) e 24 sob gestão Pestana (2003-2025).
  • Após a chegada do Grupo Pestana foram construídas 16 novas unidades. 

Façamos agora, em detalhe, a listagem de tudo isto.

Utilizarei, depois das localidades, os nomes originais das Pousadas. Na muitos casos, tinham designações de santos. Por qualquer razão, que imagino possa ter-se ficado a dever a motivos de promoção turística, muitas Pousadas perderam esses nomes católicos. 

Aqui fica a lista das 31 Pousadas encerradas, por ordem do ano de abertura:
  1. Elvas. Santa Luzia (1942-2012)*
  2. Marão. São Gonçalo (1942-2007)*
  3. Macinhata do Vouga. Santo António de Serem (1942-2002)
  4. Covão da Ametade, Santo António (1942-1967)
  5. Alfeizerão. São Martinho (1943-1967)
  6. São Brás de Alportel. São Brás (1944-2010)*
  7. Alijó. Barão de Forrester (1944-2013)*
  8. Santiago do Cacém. S. Tiago (1945-2001)
  9. Manteigas. São Lourenço (1948-2005)*
  10. Madeira, Pousada dos Vinháticos (1949-1967)
  11. Berlengas. Forte de São João Baptista (1953-1971)
  12. Tomar. São Pedro. Castelo do Bode (1954-2003)*
  13. Serpa. São Gens (1960-2003)*
  14. Miranda do Douro. Santa Catarina (1962-2002)
  15. Caramulo. São Jerónimo (1963-2005)*
  16. Setúbal. São Filipe (1965-2014)*
  17. Santa Clara a Velha (1969-2006)*
  18. Póvoa das Quartas. Santa Bárbara (1971-2003)*
  19. Torrão. Vale do Gaio (1977-2007)*
  20. Guimarães. Senhora da Oliveira (1980-2013)*
  21. Cerveira. Dom Dinis (1982-2008)*
  22. Sagres. Forte do Beliche (1982-1989)
  23. Batalha. Mestre Afonso Domingues (1985-2007)*
  24. Almeida. Nossa Senhora das Neves (1987-2005)*
  25. Santiago do Cacém. Quinta da Ortiga (1991-2008)*
  26. Sousel. São Miguel (1992-2010)*
  27. Condeixa. Santa Cristina (1993-2019)*
  28. Monsanto (1993-2011)*
  29. Mesão Frio. Solar da Rede (1998-2012)*
  30. Vila Pouca da Beira. Convento do Desagravo (2003-2017)*
  31. Proença a Nova. Amoras (2006-2011)*
  32. Braga. São Vicente (2007-2012)*
Com (*) assinalam-se as unidades encerradas sob gestão do grupo Pestana.

Atualmente (julho de 2025), há 38 Pousadas. Aqui ficam, por ordem de abertura:
  1. Óbidos. Castelo. (1951)
  2. Marvão. Santa Maria (1956)
  3. Bragança. São Bartolomeu (1959)
  4. Sagres. Infante (1960)
  5. Murtosa. Pousada da Ria, Santa Joana Princesa(1962)
  6. Valença. São Teotónio (1962)
  7. Évora. Loios (1963)
  8. Caniçada. São Bento (1968)
  9. Estremoz. Rainha Santa Isabel (1970)
  10. Viana do Castelo. Santa Luzia (1979)
  11. Palmela. Santiago (1979)
  12. Guimarães. Santa Marinha da Costa (1985)
  13. Alvito (1993)
  14. Beja. São Francisco (1994)
  15. Queluz. Dona Maria I (1995)
  16. Arraiolos. Nossa Senhora da Assunção (1995)
  17. Crato. Flor da Rosa (1995)
  18. Vila Viçosa. Dom João IV (1996)
  19. Amares. Santa Maria do Bouro (1997)
  20. Alcácer do Sal. Afonso II (1998)
  21. Belmonte. Convento de Belmonte (1999)
  22. Ourém. Conde de Ourem (2000)
  23. Horta . Forte de Santa Cruz (2004)#
  24. Lisboa. Praça do Comércio (2005)#
  25. Bahia, Brasil, Convento do Carmo (2005)#
  26. Tavira. Convento da Graça (2006)#
  27. Angra do Heroísmo. Forte de São Sebastião (2006) #
  28. Estoi. Palácio de Estoi (2009)#
  29. Porto. Palácio do Freixo (2009)#
  30. Viseu (2009)#
  31. Cascais. Cidadela (2012)#
  32. Covilhã. Serra da Estrela. (2014)#
  33. Obidos. Vila de Óbidos (2018)#
  34. Óbidos Lidador (2019)#
  35. Câmara de Lobos. Churchill Bay (2019)#
  36. Vila Real de Santo António (2020)#
  37. Porto - Rua das Flores (2021)#
  38. Lisboa. Alfama (2023)#

No site do Grupo Pestana, não constam o Convento do Carmo, na Bahia, nem a Cidadela, em Cascais, este com um estatuto de hotel, para efeito de reservas.

Ficarei grato por quaisquer informações que permitam completar dados em falta, dúvidas ou a correção de eventuais erros detetados pelos leitores.

(Por curiosidade, deixo uma última nota, neste caso pessoal. Dormi em 58 das 69 Pousadas que foram criadas. Das 12 em que não me alojei, 6 já desapareceram (Vinháticos, Alfeizerão, Berlengas, Beliche, Setúbal e Alijó) e 6 estão abertas (Lidador, Câmara de Lobos, Rua das Flores, Horta, Angra do Heroísmo e Alfama) ).

A primeira Pousada


Há dias, alojei-me em Elvas no edifício que, em 19 de abril de 1942, foi inaugurado como a primeira Pousada portuguesa. A imagem é desse tempo. A arquitetura é de Miguel Simões Jacobetty Rosa. 

Desde 2013 e até aos dias de hoje, a antiga Pousada foi transformada no Hotel Santa Luzia. Por saudável empenhamento de quem o tem dirigido, João Simões, um homem com uma bela história pessoal ligada à hotelaria e restauração, tem sido ali cultivada a memória desse que foi o início da grande aventura das Pousadas, uma iniciativa de António Ferro que veio a marcar o turismo e a hotelaria portugueses nos últimos 80 anos.

A antiga Pousada de Santa Luzia tinha uma oferta de restauração que fez história. O seu bacalhau dourado, que ainda hoje por lá de serve, convocava gente ida de muito longe. Ainda hoje, o restaurante Cadeia Quinhentista, em Estremoz, do mesmo proprietário do hotel, continua a oferecer este prato na sua lista.

Com o 25 de Abril, a receita tinha já emigrado para o Brasil, novo destino de vida quem então dirigia a Pousada. Aí se fixou no mítico restaurante Antiquarius, no Rio de Janeiro, que encerrou há poucos anos.

Há 2023, vim a redescobrir esse prato, e constatei que mantinha grande qualidade, no restaurante "Entre Amigos', em Botafogo, dirigido por uma pessoa que tinha trabalhado no Antiquarius. 

A vida é assim mesmo.

quarta-feira, julho 02, 2025

Seguro

António Vitorino e Augusto Santos Silva, o primeiro há dias, o segundo hoje, anunciaram não irem avançar com uma candidatura presidencial. Se acaso o tivessem feito, seriam acusados de se terem colocado no "mercado" político de António José Seguro, que tem no terreno, desde há já algum tempo, uma candidatura própria. A desistência de ambos revelou um grande sentido de responsabilidade, procurando evitar a divisão da esquerda e do centro-esquerda. 

À direita, "les jeux sont faits". Gouveia e Melo arrebanhará, com naturalidade, todo o eleitorado populista e de direita, moderada e extrema, ficando por definir o momento em que o voto do Chega se lhe colará. A vítima direta será o candidado oficial do PSD, Luís Marques Mendes, cujos votantes também parecem seduzidos, cada vez mais, a vogarem pelas águas do almirante.

À esquerda, não obstante toda a consideração pessoal e política que merece a figura de António Filipe, ficou hoje claro que o único candidato que se apresenta como um claro contraponto a Gouveia e Melo é António José Seguro. 

Conheço António José Seguro há bastantes anos. Fomos colegas de governo, onde ele foi secretário de Estado e ministro, trabalhámos de perto quando liderou os socialistas no Parlamento Europeu, a seu convite colaborei na iniciativa "Novo Rumo", com a qual o Partido Socialista procurou desenhar, em tempos difíceis do governo de "coligação" PSD-Troika, uma alternativa ao "passismo". 

Em 2011, Seguro foi herdeiro de um partido que fora copiosamente derrotado nas eleições, depois de ter assinado o "memorando de entendimento" a que o colapso financeiro tinha forçado a gestão de José Sócrates. Ao seu lado, se a expressão se deve aqui utilizar sem ironia, Seguro teve um grupo parlamentar desenhado pelo seu derrotado antecessor, e que nunca lhe facilitou a vida. 

Com a passagem do tempo e com o surgimento de resultados políticos tidos por insuficientes, o seu difícil papel começou a ser contestado dentro do PS. Uma pulsão em favor de António Costa foi crescentemente tomando conta do partido. Em face dessa pressão e do desafio de Costa, António José Seguro tomou a corajosa decisão de organizar uma votação, aberta a simpatizantes, para um tira-teimas em termos do nome do futuro líder. 

A resposta dos votantes foi a escolha de António Costa. Seguro abandonou, com dignidade, a liderança, remetendo-se ao silêncio a partir de então. Antes disso, porém, cometeu, a meu ver, um erro grave: nos debates públicos com António Costa utilizou uma linguagem confrontacional que se afastou radicalmente da serenidade da imagem que era a sua. Não havia necessidade - e muitos de nós dissemos-lhe então isso, com a frontalidade que se deve aos próximos. A meu ver, esse foi o seu único mas grande erro.

António José Seguro esteve por uma década num quase silêncio. Afastou-se da política ativa e dedicou- se so ensino. Aos 63 anos, ao aproximar-se a mudança de ciclo em Belém, decidiu, com toda a legitimidade, ensaiar um regresso à vida pública, apresentando-se como candidato presidencial. 

Não começou por assegurar a unanimidade dentro do Partido Socialista, bem como de pessoas próximas do partido, como foi o meu caso. Há meses, deixei aqui claro que a minha primeira opção ia, preferencialmente, para outras hipóteses. Contudo, não se tendo qualquer dessas candidaturas concretizado, não tenho hoje a menor dúvida em afirmar que o meu voto, em janeiro de 2026, irá para António José Seguro. E, com toda a liberdade de quem já não é militante, ouso esperar que o Partido Socialista se una em torno da sua candidatura. Vir a ter um Belém um comprovado democrata, uma personalidade equilibrada, íntegra, com forte e comprovada experiência, nacional e europeia, com uma incontestada capacidade de diálogo e bom conhecimento dos mecanismos políticos do Estado, é algo em que vale a pena apostar. 

terça-feira, julho 01, 2025

Elvas


Foi há 13 anos que a cidade de Elvas passou a ter o título de Património Mundial da Humanidade, atribuído pela Unesco. 

Na minha qualidade de embaixador junto da Unesco, que acumulei nesse ano com o cargo de embaixador em França, tive o grato prazer de titular a representação portuguesa na reunião do Comité do Património Mundial, em São Petersburgo, na Rússia, que conseguiu reverter a proposta da organização para que o assunto fosse adiado para anos futuros. 

Elvas ficou-me grata e eu fico muito grato pelo facto de, além de me ter sido atribuída a Medalha de Ouro da cidade, Elvas me ter honrado com o título de cidadão honorário. Foram gestos muito generosos, para quem apenas cumpriu a tarefa de que havia sido incumbido.

No passado sábado, fui um dos convidados para a sessão de comemoração do 13° aniversário do titulo dado pela Unesco àquela que é uma joia da arquitetura militar em Portugal. Foi muito bonita a festa, pá! 

Visitem Elvas! Verão que não se arrependem.

segunda-feira, junho 30, 2025

Simplesmente Trump


Olhamos para esta comunicação nas redes sociais e rimo-nos. Nos dias de hoje, aceitamos que, com Trump, já tudo é possível. Mas o que é verdadeiramente assustador é que mais de 70 milhões de americanos apoiam-no e parece acharem este comportamento normal.

domingo, junho 29, 2025

43,5 ºC !


Na vida, lembro-me de ter apanhado caloraças inimagináveis. Algumas na quase vintena de países africanos por que passei, outra num deserto da Ásia Central, mas também nos centros do Rio e de Nova Iorque, num fim de tarde na Tailândia, num meio-dia em Atenas, numa jornada em Córdova (no "Verão quente"), até na minha Vila Real da juventude, em domingos sinistros de pasmaceira, nos anos 60. Tenho tantas, muitas memórias de ocasiões com um calor quase insuportável, coisa que foi quase sempre agravada pelo facto de eu ser como o leite que se usa cá em casa: meio gordo.

Nunca, porém, como nesta tarde no Alentejo: sair do ar condicionado do carro, numa área de serviço (estou a perder qualidades geracionais: já não digo numa bomba de gasolina) e levar com um bafo espesso de calor como jamais tinha sentido, que até me dificultou o andar nos poucos metros até à loja, onde comprei sei-lá-bem-o-quê, desde que bem gelado. Depois, sair a medo, sob o sol infernal (não sei se há sol no inferno, mas o calor não pode ser pior), regressar ao carro e, pela milésima vez, pensar na injustiça que é nunca terem dado um Prémio Nobel ao inventor do ar condicionado.

43,5° C foi o que há horas registei no meu carro. Isto está a mudar! Qualquer dia já temos camelos a andar por aí. E não, não é desses!

Senhora da Pena


Na minha juventude, lá por Vila Real, quando alguma coisa tinha luzes a mais, costumava dizer-se: "Aquilo já parece o arraial da Senhora da Pena". Em transcrição fonética, em "vila-realês", lê-se "sedapâna".

Ontem, ao afinar a colocação de umas lâmpadas no meu jardim, dei por mim a dizer para um surpreendido artífice lisboeta que lá trabalhava: "Já chega! Com mais lâmpadas, fica igual à Senhora da Pena!" 

E lá tive de explicar a frase que me saiu a quem não faz a mínima ideia de onde é Mouçós e o que é a sua grande festa, onde, além das luzes, que se vêm de Vila Real, há um andor gigante que, por sinal, já deu fortes chatices. E onde o Ramalheda dos foguetes teve, há muitas décadas, uma trágica noite. E, finalmente, onde o anónimo mas para sempre famoso Guarda Republicano, que perdeu o cinto quando se foi aviar à vinha, se viu chamado à cabine de som, sem eufemismos na linguagem, num aviso que até hoje ficou célebre.

sexta-feira, junho 27, 2025

O voto em Branco

"Estou muito desiludido com o leque de candidatos às presidenciais. Até estou a pensar votar em branco", disse-me ontem um conhecido. "Já fiz isso, por duas vezes", respondi-lhe. Ficou surpreendido. "Quando foi?". "Votei duas vezes no candidato Jorge Branco Sampaio". E ganhei!"

Os talheres da viscondessa


Em 1930, com menos de 20 anos, o meu pai saiu da sua Viana do Castelo natal para ingressar, em Lisboa, na Caixa Geral de Depósitos. Nesse tempo, acrescentava-se ao nome "Crédito e Previdência". Mal ele sabia que esse acabaria por ser o seu muito feliz destino de trabalho, nos 47 anos que se iam seguir.

Para trás, em Viana, deixava a minha avó Filomena, viúva já há cinco anos, mãe de oito filhos, dois que há muito tinham morrido. O meu pai era então o mais novo e essa sua ida para Lisboa terá sido traumática para a mãe. Para ele foi muito difícil, confessava sempre. Toda a família vivia em Viana, com uma fortíssima ligação afetiva à minha avó. Os três irmãos e uma das irmãs estavam bem encaminhados - usava-se então muito a expressão "lançados" - nas respetivas vidas profissionais, concluído que fora o liceu para todos eles. Chegar à universidade é que não tinha sido possível, por razões económicas, para nenhum dos filhos da minha avó.

A Lisboa de então, na memória esparsa que, ao longo dos anos, fui ouvindo do meu pai, ressoava a páginas de "A Capital", do Eça, no olhar deslumbrado de Artur Corvelo. O meu pai, contudo, trabalhava, não fazia poesia como o injustamente pouco apreciado autor do "Esmaltes e Joias".

Falava-me imenso dos cafés desse tempo, dos cinemas existentes, de algumas revistas no Parque, a que ia com os baratuchos "bilhetes de claque", isto é, com obrigação de aplaudir. E também se lembrava da agitação política, dos cívicos de chanfalho que, na confusão das manifestações, dissolviam "ajuntamentos de mais do que uma pessoa" e determinavam, alto e bom som: "É proibido andar parado!"

O 28 de maio tinha sido quase nas vésperas, as revoltas violentas estavam no ar do tempo, republicanos e integralistas agitavam aqueles dias. Educado numa família solidamente republicana, o meu pai olhou a subida do autoritarismo com uma saudável inquietação democrática, atitude que o viria a acompanhar até ao final dos seus longos dias.

Foram muito poucos esses meses de Lisboa, mas terá sido um tempo de imagens fortes e impressivas para um miúdo que, contudo, nem por um dia esqueceu o seu Minho - onde tinham ficado a mãe e todos os seus irmãos. Logo que pôde, conseguiu transferir-se para lá.

A mulher de um dos irmãos do meu pai tinha uma tia em Lisboa, senhora com posses, com bela casa e um título de viscondessa. O meu pai contava, às vezes, divertido e com pormenores, um jantar para que foi convidado pela senhora.

A ocasião era social e ficou-lhe então no goto uma pequena muito bonita com quem meteu conversa à mesa e com a qual, por timidez, havia de falhar um futuro encontro. Sorte a minha: se o conhecimento tivesse tido boa sequência, eu não estaria agora a ser o narrador desta história.

Desse jantar, lauto e imagina-se que um pouco diferente da comida das tascas de galegos do Bairro Alto que o jovem funcionário da Caixa podia frequentar, o meu pai contava o embaraço em que ficou, ao deparar-se com uma parafernália de talheres, cuja ordem de utilização não lhe resultava evidente. A bela rapariga ao seu lado, notando a sua hesitação, deu-lhe, discretamente, um prático conselho protocolar: esperar para ver como os outros faziam.

Às vezes, já tenho pensado que, em certos períodos, a nossa política externa, na prudência obsessiva perante os acontecimentos do mundo, aprendeu demasiado com a lição dos talheres da viscondessa: fica à espera para ver o que os outros fazem, seguindo-os depois, contentinha da vida.

Acabei há pouco de escrevinhar um texto sobre questões de protocolo que me foi solicitado, para um fim que não vem aqui ao caso. E foi então que me lembrei dessa viscondessa que me ficou da memória familiar, uma titular sem nome, mas que o meu primo Rogério, descendente de um ramo próximo dessa ala aristocrática, talvez ainda consiga identificar. Se assim fosse, fechava-se a história com garfo de ouro.

Os trios das quintas


Começámos já nem sei bem quando: Azeredo Lopes, Agostinho Costa e eu. Era sempre nas noites das 5as feiras, na CNN Portugal. A partir daí, lembro-me que, para grande irritação minha, aconteceu-me ter de perder a segunda parte de alguns concertos na Gulbenkian, para poder atender a esse compromisso regular. Disseram-me, há dias, que aquele formato de debate, centrado na guerra da Ucrânia, tinha uma muito forte audiência. Nunca tive curiosidade de perguntar pelas audiências dos programas em que intervim. Um dia, o trio inicial desfez-se: Azeredo Lopes, por vontade própria, decidiu migrar para outros horários. Agostinho Costa e eu passámos então a ter a companhia de Sónia Sénica. Se bem me recordo, foi por muito pouco tempo. Um dia, Diana Soller substituiu-a. Foi, de longe, o trio que mais tempo sobreviveu, com diferentes pivôs. Posso hoje dizer: era um formato que tinha uma diversidade opinativa que me satisfazia. É que, como dizia Nelson Rodrigues, "todo o unanimismo é burro". Esse trio durou até agosto do ano passado. Nesse mês, informei a CNN de que não desejava continuar. Estava cansado, não de qualquer dos meus companheiros de debate, contrariamente ao que alguns podem julgar, mas da própria tarefa de fazer comentário televisivo regular. Saí de cena apenas porque queria ter mais tempo para mim. Neste último ano, o meu lugar foi ocupado por Jorge Botelho Moniz. Constou-me que, na passada semana, teria havido um qualquer incidente. Se assim foi, é pena. Notei que, na noite de ontem, ali estava um novo grupo de comentadores. Como dizia o versejador de Constância, "todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades". Ou não.

Dois belos galardões


Um forte abraço.

António Vitorino


Tenho muita pena, António! 

Muito pouca gente, da gente que temos, representaria melhor toda a nossa gente: com equilíbrio, maturidade, cultura, cosmopolitismo e sentido de Estado.

Preocupem-se

Deve haver poucas coisas mais impopulares do que aquela que vou dizer, mas digo-a, sem a menor tibieza: não sendo o anti-semitismo, há muito, entre nós, uma questão preocupante, acho que nos devemos começar a inquietar seriamente com a onda de islamofobia que aí começa a grassar.

quinta-feira, junho 26, 2025

Belgas


Ontem, um amigo belga queixou-se: "Então você anda a fazer ironias com as diferenças linguísticas do meu país? E já alguma vez foi ao bairro de Marolles, em Bruxelas, ouvir uma outra nossa sonoridade linguística?" Quando lhe disse que já tinha ido ao Petit Lion, na rue Haute, há muitos muitos anos, ganhei a paz. Mas, aqui entre nós, talvez por azar meu, nunca ali ouvi o tal "Bruxellois".

Sem os belgas - verdadeiros, casuais, falsos ou inventados - o mundo não teria a mesma graça. (Já um dia fiz aqui essa discutível lista). Sem o Tin Tin & Hergé, o Brel, o Edgar P. Jacobs, o Magritte, o Simenon, o Horta, o Ensor, o Delvaux, o Lévi-Strauss (o Claude, não o das jeans). E, claro, também o Jacky Ickx, o Eddy Merckx e o grande Michel Preud'homme. E, sempre, o imenso Poirot. E quem sabe que lá nasceram a Yourcenar, o Johnny Hallyday e até a Audrey Hepburn? E o Adamo, que cantou a "Dolce Paola" (senhora hoje com os seus 87 anos), ela que nasceu na Itália mas deu aos belgas o seu atual rei - que não é rei da Bélgica, mas "dos belgas", note-se.

ps - olhei o título e lembrei-me das "belgas". Quem eram as "belgas"? O restaurante "A Travessa", na Madragoa, onde se comia lindamente, que já desapareceu há décadas, era conhecido como "as belgas". Porquê? Porque uma das proprietárias, a Vivianne, era belga e a outra, a Sofia, assim foi "nacionalizada". As "belgas" cindiram-se, como é da natureza dos belgas e, pelos vistos, das "belgas" ... A Vivianne fez o "Travessa do Convento das Bernardas" (que ainda existe) e a Sofia o "Guarda-Mor" (que já desapareceu com esse nome).

E, já agora, alguém se lembra que houve em Lisboa, perto da Alameda, um restaurante belga? Chamava-se "Chez Armand". Do que eu me lembro quando tenho apetite...

Brasil cá e lá


Ontem, na embaixada do Brasil em Lisboa, com casa cheia, o DN Brasil, comemorando o seu primeiro aniversário, organizou vários debates, num dos quais tive o gosto de participar. Diversas dimensões do relacionamento bilateral foram analisadas, se bem que a questão económica tivesse sido um permanente pano de fundo.

É muito bom que um jornal com a história do "Diário de Notícias" esteja envolvido num projeto jornalístico que atravessa o Atlântico. Agora sob a direção de Filipe Alves, que por anos conduziu o "Semanário Económico", o DN Brasil tem Amanda Lima na condução deste projeto luso-brasileiro. Só lhes posso desejar muito sucesso. No que me toca, gosto muito de ver, cada vez mais, o Brasil em Portugal.

quarta-feira, junho 25, 2025

Aposto

A missiva de Mark Rutte a Trump é um nojo. Mas até aposto que, no seio dos seus colegas, a grande maioria aplaude-o e elogia o seu "sacrifício", ao ter-se prestado àquele ridículo para conseguir preservar Trump "a bordo" da NATO e, pelo menos, não piorar a atitude face à Ucrânia.

Bélgicas


Uma fila de carros para lavagem automática não é um local habitual para manter diálogos com estranhos. Mas aconteceu-me ontem. 

Era um homem de trinta e poucos anos. Aproximou-se, falando inglês, a inquirir como podia adquirir a senha para a máquina. 

No regresso, na breve espera, a uma pergunta minha, disse ser belga. Respondi-lhe qualquer coisa em francês. Teimou no inglês. Resolvi ser chato, de novo em francês. "Não fala francês?" Com um esgar que não era sorriso, disse-me, em inglês: "Sou flamengo". Os carros avançaram e a conversa perdeu-se. Sem pena minha.

Fiz um "flashback". Há quase 55 anos. Andava uma vez mais à boleia pela Europa, de mochila às costas. Estava a sair de Antuérpia, na Bélgica, e não conseguia encontrar a estrada para Breda, já na Holanda. Essa era a cidade mais próxima no caminho para a "Meca" desses tempos: Amesterdão.

Cruzei-me com um cidadão e perguntei-lhe se aquela era a rua certa para ir dar à estrada para Breda. Fiz-lhe a pergunta em francês. Respondeu-me, num francês impecável: "Peço desculpa, mas eu não falo francês". Reformulei a questão em inglês e lá obtive o que queria. 

Naquele instante, aprendi alguma coisa. Ontem confirmei-a. 

Linguisticamente, a Bélgica é um país muito complicado. Alguns belgas tornam-no pior.

terça-feira, junho 24, 2025

Estão bem um para o outro


A História guarda algumas pérolas. A mensagem do SG na NATO para Trump merece uma tese de doutoramento em sabujice. Mas, aqui entre nós, a divulgação da mensagem por parte de Trump também é, além de reveladora do seu descaso pelos mais dóceis subordinados, um atestado do caráter

Natas


Na NATO os secretários-gerais são locutores de um script escrito em Washington ou, pelo menos, com uma mensagem que, à partida, se sabe que não vai desagradar aos EUA. Mas raramente se viu um "lambe-botismo" como aquele que Mark Rutte está a protagonizar. Uma vergonha! 

segunda-feira, junho 23, 2025

Com dedicatória

O anti-americanismo radical é a doença senil do pós-comunismo de alguns. Por princípio, são contra a América, o mau da fita. A arrogância política da América muitas vezes dava-lhes forte razão. A chegada de Trump mudava a cara dessa sua odiada América: olá, afinal havia outra!

A América de Trump dava-lhes imenso jeito: amigo de Putin (o seu "next best", depois da queda do muro), aliado de quem na Europa não gosta dela (mesmo que "facho", desde que contra Bruxelas), Trump atacava a ordem mundial e eles eram pelo quanto pior melhor e depois logo se vê.

Agora Trump trocou-lhes as voltas: não tira todo o tapete à Ucrânia, faz o que o lóbi de Israel manda e ataca o Irão, que chateava o ocidente, onde vivem mas que desprezam. Enfim: vendo bem, para eles, isto acaba por ter uma vantagem: já podem voltar a detestar a América à vontade. Na sua infelicidade, estão felizes.

Fabiano


Lembro-me como se fosse hoje. Estávamos há muito pouco tempo no Brasil. 

Íamos num pequeno jato, de Brasília para Salvador. Havia por lá um qualquer evento e a Maria Josina e o Arnaldo Cunha Campos, um excelente casal amigo que o tempo já levou, que tinham um "jatinho", disseram que nos podiam dar "carona". 

Sou pouco dado a aventurar-me nesses pequenos aviões privados. Porquê? Por medo, claro, coisa própria dos humanos. Sou um crente na aviação comercial. Mas não quisemos dizer que não a esses nossos novos amigos.

Durante a viagem, num momento da conversa para encher o tempo, veio à baila o modo como, em Portugal e no Brasil, se designavam pessoas indeterminadas: Fulano, Cicrano e Beltrano. Sem wifi nas alturas, interrogávamo-nos sobre qual seria a origem de cada um desses nomes, não tendo chegado a nenhuma conclusão.

Foi então que, para completar a lista dessas designações gerais, eu adiantei: "Em Portugal, também era comum, no passado, utilizar a expressão 'um fabiano', para designar uma pessoa indeterminada. Cá pelo Brasil, também se usa?"

Levei à conta do barulho do motor, que envolvia o ambiente no interior do "jatinho", o silêncio com que a minha questão não foi respondida. A cara séria do Arnaldo Cunha Campos, que por regra era um tipo divertido, surpreendeu-me ligeiramente. Logo a resposta veio com uma pergunta: "Francisco, você sabe o nome do meu filho?" Respondi que não. À época, ainda não tinha tido o gosto de conhecer a família do casal. Ele respondeu: "Fabiano". 

Nunca concluí se foi ou não um poço de ar o abanão que o "jatinho" me pareceu sofrer nesse instante.

Um abraço saudoso para si e para as suas irmãs, caro Fabiano Cunha Campos.

Nuno Júdice

 


domingo, junho 22, 2025

Os meus

O que se tem passado no Médio Oriente, de Gaza ao Irão, representou uma preciosa oportunidade para se saber quem põe a compaixão à frente do sectarismo, quem entende que o estrito respeito pelo Direito Internacional prevalece sempre sobre o que dá jeito. 

Esses são os meus.

Solstício


O meu pai, que já se me foi há muito, adorava a claridade. Deitava-se cedo e nunca percebeu o fascínio do filho pela noite. A escuridão não era do seu agrado, em parte porque lhe limitava os vários passeios que sempre gostou de fazer, até quase ao seu centenário. O dia 22 de junho não era uma data que apreciasse. "Este solstício é uma chatice! A partir de hoje e até quase ao Natal, os dias vão ser cada vez mais pequenos!" E logo me provocava: "E tu sabes a diferença entre um solstício e um equinócio? Se calhar, não sabes...". Eu, se não sabia, tive de aprender, para lhe poder responder, embora achasse que eram coisas da "cultura de almanaque", um saber com que ele sempre ironizava. 

O meu pai gostava muito de cães. Nunca o vi opinar sobre gatos. Assim, a claro despropósito, deixo aqui este, que há dias mal me olhou nas Trinas.

Então, é assim

Os EUA estão exultantes, sempre sob a batuta do lóbi israelita. Em Israel, a hora é de júbilo, claro: agora, resta a solução final para o problema de Gaza. Na Arábia Saudita, por entre os panos, abrem-se garrafas de sabe-se lá de quê e dizem: ufa! A China, a precisar dos fósseis iranianos, deve estar a mandar recados para manter Ormuz aberto. A Rússia vê os réditos do crude a subir e até se sente mais livre na Ucrânia. A Europa de Bruxelas exulta: o "dirty work" finalmente foi feito, sem mexerem uma palha; a hipocrisia pode continuar. A Índia nunca gostou da ideia de ter mais um no clube nuclear. O resto? O resto é, como sempre, o resto. Aqui, do sofá, é um jogo curioso.

Uma Espanha tensa


Ver aqui

Ouvir quem sabe

 


O cozinheiro "iraniano"



Quando, em maio de 1979, cheguei à Noruega, para aquele que seria o meu primeiro posto diplomático, a revolução iraniana estava já em curso. 

O Xá tinha abandonado Teerão e o Ayatollah Khomeini chegara, triunfante, do seu exílio em França. Um governo de transição geria o país. A grande incógnita era saber se a dinâmica política em torno de Khomeini desencadearia ou não uma radicalização da situação, colocando em causa a precária estabilidade governativa.

Por uns dias, coexisti na nossa embaixada em Oslo com o colega que ia substituir, Pedro Vasconcelos e Castro, cuja casa iria "herdar". Ao segundo ou terceiro dia, o Pedro perguntou-me se queria ir com ele jantar a casa de um seu amigo próximo, um diplomata do Irão, Parviz Azarnia. Não queria eu outra coisa! A minha curiosidade sobre o que se estava a passar no Irão era imensa. 

Verdade seja que a ocasião veio a ter pouco préstimo para esse objetivo. Era um jantar volante, para despedida do Pedro, o qual iria, dias depois, partir para a nossa embaixada no Cairo. A conversa foi dispersa, o iraniano, que era solteiro, distribuía naturalmente a atenção por todos os convidados. Não tive o mínimo ensejo de conversar com ele a sós. Lembro-me que era um excelente apartamento, perto de Røa, à saída de Oslo para o antigo aeroporto de Fornebu, não muito longe da casa onde eu iria morar nos três anos seguintes. Recordo que voltei lá uma vez com a minha mulher, para um cocktail.

O que me impressionou logobnesse jantar foi a descontração desse colega iraniano, que sabia ter no seu país uma situação política em risco de explosão. Vestido 100% à ocidental, tinha belas peças de decoração, que imaginei valiosas. Os tapetes, notei, eram deslumbrantes. Pode dizer-se que vivia "à grande e à francesa", se isto ainda hoje se diz.

Os acontecimentos no Irão precipitaram-se, nos meses seguintes. De Teerão, começaram a chegar notícias da "débacle" das estruturas moderadas de governo. A imprensa internacional que líamos - no meu caso, quase exclusivamente, o "Herald Tribune" - dava conta do início da onda clerical que se prolongou até aos dias de hoje. Viria ainda o episódio do assalto à embaixada americana, que Trump está por estas horas a tentar vingar.

Um dia, no diz-que-disse dos círculos diplomáticos, chegou-nos a notícia de que Parvis Azarnia tinha saído de Oslo. Uns meses mais tarde, passou a circular que se tinha transferido para Genebra, onde montara uma casa de venda de ... tapetes, "et pour cause"!

Estava eu, na ausência do embaixador Fernando Reino, a chefiar interinamente a embaixada, aí por julho ou agosto de 1979 quando fui avisado de que um cidadão português, residente em Oslo, queria falar comigo. 

Os nossos compatriotas na Noruega, ao contrário do que hoje sucede, não excediam as duas centenas, concentrados basicamente em Oslo. O José Manuel dos Santos, um jovem algarvio que tinha entrado um ano antes ao serviço da embaixada, antes de introduzir o homem no meu gabinete, sussurrou-me: "É cozinheiro na embaixada do Irão!". Fiquei curioso, claro.

Apareceu-me um tipo gorducho, de quarenta e tal anos, afogueado e nervoso. Antes que eu pudesse matar a curiosidade sobre a vida lá no seu emprego, foi direito ao assunto que ali o levava. 

Desde há alguns anos que era cozinheiro da embaixada do Irão Não tinha razões de queixa dos patrões, que lhe pagavam bem, para os já bons salários de Oslo. Contudo, uma semana antes, a residência esvaziara-se e na chancelaria tinha acontecido praticamente o mesmo: não ficara nenhum iraniano na embaixada. Havia uns noruegueses contratados na chancelaria da embaixada, mas, estando sem orientações, tinham fechado o escritório. Na residência ele estava sozinho, já há alguns dias. Não tinha nada para fazer e estava sem saber o que havia de fazer. Parecia assustado. Tinham-lhe chegado uns zunzuns de que se aguardava a chegada de uma gente um tanto estranha, para substituir os anteriores.

Disse-me que estava à procura de um novo emprego, que tinha mesmo algo apalavrado e que já nem dormia na residência. Ótimo, disse-lhe eu, e desejei-lhe boa sorte. E inquiri o que poderíamos fazer por ele, tentando perceber a razão por que nos procurara.

"Vinha pedir-lhe, senhor doutor, se podia ficar com as chaves da residência, entregando-as depois a quem vier do Irão". Em Oslo, a residência da embaixada do Irão fica em frente da do nosso embaixador, do outro lado da rua.

A vida diplomática confronta-nos com situações estranhas e inesperadas. Em 90% dos casos, a resposta é apenas um mínimo de bom senso. Como o era nesta situação. Era só o que faltava que eu aceitasse o "favor" que o homem me pedia! 

Falei com o Protocolo do MNE norueguês e arranjei um encontro para o homem se ver livre das chaves. Perdi-o para sempre de vista. Infelizmente, soube, meses mais tarde, que tinha morrido de uma doença grave de que já padecia.

Tempos depois, uma nova e mais ortodoxa equipa diplomática iraniana chegou a Oslo. Os trajes tinham mudado por completo. Imagino que o menu da residência também, mas não me recordo de ter sido alguma vez convidado por lá.
 

Falemos então da velhice, através de Philippe Noiret

"Il me semble qu'ils fabriquent des escaliers plus durs qu'autrefois. Les marches sont plus hautes, il y en a davantage. En tou...