Tenho este assunto, de há muito, bem estudado. A
conversa "arbórea" é um estilo de expressão oral que se carateriza por uma deriva temática obsessiva, tendo como pretexto o emergir de uma qualquer referência significativa. A conversa do "arbóreo" segue como os ramos de uma árvore, de onde surgem novas ramificações, as quais, por
sua vez, se subdividem.
Diga-se, com franqueza, que nenhum de nós está
imune a esta prática. Num diálogo solto e informal, todos caímos,
frequentemente, neste vício. Eu faço-o, com regularidade e de modo consciente. Só que há quem o exercite por regra e seja completamente incapaz de
o evitar. É o caso do pessoal que é tipicamente "arbóreo".
Uma vez mais, o meu interlocutor não desiludiu as expetativas - e só
transcrevo aqui o que me disse pela certeza segura de que ele não utiliza computadores:
- Então já saiu de Paris? Deixou-se de embaixadas, não é? Era tempo! Bela cidade, Paris! Sabe
que tenho lá uma irmã, que trabalha na banca? Nunca a encontrou? Está casada
com o Meireles, você é capaz de conhecer, está muito ligado ao Florindo, aquele
advogado que esteve nos governos do Soares. Você é amigo do Soares, não é? Sabe se está melhor? Deve estar. Li
num jornal que ele já fez um elogio à entrevista do Sócrates. E a si, o que lhe pareceu
a "aparição" do homem? O que é que ele pretende? Belém ou só atazanar o Seguro? Acha que ele vai voltar? Não gosto dele, mas pareceu-me
em boa forma. O tipo tem cá uma raça! Ele ainda anda por Paris, não é? Você via-o muito por lá? Ao
tempo que eu não vou a Paris! Sabe que cheguei a pensar fazer-lhe uma vista lá na
embaixada? Mas, com a crise, não deu...
Nem sempre um "arbóreo" fecha o
discurso, como este meu conhecido fez, regressando com a conversa "a Paris". As
mais das vezes, prossegue na sua imparável viagem pelas palavras, sem limites
nem contenção. Só raros "arbóreos", no delírio quase intravável do seu curso verbal, chegam à frase consciente:
- Já me perdi. De que é que estávamos a falar?
Neste passo da conversa, tida na esquina entre o
ourives o o Zézé (só um vilarealense sabe o que é isto), em frente ao Santoalha e ao antigo Rafael (já houve por ali um sinaleiro!), apenas o surgimento
oportuno de outro conhecido me salvou. E o "arbóreo" lá desandou, em
direção ao que, noutros tempos, foram o Zeca Martins e o Teixeira Pelado...