quinta-feira, abril 30, 2020

A notar

Sem o menor alarmismo, há uma conclusão muito simples que retiro da leitura das medidas de desconfinamento anunciadas: os riscos para as pessoas mais frágeis (em especial mais velhos) vão aumentar exponencialmente nos meses que aí vêm, em caso de optarem por fazer socialização pública.

Pronto, vou ser otimista...

Vou fazer um esforço, que vai ter de ser bastante grande, para ter uma dose de otimismo perante o impacto das medidas de desconfinamento anunciadas para maio.

O adeus do Piantella



Leio agora que fechou, de vez, o Piantella. Para quem não saiba, foi, durante décadas, o restaurante preferido da classe política de Brasília. Tinha um primeiro andar, com uma bela garrafeira, onde se realizaram reuniões históricas que, para o bem ou para o mal, iam decidindo o futuro político do país. Recordo-me da cadeira de Ulisses Guimarães, que era uma espécie de relíquia do local. No andar de entrada, onde, ao sábado, havia um buffet com uma bela feijoada, cruzavam-se, durante a semana, expatriados dos seus feudos, deputados e senadores, que se juntavam aos jornalistas e lobistas, com os ministros a fazerem aparições solenes, acompanhados dos seus séquitos. Nunca fui um “habitué” do local, quando vivi em Brasília, mas estive por lá as vezes suficientes para ter podido apreciar, com detalhe, aquela sociologia gastronómica, que encenava a coreografia do poder da capital federal. Comia-se bem? Era assim-assim, embora caro. Brasília tinha bem melhores lugares para refeiçoar, mas beber um copo, ao fim da tarde ou mesmo à noite, no Piantella tinha a sua graça. Neste dia de finados para o mais emblemático restaurante político do Brasil, deixo um pensamento para o meu amigo Toninho Drummond, por décadas representante da rede Globo em Brasília, frequentador assíduo do Piantella, autor das mais interessantes memórias políticas que nunca foram escritas.

Os ventos

Lembram-se da polémica sobre os ventiladores, que, durante semanas, entreteve as aves agoirentas do costume.

A pergunta que não vejo agora ninguém fazer é esta: faltou algum ventilador a algum doente?

Vizinhança

Duas razões para eu arriscar quebrar as leis do confinamento seriam ter o José Malhoa ou o Toy a cantar no meu bairro, como parece estar a acontecer em bairros atingidos pelo vírus pimba.

Estou convencido que, se fosse feita uma sondagem, aqui pela zona onde vivo só se ouvia o António Mourão a cantar o “Ó Tempo Volta p’ra Trás”.

Os livros da vida (4)


Em Vila Real, a poesia que tínhamos lá por casa mimetizava a que as “seletas literárias” nos obrigavam a “estudar”. Era escassa e muito clássica, em estantes dominadas pelos romances e contos, por muita História e por dicionários e enciclopédias. O meu pai, que tinha pretensões de “diseur”, gostava muito de Junqueiro, mas também de Régio e de Lopes Vieira, entretinha-se a recitar Homem de Melo, tudo num ecletismo algo bizarro. Acho que nele predominava o impacto da sonoridade dos poemas, porque “O Mostrengo” também era recorrente. No que me toca, até aos 17 ou 18 anos, confesso que fui bastante “surdo” para a poesia. Chegado à universidade, deixei-me tentar pelo neo-realismo, pelas rimas “úteis” à luta política, com algum Alegre já à mistura, muito influenciado por António Cabral. Um dia de 1968, no Café Diu, no Porto, um amigo “apresentou-me” Alexandre O’Neill. Era a reedição do “No Reino da Dinamarca”, com mais poemas do que a edição original. Fiquei deslumbrado. Foi só a partir dali que percebi que a poesia podia ser outra coisa. Tinha pouco dinheiro, comprei com esforço o livro na Unicep (a cooperativa livreira dos estudantes), li-o sem o “usar” muito e, com uma dedicatória foleira, ofereci-o, semanas depois, no dia do seu aniversário, à minha namorada de então. Como ela continua a ser a mesma hoje, consegui recuperar o livro, que ainda ali anda na estante. E a que, muitas vezes, quando me apetece sentir bem, volto.

quarta-feira, abril 29, 2020

Brasil


Esta foi a única imagem que me chegou, depois de ter sido conhecida a decisão de um juíz do Supremo Tribunal Federal do Brasil de obrigar Jair Bolsonaro a recuar na sua decisão de nomear um amigalhaço dos filhos para chefe da Polícia Federal, mantendo-o, no entanto, à frente da Abin, os serviços secretos do país. O nome do rejeitado é Ramagem.

Procurar o cretino

Estranho muito que, neste tempo em que os velhos estão “na berra”, nenhum órgão de “comunicação social” se não tenha lembrado de colher a opinião do crânio inventor do conceito de “peste grisalha”. Todos sabemos por onde ele anda...

Um banho de realidade

Num comentário no Facebook, contei hoje que, a um crédulo colega de universidade, conseguimos um dia convencer que o pequeno anúncio luminoso “Exit”, que se via nas portas de emergência dos teatros, assinalava as saídas destinadas aos atores que, no final da ”performance”, tivessem um “êxito” bem reconhecido pelo aplauso do público. O rapaz era um tanto saloio e, na hora, engoliu a patranha.

Isso passava-se no Lar Gomes Teixeira, na rua da Torrinha, no Porto, na segunda metade dos anos 60 (vale a pena dizer que era no século passado?). Aquele colega, por artes ou por antiguidade, tinha conseguido um dos poucos quartos individuais do lar, com janela para a rua, à esquerda de quem entrava.

O António Novo, que por aqui me lê e que, tal como eu, era utente dessa casa, com algum esforço de memória lembrar-se-á da personagem, que vivia sozinho e não se relacionava com ninguém.

A higiene, ao que se constatava, não era o “forte” daquele colega. Do seu quarto exalava, quando a porta se entreabria, um odor pestilento, sinal de sujeira acumulada. A Lucinda, a empregada da limpeza, terá mesmo confessado que se recusava a lá ir, destacando, para essa ingrata função, o Moisolindo, o porteiro.

Numa noite de conversa, sem esse colega presente, veio à baila o odorífico tema, tendo alguém feito notar que ele nunca tinha sido visto na zona dos banhos, que se passavam numa zona do primeiro andar. Outros adiantaram: “Ele cheira sempre mal!” Daí à constatação de que “ele nunca se lava!” foi um passo breve. E um plano de ação foi montado: ele iria ser forçado a um banho! 

Já não me recordo como é que o bisonho personagem foi atraído, no dia seguinte, ao primeiro andar, mas tenho bem presente o instante em que quatro ou cinco colegas sobre ele caíram e o arrastaram para o chuveiro. 

O rapaz berrava, urrava impropérios, o banho nem sequer foi completo, porque foi impossível arrancar-lhe todas roupas. A cena, de que fui mero assistente à distância, dado o meu estatuto de caloiro, tinha o seu quê de crueldade, de violência, com alguns de nós a termos pena da vítima, cuja rutura pessoal com a generalidade dos colegas se consumou naqueles breves instantes. 

Foram, de facto, breves mas foram imensos os minutos de humilhação que o rapaz sofreu. No termo do exercício, mais do que furibundo, silencioso de raiva, lembro-me de o ver agarrar nas roupas e descer as escadas, a refugiar-se no seu tugúrio, quiçá para recuperar os odores perdidos na ablução que lhe fora imposta. O ano letivo estava a terminar. O lar iria depois ser encerrado, por um cúmulo de variadas razões, por algum tempo. Nunca mais voltei esse colega.

Não vale a pena estar agora a perder agora tempo com juízos moralistas sobre o episódio, terreno em que os frequentadores das redes sociais são reconhecidos peritos. É óbvio que foi uma cretinice, mas os factos foram o que foram, nesse ano de 1967.

O valor das palavras

Toda a vida pensei que “calamidade” era uma situação pior do que “emergência”. Afinal, não é. Vamos sair da “emergência“ e passamos, com mais alegria, à “calamidade”.

Pergunto-me agora: no dia em que o estado de “calamidade” acabar, poderemos, enfim, vir a dar-nos por felizes quando entrarmos na “tragédia”?

A língua portuguesa é muito matreira.

Respeito pelo outro


Faço parte dos portugueses que, embora confinados em casa já para além dos 40 dias que associamos à ideia de quarentena, não estão deprimidos com a situação em que atravessam. A mim, basta-me pensar em quantos vivem em casas minúsculas, com crianças, em ambientes marcados por tensões e carências, para logo me sentir na obrigação de estar feliz.

Por essa razão, quando leio, nesse “muro das lamentações” são as redes sociais, pungentes relatos de gente que, como eu, tem a sorte de poder ter acesso a um quotidiano de relativo conforto, a clamar por “liberdade” e quase a invocar o direito de resistência para incumprirem com o que lhes é recomendado, apetece-me dizer alto algumas inconveniências.

A pandemia, na sua aparente “democraticidade” - porque o vírus pode afetar qualquer um - é um fator potenciador das desigualdades. Como referi, nem todos temos o mesmo conforto, nem todos temos garantido, no final do mês, o salário depositado na conta. Muitos ficaram, de um instante para o outro, sem emprego. As condições sanitárias em que vivem, às vezes em ambientes de convívio familiar e social muito precários, não permitem garantir um mínimo de precauções de higiene, que limitem os riscos de infeção. Os que, trabalhando, se deslocam em transportes públicos, regressando ao final do dia ao espaço familiar, que garantias de isolamento e proteção têm? Penso, às vezes, nos milhares de estrangeiros que enxameavam a restauração hoje fechada: como estarão a viver, eles que sobreviviam em camaratas de miséria, para mandarem, no final do mês, uns euros às famílias no Nepal, no Brasil ou no Bangladesh?

Sabemos que cada um vive a sua própria realidade e que não é legítimo impormos a nossa perspetiva aos outros. Acho, contudo, que é nestas alturas, em que as tensões nos põem à prova, que o pior e o melhor de cada um de nós vem ao de cima. Temos visto casos de gente preocupada com a sua vizinhança, com sentido de entreajuda e procurando ter gestos de cuidado solidário. Como também por aí se observam atitudes de egoísmo, de falta de cuidado, de desprezo pelas condições sanitárias mais elementares.

Todos prezamos a nossa liberdade, todos estamos – nem vale a pena confessar – fartos destas semanas de “prisão domiciliária”, desejosos de regressar às nossas rotinas. Mas é nestas ocasiões, em que estamos todos no mesmo barco, embora uns em camarotes e outros em camaratas, que temos obrigação de sermos estritamente iguais no respeito cívico a todos exigido.

Os livros da vida (3)


Tenho hoje a plena certeza de que o meu profundo desprezo pela competição pessoal, uma atitude de que nunca me afastei ao longo de toda a vida, saiu muito reforçado pela leitura do “Que faz correr Sammy?” Lembro-me de ter lido uma súmula da obra nas “Seleções do Reader’s Digest” (já sem “c”, porque era a edição brasileira) e que, quando um dia vi surgir o livro, nesta edição da “Ulisseia”, na biblioteca do meu avô, o devorei em pouco tempo. Foi, depois, um livro que recomendei a muita gente. Contrariamente àquilo que só vim a perceber mais tarde, não tinha ficado minimamente marcado pela origem judaica de Sammy, bem como de outras figuras do livro. O que então me perturbou, e muito, foi perceber que a América era uma sociedade onde o espezinhar do “vizinho” era uma receita para o sucesso, e que isso era tido, de certo modo, como fazendo parte do “jogo”. Sammy foi uma figura da ficção que me inoculou uma rejeição, que depois passou em mim para a política, ao capitalismo selvagem - que passei, um tanto simplisticamente, a identificar com a América e com o liberalismo, na pior face que este tem.

As aulas do professor Nogueira

Os atestados médicos falsos são um cancro no mundo do trabalho. O absentismo é uma prática tolerada, com prejuízo de quem cumpre o seu dever. Todos os governos se acobardam. 

O sindicalista Nogueira já avisou: se os professores não quiserem ir trabalhar, basta meterem atestado!

terça-feira, abril 28, 2020

De quem é o 25 de Abril

Andou para aí um debate sobre “de quem é o 25 de Abril”. 

A resposta é bem simples: o 25 de Abril é de quem o celebra, de quem o canta, de quem lhe grita as palavras de ordem, de quem, todos os anos, dá nova vida aos seus símbolos. 

E, claro, não é dos outros. 

Está percebido?

Os livros da vida (2)


Não tenho a menor dúvida de que este foi um livro fundamental na minha vida. Andei a namorá-lo durante uns dias na montra do Libório, o mais antipático dos livreiros de Vila Real - também eram só quatro, todos na Rua Direita! O preço era relativamente elevado, o que fez com que tivesse de fazer um rapapé muito insistente junto do meu pai. Eu teria uns 14 ou 15 anos. Esta “Encyclopédie” mudou-me para sempre. Tinha o mundo na minha mão, passei a saber o que ninguém, lá por Vila Real, à época, sabia. Pelo menos, era o que eu pensava. Não me falhava uma capital, localizava as cidades mais estranhas, a profundidade da fossa de Mindanao ou a altitude de bizarras montanhas. E conhecia as moedas de todos os países. Já bandeiras, isso nunca foi o meu forte! Mas, com a “Petite Encyclopédie Géographique”, eu fazia um figurão! Já me tenho perguntado se este pequeno grande livro não foi, afinal, o grande culpado pelo meu “descaminho” profissional futuro.

segunda-feira, abril 27, 2020

Vasco Graça Moura


Li algures que passam hoje seis anos sobre a morte de Vasco Graça Moura. E apetece-me transcrever um texto que, no dia da sua morte, publiquei neste blogue:

“Vasco Graça Moura, que hoje desaparece, foi uma figura maior da cultura portuguesa, um brilhante obreiro da nossa língua, uma personalidade que nunca fugiu ao confronto das ideias - ele que as tinha fortes e bem estruturadas. Havia em Graça Moura uma curiosa dualidade, que ele sustentava, parecia-me, com algum prazer. Por um lado, o poeta, o tradutor, o ensaísta e o romancista (esta é a minha ordem pessoal desses seus méritos criadores), o espírito com laivos de genialidade de um intelectual sensível, possuidor de uma cultura quase renascentista, do melhor que Portugal produziu nas últimas décadas. Mas, no outro lado do espelho, havia o actor cívico (escrevo "actor" com "c", em homenagem ao opositor do Acordo Ortográfico que VGM foi), comprometido, usuário brilhante de uma escrita polémica, onde ressoava um quase caceteirismo cívico, muito ao gosto novecentista. Se VGM era um príncipe da escrita e na cultura, era também, num assumido contraste, um ferrabraz na política, embora, falado pessoalmente, estivesse sempre muito distante da ferocidade adjectivada dos seus artigos. O homem que esteve com Sá Carneiro e dele se afastou (e que dele se mantinha bem crítico) era, contudo, o mais improvável turiferário de uma figura como Cavaco Silva, depois de ter arrastado a asa a esse ridículo projeto de moralismo político que deu pelo nome de PRD. Ora se havia coisa que, de VGM, ressaltava à distância esse era o seu desprezo profundo pela mediocridade, pela pusilanimidade, pelo oportunismo, pelo Portugal mesquinho dos que não conseguem deixar de ser bem "pequeninos". Como é que, dentro de si, ele compatibilizava os olhares, críticos ou complacentes, sobre tudo isto? Talvez nunca o venhamos a saber. Embora tivesse falado muitas vezes com VGM, estava muito longe de o conhecer bem. Muita coisa nos separava politicamente e outras opções, noutros domínios, não contribuíam para nos aproximar, pelo que sempre tivemos uma relação pessoal marcada apenas por uma educada cordialidade. Mas tinha por ele um grande respeito e uma forte consideração intelectual. Há semanas, dei aqui conta de um seu excelente ensaio "A identidade cultural europeia". Esta minha última homenagem a VGM é uma sugestão para que o leiam, porque nele está o essencial da sua visão para Portugal e para esta aventura continental a que o destino nos impele. Porque Vasco Graça Moura era, essencialmente, um patriota português e isso não se improvisa: sente-se e sofre-se.”

Os livros da vida (1)


O meu amigo Luís Castro Mendes desafiou-me a colocar no Facebook as capas de 10 livros da minha vida. Fá-lo-ei, ao ritmo de um por dia, republicando aqui os posts.

Não serão “os 10 livros da minha vida”, mas apenas 10 títulos que, em fases diferentes da minha vida, foram importantes para mim. Alguns deles, nos dias de hoje, pouco ou nada me dizem, mas nós também somos aquilo que fomos.

Aqui fica o “Platero e eu”, que um tio me ofereceu, teria eu aí uns dez anos, com uma imensa e carinhosa dedicatória. Não me foi fácil ler o livro, recordo, o que apenas fiz com a ajuda do meu pai. Só numa mais cuidada releitura, muitos anos mais tarde, percebi que Jimenez ia bastante mais longe do que aquela escrita, que então tive apenas por ternurenta, parecia indiciar.

Vítor Nogueira


Vitor Nogueira é um poeta de Vila Real. É um intelectual de muitas e diversas artes, do teatro à bibliofilia militante.

Lembrei-me agora de um poema seu, “Sapataria” de um pequeno livro de 2008, intitulado “Comércio Tradicional”.

Na leitura que dele tinha feito, ficaram-me uns versos desse poema, que ajudam a ilustrar a conjuntura:

Poderemos ser felizes
num espaço confinado?
Digamos que conheço um homem
que consegue atravessar paredes.
Pequenas coisas que se fazem para 
garantir que não estamos no inferno.”

A outra imprensa rosa


Comprei o “Financial Times”, o FT, este fim de semana. Por muitos defeitos que tenha, é um extraordinário jornal. Mas só o compro às vezes. Sai-se sempre mais “rico” depois de o ler, embora não seja barato. E, por estes dias, não é muito útil o belo suplemento dos sábados, “How to spend it”, que ajuda a perceber onde quem é realmente rico gasta o seu dinheiro.

Uma tarde, também de sábado, nos anos 90, em Londres, fui ao mítico e já desaparecido velho estádio de Wembley, para ver uma final da Taça de Inglaterra. Apanhei o metro, metido na fauna dos apoiantes das duas equipas, que, por essa hora, ainda estavam no tempo de relativo sossego que, por lá, antecede as grandes partidas. O ambiente era galhofeiro, sem agressividade, embora com muitas "bocas", a maioria num intraduzível "cockney".

Alguns, embora escassos, viajantes liam tablóides, tipo "Sun", "Today" ou "Daily Mail". Jornais pequenos, comparado com os “broadsheet”. Distraído, recostei-me num banco e deliciava-me com o FT do dia. Não me tinha dado conta que, naquele ambiente, ter nas mãos aquele imenso jornal cor-de-rosa era quase tão natural como ler "O Diabo" num "centro de trabalho" do PCP.

A certo ponto da viagem, percebi que alguns olhares convergiam sobre mim. E algumas "bocas" também. Até que um grandalhão, vestido a rigor de apoiante de clube, me espetou o dedo no jornal e inquiriu: "Hey, bud! What the hell are the pink sheets you're reading?". A situação não era fácil. Dar explicações era descabido, recolher o jornal seria cobardia. Já havia um público para a cena. Com um sorriso amarelo, saiu-me: "Wanna see the weather forecast?". Não estava seguro de ter sido a melhor deixa, mas foi o que me saiu. Para meu imenso alívio, o grandalhão sorriu. E lá seguimos para mais uma "Cup Final". No regresso, com metade do metro zangado com o mundo, viajei prudentemente com o FT debaixo do braço.

Há dias, na net, descobri que há mesmo dicas sobre como dobrar o FT do fim-de-semana, mesmo sem o suplemento! Elas aqui ficam.

domingo, abril 26, 2020

O homem da bandeira



Ontem, quando vi a fotografia do homem que percorreu sozinho a Avenida da Liberdade, no dia dela, com uma grande bandeira nacional às costas, lembrei-me de uma figura que, durante a ditadura, sempre em solene silêncio, surgia com uma idêntica bandeira nos atos públicos oposicionistas. A primeira vez que recordo tê-lo visto foi no funeral de António Sérgio, nos Prazeres, em janeiro de 1969.

Era um homem alto, magro, de cara seca e fechada. Aquela imensa bandeira, que imagino irritasse a polícia que sempre por ali andava, fardada ou travestida, era, em si mesma, um imenso berro à liberdade. Um dia, vim a saber que o homem se chamava Américo.

Ao que agora apurei, depois do 25 de abril, o Américo passou a surgir nas manifestações do Partido Socialista. Mas eu, no PREC, nunca frequentei as manifestações do PS. Andava por outras paragens...

É pena se não foi dada ao Américo a Ordem da Liberdade e não teve a bandeira nacional a cobrir-lhe o caixão, na hora da morte.

Ainda no dia de ontem, ao ver o filme de Glauber Rocha sobre o 1° de maio de 1974, surgiu-me a imagem do Américo, o homem da bandeira.

Descansem, para o ano há mais!


Hoje, alguns estarão a pensar, lá para si: “Ufa! Felizmente, lá se acabou a data! Só daqui a um ano é que vamos ter de aturar outra vez o Zeca, a Grândola, os cravos e aquela coisa dos tipos!”

É verdade! Acabou. Mas, para o ano, podem ter a certeza: cá estaremos a atazanar-lhes o dia.

sábado, abril 25, 2020

Dignidade


Uma cerimónia com grande dignidade.

Ferro Rodrigues tinha razão. 

Marcelo Rebelo de Sousa fez um notável discurso.

Viva o 25 de Abril! Sempre!

O voto


8 de novembro de 1925, foi o dia das últimas eleições para a Câmara de Deputados, sob a Constituição da República. Livres.

Depois, veio a ditadura militar, sucedida pelo Estado Novo. Não podendo fugir ao ritual do voto, a “democracia orgânica”, no fascismo de trazer por casa que nos saiu em rifa, organizou ritualmente “eleições”, umas fantochadas em que nem eles próprios acreditavam, mas que, no pós Segunda Guerra, obrigou o “manholas” de Santa Comba, num discurso que poluiu de hipocrisia o espaço nobre onde hoje se comemorou a liberdade, a garantir, “para inglês ver” e para que os aliados lhe salvassem a pele no dealbar da Guerra Fria, que elas seriam “tão livres como na livre Inglaterra”. Viu-se! Vieram depois as “chapeladas”, as falcatruas, com os Legionários a votarem em várias mesas. Até que, numa certa madrugada, os pusémos com dono.

Hoje, Eduardo Ferro Rodrigues, na sua intervenção na Assembleia da República, lembrou - e creio que foi o único a fazê-lo - que, faz hoje 45 anos, se realizaram eleições livres, que por cá não tinham lugar há meio século.

A partir daí, Portugal é tido no mundo por um dos países onde o sistema eleitoral é mais fiável, sem mácula democrática, tendo escolhido presidentes, deputados e autarcas de todas as principais tendências políticas.

Para o que hoje nos importa, o Movimento das Forças Armadas prometeu, no dia 25 de abril de 1974, organizar eleições livres para uma Assembleia Constituinte, a terem lugar um ano depois. No dia 25 de abril de 1975. Há precisamente 45 anos. E assim aconteceu. Convém lembrar.

Hotel


A grande homenagem ao 25 de Abril seria alguém criar, numa das principais ruas de Campo de Ourique, a Rua Saraiva de Carvalho, um Hotel Saraiva de Carvalho. Estou certo que a homofonia desencadearia um sucesso comercial.

Salazar, p’cebe?


Na casa ao lado da minha, aqui na Lapa, às 15 horas, alguém gritou: “Salazar!”. Foi também para estas pessoas, embora elas o não saibam, que se fez o 25 de abril.

Ai Madragoa!


Ouviu-se pouco a “Grândola” na Lapa. Ou melhor, o que se ouviu vinha da Madragoa. Nada de novo!

Cravos vermelhos, claro!


Hoje, ao almoço, a nossa mesa tinha dois cravos vermelhos.

25 de abril, sempre!

Serviço público


Sabem qual foi a única estação que, em sinal aberto, transmitiu, na totalidade, as cerimónias na Assembleia da República? A RTP.

Nos restantes operadores televisivos, só “teve” 25 de abril quem paga televisão por cabo. Chama-se a isto serviço público!

O dia mais feliz?


Vejo muita gente, com a maior sinceridade, dizer que o 25 de abril de 1974 foi o dia mais feliz das suas vidas. Embora me ficasse bem dizê-lo, não se passou assim comigo.

Passei toda essa manhã angustiado. Lembro-me de mim, nervoso, na parada da Escola Prática de Administração Militar, aconselhando, com escasso sucesso, os soldados-cadetes, nesse dia sem instrução, a manterem-se nas casernas. Porquê? Sei lá! Porque sim, porque na tropa as razões não têm necessariamente de ser justificadas.

Por essa altura, não sabíamos se o golpe tinha tido sucesso, apenas íamos ouvindo os comunicados do “posto de comando” - uma falsidade, porque o posto de comando (viémos depois a saber) estava na Pontinha e aquilo era lido do Rádio Clube, na Sampaio e Pina.

O nosso pessoal, chefiado pelo capitão Bento e pelo alferes Geraldes, com o aspirante António Reis a dar o toque “político” às hostes, estava, desde as primeira horas da madrugada, a ocupar a RTP, não muito longe dali, também na Alameda das Linhas de Torres. A nossa unidade fora a primeira a avançar na Revolução. Também só me apercebi disso dias depois.

A certa altura, inesperadamente, surgiu na parada o comandante da unidade, o coronel Fidalgo, vindo da sua residência adjacente. Já me fartei de contar a história, quase caricata, de como tivemos de o deter, vencendo grandes hesitações por parte dos militares profissionais. Depois, mandámo-lo para casa.

Ainda o assunto estava em curso de resolução, quando surgiu o segundo-comandante, o major Nogueira da Silva. Lembro-me de dar uns berros a dois soldados que começaram a insultá-lo. Uma revolução não dispensa a manutenção da disciplina hierárquica, se não passa a ser uma bandalheira. Afinal, o Nogueira da Silva, que era um “chicalhão” (sinónimo de militarão), viria a revelar-se um democrata.

A meio da manhã, chegou Marcelino Marques, um coronel antifascista, afastado pela ditadura, que vinha assumir o comando. Era um homem agradável e talvez estivesse à espera de que também o fôssemos.

Ora no dia seguinte, na biblioteca da unidade, ele iria ter de aturar uma arenga minha e do Teixeira, em nome dos oficiais milicianos, sobre a “tibieza” daquilo que era anunciado sobre a política colonial. Semanas depois, chamar-me-ia ao seu gabinete, para mostrar o seu desagrado com um meu discurso público, no juramento de bandeira, em que eu havia denunciado a postura repressiva do MFA numa greve, que tinha originado a detenção dos nossos colegas Anjos e Marvão. O meu “divórcio” com Marcelino Marques, uma jóia de pessoa, teria lugar não muito tempo depois, comigo a ser simpaticamente convidado a afastar-me da unidade, por “incompatibilidades com a hierarquia interna”, pelo facto de eu me ter recusado a solidarizar-me com uma punição a um soldado-cadete, que só me recordo chamar-se Loff. Mas eu e Marcelino Marques ficámos para sempre com uma excelente relação pessoal.

O resto do meu dia 25 de abril seria passado na RTP. Chegavam notícias de que as coisas estavam a correr bem pelo país. Pela rádio, íamos seguindo o que se passava no Carmo, onde o nome de um tal Salgueiro Maia era referido, sabendo-se que Caetano estava prestes a cair. Depois, foi uma longa espera. Primeiro, para conseguir pôr a antena de Monsanto a funcionar, operação por muito tempo boicotada por um “patriota” renitente. Mais tarde, foi o aguardar da Junta de Salvação Nacional, junto às antigas bombas de gasolina, antes do início da rampa que levava aos estúdios do Lumiar.

A escolha de Spínola para chefiar a Junta não me agradava minimamente. Vê-lo chegar, com Costa Gomes e os outros, era, contudo, o anúncio de um tempo que, fosse ele o que viesse a ser, seria sempre muito diferente. Lembro-me de ter seguido com eles pela ladeira acima. Fiquei depois atrás das câmaras, a ouvir a proclamação. Que, pelo tom, não me agradou nada. Eu, no meu radicalismo, estava já de pé atrás.

A minha noite acabou tarde. Nunca consegui perceber onde dormi, apenas me recordo de mim, logo de manhã, de novo a coordenar o piquete de soldados, junto às bombas de gasolina, na tal entrada para a RTP. Passou um autocarro e lembro-me de ter dito adeus ao Eduardo Prado Coelho que ia nele, e que eu esperava que já me tivesse perdoado pelo facto de, quatro anos antes, com o Nuno Júdice, lhe ter invadido uma aula na Faculdade de Letras.

Regressei à unidade e fui entregar a pequena metralhadora FBP com que tinha andado nas últimas 48 horas. O sargento armeiro que a recebeu deu uma gargalhada: eu tinha levado um carregador errado, que era de uma metralhadora Vigneron. Se eu quisesse ter dado um tiro, durante todo o dia 25 de abril, não tinha conseguido. Às tantas, foi melhor assim. Ser oficial de Ação Psicológica não me tinha dado uma grande preparação operacional. E o dia 26 avançava já, comigo a manter-me politicamente inquieto. Ser radical raramente é sinónimo de se ser feliz.

Assim, que me recorde, o 25 de abril esteve longe de ser o dia mais feliz da minha vida. Ou talvez eu tivesse sido bem feliz nesse dia e, afinal, não sabia.

De que lado estavas, no 25 de Abril?


A ideia de que o 25 de Abril foi “de todos” é uma balela: o 25 de Abril fez-se contra muita gente, que tem nomes e que eu não esqueço.

A liberdade hoje é de todos, mas a luta pela liberdade foi só de alguns.

sexta-feira, abril 24, 2020

Mauzinho, me confesso


Há uma coisa em que, admito, sou “mauzinho”: sinto um indizível gozo ao pressentir o mal-estar com que, todos os anos, quando a televisão e as ruas se enchem de filmes, canções, cravos e clamores de “Viva o 25 de Abril” ou “25 de Abril sempre!”, isso irrita por aí uns tantos.

Alguns amigos sabem que estou a pensar neles, coitados!

Agora, Moro


E lá foi “à vida” Sérgio Moro!

Agora, muitos de quantos elogiaram a vedeta do Lavajato, vão afirmar que ele traiu o presidente que lhe deu um palco político, ferindo-o num momento de uma óbvia fragilidade.

Outros, mesmo alguns que o diabolizaram pelo modo como se comportou naquele processo, mas porque lhes dá jeito esta bofetada em Bolsonaro, vão dizer que o homem saiu com alguma dignidade, para não ter de fazer mais fretes políticos ao presidente.

Vamos ser claros: estamos a falar da mesma pessoa que, independentemente de ter conseguido meter na prisão gente que bem o merecia, o fez através de uma operação político-judicial cheia de irregularidades processuais, com finalidades políticas que iam muito para além dos objetivos da justiça. Um processo que, no fim da linha, teve como consequência a eleição de uma figura como Jair Bolsonaro, tendo Moro, como prémio, o lugar de ministro da Justiça.

A questão, no dia de hoje, é, assim, bem simples: Moro, que passou todos estes meses no governo a fazer vergonhosos fretes a Bolsonaro, e que, com a sua presença no executivo, ajudou a avalizá-lo perante a opinião pública, não aguentou tudo o que, num excesso já obsceno, lhe era agora pedido. Ou alguém acredita que Moro só agora descobriu quem, na realidade, era Bolsonaro? Ou será que a sua súbita “coragem” pode ter algo a ver com o facto do governo de que fazia parte estar já apodrecido e decadente? E se se vier a constatar que esta saída de Moro está conjugada com o início de um processo de afastamento do presidente? Ou será que o próprio Moro gostaria de viver no Palácio da Alvorada?

Logo veremos.

Posso ir à praia?


Leio que, devido à crise sanitária, é bem possível que o acesso às praias, este Verão, passe a ficar condicionado, para evitar aglomerações. Já estou a imaginar o que vão ser as filas matinais para inscrições!

Como eu só costumo ir para a praia cerca da quatro da tarde, estou curioso sobre como vai funcionar o esquema para “late risers”. Mas não é nada de que eu não tenha já alguma experiência.

Em 1980, vivendo na Noruega, deu-me para ir passar uma semana de férias em Ialta, no mar Negro. Vivia-se o tempo soviético, em todo o seu esplendor burocrático.

Na receção principal do hotel - escrevo “principal” porque, na URSS desse tempo, os hotéis tinham, além dessa, uma receção em cada andar, onde ficavam guardadas as chaves dos quartos - foi-nos entregue, à chegada, um boletim individual, com o nosso nome, com espaço para dois carimbos, por cada dia de estada: era a “autorização” para ir à praia. Na véspera, informávamos se queríamos ir de manhã ou de tarde e era colocado, no espaço próprio, um carimbo permitindo esse acesso. Achámos bizarríssima a ideia, mas, como logo aprendemos, não era mais do que a que tivéramos ao ter escolhido fazer férias soviéticas...

O nosso hotel era imenso, dando sobre a praia. Acedia-se a esta por um único elevador. À sua entrada, havia uma senhora a quem era necessário mostrar o tal boletim e que cuidadosamente, com cara patibular, verificava se, para o período do dia e data em que se estava, estávamos autorizados a descer até à praia. E que contava cuidadosamente o número de passageiros. Chegado o elevador ao nível da praia, à saida, lá estava outra senhora, a quem tínhamos de mostrar de novo o cartão e que, percebi, repetia a contagem. Já não recordo o procedimento de regresso.

Na primeira noite, ao jantar, inquiri da guia norueguesa que nos acompanhava o que é que aquilo significava: é que, a menos que tivesse “nascido” alguém no curso da descida, as pessoas que saíam do elevador eram exatamente as mesmas que nele tinham entrado, umas dezenas de metros mais acima.

A guia, que passou todas essas férias numa preocupação com os meus constantes protestos e observações, aculturada que já estava àquelas práticas, explicou-me: “É muito simples: a primeira funcionária é a responsável pelo número de passageiros que segue no elevador, e segunda faz o controlo sobre o trabalho da primeira, não vá ter ido gente a mais”. Creio, mas não estou certo, que não se riu ao dizer isto...

Agora que passam 150 anos sobre o nascimento de Lenine, constato que não notei se, no seu túmulo, na Praça Vermelha, em Moscovo, para ver o seu corpo embalsamado, é feita uma contagem dos visitantes à entrada e outra à saída. É que, na realidade, pode dar-se o caso de ficar lá por dentro alguém...

quinta-feira, abril 23, 2020

“Olha quem ele é!”



Há uma semana, ao ver o “J’Accuse!”, um belo filme de Roman Polansky, numa cena em que surge muita gente a assistir a um espetáculo musical, descortinei, por instantes, o rosto inconfundível do realizador, como figurante silencioso no seu próprio filme.

Lembrei-me então das muitas vezes em que Alfred Hitchcock fazia essa aparição nos seus filmes, o que, muito provavelmente, terá levado outro génio da realização, e seu confessado admirador, François Truffaut, a proceder de idêntica forma.

É um “vício” antigo de alguns realizadores deixarem nas suas obras essa marca curiosa, as mais das vezes silenciosa. Scorsese, Spielberg, Godard e alguns outros fizeram essa graça. E alguns até “trocaram”: estou a lembrar-me de ver Truffaut com um papel nos “Encontros imediatos...”, de Spielberg.

No dia seguinte, num canal de cabo, “comprei“ o “Parque Mayer”, de António-Pedro de Vasconcelos, que não tinha conseguido ver na estreia.

Faço parte de quantos gostam muito do cinema que o público gosta de ver. Digo isto porque há uma escola de atitude que adora filmes que ninguém vai ver. Está no seu pleno direito. Em toda a minha vida, creio ter visto todas, repito, todas as longas-metragens portuguesas - desde as mais populares àquelas que apenas são vistas pelos amigos do autor e pelos que detestam as dos outros, sendo que estes dois últimos universos geralmente coincidem. Sinto-me, assim, à vontade para dizer que gosto muito de quase toda a filmografia de António-Pedro de Vasconcelos. Desde o “Perdido por Cem” até este belo “Parque Mayer”.

Porque não conhecia alguns dos atores deste filme (problema de quem não vai muito ao teatro), estive muito atento, no fim, à enunciação do elenco. E o meu espanto foi encontrar, na base da lista, o nome do António-Pedro, na personagem de “Ministro”. Dei voltas à cabeça e não consegui descortinar nenhuma figura similar que tivesse visto no filme - e não é fácil ele passar despercebido. Lá fui eu, de comando em punho, à procura de APV, em toda a película. Não o descortinei.

No dia seguinte - para grandes males, grandes remédios! -, porque a curiosidade é um “defeito” que nunca curei, telefonei ao realizador: “Olha lá! Onde é que tu entras no filme, que não te consegui encontrar?”. O António-Pedro riu-se e recomendou-me que fosse rever uma cena à saída do prostíbulo, em que um figurante passa ao lado de duas das principais personagens do filme. Assim era, um instante APV. Falei-lhe então da “mania” de Hitchcock e de Truffaut. Ele notou que também Charlie Chaplin tinha feito um papel na “Condessa de Hong-Kong”. Não me recordava.

Nessa mesma - mesma! - noite, a RTP 1 passou a “Condessa de Hong-Kong”, uma comédia (tardia) de Chaplin, com Marlon Brando e Sophia Loren. Diga-se: um filme menor, que parece uma peça de Feydeau, com portas a abrir e a fechar, com excelentes atores a fazerem um “frete” a um génio em decadência. Aproveitei para rever o filme e, claro, como o APV tinha avisado, nele surge, a certo ponto, o velho Chaplin, por duas vezes, no papel de um camareiro. Mas mais: o “resto” da família, desde Geraldine a umas netas sem graça, também por ali acabam por figurar, metidas “a martelo”.

Voltando à “vaca fria”: recomendo que vejam o “Parque Mayer”! É um belo filme, ao mesmo tempo uma excelente homenagem a uma certa Lisboa, que se enfarpelava para ir ver as revistas, se divertia nos seus subentendidos e trocadilhos, e que, antes das sessões (duas sessões por dia, três aos fins de semana), ia jantar ao Chico Carreira ou ao Manel, arriscava um “vai um tirinho, ó freguês!” e, em tempos pouco abonados, batia palmas com “bilhetes de claque”, como eu próprio fiz, algumas vezes. Noutras noites, já mais “profundas”, acabava-se no Galo, lembram-se?

quarta-feira, abril 22, 2020

Leonardo

 

O sorriso era a sua imagem de marca. A simpatia era o seu estilo natural. A rapidez e o brilho da sua inteligência eram a evidência que se impunha, de imediato, a quem o conhecia. O patriotismo era o seu ADN.

Leonardo Mathias, que agora nos deixa, tinha a imensa qualidade daquelas pessoas que conseguem dar a impressão de que tudo o fazem, por mais complexo que seja, é sempre levado a cabo com facilidade, com leveza, sem a angústia dos afogueados.

Interrogou-me sempre muito essa atitude e um dia percebi porquê: porque o Leonardo era feliz naquilo que fazia, tinha a sorte de adorar a profissão que desempenhava, sabia dela extrair o essencial para poder sentir-se satisfeito no seu trabalho. Tinha imensa confiança em si próprio e, felizmente, tinha toda a razão para isso.

Um dia, não há muitos anos, senti coragem para lhe dizer uma verdade que já tinha partilhado com alguns amigos: ele tinha sido um dos meus modelos na carreira - e eram só dois ou três. Era “assim” que se devia ser diplomata: fruir os aspetos lúdicos da vida, saborear as coisas e as pessoas, saber olhar uma mulher bonita, dizer uma boa graça, degustar um bom vinho e um bom jantar, e, ao mesmo tempo, saber sempre concentrar-se no essencial, ter a apurada perceção do interesse nacional, a firmeza no terreno negocial, a agudeza do argumento “espetada” com o sorriso da razão que é a nossa, muito “my country, right or wrong”. O Leonardo era assim e eu tentei ser também assim.

Nunca tive a sorte de poder trabalhar diretamente com Leonardo Mathias, e essa é uma mágoa eterna que sinto. Convidou-me a ir para Bruxelas, onde foi um excelente embaixador junto das instituições comunitárias, provando que a carreira tinha gente qualificada, ao contrário do que alguns à época ainda pensavam, para garantir que os diplomatas podiam fazer esse lugar como ninguém. Por opções pessoais, não pude aceitar esse seu convite e não apreciou que lhe tivesse dito que não. Disse-mo, mas sempre com um sorriso, o seu.

Vou contar duas histórias de Leonardo Mathias.

Ao tempo em que era secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, com André Gonçalves Pereira como ministro, em 1981, o embaixador britânico, Hugh Byatt, procurou-o, com urgência, para poder obter luz verde para que aviões britânicos, em trânsito para irem apoiar as suas forças armadas, na guerra das Falkland/Malvinas, pudessem escalar território português. Leonardo exigiu que o pedido fosse feito à luz da “velha Aliança”, de que os ingleses só se lembram nos discursos. O britânico reagiu, Leonardo insistiu e Londres acabou por aceitar. Era a História a impôr-se, na cabeça do diplomata feito político.

O outro episódio passou-se em Israel, durante a presidência portuguesa das instituições comunitárias, em que Leonardo Mathias era nosso enviado especial para a região. Perante uma qualquer diatribe do interlocutor local, ele atirou-lhe à cara uma realidade pouco conhecida: Israel tinha fornecido, a pedido dos americanos, treino à guerrilha independentista da FNLA, de Holden Roberto, que combatia as tropas portuguesas. E deixou claro que, em Lisboa, isso não era esquecido.

Era assim Leonardo Mathias. Frontal e patriota. Era conservador, e aí divergíamos, mas nunca tivemos o menor dissídio. Tínhamos alguns “azares” (acordámos não lhes conferir o estatuto dignificante de “ódios”) comuns. Nos últimos anos, éramos parceiros de uma tertúlia almoçante, na qual ele me tinha introduzido. Cada vez falava menos, mas, ao vê-lo, aquele sorriso aberto e cordial fazia sempre o meu dia.

Vou ter muitas saudades do meu amigo Leonardo Mathias. Deixo um beijo à Teresa e um abraço de pesar ao Marcello e a toda a sua Família.

Uma televisão pública



Os portugueses descobriram agora que a RTP conseguiu montar, num prazo curto, um espaço de ajuda educativa que permite, em tempo de pandemia, suprir algumas das aulas presenciais que é inviável realizar. O êxito desta operação é revelado pela generalidade das apreciações e até pelo nível de audiências.

Toda a gente achou normal que fosse a RTP a fazer isso, ninguém se perguntou por que não foram os canais privados a ter esta iniciativa. Porque os portugueses sabem que a RTP é a sua televisão, que é a ela que se recorre para ações de serviço público. E talvez as pessoas desconheçam que o Estado não colocou nem um euro extra para a montagem deste novo projeto, que tem como parceira a Fundação Calouste Gulbenkian.

A RTP - e quando escrevo RTP, quero significar também as diversas rádios, todas sem receitas de publicidade, num conjunto de 19 canais, alguns servindo as Regiões Autónomas e várias zonas pelo mundo – é um serviço eminentemente público, financiado por uma contribuição ínfima dos cidadãos, inferior à que, lá fora, sustenta empresas congéneres.

Hoje, a tutela da RTP é um Conselho Geral Independente (CGI), que escolhe a administração, dá linhas genéricas de orientação e vela pelo cumprimento das obrigações de serviço público, sem se imiscuir na informação e na programação. A RTP é uma televisão “pública”, não é uma televisão “do Estado”, como foi no passado, onde os governos intervinham a seu bel-prazer.

A RTP vive hoje com metade do tempo de publicidade dos canais privados e tem as suas contas em dia. É, também com as suas rádios, um instrumento indispensável de ligação às comunidades portuguesas pelo mundo, um importante promotor da nossa língua, um auxiliar da projeção externa do país. E onde é que hoje se pode ouvir música clássica na rádio, sem ser na Antena 2? E quantos elogios não testemunhamos, todos os dias, à qualidade da programação da RTP 2?

A RTP é um “oásis“? Longe disso! Pode discutir-se a sua linha da informação? Pode e deve. A programação pode ser melhorada? Claro que sim! Em tempos normais, há por ali futebol a mais? Como espetador, sou dessa opinião. Como membro (não remunerado) do CGI da RTP, órgão a que é vedado intervir na informação e na programação, apenas nos cumpre velar por que as regras de serviço público sejam cumpridas pela empresa E é com gosto que constato que, nesta crise, a RTP esteve bem à altura daquilo que se lhe pode pedir, como televisão de todos os portugueses. E se começássemos a pensar num canal permanente RTP Educação?

terça-feira, abril 21, 2020

Clara Ferreira Alves


Não conheço Clara Ferreira Alves. Ou melhor, lembro-me de termos feito parte de uma delegação, creio que à Hungria, nos anos 90, e de ambos termos estado numa conversa, com mais gente, no hall de um hotel de Budapeste. É tudo.

Depois disso, para mim, há duas Clara Ferreira Alves.

Uma delas é a pessoa que faz parte dos debatedores do “Eixo do Mal”. Quase que deixei de ver o programa, apenas por causa dela, pelo que me irrita, sempre que a vejo e oiço.

A outra é a escritora. Tenho uma quase veneração pela qualidade da sua escrita, dos seus livros àquelas crónicas na revista do “Expresso”, num português magnífico, com uma construção soberba, que, todas as semanas, me dá um prazer imenso a ler. Até já quase me fez esquecer o quanto gostava de encontrar por ali, naquele mesmo lugar, o José Manuel dos Santos.

Decididamente, não quero que a Clara Ferreira Alves do “Eixo do Mal” polua a imagem da escritora, de cuja qualidade de texto sinto, frequentemente, inveja - e a inveja não faz parte dos meus defeitos, e tenho vários, estimados e alguns, julgo, estimáveis.

Barris


Ao preço a que o barril está, deixa de fazer sentido a prometedora exploração de petróleo no Beato.

Os olhos agora voltam-se, ali ao lado, para o Poço do Bispo. Ainda haverá barris na Abel Pereira da Fonseca?

(As novas gerações saberão de que é que eu estou a falar?)

Para alguém embrulhar


Brasília e as duas igrejas


Faz hoje precisamente 60 anos que foi inaugurada a cidade de Brasília, a nova capital do Brasil.

Por lá, imagino que os tempos não vão para grandes comemorações, mas, não obstante, quero deixar aqui um abraço aos muitos amigos que ali deixei, com alguns dos quais mantenho um contacto regular.

Nesse abril de 1960, Portugal foi convidado a estar presente, ao nível religioso mais elevado, nas cerimónias: o cardeal Gonçalves Cerejeira celebrou a missa inaugural da nova capital. Diz-se que a homilia do prelado luso foi de muito difícil compreensão por parte do auditório, o que ocorre muitas vezes quando o português de Portugal é falado de uma forma muito cerrada. Acresce que o “ch” beirão do amigo de Salazar deve ter agravado ainda mais essa dificuldade.

Ao seu lado na celebração, Cerejeira tinha um arcebispo brasileiro. Era um nome, à época, ainda pouco conhecido. Mas, curiosamente, era um homem que iria ficar na História do Brasil, por, anos mais tarde, ter tomado posições de grande coragem, ao lado dos pobres e dos perseguidos pelo sinistro regime militar que, quatro anos depois, iria tomar conta, por quase duas sangrentas décadas, do quotidiano sócio-político do país.

A missa inaugural de Brasília seria assim celebrada pelo prelado que abençoou a ditadura portuguesa, Gonçalves Cerejeira - pessoa que não levantou um dedo face às perseguições de que foi alvo o padre Abel Varzim ou António Ferreira Gomes, bispo do Porto - e por Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, que seria a face da dignidade da igreja brasileira face ao arbítrio da ditadura brasileira.

Uma imensa ironia, nesse dia 21 de abril de 1960. Faz hoje 60 anos.

(Há trze anos, a convite da TAP, publiquei na sua revista de bordo uma espécie de homenagem à cidade. Tirando referências de conjuntura, o texto permanece válido, para quem tiver interesse em lê-lo aqui.

segunda-feira, abril 20, 2020

Exame prévio


Não sei quem é o autor do título desta notícia, nem se as duas jornalistas tiveram alguma coisa a ver com a escolha desse mesmo título. Dito isto, voluntária ou involuntariamente, estamos perante uma seleção genial de palavras. Quem não perceber, tem agora a Telescola...

Cartas antigas


Não tenho por hábito guardar nada. Porém, durante alguns anos - no governo, nas embaixadas - alguém, quase sem que eu desse conta, guardava por mim toda a imensa correspondência pessoal: o que chegava e o que partia, com fotocópias de quase tudo. Eu tinha uma confiança cega nessas pessoas, e nunca me arrependi.

Essa montanha de coisas jaz em dossiês cujo estado físico exterior cada vez mais me repugna. Por um lado, não queria que tudo aquilo fosse para diretamente o lixo, sem eu previamente verificar se, lá pelo meio, não haveria algo que, de facto, ainda me pudesse interessar. Mas o interesse potencial que eventualmente pudesse ter nessas coisas nunca tinha sido suficiente para me estimular a vencer a preguiça de ir folhear aqueles milhares de páginas.

No passado fim de semana, aproveitando o sol e o confinamento, fiz uma tarde de busca da parte desses arquivos (outra grande parte anda lá por Vila Real) correspondente ao tempo em que andei pelo governo - mais de cinco anos! Percebi então a verdadeira utilidade das máscaras da moda. Conseguir abrir aqueles dossiês, de onde caem aranhas secas, traças feitas fósseis e uma poeira que imagino muito pouco sã, só se consegue, sem espirrar, com a cara tapada. E no jardim.

Encontrei alguma coisa interessante? Pouca, confesso! Lá estavam muitas (não todas, claro!) cartas recebidas e cópia das minhas respostas, quando era o caso, que as minhas amigas e dedicadas secretárias - Ana Cristina, Irene, Sabrina, Aida, Antónia, terei falhado alguém? - iam pacientemente arquivando. Ali estão coisas de gente que já morreu, de outra que ainda por aí anda, alguns de quem me mantenho próximo, outros que deliberadamente se afastaram (eu nunca me afastei de ninguém, creio). Pessoas a pedirem emprego (para si ou para os seus), algumas a queixarem-se de supostas injustiças, outras a quererem um “jeitinho” para uma promoção ou colocação, amigos a zangarem-se comigo por falta de atenção, outros a darem-me novidades da sua vida (quando isso se fazia por carta) e muita, imensa, correspondência burocrática. Também alguma correspondência “dura” com outros membros do governo, mesmo ministros! Nunca me tinha dado conta de ser tão refilão!

A nostalgia nunca me ataca, pelo que, no destino definitivo daquilo, fui impiedoso e drástico. O lixo vai fazer desaparecer quase tudo nos próximos dias. Mas guardei ainda algumas coisas, por graça.

Ontem, relembrei a uma amiga uma carta, muito formal, que ela me tinha dirigido, há precisamente 22 anos, a cortar “relações políticas”, em nome do partido de oposição que ela representava, como protesto por algo que eu teria dito numa entrevista a um jornal. A resposta imediata dela, numa SMS, foi: “Que divertido! Bons tempos!”. Eram, mas estes, apesar de tudo, também são.

Debater Abril no 25 de Abril


Todos os nomes

Um dia, no Brasil, numa conversa, saiu-me esta: “andam para aí uns fabianos a mandar bocas sobre tudo...”

O meu amigo Arnaldo olhou para mim, franziu o sobrolho e disse: “Como sabe, Francisco, o meu filho chama-se Fabiano”.

Lá tive que explicar que, em Portugal, e para uma certa geração, o termo “fabiano” tinha a mesma aceção com que se usa “fulano”, “sicrano” e “beltrano”. E creio que também esclareci que os “fabianos” eram, além disso, uma conhecida e bem respeitável escola britânica do pensamento socialista moderado do século XIX.

Razão têm os que dizem que Portugal e o Brasil são dois países separados por uma língua comum.

Aqui deixo um abraço saudoso, e com votos de saúde, à Josina, ao Arnaldo e, claro, ao Fabiano.

Liberais e outras raças

Lembro-me bem do tempo em que, quando se dizia que “fulano é um liberal”, isso era visto como um elogio.

Quem é que, entretanto, terá dado mau nome ao vocábulo “liberal”?

Não vai ser fácil ...


... e imagino que os “likes”, tão importantes para alguns, vão baixar. Mas vou tentar, até ao dia 26 de abril, não falar por aqui nem do vírus nem das peripécias em torno da cerimónia na Assembleia. Se não conseguir, em absoluto, desculpem lá.

domingo, abril 19, 2020

“Então almoçamos depois...”


Um dia, estava a almoçar num restaurante em Belém, no Brasil. A certo passo, vi que o céu se adensou e, quase subitamente, caiu uma fortíssima bátega de água. Comecei a ficar preocupado, porque tinha ainda um programa a cumprir, nas horas seguintes.

Sossegaram-me logo: “No máximo, daqui a quinze ou vinte minutos, isto já passa!”. E não é que passou mesmo? O ambiente rapidamente clareou e o resto do dia ficou magnífico. Alguém, local, explicou-me então que aquela chuva fazia parte da “rotina” diária da cidade e da região.

Mas foi-me dito mais: por ali, os encontros informais entre as pessoas, quando não tinham de obedecer a uma hora rigorosa, eram marcados da seguinte forma: “Vemo-nos depois da chuva!”

Lembrei-me disto há pouco, quando telefonei a um amigo para saber da sua saúde, nestes tempos bizarros que vivemos. É que acabámos a conversa a dizer: “Vamos então almoçar, logo que isto passe!”. O “isto” era, claro, o vírus que nos atazana o quotidiano.

Falei-lhe do dito similar de Belém. Ele conhecia-o bem. Aprende-se bastante quando, como foi o seu caso, se esteve muitos anos exilado no Brasil.

Um abraço, Eduardo!


Há uma regra de ouro em política: quando um amigo e homem de bem é vilmente atacado pelos que não são do nosso campo, mesmo que pudéssemos achar que ele estava a incorrer num erro, há uma forte probabilidade de sermos nós, afinal, quem não tinha razão. 

Um forte abraço ao meu amigo Eduardo Ferro Rodrigues.

sábado, abril 18, 2020

Para além dos números

Por que será que ninguém explica que nos saiu em rifa, como único vizinho, um dos países mais afetados pelo vírus, que éramos parte de um espaço de livre circulação que tinha todas as suas fronteiras desativadas, que havia, no início da crise, um imenso e incontrolado influxo de turistas e que igualmente se verificou uma entrada súbita de muitas pessoas vindas da nossa imensa diáspora, de origens onde a epidemia já grassava?

sexta-feira, abril 17, 2020

25 de abril

É discutível - e é um debate respeitável, se desenvolvido em termos de saúde pública - a questão da realização da sessão parlamentar comemorativa do Dia da Liberdade.

A polémica, porém, teve uma incontestável vantagem: fez sair da toca os que detestam a data, mas que, às vezes, se acanham (ia a escrever “acobardam”, mas depois arrependi-me) em afirmá-lo.

“Posso pedir um disco?”


Idade é quando uma estação de rádio nos convida a fazer a nossa “playlist” e nos damos ao luxo de recusar, não lhes dizendo que o fazemos apenas para bem deles, para não gastarem o que lhes resta de vinil e para que ninguém os confunda com a “Rádio Sim”.

A cor do charme

Hoje, um amigo perguntou-me: ”Olha lá! Onde é que consegues arranjar tinta para manteres o teu cabelo branco? É que, daqui a dias, vou começar a sair à rua com o meu cabelo original, que já voltou a ser preto, e isso tira-me todo o charme“.

Não lhe disse o meu truque.

Christophe


Há muitos anos, Christophe, que hoje morreu, cantava “Aline”, que foi um imenso êxito. Ouçam aqui: https://www.youtube.com/watch?v=-E_Hyn53acA

Letra morta

Não sou um grande leitor de ficção, confesso desde já. Mas conheço (com proveito, diga-se) alguma coisa de Rubem Fonseca, que aliás cruzei um dia, num divertido almoço no Brasil, com Agustina Bessa Luís e Lígia Fagundes Telles. Humildemente, digo, alto e bom som, que nunca li uma linha que fosse de Luís Sepúlveda, de que bastante ouvira falar e de cuja escrita vejo agora dizer tão bem. E, também com a modéstia dos que assumem, sem complexos, as suas lacunas, atrevo-me a revelar que não conhecia, nem de nome, Luiz Alfredo Garcia-Roza. Todos estes escritores latino-americanos morreram nos últimos dias.

Falta-me ler tanta coisa! Mas, se não mantivesse a certeza de que ainda vou a tempo de ler muito daquilo que me falta, “sem razão seria a vida, sem razão!”, como canta o meu amigo Manuel Freire.

“À poeta”

Alguns, poucos, eram mesmo poetas, mesmo que apenas nas horas vagas. De outros, em tempos idos, na minha terra, só se dizia que tinham um “cabelo à poeta”. Era um estilo de penteado “négligé”, usado por homens de idade madura, que deixavam o cabelo crescer na parte traseira da nuca, subindo pela gola. Raramente isso lhes ficava bem, em geral dava-lhes mesmo um ar desmazelado.

A pergunta que se me coloca, nestes tempos de confinamento, é saber quando é que poderei, finalmente, ir visitar o meu barbeiro, o senhor Joaquim Pinto, com vista a evitar que alguém, gente da minha idade e da minha terra, me possa vir a mandar a “boca” de que ando já com “um cabelo à poeta”.

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...