Na primeira metade dos anos 90, nos tempos imediatamente após o massacre cometido pelos militares indonésios no cemitério de Santa Cruz, em Dili, a causa timorense passava por um período de grande movimentação internacional. Em Londres, a nossa embaixada desenvolvia uma intensa atividade junto do "Foreign Office" e de outras entidades, com vista a denunciar o prosseguimento da bárbara repressão indonésia. A minha colega Ana Gomes, que aí era conselheira e que nesta matéria teve sempre razão antes do tempo, era o eixo dessa nossa ação, que envolvia instituições oficiais, embaixadas estrangeiras, imprensa e ONG que apoiavam a causa timorense.
Um dia de 1993, coube-me representar a embaixada no congresso do Partido Conservador britânico, em Birmingham. Nos corredores de um "fringe meeting", numa troca de apresentações num grupo de diplomatas, apertei a mão a um desconhecido que me disse:
- Tenho muito gosto em conhecê-lo. Eu sou o adido militar da Indonésia em Londres. De que país é?
- Sou um diplomata de Portugal. E quero dizer-lhe que acho muito curioso conhecer um militar indonésio. Nem imagina quanto, por estes dias, se fala dos militares indonésios lá pelo meu país...
E fiquei impávido. O homem olhou-me, sem saber como reagir. Outros colegas estrangeiros, rápidos na perceção da situação, ficaram à espera de um qualquer "follow-up". Que não houve, claro.
Regressado a Londres, quando contei a Ana Gomes que tinha cumprimentado um militar indonésio, ficou furiosa comigo. Anos mais tarde, seria ela uma das principais responsáveis pela plena normalização das nossas relações com Jacarta. É a vida, não é, Ana?