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sábado, fevereiro 18, 2012

Síria e Kosovo

Na sexta-feira, estive presente na cerimónia que, em Paris, assinalou o 4º aniversário da independência do Kosovo, uma realidade política até hoje reconhecida por 88 países, entre os quais 22 da União Europeia, incluindo Portugal.

Não pude deixar de recordar-me, na ocasião, que o Kosovo talvez hoje deva a sua existência à intervenção militar promovida pela NATO, em 1999, feita à revelia de qualquer legitimação do Conselho de Segurança da ONU, então bloqueado pela obstinação russa e chinesa. Uma ação discutível mas que, para largos setores da comunidade internacional, se justificou por ser talvez a única forma de suster a repressão sangrenta das forças sérvias sobre a população kosovar. 

A atual crise síria evoca, naturalmente, o caso do Kosovo. Também agora largos setores da opinião pública internacional sentem que se está perante um verdadeiro escândalo: a completa impunidade de uma ação impiedosa de um regime sobre a sua própria população. E, uma vez mais, a oposição russa e chinesa no Conselho de Segurança está presente. Só que, nesta conjuntura, o quadro geopolítico não aponta no sentido de alguns países poderem ser tentados a agir militarmente, mesmo sem o conforto da legitimidade multilateral.

Alguns tentam "perceber" as razões formais da Rússia e da China, ao não darem luz verde para uma pressão constrangente sobre Damasco: os ocidentais mostraram, na Líbia, que a resolução 1973 foi "abusada" e que, da imposição de uma "no fly zone", se passou rapidamente para um processo de "regime change", que não estava previsto no mandato onusino. E ambos os países também temem que, por esta via, comece a consagrar-se um "direito de ingerência", princípio que sempre recusaram, pela utilização alargada e sem controlo que dele pode fazer-se. Razões discutíveis mas arguíveis, no plano dos princípios.

O que a Rússia e a China parece não perceberem é que, ao não partilharem, em situações graves como estas, as preocupações de grande parte do mundo, além de ficarem ligados, inapelavelmente, aos fautores das barbáries, contribuem para condenar a ONU a uma irrelevância que degrada a sua imagem e legitimidade. De bloqueio em bloqueio, vão dando razões a quantos acham, às vezes por motivos que não são os melhores, que, em situações limite, é preciso "ir a jogo", ultrapassando os impasses onusinos. E que assim se cria, na opinião pública internacional, um ambiente de crescente condescendência face a possíveis ações unilaterais, sem limites nem mandatos, que possam pôr cobro a situações de flagrante escândalo humanitário. 

quarta-feira, novembro 09, 2011

Um abraço, Georgios

Não é vulgar repetir um post. Mas vou reproduzir o que aqui publiquei, em 5 de outubro de 2009, porque ele é o melhor retrato que consigo fazer de um amigo que foi, até há uns minutos, o primeiro-ministro da Grécia:

"Georgios Papandreou foi ontem eleito primeiro-ministro da Grécia.

Desde o tempo em que foi secretário de Estado e depois ministro dos Negócios Estrangeiros do seu país, Georgios anima anualmente um clube internacional de discussão, para o qual tive o privilégio de ser por ele convidado algumas vezes - o Symi Symposium. António Guterres e Jaime Gama foram os outros portugueses presentes nessas reuniões, que têm uma composição variável. Por lá passaram já Bill Clinton, Amartya Sen, Joseph Stiglitz, Richard Holbrook, Fernando Henrique Cardoso, Yossi Beilin, Ségolène Royal, etc. São encontros com cerca de 25 pessoas, cada uma de sua nacionalidade, realizados sempre em locais diferentes da Grécia, nos quais, durante uma semana, se pensa livremente o mundo e, muito em especial, a Europa.

Houve um desses debates, creio que em 1999, que nunca mais esquecerei. Estávamos no tempo imediatamente posterior à grande crise do Kosovo e, à mesa, desencadeou-se uma acesa discussão entre uma resistente sérvia, aberta opositora de Milosevic, e um intelectual kosovar, recém-saído de meses de clandestinidade em Pristina. Num certo momento, o kosovar, num óbvio excesso de argumento, volta-se para nossa amiga sérvia e ataca-a da seguinte forma: "tu podes ser pró ou anti-Milosevic, mas o problema que nunca poderás ultrapassar é o facto de seres sérvia!".

Todos ficámos gelados! O ambiente de diálogo e cordialidade que caracteriza, desde há vários anos, aquelas reuniões, que não impede discussões acesas e vivas, nunca terá chegado a um extremo tal de agressividade, muito fruto de um tempo de tensão balcânica cuja conflitualidade inter-étnica ficámos, naquele instante, a perceber bem melhor.

Foi então que, com o seu ar sereno, no tom suave que nunca perde, Georgios interveio. E fê-lo para contar uma história, que se tinha passado consigo, já há muitos anos.

Durante a ditadura militar grega, o seu pai, Andreas Papandreou, que mais tarde viria a ser primeiro-ministro, encontrava-se na clandestinidade. Uma noite, o exército invadiu a casa da família de Georgios, que era então adolescente, e levou-o de carro para uma qualquer zona da Grécia. Umas horas mais tarde, ao chegarem a uma moradia isolada, cercada pela tropa, Georgios viu o oficial que o detivera e que comandava o grupo pegar num megafone e dirigir-se à habitação, que logo compreendeu ser o esconderijo onde estava o seu pai. O oficial gritou então para que Andreas Papandreou se rendesse, informando-o de que tinha ali o seu filho, que prenderia se ele não se rendesse, tudo isto acompanhado de outras ameaças violentas. Perante este cobarde ultimatum, o pai Papandreou entregou-se e foi preso.

A história que Georgios nos contou tinha um significado que ele pretendia projectar no ambiente de tensão que se criara no nosso debate. Porque acrescentou: "na passada semana, encontrei casualmente o militar que fez essa chantagem comigo e com o meu pai, utilizando-me como refém. Estendi-lhe a mão e cumprimentei-o. Essa é a nossa superioridade como democratas".

Recordo-me que todos olhámos para os nossos amigos da Sérvia e do Kosovo, para tentar perceber se eram sensíveis à lição. Não estou certo que ela tenha sido eficaz.

Se outras razões não tivesse, fruto da minha já antiga amizade com Georgios Papandreou, este testemunho reforçou-me a admiração pelo perfil humanista do homem que, desde ontem, dirige os destinos da Grécia. E a quem já dei os meus sinceros parabéns."

Confesso os figos

Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste m...