O serviço do Protocolo de Estado está sedeado no Ministério dos Negócios Estrangeiros mas, na realidade, serve todas as grandes instituições do Estado, a começar pela Presidência da República.
Um dia, em 1987, trabalhava eu nos Assuntos Europeus, o secretário-geral do MNE chamou-me e pediu-me se eu não me importava de ir chefiar, por duas semanas, o serviço do Protocolo. Tinha havido um qualquer problema, envolvendo conjunturalmente a disponibilidade das chefias regulares, e era-me solicitado que tomasse conta do serviço nesse período.
Nunca me considerei um especialista em protocolo, mas, como diplomata "generalista", sempre tive a pretensão de ser capaz de operar em qualquer área da atividade do ministério, sem exceção. E, movido também por alguma curiosidade, disse que sim à tarefa.
Mudei-me assim, por quinze dias, da Visconde Valmor para os dourados do "palácio velho" das Necessidades, última morada dos reis portugueses, até ao 5 de Outubro.
Tive o gosto de trabalhar, nesse tempo, num serviço pelo qual tenho o maior respeito e cuja ação, através de alguns profissionais altamente responsáveis que por lá têm passado, se tem revelado, ao longo dos anos, numa âncora essencial para o bom curso da vida das instituições nacionais, em especial das relações externas do país.
O comum dos cidadãos está longe de saber o que o país deve, em termos de crises evitadas e de soluções discretamente encontradas para inesperados problemas, a essa estrutura que tem sabedoria para conseguir induzir bom-senso comportamental aos atores políticos, bem como racionalidade e modos civilizados à máquina governativa. Das posses a funerais de Estado, passando por visitas de dignitários estrangeiros ou pela organização de deslocações internacionais dos nossos governantes de topo, até à gestão da vida do corpo diplomático estrangeiro em Portugal, o Protocolo de Estado é responsável por uma multiplicidade de tarefas, algumas de elevada delicadeza. O protocolo é, um pouco, como os árbitros de futebol: só se fala dele quando falha.
Num dos primeiros dias dessas minhas episódicas funções, fui informado de que um velho embaixador, há muito reformado, figura com nome histórico nos anais da casa, pedia para ser recebido por mim. Anuí, de imediato, e fui buscá-lo à porta do gabinete que ocupava.
Após alguns circunlóquios, o vetusto diplomata explicou a razão por que queria falar com a pessoa que estava a dirigir o Protocolo, na circunstância eu: tinha surgido, na véspera, na imprensa, a notícia de que, meses depois, se deslocaria a Lisboa, em visita de Estado, o presidente de um país onde esse embaixador tinha, em tempos, chefiado a nossa missão diplomática. E disse-me: "Eu imagino que o meu nome irá surgir na lista dos convidados do senhor Presidente da República para o banquete na Ajuda. Mas como já fui embaixador há muito tempo, achei que era melhor lembrar o meu nome, até para evitar algum lapso por parte do Protocolo". Não deixava de ter graça ele insinuar de que estava quase a fazer um favor ao Protocolo...
O costume protocolar é convidar, por vezes, para os banquetes de Estado, antigos embaixadores portugueses que tenham servido nas capitais dos países cujos chefes de Estado nos visitam, embora sem que tal seja um imperativo e uma regra absoluta. Disse ao embaixador que ele podia estar seguro de que eu deixaria uma nota para que o seu nome viesse a ser incluído na futura lista de convites. E cumpri o prometido. Se foi ou não convidado, isso já não sei.
Essa conversa acabou por ser uma bela lição pela negativa: achei a cena tão triste, tão pouco compatível com a dignidade de um servidor público daquele nível, que jurei a mim mesmo que, quando me aposentasse, jamais cairia na fragilidade de vir a "mendigar" para que não se esquecessem de mim, para recolher, enfarpelado, algumas vitualhas em cerimónias de Estado.
Cumpri sempre isso escrupulosamente. Mas, naturalmente, quando as autoridades de turno do país me convocam para essas ocasiões, nunca cometo a indelicadeza de não estar presente. Como ainda ontem aconteceu. Mas, repito, sempre sem que antes me tenha feito lembrado.
3 comentários:
Caro Embaixador, a última frase não estará com o sentido errado, contrário ao que escreve?
A frase tem um ar retorcido mas não é "Mas, repito, nunca sem que antes me tenha feito lembrado".
Acho eu de que.
Espero que tenha comido bem, como é seu costume, Francisco!
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