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quinta-feira, outubro 28, 2010

Tarek Aziz

Reconheço que pode haver algo de "corporativo" na forte impressão que me faz a condenação à morte de Tarek Aziz, o antigo chefe da diplomacia de Saddam Hussein. Para além de ser, por princípio e como é óbvio, adversário feroz da pena de morte, em qualquer circunstância.

Aziz foi, durante muitos meses, uma das caras mais "apresentáveis" da ditadura iraquiana. Circulava nos meios diplomáticos, jogava todas as manobras dilatórias possíveis face às pressões da comunidade internacional, e assegurava, perante a incredulidade de muitos, que o Iraque não tinha armas de destruição maciça. E não tinha, como se veio a provar... 

Não sei se Aziz tem todas as responsabilidade que se lhe assacam. Algumas terá. Mas nenhuma delas justifica que venha a passar por essa prova de medievalismo judicial que é a forca.

A União Europeia vai inaugurar, daqui a um mês, com pompa, circunstância e ambição o seu Serviço Europeu de Ação Externa. Sobre ele falaremos em breve. Gostava de dizer que seria um gesto de grande dignidade - e de mostra clara de princípios - se a nova cúpula diplomática bruxelense fosse capaz de obter autoridade para dizer aos iraquianos, alto e bom som, que a Europa irá retirar todas as necessárias consequências, no relacionamento bilateral com Bagdad, se o seu regime prosseguir com bárbaras execuções, nesta lenta "révanche" política em que se está a transformar o processo condenatório dos antigos líderes do país.  Muitos europeus morreram em solo iraquiano para ajudar a implantar o seu atual regime. Alguma autoridade a Europa tem para se pronunciar sobre as práticas bárbaras que o mesmo regime leva a cabo.

Vale a pena recordar que, se acaso se tratasse de um pobre país da Convenção de Cotonou e não do Iraque, a "voz grossa" de Bruxelas há muito que já estaria no ar. Mas como o Iraque atual é, para a Europa, fonte de petróleo e negócios, o caso muda de figura. Além disso, os eurodiplomatas sabem que Bagdad tem, na matéria em causa, as "costas quentes" de Washington, onde a pena de morte se mantém, sem vergonha nem escândalo, apenas sob a tibieza de umas burocráticas declarações bruxelenses em "caixa baixa".

Um diplomata é a última pessoa que deve mostrar-se surpreendido pelo exercício da realpolitik, eu sei! Mas, às vezes, também devemos poder exprimir o nosso direito à indignação. Ele aqui fica.

sexta-feira, setembro 03, 2010

Ainda o Iraque

Vale a pena notar o que hoje escreve, num artigo publicado na imprensa internacional, o antigo MNE alemão, Joschka Fischer, a propósito do Iraque, após a saída das tropas norte-americanas:

"Nenhum dos problemas políticos urgentes originados pela intervenção americana - a repartição do poder entre shiitas e sunitas, entre curdos e árabes e entre Bagdad e o resto do país - foi verdadeiramente resolvido. O Iraque continua a ser um Estado sem uma verdadeira nação. Poderá, aliás, tornar-se num campo de batalha para os interesses opostos dos seus vizinhos. O combate entre o principal poder sunita, a Arábia Saudita, e os shiitas do Irão, pelo controlo do golfo Pérsico ameaça transformar de novo o Iraque num campo de batalha, cumulado por uma nova guerra civil. As vizinhas Síria e Turquia seriam provavelmente aspiradas para um tal conflito. Esperemos que o vazio deixado pela retirada americana não produza uma implosão de violência".

Não deixa de haver algo de tragicamente irónico nesta perspetiva, que é partilhada por muitos analistas. Quem, como Fischer, foi abertamente contra a intervenção americana, reconhece agora que, tendo-se ela produzido, tinha a obrigação de ter levado mais longe a sustentação da situação que acabou por criar.

quarta-feira, setembro 01, 2010

Iraque

O presidente Obama anunciou ontem o fim das operações militares americanas no Iraque. As forças armadas dos EUA permanecerão, a partir de agora, naquele país, apenas para ações de formação, até ao termo de 2011.

Em 2003, o governo americano decidiu invadir o Iraque e derrubar o regime dirigido por Saddam Hussein. A sombra dos ataques terroristas cometidos contra a América, menos de dois anos antes, estava bem clara por detrás dessa decisão. Contudo, o argumento então utilizado foi a existência no país de armas de destruição maciça, que ameaçariam a segurança internacional. Washington considerou, embora sem grande convicção, ter cobertura legal para promover essa invasão, à luz de uma anterior resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esta tese não foi, como é sabido, maioritariamente aceite pela comunidade internacional, que se dividiu entre a rejeição e o apoio à iniciativa americana, fratura que acabou por se refletir dentro da própria União Europeia. As autoridades portuguesas de então optaram por transformar Portugal num sujeito ativo nessa polarização, adotando, na circunstância, uma atitude que afetou o tradicional consenso político interno em matéria de ação externa.

Veio a verificar-se, entretanto, que não havia no Iraque quaisquer armas de destruição maciça, que tudo não havia passado de uma invenção para criar fundamentos para a invasão. Muitos de quantos haviam apoiado a intervenção à luz daquele argumento acabaram, sem surpresas, por reconverter o pretexto, sublinhando depois a importância de eliminar um regime ditatorial e instaurar um sistema político democrático. Tomando o mundo por ingénuo, evitam lembrar que romperam, dessa forma, as regras mínimas do direito internacional e que, por alguma razão, não mostram idêntico zelo face a outras ditaduras cuja sustentação estrategicamente lhes convem. Alguns, entre nós, fazem patéticos atos tardios de contrição, alijando as graves responsabilidades que tiveram na aventura em que envolveram o nome de Portugal, atitude que só não foi mais trágica porque lhes não foi permitido o envolvimento dos nossos militares.

O que se passou depois pode ajudar, cada um de nós, a fazer a avaliação do saldo político e humano desta intervenção: mais de 100 mil mortos entre a população iraquiana, um regime político frágil instalado em Badgad e, muito particularmente, uma indireta contribuição para o imenso reforço do regime iraniano, visto agora, por grande parte da comunidade internacional, como uma real ameaça à segurança coletiva.  Mas, mais do que isso, a invasão acabou por favorecer a consolidação da máquina de terror montada pelo extremismo islâmico, que passou a poder apresentar a agressão externa ao Iraque como tendo sido feita sob uma falsa base.

Nos últimos anos, a questão iraquiana esteve no centro de um debate que os Estados Unidos tiveram consigo mesmos, sobre o seu papel no mundo e sobre o modo como este os passou a olhar. A eleição de Barack Obama foi também, de certo modo, um reconhecimento do erro da estratégia seguida a partir da aventura no Iraque.

A história não volta atrás, mas é hoje muito claro que não são apenas os Estados Unidos quem está a expiar os seus erros passados. A instabilidade acrescida induzida naquela zona do mundo - e que tem, repita-se, a invasão americana do Iraque no seu eixo - é um dado com que todos temos agora de contar, no desenho da nossa segurança coletiva.    

Confesso os figos

Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste m...