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sexta-feira, junho 29, 2012

Património

A igreja da Natividade, em Belém, foi inscrita, há minutos, na lista do Património da UNESCO, através de um procedimento de urgência, a solicitação do mais novo membro da organização, a Palestina. A sala da Duma de São Petersburgo desfez-se em aplausos - embora, com certeza, menos retumbantes do que aqueles que Lenine por aqui, neste mesmo local, arrancou, há umas boas décadas atrás.

No minuto seguinte, foi a vez do Monte Carmelo ser inscrito na lista, sob proposta de Israel. A sala não foi tão entusiasta, mas não deixou de aclamar o novo bem agora proclamado no seu valor universal. Salomão, com a sua justiça, não faria melhor.

As organizações internacionais são isto mesmo: espaços onde, mais do que o equilíbrio, se procura e pratica algum equilibrismo. Mas seria errado pensar que este tipo de liturgias e coreografias é, em si mesmo, negativo. Estes compromissos, às vezes cínicos, outras vezes oportunistas, são a chave da sobrevivência do mundo multilateral, refletindo as suas limitações mas, ao mesmo tempo, consagrando os pequenos passos que fazem avançar esse mundo, que muito tem feito pela paz e pelo entendimento entre os povos.

sábado, dezembro 03, 2011

A questão iraniana

Na vida internacional, as relações entre os Estados processam-se sempre no quadro de certas expetativas de comportamento, pela sua previsível reação face ao posicionamento dos outros atores, que possa vir a ser afirmado bilateralmente ou no quadro multilateral. Se bem que algumas surpresas sempre possam surgir, na grande maioria dos casos é possível, com algum realismo, antecipar atitudes e, dessa forma, medir as condições necessárias para os compromissos ou as probabilidades de rutura. É assim que se procuram evitar guerras e conflitos, cabendo aos diplomatas um papel central no domínio desta diplomacia preventiva.

O grande problema que se coloca à comunidade internacional é o pontual surgimento, no comportamento de certos Estados, de atitudes que, não apenas não era possível prever, mas que igualmente se tornam difíceis de interpretar, em todas as suas possíveis motivações. Esta circunstância cria dificuldades de "leitura", induz interrogações e pode levar a reações diferenciadas por parte de outros Estados.

O comportamento recente do Irão, com o saque às instalações diplomáticas britânicas em Teerão, claramente feito sob a aparente complacência das autoridades policiais, na sequência de sanções bilaterais determinadas pelas mais que legítimas preocupações face à evolução do programa nuclear do país, é um exemplo desses comportamentos de difícil interpretação e de elevado risco. E suscita questões que somos chamados a colocar, nãso tendo para elas uma resposta clara.

Que pretende o Irão com este tipo de atitudes, onde se inclui o seu desafio à AIEA? Que mais riscos está o regime iraniano disposto a correr, nesta linha de comportamento? Até onde estará disposto a avançar? Que avaliação faz Teerão dá utilização do petróleo no seu "jogo" internacional? Como estarão as autoridades iranianas a medir o grau de probabilidade da ameaça de um ataque israelita às suas instalações nucleares?

A persistência destas interrogações nada ajuda à descoberta de soluções para a estabilidade e para a paz na região. E Teerão sabe, com certeza, que assim é, o que torna tudo mais preocupante.

sábado, setembro 04, 2010

Ainda Israel

Na primeira metade de 2001, estive presente num jantar anual organizado por uma associação de amizade Estados Unidos-Israel, cujo nome exato não posso precisar. Por uma qualquer razão, um grupo restrito de embaixadores junto das Nações Unidas era convidado para esse evento. A cada um competia a presidência de uma das mesas, com cerca de uma dúzia pessoas, pelas quais se desdobrava o imenso jantar, num local luxuoso de Nova Iorque. A bandeira portuguesa, tal como a americana e a israelita, figurava no centro da nossa mesa.

O convidado de honra desse jantar era Shimon Peres, então vice-primeiro ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros de um governo israelita chefiado por Ariel Sharon. Peres teve uma intervenção de grande sensatez, com elevado sentido de compromisso, sublinhando os riscos que havia se se viesse a provocar o isolamento de Yasser Arafat e da Autoridade Palestiniana. O futuro, aliás, veio a dar-lhe completa razão.

O ambiente que recebeu as palavras de Peres, nesse encontro que juntava uma elite da comunidade judaica americana, foi de um progressivo gelo. Passados os primeiros minutos do discurso, as palmas que tinham começado por sublinhar algumas das suas frases esmoreceram, até desaparecerem por completo. No final, notei que, na minha mesa, eu tinha sido o único a aplaudir. Na cara e nos comentários secos dos meus vizinhos senti a rejeição profunda da mensagem de Peres. Ouvir alguém falar de perspetivas de negociação com os palestinianos, com cedências na política de expansão dos colonatos, na lógica do "land for peace", era um visível sacrilégio para aquelas pessoas, que aparentemente consideravam que, das suas "trincheiras" de Manhattan, defendiam melhor os interesses de Israel do que um seu líder histórico. Nessa noite, confirmei muito do que pensava sobre o papel da comunidade judaica americana na questão israelo-palestiniana.

Lembrei-me ontem desta história, ao ler notícias de que o comissário europeu do comércio foi alvo de fortes críticas e de acusações de anti-sionismo por ter lamentado que o lóbi judaico americano estivesse a condicionar a posição do seu governo e acabasse por limitar Washington na sua possível pressão sobre Tel-Aviv, para a conclusão de um novo acordo de paz.

Cada vez mais me convenço que a atitude radical de alguns dos amigos externos de Israel, que induzem o país a políticas que contribuem para o seu progressivo isolamento, acaba, muitas vezes, por ajudar à estratégia dos seus piores inimigos. Provavelmente, também isto não pode ser dito. Mas eu digo.

terça-feira, maio 19, 2009

Médio Oriente

O actual momento do diálogo entre Washington e Tel-Aviv, simbolizado pelo encontro entre o presidente Obama e o primeiro-ministro Netanyahu, pode vir a ser, porventura, o acontecimento mais importante no quadro da acção externa desenvolvida pelos EUA, desde a entrada em funções da sua nova administração, embora outros possam ter tido uma expressão mediática mais forte.

Todos estamos muito longe de conhecer o que se terá passado nessa conversa e nas que paralelamente a prepararam, mas, a crer nos sinais que nos chegam, há alguns indícios de poderemos estar a assistir a um significativo tempo de viragem por parte do Governo americano, face de um dossiê que, desde há décadas, tem condicionado sobremaneira a sua política internacional.

Uma relação tão intensa como a que tem ligado, embora com importantes "nuances", sucessivas administrações americanas aos diversos governos israelitas não se justifica apenas, como alguns simplisticamente têm sustentado, pelo peso do lóbi judaico dentro dos EUA. Israel era, igualmente, uma peça importante no complexo jogo de interesses americanos na região - interesses esses a que, aliás, estão ligados outros parceiros ocidentais, a começar pela União Europeia.

O que poderá ter mudado - "poderá", porque não é, em absoluto, certo que isso tenha ocorrido - é a avaliação americana sobre o papel que Israel pode desempenhar, no seu quadro actual de interesses na região. Washington nunca "deixará cair" Israel, nem seria aceitável que tal acontecesse: o Estado israelita é um dado da História e qualquer solução de futuro terá sempre que passar pela sua preservação e pelo direito da sua população a viver em paz, dentro de fronteiras estáveis e seguras.

Mas é óbvio que o quadro global de insegurança que se vive em toda a região, que vai de Israel ao Paquistão, sob um espectro de fortes tensões globais de natureza cultural e interétnica, poderá ter levado Washington a, por uma vez, decidir não permanecer tão permeável, como era seu hábito, à leitura das "soluções" de segurança que Tel-Aviv ciclicamente testava nas suas relações de proximidade. Até por uma razão bem simples: porque todas elas falharam.

O que os EUA poderão ter aprendido é que, não apenas se revelaram erradas as estratégias de defesa/agressão aplicadas por Israel, em particular no quadro da sua relação com os palestinianos, como esse mesmo curso de tensões, sucessivo e crescente, se transformou num factor indutor de outras dinâmicas de instabilidade, muitas das quais têm já hoje uma quase completa autonomia face ao próprio quadro israelo-palestiniano. E se constituíram, elas próprias, em preocupações com projecção à escala global.

Além disso, Israel poderá estar a ser, aos olhos da nova administração americana, o pior inimigo de si mesmo. Com efeito, algumas declarações e tomadas de posição oriundas de Tel-Aviv relevam já do que parece ser a adopção de uma estratégia de "quanto pior, melhor", reveladora de algum desnorte e de uma política de "navegação à vista" que não prenuncia nada de sustentável.

As coisas, porém, não se esgotam por aí. Nesta complexa equação insere-se, necessariamente, a questão nuclear na região e, muito em particular, o problema iraniano. E todos sabemos que, quando se trabalha no quadro de expressões políticas assentes em radicalismos, a racionalidade quase sempre não é a filosofia prevalecente.

Tudo o que atrás se escreveu parte do princípio de que há condições para que alguma coisa mude na política americana face a Israel. Já muitas vezes se pensou isso, no passado, e tal não aconteceu. O que nos faz pensar que, desta vez, algo poderá ser diferente é a percepção de que Washington estará a entender - depois do Afeganistão, do Iraque, do Paquistão - que há um quadro novo, no qual se projectam os interesses que entende dever defender, em cujo âmbito o factor Israel tem já um peso inferior na equação final.

A ver vamos.

Confesso os figos

Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste m...