quinta-feira, outubro 31, 2024

Que triste, "Expresso"!


O "Expresso" considera que declarações "mesmo que feridas de ilegalidade" têm "um fundo de justiça". Estava à espera de ver outros órgãos de informação ir por este caminho, mas confesso que me surpreende de ver o "Expresso" seguir este registo. Mas eu sou um crédulo.

"Com boa imprensa"


O site da Auchan diz isto de mim. Achei imensa graça.

Academia Jorge Coelho


 

Sociedade de Geografia

 


O Sporting, o Porto e o Benfica


Hoje, fui simpaticamente convidado para ir, com um grupo, ver jogar o Sporting com o Arsenal, em Alvalade, no dia 26 de novembro. 

O Sporting é o meu clube. O Arsenal é o meu clube preferido no Reino Unido. Mas espero ver o Sporting derrotar o Arsenal, claro.

Já irão perceber a razão pela qual, a propósito ou a despropósito disto, me lembrei do vinho do Porto.

Embora a França seja o primeiro destinatário mundial das exportações de vinho do Porto, o Reino Unido foi, desde sempre, o mais tradicional destino de venda do Porto de boa qualidade.

O vinho do Porto há muito que faz parte da tradicional cultura social britânica. Num jantar britânico, é de bom tom, no final da refeição, colocar sobre a mesa uma garrafa de cristal com "Port Wine": cada pessoa serve-se a si própria e, após fazê-lo, pousa a garrafa sobre a mesa, colocando-a à sua esquerda, por forma a que o parceiro desse lado proceda de forma idêntica. É considerada má educação passar a garrafa diretamente para a mão do vizinho do lado: deve ser ele a levantá-la da mesa. Ah! e, sem exceção, a circulação da garrafa fez-se de acordo com esse sentido, o dos ponteiros do relógio.

Em 1992, o Benfica foi jogar a Londres, precisamente com o Arsenal. A direção dos "gunners" (designação popular do Arsenal) convidou a direção do clube português para um jantar, num restaurante de Regent Street. Como encarregado de negócios de Portugal, tive o privilégio de ser incluído pelo Arsenal no pequeno grupo de convidados portugueses. Chegado o final do jantar, assomou à mesa um "decanter" com o vinho do Porto, gesto de gentileza para com visitantes, ainda por cima portugueses. 

E aí, para surpresa imensa de quem nos convidava (e um pouco também minha, confesso), nenhum - repito, nenhum - dos portugueses, com a exceção do diplomata presente, aceitou beber um cálice de Porto (o copo da imagem é uma brincadeira futebolística, claro). Uns diziam abertamente que não gostavam, outros que lhes fazia mal e era "pesado", outros apelaram a uma alternativa, como um "malte" ou um cognac. A cara dos britânicos era indescritível.

Para a pequena história: no campo, o Benfica ganhou.

Loures

O senhor presidente da Câmara municipal de Loures disse uma imensa barbaridade: que os envolvidos em distúrbios e atos criminosos deviam ser despejados das habitações sociais que ocupam e que ele próprio assim iria proceder no futuro face a moradores locais nessas condições.

Ao senhor presidente, que acontece ser da minha área política, alguém deveria explicar que quem incumpre com uma lei deve ser pessoalmente punido, mas apenas e só nos termos dessa mesma lei. 

Além de que a ideia de que as famílias devem pagar pelos erros desses titulares de atos foi uma prática israelita ao tempo em que havia Gaza - e essa similitude de atitude é capaz de não ser a mais honrosa imagem para os socialistas de Loures.

Para além de Kursk

Há uns dias, escrevi, aqui e no Twitter, isto: 

Pensemos friamente: a eventual utilização tropas norte-coreanas na defesa ou retoma da região de Kursk, zona russa parcialmente ocupada pela Ucrânia, seria uma coisa muito diferente do seu emprego na luta no território ucraniano.

No Twitter fui "zurzido" de todas as formas e feitios, de "comuna" para baixo. Como imaginam, foi para o lado que dormi melhor! 

Agora descubro Jo Biden a dizer isto. Basicamente o mesmo, isto é, uma ideia óbvia.

André Freire


Quando uma morte ocorre de uma forma inesperada, acidental, costuma dizer-se que é uma morte estúpida. A morte de André Freire, uma figura marcante da nossa vida académica e cívica, no auge da sua pujança intelectual, é uma morte imensamente estúpida.

CNN Portugal


Ontem, correspondendo a um amável convite dos meus amigos da CNN Portugal, tive muito gosto em regressar pontualmente à estação, para comentar as eleições americanas. Farei o mesmo na noite eleitoral. 

Veja aqui.

quarta-feira, outubro 30, 2024

Sectarismo

O sectarismo faz baixar a guarda. Há uns anos, John Bolton era um "troglodita", quase fascista, que Trump levou para a Casa Branca. Agora, feito anti-Trump, é um guru dos anti-Trump. Há uns anos, Meloni era uma perigosa fascista. Agora, apoia a Ucrânia e já está do "lado certo".

Media

É impressionante olhar a comunicação social dos EUA: praticamente não há meios de informação que não estejam enfeudados a um dos dois campos políticos. É muito difícil encontrar análises com alguma distância ou neutralidade. A América está mais polarizada do que nunca. 

Pontaria


Então queriam que não se aproveitasse o feriado para fazer "ponte" de quarta a terça?

"Umas palminhas!"


Ontem à noite, na Gulbenkian, ao final do primeiro andamento de um Requiem de Brahms, um auditor mais entusiasmado bateu palmas, fortes. Por três segundos. Logo sossegou, em face do silêncio dos restantes 1202 espetadores. As palmas da sala - que foram entusiásticas e merecidas, diga-se - viriam no final da peça completa, como mandam as regras. Aquelas primeiras palmas tinham sido muito sinceras, porém extemporâneas. 

Parte-se do princípio de que as palmas são uma manifestação de incentivo e de satisfação, por parte do público. Para quem está no palco, é um reconhecimento da qualidade da prestação. As palmas podem, contudo, não ser sinceras. 

Há precisamente 95 anos, com 19 de idade, o meu pai era funcionário público em Lisboa. O salário, contava ele, não era grande coisa e, para poder ir ao teatro declamado e às revistas, procurava obter bilhetes a preços mais baratos. Eram os chamados "bilhetes de claque". 

O que era isso? Eram bilhetes vendidos por intermediários, a preços bem mais baixos do que os praticados nas bilheteiras. Quem comprava "bilhetes de claque" ficava com uma obrigação, simples mas nem sempre cómoda: bater muitas palmas, ao longo do espetáculo, para "puxar" pelo restante público e assim animar a sala. Isso tanto podia ser feito nos primeiros dias de exibição, para sublinhar o "êxito" após a estreia, como acontecia quando os espetáculos entravam em declínio, em matéria de público, caso em que os bilhetes entravam em "saldos". 

O momento das palmas dos portadores de "bilhetes de claque" - que creio nunca excediam uma meia dúzia de pessoas por sala - eram determinadas pelo "claqueiro", um homem que ficava de pé, encostado a uma das paredes do teatro, e que, quando entendia, batia ele próprio palmas, sinal a ser seguido pelos portadores de "bilhetes de claque".

O meu pai recordava, numa imagem da memória divertida e feliz que guardava desses tempos, que quando as pessoas que tinham adquirido "bilhetes de claque" não estavam a cumprir de forma tida por satisfatória a função a que se tinham comprometido, o "claqueiro" se aproximava delas e sussurrava: "Ó senhor! Umas palminhas! Não se esqueça!"

Vim para Lisboa cerca de 40 anos depois do meu pai. E ainda usei, por diversas vezes, "bilhetes de claque", que comprava a um cavalheiro redondo, de fato preto e cabelo empastado, plantado ao fim da tarde à porta da estação do Rossio. "Para o Variedades não tenho nada. E já está difícil para o Maria Vitória! Mas ainda há bilhetes em conta para o Monumental e para o Avenida ", dizia, em voz baixa.

Que me recorde, nunca fui recriminado pelos "claqueiros", pelo que presumo que me comportei à altura das suas expetativas. Ou, se calhar, gostei mesmo das peças que vi... 

terça-feira, outubro 29, 2024

Equívoco


Há um imenso equívoco no mundo do futebol. 

O adepto clubista investe, emocional e irracionalmente, num emblema. Sofre e sente profundamente as vitórias e as derrotas do seu clube. Já se percebeu que isso é das lei da vida.

Por um qualquer mistério, que confesso que nunca percebi, o adepto comum parece ser levado a pensar que um jogador ou um treinador, chegado de um outro clube, muitas vezes transferido e pago a peso de ouro, passa, por essa simples transferência, a ter de transpirar um "amor à camisola" do novo clube idêntico àquele que o adepto sente, como se de um amador se tratasse. 

Às vezes, é verdade, há alguns profissionais que "go native" e passam a ser adeptos e a partilhar a mística do clube. Mas essa é exceção. A regra, para um profissional, é mostrar plena lealdade ao clube, enquanto nele trabalha, e que exerça a função para que foi contratado da melhor forma que sabe e pode. Quando tiver de sair, não lhe é exigível nada mais do que o cumprimento do que estiver no contrato, escrito ou implícito. Tudo o resto não passa de um equívoco.

Europeus

Não deixa de ser algo irónico que, no momento em que a União Europeia - algumas das suas políticas e leis - é fortemente criticada em alguns dos seus Estados, como fautora de problemas, essa mesma União seja tida como um eldorado por alguns putativos futuros aderentes.

Livros

Posso estar enganado e a ecoar uma ideia meramente impressionista mas, depois de passear por algumas livrarias, fiquei com a sensação de que os livros de auto-ajuda, de "how too" e de filosofias-de-trazer-por-casa sobre a vida estão em crescendo em edições portuguesas.

Trump

É difícil avaliar o efeito de um comentário muito insultuoso para a comunidade latina nos EUA, feito por um apoiante desastrado de Donald Trump, durante um dos seus mais importantes comícios de campanha. Se Trump perder, estas coisas irão serão contabilizadas.

Turismo


Ontem, dei uma de turista e subi ao terraço da torre das Amoreiras. Não me arrependi.

segunda-feira, outubro 28, 2024

A apuração e os apuros da verdade

Os recentes atos eleitorais na Moldova e na Geórgia, independentemente de terem tido resultados oficiais que apontam em sentidos contrários, mostram que os eleitorados daquelas antigas repúblicas da União Soviética permanecem bastante divididos, isto é, que, independentemente da eventual vitória de uma linha, subsiste um forte movimento de opinião em favor da linha que se lhe opõe.

Em ambos os casos, o desfecho dos sufrágios permanece objeto de forte contestação. Em ambos os casos, há acusações de ingerência russa, em favor dos grupos políticos mais favoráveis a Moscovo. Em ambos os casos, o mundo ocidental é acusado de favorecer os partidos que combatem a influência da Rússia. Em ambos os casos, no exterior do país, cada um acredita apenas na palavra de quem está próximo dos projetos e das orientações políticas que são as suas. Em ambos os casos, porque se trata de democracias sobre cujo modo de funcionamento subsistem muito sérias dúvidas, a verdade é um bem difícil de apurar. Exceto para os que não têm dúvidas e são donos dessa mesma verdade, a qual, curiosamente, coincide exatamente com aquilo que pensam.

A presidente


Por estas horas, na Geórgia, antiga república soviética do Cáucaso do Norte, vivem-se momentos de forte tensão política. O resultado das eleições legislativas deste fim de semana, oficialmente anunciado como sendo de sentido favorável à força política que está no poder há vários anos, é posto em causa pelo conjunto das forças da oposição, bem como pela presidente da República, Salome Zourabichvili. 

O governo é acusado de estar enfeudado aos interesses de Moscovo e a Rússia surge, em especial num discurso de há horas da presidente (a imagem é desse momento), como tendo interferido diretamente no ato eleitoral. Os próximos dias vão ser decisivos para se perceber qual será o desfecho deste confronto. 

Mas não é das eleições de ontem que quero aqui falar hoje.

Quero deixar uma nota sobre Salome Zourabichvili. Nascida em Paris, de pais de origem georgiana, foi diplomata francesa durante quase 30 anos. Um dia, foi designada embaixadora da França na Geórgia. O mais surpreendente viria em seguida: em 2004, Zourabichvili saiu dessas funções, passou a ter nacionalidade georgiana e ... foi nomeada ministra dos Negócios Estrangeiros da Geórgia! 

Visitei-a poucas semanas depois da sua assunção de funções. Tinha ido a Tbilisi, capital da Geórgia, integrado numa missão da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), ida de Viena. Éramos cinco embaixadores: Estados Unidos, Rússia, França, Itália e Portugal. O nosso objetivo era múltiplo: visitar a zona de fronteira entre a Geórgia as repúblicas russas da Inguchétia e da Chechénia, onde tinham ocorrido incidentes de que Moscovo se queixava, bem como as regiões da Ossétia do Sul e da Abcásia, ocupadas por independentistas que punham em causa a soberania da Geórgia sobre esses territórios. E, nesse contexto, durante quase uma semana, viajámos muito e falámos com muita gente.

A conversa com Salome Zourabichvili começou com a forte rejeição por parte desta de quaisquer responsabilidades do seu país nos acontecimentos que tinham levado às acusações russas. E viria a acabar algo tensa. 

O meu colega americano, Stephan Minikes, numa lógica bilateral que não era para ali chamada, decidiu dizer à nova ministra do interesse de Washington em reforçar fortemente a cooperação dos EUA com a Geórgia. (À saída, no corredor, perguntei-lhe: "Os EUA não têm cá embaixador? Não devia ser ele a dizer o que disseste?" Minekes, cuja experiência diplomática era muito escassa, atentou no que eu lhe disse: "Se calhar tens razão! Espero que o State Department não se aborreça"). 

Na ocasião, vi o embaixador russo, Alexander Alexeyev, ficar cada vez mais agitado na sua cadeira: uma das queixas de Moscovo era precisamente essa crescente intromissão americana numa área do mundo que a Rússia, visivelmente, considerava parte da sua "chasse gardée". Depois do 11 de Setembro, o "politicamente correto" da luta contra o terrorismo tinha obrigado Moscovo a mostrar-se complacente com a intromissão dos EUA no "near abroad" da Rússia, mas o prolongamento americano nessas regiões, em especial Cáucaso e Ásia Central,  começava a irritar Putin.

Os três embaixadores da União Europeia olhavam, entre o interessado e o divertido, aquele esgrimir da lógicas argumentativas que, no fundo, simbolizavam já fortes rivalidades geo-políticas de natureza global. Zourabichvili, que ali se percebeu ser fortemente anti-russa, travou-se então de razões com Alexeyev. Aqueles quase três quartos de hora de debate ofereceram-me um bom retrato da senhora, a qual, a partir de então, veio a ter um futuro destacado na política do seu país. 

Quatro anos mais tarde, depois de grosseiros erros táticos cometidos pelo então presidente georgiano, Mikheil Saakashviki, a Rússia daria uma primeira machadada nas ambições da Geórgia de se aproximar do ocidente e de recuperar os territórios perdidos. Agora, vinte anos depois, Salome Zourabichvili é a presidente do seu país em termo de mandato, que iniciou em 2018. Este seu estertor político soma-se ao facto de os presidentes georgianos deixarem, a partir deste ano, de ser eleitos em sufrágio direto e passarem a ser escolhidos pelo parlamento. 

Não me admiraria nada se, num futuro não muito longínquo, Zourabichvili viesse a ver-se obrigada a ter de ir passear pelas ruas do seu Paris natal...

domingo, outubro 27, 2024

O senhor Fernando


Morreu o senhor Fernando, Fernando Pinto de Sousa. Quem não é de Vila Real, não o conheceu. Para as novas gerações da cidade, o nome do senhor Fernando também dificilmente dirá alguma coisa, embora a sua figura, de porte direito, a passear-se lentamente pelas ruas, fizesse parte, por muitos anos, do cenário urbano.

O senhor Fernando morre com 97 anos, precisamente a mesma idade com que por ali perdi o meu pai, vai para muito tempo. Há uns anos, tinha feito ao senhor Fernando a promessa de estar presente na festa do seu centenário. Mas já não vai haver festa.

Quem era o senhor Fernando? Por muitos anos, nem sei quantos, era a pessoa que tomava conta do "Clube de Vila Real", a agremiação social que reunia a elite da cidade. Ali havia bailes, livros e revistas para ler, um bilhar e sala de jogo de cartas. Do jogo "social", a casa declinou para terreno de pura e dura jogataina, depois para um ambiente de copos e de música, evolução que lhe prolongou a existência mas corroeu em absoluto o prestígio, deixando de servir os propósitos que tinham levado à sua criação. 

O senhor Fernando viveu no andar superior do "Clube" e geriu, por décadas, o quotidiano da casa, providenciando cafés (imagino que também álcoois) e renovando baralhos de cartas. Por décadas, conciliou os egos locais que por ali andavam, "importâncias" que se contrapunham, feitios que se chocavam. Deve ter estado presente em confrontos, até físicos, de que se sabe que o Clube chegou a ser cenário.

O senhor Fernando, porém, foi sempre uma pessoa discreta, como se requer a quem tem de organizar um cenário de intensa passagem lúdica de cavalheiros e de outros que se esforçavam, muitas vezes debalde, por passar por sê-lo.

Na minha adolescência, o clube foi também um ponto de encontro noturno para os filhos dos sócios, como era o meu pai, em especial no Verão. Mas isso não se fazia sem uma regular tensão com o senhor Fernando, que nos aturou alguns desacatos, que chegou a ter de queixar-se de nós à direção, a qual acomodava depois as coisas com uma conversa discreta, sob a promessa de não fazer chegar o assunto aos nossos pais. E o senhor Fernando esquecia os nossos pecadilhos. E ficou mesmo amigo de muitos de nós.

Nas últimas décadas, quando acontecia eu estar presente em algum ato público na cidade onde nasci, o senhor Fernando tinha a constante gentileza de se apresentar por lá estar, assim sublinhando a amizade que fazia o favor de ter por mim.

Nesta despedida do senhor Fernando, com que parte um pouco da Vila Real da minha memória de tempos felizes, deixo um abraço de pesar ao seu filho Álvaro, que era um orgulho constante nas conversas do pai.

Falando do Partido Democrata americano


Imagino que muito poucos terão paciência para me ouvir durante 18 minutos, mas tendo a ingenuidade de pensar que sempre haverá alguns resistentes, deixo um link para a intervenção, sobre a identidade político-ideológica do Partido Democrata americano, que proferi na Conferência Anual da Fundação Res Pública, na quinta-feira, dia 24 de outubro.

Aqui fica o link

Resultados

Uma democracia saudável revela-se pela serenidade com que são aceites os resultados eleitorais. Felizes os países - e Portugal é um deles - onde, ao final do dia, se conhecem os vencedores e os vencidos, com estes a aceitarem o desfecho, por ínfimas que as diferenças possam ser. 

Ferreira do Alentejo


Tive ontem o gosto de intervir numa iniciativa organizada em Ferreira do Alentejo, no âmbito da respetiva Universidade Popular, de que é reitor o professor David Justino. Devo dizer que desconhecia esta interessante entidade até que, já há alguns meses, recebi um convite para ir ali falar, formulado por Inácio Ludgero, uma conhecida figura da fotografia e do foto-jornalismo português, que há muito desenvolve uma meritória atividade na área da difusão cultural.

Com uma sala cheia de gente que se mostrou interessada e muito interventiva - onde tive o prazer, logo à entrada, de ver à venda a 3ª edição do meu livro "Antes que me esqueça", publicado há quase um ano - mantive mais de duas horas de animado debate. O tema era "A Diplomacia e a vida", mas logo se percebeu que, da análise em abstrato da natureza da atividade diplomática, a conversa teria de derivar para a atualidade do estado do mundo. E assim aconteceu.

Um agradecimento particular é devido ao presidente da Câmara de Ferreira do Alentejo, Luís Pita Ameixa, que foi o anfitrião do evento, e à "culpada" pela extraordinária atividade cultural que se desenvolve em Ferreira, Dra. Maria João Pina.

sexta-feira, outubro 25, 2024

Notícias do Cáucaso

Quando leio na nossa comunicação social os zelosos semânticos chamarem caucasianos aos brancos, pergunto-me o que pensarão disto os cidadãos do Cáucaso. Quando voltar a jantar no "Ararate" (recomendo!), vou perguntar.

Danças políticas

O pequeno partido da direita radical parece uma barata tonta no mercado político. Afasta-se da extrema-direita quando pressente que isso é tóxico, cola-se e descola-se da direita clássica à medida das conjunturas, tentando cavalgar as oportunidades mediáticas.

Isaltino

Sou insuspeito de poder ter a menor complacência com a figura política de Isaltino Morais. Mas sou obrigado a reconhecer que esteve bem na sua postura perante os recentes acontecimentos de violência.

A Rússia e os BRICS

A reunião dos BRICS foi o maior sucesso diplomático que a Rússia conseguiu, desde o início da invasão da Ucrânia. Putin foi hábil no modo como abusou desse palco para defender a sua posição nacional, excedendo manifestamente a sua qualidade de presidência rotativa dos BRICS.

Foi bastante significativo ver vários Estados do "mundo BRICS" a apoiar, expressa ou subliminarmente Moscovo. O silêncio complacente de outros revela que a causa ucraniana pode estar a perder cada vez mais força naquele âmbito.

Guterres e os BRICS

Guterres não poderia nunca eximir-se a estar presente na cimeira dos BRICS, apenas pelo facto de ela ter lugar na Rússia - que, aliás, é um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Quando os EUA invadiram ilegalmente o Iraque, o SG da ONU cortou relações com Washington?

Devendo estar consciente de que a forma é relevante para o conteúdo das coisas, a máquina da ONU deveria ter cuidado ao pormenor - e visivelmente não o soube fazer - da coreografia dos momentos do seu SG com Putin, evitando o aproveitamento por este das "photo opportunities".

Norte-coreanos

Pensemos friamente: a eventual utilização tropas norte-coreanas na defesa ou retoma da região de Kursk, zona russa parcialmente ocupada pela Ucrânia, seria uma coisa muito diferente do seu emprego na luta no território ucraniano.

Há um aspeto interessante na presença de tropas norte-coreanas na Rússia. Trata-se de gente que viveu toda a vida num condicionamento total, em matéria de contactos e de informação. Será que o seu governo e os russos conseguem preservá-los da "poluição" pelo mundo exterior?

" O que faz falta"


Tenho imensa pena que um conflito de agendas me não permita estar em Matosinhos, na Casa da Arquitectura, na inauguração da exposição "O que faz falta", comemorativa dos 50 anos de Arquitetura em Democracia.

Tenho o gosto de contribuir com um texto para o respetivo catálogo, que proximamente será editado, a que dei o título de "Assim estamos".

Ilegalização?

Nunca fui adepto da ilegalização do Chega, com base na sua possível inconformidade com o nosso ordenamento constitucional. Conheço os riscos que uma ação nesse sentido pode vir a ter, em termos de vitimização e hostilização do seu eleitorado. Porém, o comportamento daquele grupo político começa a configurar uma postura que desafia a ordem constitucional. E a democracia tem de saber defender-se.

(Este post não aceitará comentários).

O voto absolve?

Algo vai mal neste país quando, ao ser abordado o caráter eventualmente criminoso de atitudes de responsáveis de um partido de extrema-direita, se argumenta com os votos que esse mesmo partido obteve, como se pudesse haver uma espécie de legitimação democrática dos crimes.

(Este post não aceitará comentários).

Áh!


Talvez fosse útil alguém explicar a alguns "injustamente acusados de serem jornalistas" (como dizia Baptista-Bastos) que as siglas e os acrónimos não levam acento. Isto está a ficar bonito, está!

América



Sou suspeito, porque fui um dos interventores na Conferência Anual que a Fundação Res Publica ontem realizou, dedicada às eleições presidenciais (e não só) nos EUA, mas tenho a impressão de que quem a ela assistiu, e quem nela participou, não deve ter dado por mal empregado o seu tempo. Coube-me ali falar da identidade político-ideológica do Partido Democrata. 

Ana Santos Pinto, Bernardo Pires de Lima, Nuno Severiano Teixeira, Pedro Adão e Silva e Pedro Silva Pereira foram os outros oradores, cada um abordando um tema específico. Três horas de útil reflexão, sob a batuta e o relógio de José António Vieira da Silva, com participações interessadas e substantivas da audiência. 

Contudo, nenhum de nós conseguiu adiantar um palpite sobre quem sairá vencedor da compita...

"Obrigado"

Tenho algum orgulho em poder dizer que sempre olhei com grande simpatia para a presença de estrangeiros a trabalhar em Portugal. Por isso, acho que tenho alguma autoridade para poder dizer que não me parece normal que, nas quatro viagens que ontem fiz em TVDE, me tenha cruzado com três condutores que não falavam uma única palavra de português e que tinham um inglês abaixo de "macarrónico". Vá lá: dois deles, no final, com um grande sorriso, disseram "obrigado".

quinta-feira, outubro 24, 2024

Memória


Estive lá hoje. É uma sala vazia de pessoas, mas cheia de boas memórias de quem por ali passou as últimas décadas de uma vida ímpar. Recordo algumas conversas, a última das quais foi já muito penosa. Como me acontece com alguma frequência, senti falta dessa grande figura de português que foi (que é) Mário Soares.

Apresentação



Ferreira do Alentejo



Bloco de Notas


Entrevista conduzida por Maria Flor Pedroso.

Pode ouvir aqui.

Lembrando

Este blogue tem dono. Dono, proprietário. E o dono de um blogue, por muito anti-democrático que isso possa parecer, não autoriza a publicação de comentários que relevem de agendas racistas, xenófobas e discriminatórias. Quando, por vezes, decide deixar passar alguns comentários que se aproximam desse registo é apenas com o objetivo de ilustrar, pela caricatura, a postura ridícula de alguns cromos que por aqui vão aparecendo - e, nos últimos dois dias, tem sido um fartote deles, como seria de esperar. É só para lembrar.

quarta-feira, outubro 23, 2024

Pensem nisto


O colonialismo teve faces bem sombrias. Esquecê-las, só porque são desagradáveis, é uma estupidez histórica e um atentado à memória coletiva dos povos cujas culturas se projetam em língua portuguesa, a língua colonial sem a qual esta fotografia seria improvável.

Este PSD

Este PSD é um partido estranho: deixou de ser desempoeirado nas questões "de costumes" e, apenas para recuperar o voto reacionário, tornou-se igual ao pior CDS na "cidadania" e, o que é muito mais grave, colou-se a agendas do Chega. Tenho amigos do PSD que se sentem incomodados.

terça-feira, outubro 22, 2024

Agora, aguentem-se!

Os governos não são parvos, mas, às vezes, parecem sê-lo. (Não, não vou falar de política interna). 

Anda lá por fora meio mundo excitado com a movimentação dos BRICS. Relembro que tudo começou quando um fulano da Goldman Sachs juntou as primeiras letras do Brasil, Rússia, Índia e China, potências ditas emergentes, que se encontravam em reuniões de diálogo e de muito escassa cooperação, e crismou o acrónimo BRIC. (Um acrónimo, lembro, é uma sigla que se consegue ler como uma palavra). O "S" que então faltava surgiu quando a África do Sul ("South Africa") se juntou aos restantes.

Os BRICS nunca foram grande coisa. A sua identidade vinha mais do contraste com o "primeiro mundo", menos por um qualquer cimento estratégico próprio. Os BRICS nunca foram uma espécie de "G7 dos pobres", muito longe disso. 

Curiosamente, foi o mundo desenvolvido que deu alguma força aos BRICS. Ao ter impulsionado, na crise financeira de 2008, essencialmente por razões de interesse próprio, a atividade até então discreta do G20, pensando que conseguia trazer para uma governança por ele tutelada os principais atores económicos do mundo, o G7 acabou por alargar o diálogo entre muitos desses Estados. No final, não seria o G7 a satelitizar os membros (não ocidentais) do G20, mas seriam os BRICS a cooptar alguns dentre eles para o seu seio, como recentemente se viu.

Mas que não haja ilusões: a identidade dos BRICS nunca igualará a do G7. É fácil explicar porquê.

A China, a que a guerra na Ucrânia obrigou a acelerar a sua dinâmica de ambição como potência, mostra uma clara intenção de utilizar os BRICS como plataforma para tal. Mas, ao contrário do G7, onde a preeminência dos Estados Unidos é não só tolerada como aceite como uma fatalidade, a China não consegue garantir no seio dos BRICS um papel de liderança indisputada. A Índia, que está no grupo por necessidade de afirmação própria, nunca irá permitir que isso aconteça. 

No grupo BRICS original, a África do Sul era, manifestamente, o parceiro mais fraco, e mantem-se irrelevante no atual contexto. O Brasil combateu, sem sucesso, o alargamento dos BRICS, porque sabiamente pressentiu que a extensão do grupo iria significar a diluição do seu poder relativo. Mas viu-se vergado a flexibilizar a sua atitude pela vontade da China (não se percebeu bem se também da Índia). A Rússia, num tempo de grande dificuldade, precisa desesperadamente quem lhe suporte o estatuto de potência, pelo que o alargamento do "clube" seria conveniente à quase obsessiva e ridícula coreografia diplomática de Putin.

E assim os BRICS, nos dias de hoje, vão andando na tentativa de densificação da sua cooperação. Mas sente-se que o mundo ocidental anda cada vez mais preocupado com este diálogo acrescido. E, numa estupidez estratégica e declaratória, junta, às vezes, tudo no mesmo saco. 

O tal mundo ocidental - com os Estados Unidos e a Europa à frente - tentou, na sequência da invasão russa da Ucrânia, apelar aos princípios da ordem internacional que entenderam estarem a ser violados. 

Pelo belo barómetro que são as resoluções da Assembleia Geral da ONU, percebeu-se que esse argumentário euro-americano (com outros amigos mais ou menos íntimos) começou por ter algum sucesso junto daquilo a que alguns chamam "Sul global".

Até que um dia sucedeu o que está a suceder em torno de Israel. E esse tal "Sul global" deu-se de repente conta de que os mesmos princípios e valores que tinham sido evocados para o caso ucraniano afinal não eram aplicáveis no caso palestino. E grande parte desse Sul, com os BRICS à cabeça e com a suas opiniões públicas na base, confirmou que o ocidente tinha dois pesos e duas medidas e que, afinal, os tais princípios e valores só prevaleciam quando serviam de suporte aos interesses geopolíticos ocidentais. E viu-se o tal ocidente, em poucos meses, a perder toda a autoridade moral que invocara na Ucrânia. Sem o afirmar, tinha afinal adoptado o conhecido princípio de Groucho Marx: "Estes são os meus princípios. Se não gostarem, tenho outros".

Mesmo com os seus limites, o sucesso organizativo dos BRICS, gerando outros movimentos de agregação e simpatia a Sul, confronta visivelmente o mundo ocidental. Mas acaba por ser o resultado de uma crescente hipocrisia por parte deste. Agora, aguentem-se! 

Os governos não são parvos, mas, às vezes, parecem sê-lo. Ou fazer de nós parvos.

Violência e bom senso


É grave aquilo que se passou na periferia de Lisboa, com um morto como resultado de uma ação policial. Não interessa aqui entrar na avaliação das culpas. O que quero lembrar, à luz da experiência de ocorrências similares em outros países, é o forte potencial de arrastamento que este tipo de acontecimentos tem. Todos sabemos que há "bombas relógio" de tensão social e inter-étnica em certas zonas e que uma faúlha pode desencadear uma bola de neve de violência. Portugal não tem um histórico neste domínio, mas nada impede que, de um instante para o outro, as coisas fujam do controlo. Esperemos que assim não venha a ser.

"Santa Luzia"


Há uns anos, Fortunato da Câmara, uma das escassas vozes na crítica gastronómica que nunca me induziu a erros, na indicação de bons restaurantes, tinha chamado a minha atenção para o renovado "Santa Luzia", à entrada de Viseu, que conheci em diversos tempos. Entretanto, constou que o restaurante tinha sofrido mudanças na gerência, o que, para o compreensível conservadorismo dos frequentadores de restaurantes, introduz sempre inquietantes pontos de interrogação.

Acresce que, à volta da cidade de Viseu, tinham entretanto surgido propostas curiosas, desde a sofisticada "Mesa de Lemos" à comida de tacho do "Cantinho do Tito", passando pelo surpreendente "De Raíz". E, claro, havia sempre a segurança do "Caçador" e da "Arouquesa", com o restaurante da Pousada a continuar a não mostrar garra e o "Cortiço" a fazer saudades do D. Zeferino, em tempos em que a "Trave Negra" por ali chegou a pedir meças.

Tudo isto para dizer que me decidi hoje, numa viagem entre Vila Real e Lisboa, a regressar ao "Santa Luzia". Como me recordava que o espaço interior era vasto, ainda tive a tentação de não reservar, mas optei por fazê-lo, como me ocorre 99% da vezes. Em boa hora o fiz: a casa encheu! Mesmo tendo imensos lugares! 

A arquitetura da casa, que creio que já tem mais de uma década neste seu formato, é simpática, moderna, arejada, com estacionamento próprio e espaço exterior atencioso para fumadores.

O serviço foi diligente, sabedor e excecionalmente acolhedor. Tudo o foi pedido estava muito bem apresentado. Alguns "mas": quer uma vitela assada quer o caldo verde que a antecedeu ganhariam em ter um pouco mais de apuro. O galo "pica-no-chão" estava com excelente sabor, embora um pouco demasiado "al dente" (embora galo e frango não tenham a mesma textura, eu sei). As sobremesas provadas eram muito boas. Bebeu-se um tinto do Dão, da casa, que não desmereceu. No meu rácio satisfação/preço, o "Santa Luzia" saiu aprovado. Deixo o registo.

segunda-feira, outubro 21, 2024

Pensem!

Há várias maneiras de fazer alianças com a extrema-direita, tentando captar o seu eleitorado (perdido). Uma delas é copiar as suas ideias.

"Farta Brutos"


Nunca por aqui contei esta história. Uma história muito triste, de outros tristes tempos. 

Foi logo no início dos anos 90. Eu vivia então em Londres. Vim sozinho por alguns dias a Lisboa e telefonei a um grande e velho amigo nosso, sugerindo que fôssemos jantar. 

Ele vivia em Alfama. Na conversa, pelo telefone, disse-me que, não muito longe da sua casa, havia uma tasca, com cozinha tradicional portuguesa, que ele ainda não conhecia e de que lhe tinham falado muito bem. Achei uma ótima ideia. Fui ter à sua casa (recordo-me que vivia no mesmo prédio de Carlos Carvalhas, então secretário-geral do PCP) e daí partimos para o jantar.

Chegados os dois à tasca, sentámo-nos e esperámos para ser atentidos. Comecei a estranhar o facto de, ao final de largos minutos, ninguém vir à nossa mesa. O meu amigo, que se chamava Jorge (morreu, entretanto, há uns bons anos), ia fazendo gestos, tentando chamar alguém para nos servir. Do pessoal da sala e do lado de dentro do balcão, comecei a assistir a sorrisos e a atitudes desdenhosas, que visivelmente lhe eram dirigidas. 

O Jorge era homossexual, tinha uma coreografia gestual que indiciava claramente isso, e rapidamente me apercebi que os empregados da casa estavam a escarnecer do seu nervosismo e da irrequietude dos seus trejeitos. A certo passo, ouvi mesmo de um deles: "Então quem é que vai atender o maricas?". E iam rindo, entre si, de forma alarve.

Nunca me conformei com a cobardia da reação que, a certa altura, tive. Levantei-me e disse: "Jorge, vamos embora!" Sempre fiquei convencido de que ele não estava a aperceber-se bem do ambiente que se tinha criado à nossa volta. Parecia incrédulo, não entendendo (ou talvez não querendo entender) o que se estava a passar. Eu terei achado que uma clarificação pública e sonora da situação o podia humilhar. Arrastei-o para fora do restaurante, metemo-nos num taxi.

Há poucos dias, ao entrar para o "Farta Brutos", com um grupo de pessoas, depois de uma conferência na FLAD, lembrei-me de ter sido precisamente ali que o Jorge e eu tínhamos aportado, logo depois da cena miserável passada na tasca de Alfama. 

Ainda tive a tentação de contar a história às pessoas que iam comigo. Mas achei que quem tinha sentada a meu lado, Anne-Marie Slaughter, a conferencista dessa tarde, ex-assessora de Obama, autora e universitária prestigiada, talvez tivesse alguma dificuldade em entender que, há pouco mais de trinta anos, o ambiente social de Lisboa ainda fosse tão homofóbico e discriminatório. Ou quiçá eu não quisesse, afinal, confrontar-me com o facto de, na circunstância, não ter armado a "peixeirada" que era merecida e ter, simplesmente, optado por ir jantar a outro local.

O "Farta Brutos", a que muitos chamavam o "Tavares Pobre", por se situar nas traseiras do "falecido" "Tavares", essa histórica estrela caída da restauração lisboeta, tinha-nos acolhido, nessa noite de 1990, com a urbanidade da casa decente e muito correta que sempre foi. Lembro-me bem disso.

Várias outras vezes voltei ao "Farta Brutos". Não guardo senão boas memórias desse que é, nos dias de hoje, um dos marcos constantes da boa restauração daquele (infelizmente cada vez mais descaraterizado) bairro. Na noite de há dias, voltei a comer ali muito bem. No final, recebi do proprietário o devido remoque ("Já não vem cá há algum tempo!"), a que pretendo responder com novo regresso em breve.

domingo, outubro 20, 2024

"1.° Direito"


É um " self- service", aviso já para os que não são grandes apreciadores do género - e eu, em regra, estou com eles. (Houve um tempo em que minha preguiça ia ao ponto de considerar que a "fondue" e a "raclette" me davam demasiado trabalho).

Acede-se ao restaurante através de uma estrada no termo de Monsanto, perto do estádio do Casa Pia. As indicações são escassas, pelo que vale a pena usar o GPS. Tem um espaço próprio para estacionamento, embora, a certas horas e dias, bastante ocupado nas zonas mais cómodas.

Situa-se numa edificação rústica de madeira, com um razoável espaço para mesas, umas na sala interior, outras abertas em varandas para o ar livre, e insere-se na área de apoio ao grupo desportivo de rugbi da faculdade de Direito, referência que o nome evoca. A memorabilia dos êxitos do clube enche as paredes. A decoração é "cozy", com bom gosto e elegância.

Vejo o local muitas vezes utilizado para festas ou refeições com bastante gente. Voltei lá há dias, num grupo de amigos, cenário normal por ali.

Sem ter uma comida deslumbrante, é um restaurante com qualidade média muito razoável e uma assinalável variedade, que se expressa também nas sobremesas doces, que sempre me tentam a glicémia. Como é da natureza de todos os "self-services", a partir de uma certa hora, o reforço das vitualhas pode começar a ter falhas, pelo que se não aconselham horas tardias para as refeições. Tem uma carta de vinhos com aceitáveis opções de escolha. O serviço é quase neutro, dada a especificidade do restaurante, e é apenas complementar ao nosso auto-consumo. O preço final é bastante razoável.

O "1º Direito" é uma escolha diferente na restauração de Lisboa. Recomendo uma visita.

sábado, outubro 19, 2024

"Ararate"


Finalmente, fui hoje comer ao "Ararate", um restaurante arménio em Lisboa, perto da Gulbenkian, de que me falavam bem. O espaço tem uma decoração banal, resistindo aos arrebiques folclóricos. Que tivesse dado conta, também não havia por ali referências à Arca de Noé, o velho mito local ligado ao Monte Ararat, com que me lembro de ter sido brindado quer em Yerevan, quer numa zona da Turquia vizinha do monte.

O ambiente é um pouco barulhento. O serviço é atento e competente, embora a noite fosse de muito movimento, o que me dizem ser frequente, dado o êxito comercial do restaurante. 

Assustei-me quando vi um menu com fotografias dos pratos (a imagem daqueles infernais "caçadores de turistas" da Baixa lisboeta veio-me logo à ideia), mas não tinha razão para isso: a singularidade daquela gastronomia justifica plenamente que possamos ter, por antecipação, uma imagem daquilo que nos propõem, que ali vem acompanhada por uma descrição muito competente de cada prato.

Éramos quatro pessoas. Com um couvert leve, quatro pratos, três sobremesas, um razoável vinho arménio (a carta de vinhos é bem construída, com propostas portuguesas e arménias, estas utilmente explicadas com as castas e sabores), cafés e água, pouco passou das três dezenas de euros/pessoa. 

O mais importante: comeu-se muito bem, todos ficámos muito satisfeitos. Vou regressar em breve ao Ararate. Ficaram-me os olhos e o apetite para alguns outros pratos que por ali vi.

sexta-feira, outubro 18, 2024

O telefone preto


À minha casa, em Vila Real, na longínqua noite em que a então recém-criada RTP editou o seu primeiro Telejornal, faz hoje precisamente 65 anos, não chegava ainda o "sinal" da RTP. Nem sequer tínhamos aparelho de televisão, claro!

Demoraria uns bons anos até que a "antena do Marão" viesse a ser instalada e uma imagem a-preto-e-branco, cheia de grão, acompanhada de um som fanhoso, um dia trouxesse, para nosso júbilo, esse admirável mundo novo que era emitido a partir de Lisboa. 

Ao tempo, o noticiário que sempre era escutado com alguma atenção, lá por casa, muito antes do Telejornal poder ser visto, e que, depois, coexistiu com este, era o da velha Emissora Nacional, entidade que, nos dias de hoje, se chama RDP e que faz parte da empresa RTP.

A RTP, quando foi criada, e por muitos anos, chamou-se "Radiotelevisão Portuguesa". Hoje, é designada "Rádio e Televisão de Portugal", para quem possa ainda não ter notado. É que, além dos seus vários canais de televisão, tem inúmeros canais de rádio. 

(Já agora: conhece algum canal de rádio, além da Antena 2 da RDP/RTP, que, em Portugal, transmita música clássica? Pense nisto! E aproveite para refletir sobre a ideia governamental de retirar a publicidade ao canal 1 da RTP, tornando a empresa dependente da boa vontade financeira dos governos.)

Hoje de manhã, a propósito de um assunto que não vem aqui para o caso, fui convidado para uma conversa num desses canais de rádio. E foi então que me dei conta de que a casa estava a preparar os festejos dos 65 anos do seu Telejornal. 

À senhora das relações públicas, que me recebeu à porta da RTP, eu disse uma frase enigmática: "Espero que não se esqueçam do telefone preto!" Ela, claro, não podia perceber que eu me referia a um aparelho que, por muitos anos, figurou sobre a mesa, ao lado dos locutores (muitos não eram então jornalistas, mas simples debitadores de textos preparados por outros) que liam as notícias, nesse tempo em que o teleponto ainda não existia (já agora: começou a ser usado nas "Conversas em Família" de Marcelo Caetano, no final dos anos 60).

Para que seria o telefone na mesa, muita gente se interrogaria, tanto mais que visivelmente nunca era utilizado? Supostamente, seria para dar notícias de última hora. Que me recorde, só por uma vez assisti a um desses "grandes momentos", com o telefone a tocar, o país em "suspense" e o locutor a tomar curta nota de uma notícia "grave", que nos transmitiu de seguida. Gabo-me de ter boa memória, mas não me lembro qual teria sido o assunto.

A comemoração de hoje creio que terá esquecido o tal telefone (que julgo existir no Museu da RTP, uma exposição que, infelizmente, não é muito acessível ao público em geral). Deixo-o aqui à vista, numa imagem de Gomes Ferreira (não, não é esse homónimo em quem estão a pensar!) e de uma outra onde figuram Fialho Gouveia e Fernando Balsinha. Esta última fotografia tem (para mim) a curiosidade especial de eu estar, nesse mesmo instante, fardado, por detrás da câmara, nessa ocasião em que a minha unidade militar ocupou a RTP, num certo dia de Abril de 1974.

Parabéns, RTP, pelos 65 anos do seu Telejornal!




As horas de Zelensky



Ver aqui.

A sorte de Harris


Ver aqui.

Israel e o mundo


Pode ver aqui.

América

 

(Clique na imagem para ver)

O PS e o orçamento

 


quinta-feira, outubro 17, 2024

António Correia de Campos


Seis anos me separam, em idade, de António Correia de Campos. Figura da geração académica de 1962, época em que teve um papel destacado na vida associativa universitária, creio que terá sido a sua proximidade pessoal a Jorge Sampaio e a Nuno Brederode Santos que, com os anos, ajudou a que nos aproximássemos. 

O António é uma inteligência fulgurante, somada a um humor magnífico, que, ao longo de décadas, prestou ao país grandes serviços. Conhecê-lo é privilégio de alguns, lê-lo é acessível a quantos queiram cruzar-se com uma grande figura da cidadania portuguesa.

O seu nome apareceu, aos olhos dos portugueses, muitas vezes ligado à Saúde, de que foi ministro em duas ocasiões, circunstância que sempre me pareceu algo limitativa face àquilo com que o país muito teria ganho - a sua colocação como figura cimeira, e com o necessário poder, à frente da nunca executada reforma do Estado. Com uma formação internacional muito rara, o António foi um excecional presidente do Instituto Nacional de Admininistração, e sem prejuízo do trabalho que desenvolveu na área específica onde é altamente competente, creio que Portugal o pode ter desperdiçado naquilo em que ele teria sido de uma extrema utilidade nacional.

António Correia de Campos lançou ontem o seu segundo volume de memórias. Eu diria mais, de rigorosas memórias. Para um descuidado com as lembranças como sou, o minucioso registo que o António tem vindo a fazer dos seus dias na vida pública mostra um trabalho admirável, que é, ao mesmo tempo, um índice dos anos da nossa contemporaneidade. Num diário sempre assumidamente crítico, ele conduz-nos pelos anos recentes nosso país político, através de uma escrita de grande qualidade e sem arrebiques, marcada por uma linguagem exigente, como exigente é a sua ética cívica.

Um dia, em 2001, em Nova Iorque, eu tinha levado Jorge Sampaio a visitar o "The New York Times", proporcionando-lhe um encontro com a respetiva direção editorial. Sampaio e eu partilhávamos uma imensa admiração pelo jornalismo daquela que o nosso presidente qualificava como um "bíblia laica". No meio desse encontro, o Ajudante de Campo de Sampaio trouxe-lhe um telefone portátil: tinha uma chamada urgente de António Correia de Campos. Durante uns escassos minutos, o presidente português interrompeu a visita e eu fiquei a fazer as honras dos visitantes da casa. No final, Sampaio disse-me: "Era o António Correia de Campos. O Guterres acaba de o convidar para a Saúde. Há muito tempo que isto devia ter acontecido, não acha?" Eu era da mesma opinião, embora fosse amigo de ambas as ministras que Guterres havia sucessivamente escolhido para aquela pasta e com quem tinha trabalhado muito bem: Maria de Belém e Manuela Arcanjo. A chegada de António Correia de Campos àquele "impossível" ministério não foi a tempo de dar um último alento ao segundo governo de António Guterres, do qual eu tinha saído alguns meses antes.

Desde então, passei a encontrar o meu amigo António Correia de Campos com muita e agradável frequência, no Brasil, em França, em sua casa ou em casa de um grande amigo comum, Eduardo Ferro Rodrigues, em Almoçageme, aldeua onde o António exerce com visível gosto o cargo de presidente da Assembleia Geral dos bombeiros locais, como orgulhosamente refere na badana daquele seu último livro. 

Ontem, ao ouvir Vital Moreira apresentar, ao lado de Leonor Beleza, no Palácio Galveias, esse segundo volume das suas memórias -  "Do Pântano à Pandemia" - sorri intimamente ao recordar uma noite, em 2010 ou 2011, em que o António, o Vital e eu saíamos da Brasserie Stella, em Paris. Do outro lado da avenue Victor Hugo passou uma figura que o Vital ou o António julgaram identificar como podendo ser o prolífico, famoso, embora literariamente menos unânime, escritor brasileiro Paulo Coelho. Ambos se voltaram para mim, como se eu, único dos três que por ali vivia, pudesse ter autoridade para fazer uma identificação autêntica da figura. Tive então a "lata" que ambos não tiveram e, em voz bem alta, lancei para o outro passeio da Victor Hugo: "Paulo!" Paulo Coelho olhou-nos, estugou por um segundo o passo, logo retomando o seu andamento, quiçá por ter pressentido não estarem por ali uns seus devotos leitores.

Ao António (e à Belinhas) deixamos o nosso forte abraço de felicitações pela publicação deste segundo volume das Memórias, cuja leitura já iniciei, mas que, mesmo chegado às quase três da manhã, ainda não concluí. Ontem, não conseguimos ficar a tempo de recolher uma dedicatória: o coro da Gulbenkian não esperava mais por nós.

quarta-feira, outubro 16, 2024

Honra ao mérito


À mesa da Máfia


Foi repetido, há horas, no canal "História", um documentário sobre a Máfia americana. A Máfia ainda por lá existe, nos dias de hoje, embora ao que parece um tanto debilitada. As Máfias nunca desaparecem por completo. Um dos filmes evoca um episódio famoso.

Um dia, no início de 2001, convidei para almoçar, em Nova Iorque, o historiador britânico Kenneth Maxwell, que aí trabalhava. Tinha conhecido Maxwell uns anos antes, creio que em Londres. É uma figura pessoalmente muito interessante e muito interessada por temas ibéricos e luso-brasileiros, que enchem a sua vasta e excelente biografia. Maxwell é um magnífico conversador e sabe imenso sobre os nossos tempos do 25 de Abril e períodos subsequentes.

Combinámos encontrar-nos num restaurante próximo da nossa missão junto da ONU, que eu então chefiava. Era o "Sparks Steak House", que me tinham indicado como sítio simpático para um almoço, nesse tempo em que eu começava a explorar as boas mesas nas cercanias na nossa missão. 

Por uma mera coincidência, vindos de lados diferentes da rua 46, onde se situa o restaurante, encontrámo-nos precisamente à porta. Com um sorriso enigmático, Maxwell disse-me: "Temos de entrar rápidamente. Fico sempre nervoso junto desta porta". Não percebi porquê e entrámos. 

Já na mesa, presumindo que a minha curiosidade sobre o seu comentário não se teria atenuado, o historiador perguntou-me: "Sabe o que se passou em frente daquela porta, não sabe?". Confessei que não recordava nada. "Foi ali que, há cerca de 15 anos, um dos grupos da Máfia liquidou o chefe de outra fação. Ele ia a sair e foi morto a tiro por quatro homens, enquanto o mandante da operação se mantinha num carro, à distância. Não consigo deixar de sentir sempre um frio na espinha quando estou perto daquela porta". 

Recordei-me então de ter lido sobre esse episódio da Máfia nova-iorquina, mas desconhecia que tinha sido exatamente ali que o assassinato havia tido lugar. 

Kenneth Maxwell comentou: "Cheguei a pensar que, sendo eu um historiador, me tivesse convidado para aqui por este ser já um restaurante que está na história de Nova Iorque. Embora por más razões..."

Mudam-se os tempos...

 


terça-feira, outubro 15, 2024

Prémio Mário Quartin Graça


O júri do Prémio Científico Mário Quartin Graça decidiu atribuir o Prémio relativo ao ano de 2024 ao trabalho "Meninas adolescentes em busca da vida e da identidade na literatura infanto-juvenil, no contexto das ditaduras brasileira e portuguesa – Lygia Bojunga e Alice Vieira", da autoria de Renata Flaiban Zanete.

Num ano em que constatou a apresentação a concurso de outros trabalhos de qualidade e interesse, o júri entendeu dever atribuir ainda menções honrosas às seguintes obras:

– "La superación en la Lengua Portuguesa para cursistas de centros educacionales y otros com fines especificos", de Ángel Jesús Pérez Ruiz.

"Disputas pelo neto de Noé: Tubal e as origens da Península Ibérica (1543-1666)", de Julian Bilbao.

"Sentidos da diversidade em São Paulo e Lisboa: patrimônios e alteridades nos centros urbanos", de  Altamirano.

"Reformar o Governo, conservar o Império. Economia política e administração. Angola, Bahia e Rio de Janeiro (1750-1777)", de Naira Mota.

O Prémio Científico Mário Quartin Graça é atribuído anualmente a uma dissertação de Doutoramento em Ciências Sociais e Humanas de um estudante que tenha concluído o 3.º ciclo numa universidade ibérica, latino-americana ou dos Estados Unidos da América, e é uma iniciativa da Casa da América Latina.

Tenho o gosto de presidir ao júri deste Prémio, constituído pela professora Ângela Fernandes (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), pelos professores José Soares Neves (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa) e Pedro Cardim (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa) e por Manuela Júdice (Casa da América Latina).

segunda-feira, outubro 14, 2024

2011 e a ausência de um gravador


A partir de 2011, e por alguns anos, Portugal atravessou um período muito difícil nas suas contas externas. O agravamento dos desequilíbrios financeiros obrigou, a certo momento, a um pedido de ajuda internacional, com a subsequente negociação de um acordo com instituições multilaterais. Depois, todos fomos assistindo ao desembarque regular em Lisboa de representantes daquelas instituições que, por um tempo longo, por cá vinham dar ordens e emitir notas críticas sobre o nosso comportamento na obediência a essas ordens.

Não é objetivo deste texto falar dos heróis e dos vilões que cada um apoiou ou detestou no filme desse tempo. Já quase tudo foi escrito sobre esses protagonistas e está claro o que cada um pensa. Não vou por aí. 

Como se imaginará, por aqueles dias, as antenas de Portugal pelo mundo  - as nossas embaixadas - estiveram atentas e, cada uma à sua medida e à escala daquilo que lhe era solicitado que fizesse, procurou desenvolver o trabalho que lhe competia, umas melhor outras pior, como é da lei da vida. Cada caso foi um caso e cada experiência foi diferente das outras, se bem que integradas num todo complementar, que significou a contribuição dada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros nesse período.

Pode haver quem tenha pena que, num almoço de hoje, num discreto lugar de Lisboa, não tivesse havido um gravador para recolher os testemunhos ali prestados pelos embaixadores portugueses que, nos meses que antecederam e que sucederam ao pedido de ajuda externa, estavam então colocados em três importantes capitais: Berlim, Paris e Londres. Por quase três horas, cruzámos episódios, conferimos versões e olhámos retrospetivamente o que Lisboa significou então para nós, como centro de instruções e de informação. E também o que não significou, as nossas angústias e a nossa solidão. Nessa conversa, solta e sem peias nem baias, falámos livremente da parte que a cada um competiu naquela história. E tudo por ali ficou. 

Está frio...

... mas está um belo dia!