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terça-feira, janeiro 24, 2012

Irão

A questão nuclear iraniana é suficientemente séria para justificar, em absoluto, a imposição das sanções agora decididas pela União Europeia. A UE deu mostras de um grande sentido de responsabilidade ao conseguir gerar um compromisso interno em torno do novo quadro de sanções. Depois das concludentes análises feitas pela Agência Internacional de Energia Atómica ao programa nuclear iraniano, seria altamente perigoso deixar o respetivo regime prosseguir, sem uma forte reação, o seu caminho em direção à arma nuclear.

Alguns, inocentes ou de má fé, dirão que a legitimidade de Teerão querer possuir a arma nuclear é, pelo menos, idêntica à de outros Estados que também a obtiveram por meios menos claros, sem que, por isso, se sujeitem a um controlo ou a uma pressão internacional de idêntica natureza. Custa ter de assumir isto, mas uma atitude de meridiano realismo leva à necessidade de pensar que, qualquer que seja o panorama nuclear global, o aparecimento de novos atores nesse "mercado" é um risco que deve ser evitado a todo o custo. E que esgrimir juízos de mera equidade, numa área com a delicadeza do tema nuclear, é um suicídio a prazo. 

Pena é que países como a China ou a Rússia, a quem, manifestamente, a nuclearização do Irão nada interessa no plano estratégico, não tenham querido, a tempo e horas, aliar-se a uma pressão internacional sobre Teerão, no quadro da ONU. Se a troca de argumentos conjunturais com as potências ocidentais não tivesse prevalecido sobre um mínimo de razoabilidade, talvez se pudesse ter evitado a situação a que hoje se chegou, agora acrescida com novos e graves riscos envolvidos.

É que, para além da tensão militar no Golfo, de que o sinal mais evidente é a situação que se vive no estreito de Ormuz, a inevitável subida do preço do petróleo vai acabar por traduzir-se num peso acrescido sobre o esforço de recuperação da economia internacional. Resta esperar que nenhum tropismo belicista, quiçá mobilizado por agendas políticas nacionais, venha ainda somar fogo às chamas.

domingo, dezembro 04, 2011

Ainda o Irão

Em Junho de 2000, coube-me chefiar uma missão de "diálogo político" da União Europeia a Teerão. Da "troika" (já as havia...) que me acompanhava, faziam parte um diretor do Quai d'Orsay (a França iria suceder-nos na presidência, dias depois) e um representante da Comissão Europeia, cuja nacionalidade não consigo precisar. A delegação iraniana era chefiada por um vice-ministro dos Negócios Estrangeiros.

O diálogo com as autoridades do Irão era, previsivelmente, difícil. Cabia-me colocar-lhes todas as questões que a União Europeia via como polémicas, desde os direitos humanos à observância de princípios democráticos, com o tema dos dissidentes e presos políticos, bem como do tratamento de minorias e estrangeiros, na agenda. A conversa começou assim algo tensa, se bem que a experiência diplomática dos dois principais interlocutores a tentasse manter num registo funcional de cordialidade. No meu caso pessoal, não esquecia que, enquanto país, Portugal tem um histórico de relacionamento bastante positivo com o Irão, que devemos tentar salvaguardar, para além de todas as divergências conjunturais. 

Para evitar veleidades que pudessem fragilizar a condução da reunião pela presidência, eu havia decidido, de uma forma algo imperativa, quais os dois temas da agenda cuja apresentação, como é de regra, ficava a cargo dos outros membros da "troika", contrariando explicitamente as propostas que, nesse sentido, me haviam sido feitas pelo secretariado-geral do Conselho, que assessora (e, às vezes, quer conduzir) as presidências semestrais. Nem a representação francesa nem a da Comissão me pareceram apreciar esse meu estilo afirmativo, mas isso era o que menos me importava: para as capitais europeias, o "saldo" geral da conversa, que tinha que ser "craftly worded" na ata, recairía sempre sobre mim. Não estava disposto a que outros condicionassem o trabalho e, por essa razão, decidi "controlar o jogo", desde o primeiro minuto, sem conceder espaço para criatividades.

A agenda foi percorrida no tradicional "ping-pong" de argumentos. Os temas eram introduzidos, alternadamente, pela União Europeia e pelo lado iraniano, com "statements" de cada lado, complementados por comentários de "réplica" e, por vezes, "tréplica", que ficariam registados em ata. 

A certo passo da abordagem de um ponto da agenda, o vice-ministro iraniano acusou um Estado membro da União Europeia, que não identificou, de estar a levar a cabo "atos de espionagem", em articulação com inimigos do país, contra a segurança do Estado iraniano. Interrompi-o, de imediato, e pedi-lhe para identificar o país em causa, dada a gravidade da acusação, porque isso se refletiria, de forma inescapável, sobre toda a nossa política exterior comum. Respondeu-me que não lhe era possível dizer o nome desse Estado, "para não agravar ainda mais as coisas". 

Para grande surpresa dos membros da delegação europeia, reagi de forma muito firme: ou ele identificava o nome do país ou retirava formalmente a acusação, com efeitos na ata da sessão. O "diálogo político" não podia prosseguir sem uma dessas opções. Não podíamos aceitar que ficasse registada uma acusação genérica, que não permitisse uma contestação específica. A solidariedade entre os Estados membros da União a isso obrigava. Pelo que sugeri que o intervalo da reunião que estava previsto para mais tarde, tivesse lugar de imediato.

O ambiente, naquela sala do ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, toldou-se. A delegação do Irão saiu da sala, perplexa e de cara fechada. Nela ficaram os representantes europeus, entre os quais se contavam também os embaixadores português e francês, além do delegado local da Comissão, que me rodearam, perguntando-me alguns se tinha medido bem o risco de dramatização que estava a fazer correr ao já muito crítico e sensível diálogo com Teerão. Eu disse que sim, mas, interiormente, perguntava-me se o "bluff" iria resultar.

Tinha razão. Resultou. Minutos depois, o chefe da delegação iraniana reabriu a sessão dizendo que, com vista "a facilitar um eficaz funcionamento dos trabalhos", propunha que, da ata, não constassem as referências que antes tinha feito sobre o "tal" Estado membro europeu. Agradeci-lhe o esforço e prosseguimos o debate num ambiente que, de certo modo, ficou bem mais distendido. O desfecho provocou um aliviado e expresso agrado do diretor francês, que nos sucederia na presidência e que, seguramente, temeu, por alguns minutos, ficar nas mãos com uma "batata quente", para os próximos seis meses.

Vale a pena notar que, desde o início, todos nós sabíamos que a acusação iraniana se dirigia ao Reino Unido, país com o qual, de há muito, Teerão tem um recorrente contencioso, como os acontecimentos dos últimos dias vieram, uma vez mais, a evidenciar. Ora o vice-ministro iraniano, meu contraparte na chefia das negociações, havia-me revelado, em conversa privada antes da reunião, que, no final desse ano de 2000, deveria ir para Londres como embaixador (o que realmente veio a acontecer), solução que muito lhe agradava. Ao colocá-lo "contra a parede", exigindo a retirada das acusações e a revelação do nome do país, eu tinha tido isso em conta. Se acaso ele mencionasse o nome do Reino Unido, e ficasse na ata ter sido ele quem lançara internacionalmente essa atoarda não provada, com toda a certeza que o governo de Londres nunca lhe daria "agrément".

A vida diplomática também se faz com alguns truques, como se vê.

Dominick Chilcott

Há minutos, ao passar em "zapping" pela BBC, dei-me conta que conhecia bem a cara de quem falava. Parei um pouco. Era o embaixador britânico que acabara de ser expulso de Teerão, onde chegara apenas em outubro passado. Era Dominick Chilcott.

Então ainda jovem diplomata, Dominick era contacto regular da nossa Embaixada em Londres, no "desk" do "Europe Directorate", nos dois primeiros anos da minha estada no Reino Unido. Um dia, convidou-me para almoçar e, com pedido de discrição, revelou-me que ia ser colocado na embaixada britânica em Lisboa. Lá o voltei a encontrar, durante mais dois anos, depois do meu regresso ao MNE, em 1994. Dominick Chilcott viria a ser chamado de volta a Londres e a ingressar no gabinete do MNE britânico e, por diversas vezes, cruzámo-nos nas coisas europeias, onde a atípica posição britânica justificava maior atenção. Em 1998, num elevador do "Justus Lipsius", em Bruxelas, disse-me que acabava de ser colocado na missão do seu país junto da União Europeia. Com frequência, fomo-nos por lá vendo, até à minha partida para Nova Iorque, em 2001. Perdi-o de vista desde então, como às vezes acontece com colegas estrangeiros.

Dominick Chilcott é um diplomata discreto, com sentido de humor, muito bem preparado e de uma só palavra, como tive ocasião de provar.

Agora, à pressa e sob riscos para si e para sua família, teve de abandonar o posto. A vida tem destas coisas, Dominick! "Bon courage"!

sábado, dezembro 03, 2011

A questão iraniana

Na vida internacional, as relações entre os Estados processam-se sempre no quadro de certas expetativas de comportamento, pela sua previsível reação face ao posicionamento dos outros atores, que possa vir a ser afirmado bilateralmente ou no quadro multilateral. Se bem que algumas surpresas sempre possam surgir, na grande maioria dos casos é possível, com algum realismo, antecipar atitudes e, dessa forma, medir as condições necessárias para os compromissos ou as probabilidades de rutura. É assim que se procuram evitar guerras e conflitos, cabendo aos diplomatas um papel central no domínio desta diplomacia preventiva.

O grande problema que se coloca à comunidade internacional é o pontual surgimento, no comportamento de certos Estados, de atitudes que, não apenas não era possível prever, mas que igualmente se tornam difíceis de interpretar, em todas as suas possíveis motivações. Esta circunstância cria dificuldades de "leitura", induz interrogações e pode levar a reações diferenciadas por parte de outros Estados.

O comportamento recente do Irão, com o saque às instalações diplomáticas britânicas em Teerão, claramente feito sob a aparente complacência das autoridades policiais, na sequência de sanções bilaterais determinadas pelas mais que legítimas preocupações face à evolução do programa nuclear do país, é um exemplo desses comportamentos de difícil interpretação e de elevado risco. E suscita questões que somos chamados a colocar, nãso tendo para elas uma resposta clara.

Que pretende o Irão com este tipo de atitudes, onde se inclui o seu desafio à AIEA? Que mais riscos está o regime iraniano disposto a correr, nesta linha de comportamento? Até onde estará disposto a avançar? Que avaliação faz Teerão dá utilização do petróleo no seu "jogo" internacional? Como estarão as autoridades iranianas a medir o grau de probabilidade da ameaça de um ataque israelita às suas instalações nucleares?

A persistência destas interrogações nada ajuda à descoberta de soluções para a estabilidade e para a paz na região. E Teerão sabe, com certeza, que assim é, o que torna tudo mais preocupante.

quinta-feira, junho 10, 2010

O Irão, o Brasil e a Turquia

1. Alguma coisa está ainda mal explicada no modo como foi lançada a iniciativa que o Brasil e a Turquia tentaram, com vista a desenhar um acordo que permitisse travar as sanções ontem decididas pelo Conselho de Segurança contra o Irão. É difícil acreditar que, em particular no caso do Brasil, que tem a preservar a preciosa credibilidade que tem vindo a criar perante países de quem, em absoluto, depende a sua possível ascensão a membro permanente daquele Conselho, não tenha recebido sinais que hajam sido interpretados como uma "luz verde" para essa iniciativa.

2. De qualquer forma, o facto de, no seio do Conselho de Segurança, os cinco membros permanentes (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) terem obtido um acordo entre si numa questão desta importância para a segurança internacional é, manifestamente, uma muito boa notícia. O cruzamento e a frequente conflitualidade de interesses, económicos e geopolíticos, entre as principais potências raramente proporciona momentos de entendimento desta natureza. O que agora se passou, conjugado com o razoável resultado da recente Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, é um sinal de esperança para a paz e segurança globais. E é, simultaneamente, uma importante vitória para a política externa do presidente Obama, cujo paciente e construtivo diálogo com Moscovo e Pequim está na base deste resultado. 

3. Menos boa é a constatação, que ontem chegou de Washington mas que o bom senso há muito impunha, de que a evolução recente da posição da Turquia configura uma deslocação do seu padrão de interesses à escala global, que vem alterar uma realidade de décadas. Para os EUA, que, sem surpresas, também incluem neste prato da balança a mudança de atitude turca face a Israel, são as reticências que Ancara constata face às suas pretensões de entrada na União Europeia que estarão na base deste comportamento. Pode ser apenas uma parte da verdade, mas não há dúvida que esse posicionamento da Europa continua a ser um erro estratégico grave. Como Portugal, desde há vários anos, sempre assinalou.

terça-feira, junho 08, 2010

O véu

Laurence Ferrari é a imagem de serenidade que, de segunda a sexta-feira, apresenta o telejornal de TF1. "Utilizo-a" para sossegar o espírito, preparando-me assim, cerca de uma hora antes, para o trauma diário do "pacote" de acidentes, crimes & desgraças correlativas, do continente e ilhas, que os nossos jornais televisivos nos irão servir logo de seguida.

A jornalista francesa, cuja delicadeza pessoal verifico ser compatível com um jornalismo rigoroso e acutilante, mas isento de histeria e agressividade medíocre, foi objeto de vários comentários  na imprensa, por ontem ter sido vista a entrevistar o presidente iraniano, usando na cabeça um véu que cobria os seus cabelos loiros. Nada que, como já vi no passado, seja incomum a prestações similares, por parte de colegas suas, em idênticas situações. 

Porém, como a questão do uso de vestuário feminino em ambientes islâmicos (convém notar, para alguns menos atentos, que os iranianos são islâmicos mas não são árabes) está aqui muito presente em França, o tema não deixou de ser especulado por alguns comentadores. Em resposta, Ferrari limitou-se a dizer, e bem: "respeito as regras dos países onde vou". 

Estes são temas polémicos e, nos tempos que correm, acabam por ser dramatizados e às vezes caricaturados. A meu ver, devemos abordá-los com sentido de respeito pelos usos e costumes de cada um, atendendo, em especial, às sensibilidades culturais e religiosas que convocam. Temos o dever de não ser "eurocêntricos" na sua abordagem, embora devamos cuidar em que as nossas próprias formas de estar devam ser objeto de idêntico respeito. Aprendi nesta vida diplomática que o bom-senso, nisto como em tudo, resolve muitos problemas.

A relação com os iranianos levanta uma outra questão protocolar, por vezes desconhecida: os homens iranianos não cumprimentam as senhoras com a mão, porque entendem que, por razões religiosas que não vem ao caso analisar, não devem com elas ter um contacto físico, na esfera social. Assim, para saudar as senhoras que lhes são apresentadas, levam apenas a mão ao peito e fazem uma leve saudação com a cabeça. Já tenho visto muitas senhoras ocidentais, desconhecedoras desta prática, ficarem de mão estendida...

Há cerca de uma década, em Portugal, tive uma experiência curiosa, num pequeno-almoço de trabalho que organizei, num hotel, com uma delegação do Irão, chefiada por um membro do respetivo governo. Fui para esse encontro acompanhado de quatro senhoras, diplomatas e técnicas do MNE, que estavam bem conscientes desse costume. Ao ver-nos entrar, fiquei com a sensação, pela cara dos nossos interlocutores, que a delegação iraniana terá, por alguns instantes, ficado com a impressão de estar a ser vítima de uma provocação, pela quantidade de senhoras que me acompanhava, pouco comum no seu país.  Saudaram-nas ao seu jeito, mas permaneceram estranhamente silenciosos.

Como o ambiente me parecia algo tenso, decidi passar de imediato à mesa. Aí, tudo ficou bem claro: apresentei a minha chefe de gabinete, a diretora do serviço para a política exterior europeia, a responsável pelo departamento que cobria a área do Médio Oriente e a chefe do serviço para as relações económicas internacionais. Todas essas qualificadas funcionárias ali estavam, por direito próprio das funções que exerciam. Os iranianos ter-se-ão assim dado conta, julgo que com alívio, traduzido em alargados sorrisos e na imediata contribuição para um ambiente distendido, que era a lógica do saudável equilíbrio de género, na área diplomática portuguesa, que justificava tão forte presença feminina do nosso lado da mesa. E toda a reunião correu muito bem.

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...