Perdi-o de vista há mais de 40 anos. Era meu colega na Caixa Geral de Depósitos, no Calhariz, em Lisboa, quando para ali fui trabalhar em 1971. Embora mais velho, mais "graduado" na profissão, tornámo-nos próximos, desde muito cedo.
Era um homem um tanto abrutalhado, tinha sido condutor da Carris e, da natureza da profissão, ficara-lhe uma atitude política que rimava com a minha. Almoçávamos muitas vezes em grupo no antigo 1° de maio, na Casa da Índia ou, mais frequentemente, no Martins, uma tasca a caminho de Santa Catarina. Tinha o discurso um pouco "ajavardado", contava anedotas "pesadas", saiam-lhe graçolas fortes, com efeito amplificado pela sua voz bem sonora. Mas, no fundo, era um tipo excelente.
No dia 31 de dezembro desse mesmo ano de 1971 (45 anos hoje, caramba!), à hora do almoço na tasca do Martins, num grupo de pessoal "dos Títulos", veio à conversa a passagem de ano dessa mesma noite. O Murta, um outro magnífico colega algarvio, senhor de um humor fino e sentido de oportunidade, virou-se para mim e disse: "Você sabe como é que aqui este nosso colega, desde há muito, faz as passagens de ano?" Eu estava ali há pouco tempo, não fazia a mais leve ideia, mas a gargalhada coletiva do grupo fez-me perceber que estava a perder alguma coisa. E o Murta prosseguiu: "Este homem não gasta champanhe no réveillon!" Eu estava cada vez mais baralhado. O tal colega sorria, deliciado com a minha crescente curiosidade. "Ó homem, conte aqui ao Seixas como é que você passa os fins de ano!", rematou o Murta.
E ele contou. Não vou repetir aqui as palavras utilizadas pelo colega, porque o blogue não tem uma bola vermelha para alertar os mais sensíveis. Só revelo que o hábito desse meu amigo era ir para a cama um quarto de hora antes da passagem de ano. E nunca ia sozinho...
Cada um passa o "reveillon" como mais gosta, não é?