Reconheço que pode haver algo de "corporativo" na forte impressão que me faz a condenação à morte de Tarek Aziz, o antigo chefe da diplomacia de Saddam Hussein. Para além de ser, por princípio e como é óbvio, adversário feroz da pena de morte, em qualquer circunstância.
Aziz foi, durante muitos meses, uma das caras mais "apresentáveis" da ditadura iraquiana. Circulava nos meios diplomáticos, jogava todas as manobras dilatórias possíveis face às pressões da comunidade internacional, e assegurava, perante a incredulidade de muitos, que o Iraque não tinha armas de destruição maciça. E não tinha, como se veio a provar...
Não sei se Aziz tem todas as responsabilidade que se lhe assacam. Algumas terá. Mas nenhuma delas justifica que venha a passar por essa prova de medievalismo judicial que é a forca.
A União Europeia vai inaugurar, daqui a um mês, com pompa, circunstância e ambição o seu Serviço Europeu de Ação Externa. Sobre ele falaremos em breve. Gostava de dizer que seria um gesto de grande dignidade - e de mostra clara de princípios - se a nova cúpula diplomática bruxelense fosse capaz de obter autoridade para dizer aos iraquianos, alto e bom som, que a Europa irá retirar todas as necessárias consequências, no relacionamento bilateral com Bagdad, se o seu regime prosseguir com bárbaras execuções, nesta lenta "révanche" política em que se está a transformar o processo condenatório dos antigos líderes do país. Muitos europeus morreram em solo iraquiano para ajudar a implantar o seu atual regime. Alguma autoridade a Europa tem para se pronunciar sobre as práticas bárbaras que o mesmo regime leva a cabo.
Vale a pena recordar que, se acaso se tratasse de um pobre país da Convenção de Cotonou e não do Iraque, a "voz grossa" de Bruxelas há muito que já estaria no ar. Mas como o Iraque atual é, para a Europa, fonte de petróleo e negócios, o caso muda de figura. Além disso, os eurodiplomatas sabem que Bagdad tem, na matéria em causa, as "costas quentes" de Washington, onde a pena de morte se mantém, sem vergonha nem escândalo, apenas sob a tibieza de umas burocráticas declarações bruxelenses em "caixa baixa".
Um diplomata é a última pessoa que deve mostrar-se surpreendido pelo exercício da realpolitik, eu sei! Mas, às vezes, também devemos poder exprimir o nosso direito à indignação. Ele aqui fica.