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segunda-feira, maio 28, 2012

Camões em Paris

Aproxima-se o dia 10 de junho, dia que Portugal escolheu para sua data nacional, uma data que é, simultaneamente, a da morte de Luiz de Camões, em 1580.

Esse foi o ano em que a independência do país se perdeu para a Espanha, por seis décadas. Foi recuperada em 1 de dezembro de 1640, uma data que, oficial ou privadamente, sempre comemorarei.

Acho que diz muito de um povo escolher, como sua data identitária, o dia triste da morte de um poeta. Não sei o que os poetas portugueses pensarão disso. Ficarão orgulhosos? Ou, como Woody Allen, acharão que a melhor maneira de garantirem a imortalidade seria, de facto, não morrerem?

Há dias, Eduardo Lourenço, numa entrevista, revelava que o único livro que sempre o acompanhava nas viagens era uma edição de bolso de "Os Lusíadas". Embora Camões, vale a pena lembrar, seja muito mais do que esse poema épico. Faço parte de uma geração que foi academicamente educada a "não gostar" de Camões, ao forçarem-me a "dividir as orações" em "Os Lusíadas", em lugar de me revelarem aquela obra como um percurso ímpar pela graça da nossa História. Felizmente, consegui ultrapassar o trauma, a tempo.

Aqui por Paris, vamos, este ano, e uma vez mais, celebrar Camões, por volta dessa data. 

Na Embaixada, vamos organizar uma conferência, por uma especialista de Camões, a professora universitária Maria Vitalina Leal de Matos, sobre o tema "Camões: l’homme, l’oeuvre et le mythe”. Será na terça feira, dia 5 de junho, pelas 18,30 horas, no 3 rue de Noisiel, sendo o metro mais próximo o "Porte Dauphine". Por razões de espaço, as entradas não são livres. Quem quiser assistir, deve solicitar um convite pelo telefone 01 53 92 01 00 ou, de preferência, pelo mail: instituto.camoes.paris@wanadoo.fr.

Na imagem deste post, estão as escadas da avenue Camoëns (como os franceses chamam a Camões), junto ao boulevard Delessert, muito próximo do Palais de Chaillot, no lado do Sena oposto à Tour Eiffel. Na sua base está, desde 1987, este monumento ao poeta, de autoria de Clara Meneres. No dia 10 de junho, tal como em todos os anos passados, o pessoal da Embaixada de Portugal irá, pelas 11.00 horas, colocar aí uma coroa de flores. Quem quiser acompanhar-nos será muito bem vindo.

terça-feira, outubro 04, 2011

O 5 de Outubro

Em Portugal, no tempo da ditadura, o 5 de Outubro, dia de implantação da nossa República, era uma data regularmente aproveitada pelos oposicionistas para celebrar a memória da democracia.

O curioso é que, ao tempo, alguém dizer-se "republicano", num regime que não tinha coragem de se afastar terminologicamente do conceito, era quase um ato de coragem, porque afirmava uma explícita rejeição do regime instaurado em 28 de maio de 1926. Ou, muito simplesmente, significava uma implícita colocação no campo da "oposição" ao Estado Novo, cujos defensores eram então designados, até pelos próprios, como a gente da "situação".

Nesses tempos, antes da Revolução de abril, recordo-me de ter participado em algumas iniciativas oposicionistas por ocasião do 5 de outubro. Eram, vulgarmente, romagens a cemitérios lisboetas onde estavam sepultadas figuras republicanas. Um dos momentos altos, nessa data, quase sempre alvo da repressão policial, consistia numa (muitas vezes apenas tentativa de) concentração junto ao monumento a António José de Almeida, ao Arco do Cego. Nunca esquecerei a figura magra, alta e esquálida de um homem que sempre aparecia nessas manifestações em Lisboa, com uma grande bandeira portuguesa, que a polícia, mesmo nos momentos de perseguição aos ajuntamentos, se via obrigada a respeitar. Não sei se a esse homem chegou a ser atribuída a Ordem da Liberdade. Bem a mereceria.

No ano de 1969, passei a data de 5 de outubro em Vila Real. Ao tempo, preparávamos no distrito o movimento da Oposição democrática (a Comissão Democrática Eleitoral, CDE) que haveria de defrontar a lista local da União Nacional. Contrariamente às listas CDE que haviam sido criadas em Lisboa, Porto e Braga, numa base um pouco mais radical, as CDE de província eram movimentos unitários onde se encontrava um pouco de tudo - republicanos "reviralhistas", monárquicos em aberta rutura com o regime, católicos em curso de dissidência com a hierarquia, socialistas de vários matizes, os comunistas "oficiais" do PCP e tantos outros, menos ou mais esquerdistas (como era o meu caso), sem filiação mas com uma imensa vontade de ver o Estado Novo pelas costas.

Organizado por um grupo liderado por essa grande figura de democrata que era o médico Otílio de Figueiredo, teve lugar, na noite de 4 de outubro de 1969, no restaurante Espadeiro, um jantar "oposicionista", que comemorava o "5 de outubro". Nele tomavam parte as figuras mais proeminentes da Oposição do distrito, tendo à frente, além do próprio Otílio de Figueiredo, José Alberto Rodrigues, Júlio Montalvão Machado e Camilo de Sousa Botelho. Eu e um grupo de jovens que fazíamos parte das estruturas organizativas da CDE de Vila Real decidimos dissociar-nos desse ato, por termo-lo considerado uma manifestação "burguesa" e saudosista. Só aparecemos para o café... No meu caso, fui mais longe: publiquei, na véspera, um artigo algo provocatório, no jornal local "A Voz de Trás-os-Montes", onde afirmava (e cito de cor) que "a nós não nos interessa nada o 5 de outubro de 1910, mas apenas o 5 de outubro de 1969". Os respeitáveis democratas vilarealenses devem ter olhado com displicente magnanimidade para essa nossa descabida ousadia. Só assim se compreende que tenham continuado a aceitar a nossa colaboração, nessa bela aventura que foi a campanha para as "eleições" para a Assembleia Nacional de que já falei aqui, aqui e aqui

sábado, setembro 10, 2011

11 de setembro

Nestes que foram os dez anos passados sobre o 11 de setembro, e porque vivi então a data em Nova Iorque, quando aí era embaixador português junto da ONU, fui chamado a dar testemunhos em diversos jornais, rádios e televisões. 

Não procurei ser original, até porque há muito que sedimentei aquilo que penso sobre o que se passou nessa data e no que se lhe sucedeu.  

Correndo o risco de ser repetitivo, e para quem possa estar interessado, deixo "links" para três textos: aqui, ali e acolá. Hoje, escrevi no "Correio da Manhã" isto.

Mas é isto é o que eu gosto de recordar de Nova Iorque, com um abraço aos amigos que por lá deixei.

domingo, junho 12, 2011

Pensar Portugal em França

Por estes dias, o embaixador português em França é chamado a dizer algumas palavras aos nossos compatriotas, nas diversas festas que ocorrem por ocasião do "Dia de Portugal".

Os cidadãos de origem portuguesa residentes em França, com familiares e interesses em Portugal, parece-me que dispensam bem o discurso de arautos da desgraça, de "vencidos da vida", proclamações tremendistas que instilem dúvidas quanto à solidez das nossas instituições e adensem núvens de ceticismo quanto ao nosso futuro.

Pelo contrário, creio importante reforçar a necessária confiança nacional que deve derivar da recente religitimação popular dos nossos principais órgãos de soberania - Presidência da República e Assembleia da República.

Parece-me também necessário lembrar aquilo que o presidente da República portuguesa referiu, quanto à importância do envolvimento dos nossos cidadãos na diáspora no esforço de recuperação da nossa economia. É no exterior do país, no seio daqueles que tiveram a audácia de sair para o mundo, para tentar encontrar as soluções de vida que o lugar onde nasceram lhes não proporcionava, que reside uma das reservas de esperança com que Portugal hoje também conta.

A mensagem que sempre passo à nossa comunidade, como representante do Estado português em França, é uma mensagem de esperança, de otimismo, mas que não esquece a necessidade de ter consciência dos tempos difíceis e exigentes que ainda temos perante nós. Mais do que suscitar dúvidas e medos que só induzem instabilidade e propagam a inquietude, é preciso sublinhar a necessidade de uma cultura coletiva de rigor, de trabalho, de probidade e de sentido de responsabilidade. No setor público e no setor privado, entenda-se.

Nessas palavras, reitero sempre o orgulho que devemos manter nas instituições da nossa democracia, tutelada pela Constituição da República, a qual reflete os valores do 25 de abril, cujo provado equilíbrio, em três décadas e meia que agora comemoramos com júbilo, sempre permitiu enfrentar situações difíceis e ultrapassar momentos complexos. 

Destaco também o importante facto das três principais forças políticas portuguesas, não obstante o seu natural posicionamento diverso em muitos aspetos sobre a gestão do país, se terem formalmente comprometido a levar à prática o acordo subscrito com as instituições internacionais, o qual facilita, por alguns anos, meios acrescidos de financiamento ao Estado e à economia do país, ligados à introdução de um importante pacote de reformas. A preservação no tempo dessa posição conjunta é hoje vista no exterior como essencial para que Portugal possa recuperar a confiança dos mercados e obter condições para a retoma do seu crescimento.

E, finalmente, não deixo de lembrar aos portugueses em França que a mais evidente prova do sucesso da sua integração neste país é dada pelo facto da chefia da missão diplomática francesa em Lisboa, bem como a representação consular da França no Porto, serem hoje tituladas por diplomatas de origem portuguesa.

sábado, junho 11, 2011

Festas

Há anos que não vou às festas de Lisboa. Ontem, ao conversar com os fadistas que por aqui vieram para o espetáculo do Théâtre de la Ville (e, no caso de Camané, também para uma sessão em Orléans, para onde partirei daqui a pouco), soube algo mais sobre a vitalidade festiva destes dias lisboetas, em torno de Santo António. 

Embora eu seja muito pouco dado a nostalgias (arranjo sempre maneira de me sentir em casa nos sítios onde vivo, o que é um segredo para o bem-estar diplomático), confesso que me faz falta o flanar pelas noites lisboetas, com cheiro a sardinhas, música a rodos e cenas de arco-e-balão, nestes dias de junho. 

Ao comentar, na noite de ontem, que a única coisa que não me entusiasmava nada, nesta animação sazonal de Lisboa, eram as marchas populares, um amigo, que tenho de visita cá por casa, comentou, críptico: "bem me parecia que estás cada vez menos marchista..."

sexta-feira, junho 10, 2011

Dia de Portugal

Este ano, decidimos mudar o modelo tradicional das comemorações do "Dia de Portugal". Em lugar de convidar o corpo diplomático estrangeiro e os círculos políticos, económicos e sociais franceses, concentrámos na nossa comunidade esta festa, podendo, desta forma, alargar substancialmente o número de convidados portugueses. 

Foi um "Dia de Portugal" bastante diferente, mais "em família", que teve como convidado de honra o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que nesta data veio a Paris para mais uma iniciativa de promoção do fado a "património imaterial da humanidade".

Antes da receção, acompanhado por toda a Embaixada, fui depor uma coroa de flores no monumento a Luís de Camões, existente junto ao Trocadéro, aqui em Paris.

Em tempo: até o Malta da Rima já falou disto, imaginem!

Fado em Paris

Dificilmente será possível juntar em Portugal, num único espetáculo, o conjunto de fadistas que a Câmara Municipal de Lisboa trará, hoje à noite, às 20.30 h, ao Théâtre de la Ville, em Paris.

Carlos do Carmo, Cristina Branco, Camané, Carminho e Ricardo Ribeiro, pertencendo todos ao núcleo dos maiores intérpretes contemporâneos do fado, representam como que três gerações da canção portuguesa. Hoje em dia, o fado "está bem e recomenda-se", como o prova a multiplicidade de intérpretes que têm vindo a afirmar-se nos últimos anos.

Dentro de alguns meses, o fado deverá ser consagrado como "património imaterial da humanidade", no âmbito da UNESCO, se tudo correr como esperamos. E é justo que isso aconteça em Paris, cidade do mundo onde o fado é acarinhado como em nenhum outro lugar.

Neste "Dia de Portugal", em que o fado, com o simpático apoio de Emmanuel Démarcy-Mota, sobe ao palco do prestigiado Théâtre de la Ville, julgo de justiça deixar aqui uma palavra a uma intérpetre a quem a a divulgação da canção portuguesa em França muito deve e que a comunidade portuguesa não esquece e acarinha, como sempre fica evidenciado nos seus regressos a Paris: Mísia.

domingo, maio 08, 2011

Dia da Europa

Hoje, comemora-se o dia da Europa. Sei de algumas pessoas que, nos dias que correm, sentem escassa vontade para o celebrar.

Aqui em Paris, as instituições europeias tiveram a bizarra ideia de o fazer no passado dia 5. Não percebi muito bem porquê. Um amigo, que não renega ironicamente algumas heranças, aventava que talvez tivesse sido para aproveitar a boleia do aniversário de Karl Marx...

Percebo que, com a "zizanie" no euro, com as divisões na Líbia e com as hesitações em Schengen, entre tantas "eurochatices" recentes, alguns possam ser tentados a não dar muita importância a esta data.

Como português, eu dou. Com toda a convicção, comemoro este fantástico projeto de paz e liberdade que, para além de todas as hesitações e contradições, contribuiu para manter largas décadas de convivência democrática.  E que, naquilo que nos toca, ajudou a fazer de Portugal um outro país.  

Nota: utilizo, como imagem, uma fotografia que me acaba de ser mandada, de Brasília, pelo meu amigo Hermínio de Oliveira.

quarta-feira, abril 13, 2011

O "11 de setembro"

O Grémio Literário, em Lisboa, é uma instituição de grandes tradições na vida intelectual e social do país. Nunca tive a tentação de dele ser sócio, mas tenho sempre um grande prazer em passar por lá, como aconteceu na terça-feira, correspondendo a um simpático convite da administração da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, através do Dr. Mário Mesquita.

O pretexto, que me fez dar uma "saltada" de menos de 24 horas a Lisboa, era discutir o modo como o mundo se terá transformado, depois do atentado de 11 de setembro de 2011, acontecimento sobre o qual passa, este ano, um década.

O embaixador americano em Lisboa, Alan Katz, e eu próprio lançámos o debate com duas exposições. Ser americano ou ser europeu, na análise de um acontecimento como este, não é indiferente, como o tom de ambas as exposições o provou.

Confesso que me impressionou que uma das perguntas colocadas pela audiência, maioritariamente composta por estudantes universitários de Coimbra e Lisboa, fosse sobre a "possibilidade" do 11 de setembro não ter passado de uma mera montagem, com os atentados a serem planeados dentro dos Estados Unidos, para justificar muito do que se lhes sucedeu. É chocante verificar como teorias absurdas conseguem criar um mínimo aceitação e sobrevivem no tempo. Quem nelas acredita, e perde tempo a propagá-las, deve preparar-se, nas próximas férias, para ir visitar Elvis Presley na ilha onde alguns dos seus fãs pensam que ainda vive... Mas, nestas coisas ridículas, também temos a nossa quota-parte: quer eu quer o Dr. Macedo e Cunha, presidente da direção do Grémio, lembrámos, em conversa, os nossos cultores das teorias conspirativas, que, em tempos, registei aqui.

Para os mais curiosos, deixo a minha intervenção sobre o 11 de setembro aqui.

sexta-feira, dezembro 31, 2010

Olá, Bartolomeu!

Há uns anos, por estas horas, estaríamos a caminho das sintrenses escadinhas da Fonte da Pipa. A Fernanda já se tinha encarregado de preparar as sólidas vitualhas que alegrariam o nosso colesterol e, pela enésima vez, eu ter-te-ia pedido perdão por uma dessas noites te ter presenteado com um Chivas "marado". Depois, entraríamos na descoberta desse ambiente, sempre igual mas sempre diferente, que o teu incontável grupo de amigos constituía - da família aos que nela entravam, dos cineastas aos arquitetos, dos pintores aos senhores das letras, dos professores às "troupettes" da Slade, dos fotógrafos aos muito fotografados, dos simples mortais (como eu) aos generais (de abril, sempre!) e tantos e tantos outros, de alguns dos quais não conheci mais do que o sorriso. Pela meia-noite, no terraço, sobre o palácio da Vila, iríamos brindar e comentar o artifício dos fogos da autarquia, antes de passarmos ao sagrado momento do desvendar das papeladas do teu implacável arquivo, onde figurava o cartão com a "cunha" para o Spínola entrar no Colégio Militar (o que a história não teria sido, se a "cunha" não tivesse funcionado!). Depois, confiantes em que a BT da GNR se tivesse distraído na passagem de ano, lá rumávamos a Lisboa, já bem dentro do 1º de janeiro. Eram assim as mudanças de anos, há alguns anos, quando nós também tínhamos outros anos.

Mas isso era quando tu estavas por cá. Agora, a casa mudou de donos, tu mudaste de mundo e nós mudámos de saudades. Sei que a Fernanda deve continuar a dar-te notícias do que por aqui se passa, pelo que, como diria o Chico Buarque, só te quero dizer que "a coisa aqui está preta" (embora eu me interrogue sobre se ainda é politicamente correto utilizar expressões destas). Mas, e em linguagem que tu perceberás, estamos (quase) todos nos lugares do costume. E, embora os "amanhãs" agora por aqui já só assobiem, "a luta continua, a vitória é certa", para que lado é que não se sabe...

A imagem representa uma obra de Bartolomeu Cid dos Santos.

sexta-feira, novembro 26, 2010

25 de novembro

Para alguns, será talvez um pouco estranho estar a escrever sobre uma data, dois dias depois da passagem da mesma. Mas, a pedido "de várias famílias" (como se dizia, noutro tempo, noutra imprensa), aqui fica a minha memória breve do 25 de novembro de 1975, já 35 anos depois dessa data.

O chamado "25 de novembro" configura uma espécie de resultante  final de toda a grande confrontação político-militar que se viveu ao longo do ano de 1975, em especial entre Março e Novembro, mas que tinha tido já afloramentos conflituais na questão da lei da "unicidade sindical" e nas discussões em torno do plano económico coordenado por Melo Antunes.

No "11 de março" desse ano, um setor ultra-conservador português, liderado pelo general António de Spínola, havia caído na "ratoeira" de tentar um golpe de Estado, sem preparação, o qual, de certo modo, havia sido antecipado pela chamada "esquerda militar", que então dominava as Forças Armadas. Recordo-me bem da frase proferida pelo almirante Rosa Coutinho, durante a assembleia do Movimento das Forças Armadas, nessa célebre noite: "Sabíamos que estavam a preparar qualquer coisa, assustaram-se e nós ficámos à espera que saltassem. E eles saltaram". Na sequência desse frustrado movimento, a Revolução portuguesa acelerou-se, foram decretadas nacionalizações e foi criado o Conselho da Revolução.

Já no "25 de novembro", seria o desespero de certos setores militares de extrema-esquerda, aliados à ambição irrealista de algumas estruturas civis, que levou a que viessem a cometer um erro simétrico: tentar um golpe militar, sem para tal terem criado um mínimo de condições para o seu sucesso. Neste caso, acabou mesmo por ser a esquerda militar moderada, pela voz de Melo Antunes, que impediu que alguns setores conservadores mais radicais, e outros conjunturalmente radicalizados, viessem a "explorar o sucesso" e, em especial, a promover a ilegalização do Partido Comunista - objetivo que chegou a ser encarado - ao afirmar que "a participação do PCP na construção do socialismo é indispensável".

Entre o "11 de março" e o "25 de novembro", muita água correu sob as pontes políticas da vida portuguesa. Após a forte viragem à esquerda provocada pela derrota do golpe conservador de Março, tiveram lugar eleições para a Assembleia Constituinte, o resultado das quais mostrou, à evidência, que a opinião votante do país estava, esmagadoramente, num registo bem mais moderado do que aquele que prevalecia na respetiva gestão política. A legitimidade revolucionária era, pela primeira vez, posta em causa pela legitimidade eleitoral e esse confronto não deixaria de ter consequências. Fruto da agudização das tensões, o Partido Socialista e o então Partido Popular Democrático (hoje PSD) viriam a abandonar, sucessivamente, o IV governo provisório.

O primeiro-ministro, general Vasco Gonçalves, cujo isolamento dentro das Forças Armadas se tornara crescente - e que era considerado como muito dependente do Partido Comunista Português (PCP) - decidiu então formar um novo governo (o V governo provisório) com uma representação política muito limitada, formado pelo PCP e por personalidades, civis e militares, os quais, na prática, eram seus "compagnons de route". Essa fórmula fracassou e, por essa altura, um conjunto moderado de militares - "o grupo dos nove" - afirmou-se como uma crescente alternativa à chamada "esquerda militar" (ligada ao PCP).

Vasco Gonçalves foi afastado e um conjunto diverso de circunstâncias (algumas com caráter bem caricato) acabou por colocar à frente de um novo governo pluripartidário o almirante Pinheiro de Azevedo. Os bloqueios político-sociais prolongaram-se por alguns meses, até que a já referida insensata aventura de alguns militares de extrema-esquerda, com a cumplicidade mais ou menos explícita de setores político-partidários, acabou por provocar uma confrontação, para a qual os setores moderados e conservadores das Forças Armada se haviam, entretanto, preparado. O contra-golpe vitorioso deu-lhes o poder militar e a solução pluripartidária de governo pôde prosseguir até às eleições legislativas de abril do ano seguinte.

O "25 de novembro" terá sido a derrota do "25 de abril", como alguns teimam em dizer? O "25 de novembro" abriu caminho a um desequilíbrio nas Forças Armadas que acabou por vitimar, política e militarmente, os setores moderados que foram responsáveis pelo seu êxito? Ou o "25 de Novembro" representou, no fundo, o "25 de Abril" possível na Europa de então?

Neste retrato, alguns podem dizer que falta a questão colonial e os jogos táticos que, no parecer de muitos, estiveram por detrás de certos "timings" desse fantástico "verão quente". Essa seria uma longa história, na qual seria talvez interessante fazer intervir também os interesses de Moscovo, de Washington e de certas capitais europeias. Mas, mais importante do que revisitar todas as teorias da conspiração - que existiu, vinda de vários setores -, talvez devamos convir em que a história do 25 de novembro acabou bastante bem. Essa é hoje, pelo menos, a minha opinião.

terça-feira, outubro 05, 2010

Ericeira

Por uma qualquer razão, que agora me escapa, apetece-me acabar este dia a olhar uma imagem da Ericeira, com uma canção pirosa, que o nacional-cançonetismo lhe dedicava e que pode ouvir aqui.

Poema Republicano

A propósito do meu anterior post "Nascimento da República", um comentador que se assina Alcipe teve a amabilidade de deixar o seguinte poema, que não resisto a transcrever, na data em que se comemora aquele que foi o primeiro dia da nossa República:

POEMA REPUBLICANO

Feliz quem tem uma terra
e nessa terra uma casa
e nessa casa
a memória de uma esperança.

Do meu avô maçon eu pouco sei,
do meu avô monárquico pouco lembro:
mas eu não tenho terra natal
nem casa de família,
nem sei onde conspirava o maçon
(o avental
foi entregue no velório,
para surpresa da família)
nem onde tertuliava o monárquico
(admirador de Salazar, mesmo assim)
só ouvi falar meus pais
do MUD Juvenil,
de Soares, Zenha e Maria Barroso
e isso era a República para mim!

Por isso toda a memória
para mim não tem lugar nem morada.

Saúde e fraternidade, meu amigo!

Alcipe

segunda-feira, outubro 04, 2010

5 de outubro

Em 5 de outubro de 1910, o rei dom Manuel deveria visitar oficialmente a cidade de Vila Real. As movimentações revolucionárias em Lisboa impediram essa deslocação.

Em Vila Real estava prevista uma elaborada receção ao soberano, da qual fazia parte um opíparo jantar.

Aqui deixo a imagem do convite-menu para esse repasto não consumado, um histórico e creio que muito raro documento, de  cujo original sou o feliz proprietário.

domingo, outubro 03, 2010

Nascimento da República

Durante o mês de agosto, recebi do presidente da Câmara Municipal de Vila Real um simpático convite para participar nas comemorações da implantação da República. Vila Real é a minha terra natal.

Pediam-me que, na noite de 3 de outubro, fizesse uma intervenção pública, por ocasião do descerramento de uma lápide junto de uma casa onde, nos tempos que antecederam a Revolução, decorreram reuniões  da conspiração republicana. O último desses encontros foi em 3 de outubro de 1910, quando os conjurados aí então se reuniram, pela última vez, antes do assalto ao poder.

Por uma óbvia curiosidade, perguntei onde se situava, na cidade, essa casa. Fui informado que era na rua Avelino Patena, a conhecida "rua da Travessa", no centro da cidade. Inquiri sobre o número da porta. O meu interlocutor não sabia. Uns dias depois, esclareceu-me: era o nº 44.

Ontem à noite, sob a intempérie que massacrou o Norte, lá estive a falar da República, em frente ao 44 da rua Avelino Patena.

Pude então revelar que aquela havia sido, precisamente, a casa onde eu nasci...

Quem quiser ler o texto pronunciado, pode fazê-lo aqui.

domingo, setembro 19, 2010

27 de maio

Há mais de um ano (como o tempo passa!) falei aqui do 27 de maio de 1977, uma data trágica para a história de Angola, que consagrou o início de uma espécie de "guerra civil" no seio do MPLA, a qual conduziu a milhares de mortos e a um traumatismo que ainda hoje atravessa muitos setores da sociedade angolana.

A história recente de Angola, queiramos ou não, constitui também um capítulo da nossa própria história. Não se pode compreender o 25 de Abril, e tudo quanto lhe sucedeu, sem se ter em conta o efeito recíproco dos fenómenos ocorridos nos territórios que, então, abandonavam a tutela da colonialismo português. Isso é válido para o 27 de maio, como o é para a relação entre o MPLA e a UNITA.

Por uma mera coincidência, cheguei a Angola, colocado na nossa Embaixada, no dia 27 de maio de 1982, isto é, precisamente cinco anos depois do 27 de Maio de 1977. Sabia pouco do que se tinha passado em 1977, isto é, tinha apenas os impactos mediáticos do acontecimento, em muitos casos sob a luz distorsora das ideologias. Recordo ter-me sempre defrontado com um imenso muro de silêncio quanto inquiria sobre os eventos ocorridos meia década antes. Poucos queriam falar disso e os que tal ousavam faziam-no num registo de contenção que muito me impressionou. Ainda hoje, com alguns amigos e conhecidos da realidade angolana, continuo a ter uma estranha dificuldade em abordar o tema, que parece ter-se convertido em tabu na memória coletiva.

Há dias, vi e comprei em Portugal um livro publicado sobre a figura de Sita Valles, uma pessoa da qual a maioria dos leitores deste blogue nunca terá ouvido falar. Sita Valles foi uma militante política, ligada à UEC (União dos Estudantes Comunistas), a organização estudantil do PCP (Partido Comunista Português). Nascida em Angola, filha de pais indianos, foi estudar medicina para Portugal, tendo-se tornado numa figura importante do movimento associativo universitário de então. A sua fase de maior atividade coincide com um período em que eu próprio estava já a ter uma menor ação nesse movimento, pelo que tenho dela apenas uma memória pessoal muito remota.

Após o 25 de abril, Sita Valles decidiu regressar à sua terra natal, para participar na vida do novo país independente. A sua ação no seio do MPLA foi marcada por um forte radicalismo, que a tornou, desde cedo, numa personalidade bastante controversa. Terá tido uma particular responsabilidade na formação de uma tendência política que era protagonizada na figura de Nito Alves, um prestigiado guerrilheiro em torno do qual se criou um movimento que, em 27 de maio de 1977, tentou forçar, de forma violenta, uma mudança no poder político angolano, pondo em causa ou pretendendo condicionar o presidente Agostinho Neto. Sita Vales foi então presa e, mais tarde, terá sido executada, como vários outros milhares de pessoas, alegadamente implicados naquele golpe político-militar. De notar que houve também alguns cidadãos portugueses que apareceram envolvidos naqueles acontecimentos.

O livro agora escrito por Leonor Figueiredo traça-nos um retrato inédito de Sita Valles, das suas relações familiares e afetivas, bem como da sua variada, mas sempre muito empenhada, atividade política. Fala-nos também um pouco do 27 de maio, acrescentando alguns dados mais à escassa bibliografia existente sobre essa data, a qual permanece muito pouco estudada e sobre a qual continua a imperar um grande desconhecimento público. O livro, em si mesmo e como biografia humana e política, tem o valor que tem, mas tem, essencialmente, o grande mérito de abrir mais uma porta para um dia se poder vir a saber, em detalhe, o que se terá, de facto, passado em Angola, nesse período. Talvez então possamos conhecer algumas coisas mais sobre o 27 de maio: as posições do Partido Comunista Português, a real atitude da União Soviética perante a aproximação e o desenrolar dos eventos, o verdadeiro papel desempenhado pelos diplomatas e pelas forças armadas cubanas, etc. Tudo isso é importante para a história de Angola, mas é igualmente vital para se perceber melhor um tempo decisivo no processo de relação política de Portugal com esse país. 

sexta-feira, setembro 10, 2010

Duas cidades

"O 11 de Setembro de 2001 não derrubou apenas o World Trade Center e uma ala do Pentágono. Fez ruir também o sentimento de confiança que a América mantinha na sua própria intocabilidade, com profundas consequências no modo como a maior potência olha hoje o mundo e o seu papel dentro dele.

Uma das grandes linhas divisivas que afectam a política mundial prende-se precisamente com a impossibilidade, para a Europa, de interiorizar o sentimento de profunda angústia que hoje atravessa a América, face à sua inesperada impotência perante perigos de contorno desconhecido. E isso tem consequências com expressão política, num país onde a agenda pública segue de muito perto o sentimento colectivo, muito em especial quando este coincide com os grandes interesses estratégicos.

Desde há muito, a Europa habituou-se a viver com o perigo. Teve duas guerras trágicas no seu seio, sofreu o nazi-fascismo, os temores da Guerra Fria e os “anos de chumbo” das acções radicais extremistas. Os europeus têm consciência da sua própria fragilidade, mas convivem com ela com alguma naturalidade.

Para os Estados Unidos, o mundo exterior sempre fora um lugar perigoso, de que faziam uma caricatura à medida da suas vivências internas. E se a segurança interna não conseguira prever alguns actos tresloucados, os riscos políticos profundos estavam afastados do quadro de probabilidades, com a rede securitária concentrada na criminalidade, com a droga como inimigo público.

Tive a experiência de viver em Nova Iorque, antes e depois do 11 de Setembro. É sabido não ser a cidade americana típica. Alguém dizia que os europeus sempre tiveram Nova Iorque como a sua principal imagem da América, enquanto, pelo contrário, para a generalidade dos americanos, aquela cidade aparece já como uma espécie de primeira aproximação à vida europeia. Mas, talvez por isso, estando Nova Iorque “mais próxima” de nós, talvez a mudança da atitude de vida nessa cidade nos seja mais perceptível. E a ideia que me ficou do pré e do pós-11 de Setembro é que vivi em duas cidades diferentes.

Fui a Nova Iorque, pela primeira vez, há mais de 30 anos, com o World Trade Center por acabar. Daí para cá, visitei a cidade várias vezes, dela sempre recolhendo a mesma matriz trepidante, palco da ambição individual, de alguma agressividade egoísta, mas com uma indefinível cordialidade, com a assunção de um escasso número de regras de convivência urbana como chave para nos sentirmos em casa.

Em 2001, quando fui viver para Nova Iorque, a cidade recuperara o usufruto pleno de muitas zonas para os seus cidadãos, por virtude da queda do desemprego e de um eficaz combate à criminalidade. Passear à noite, em antigas “no-go areas”, tornou-se rotina. Restaurantes e galerias apareciam e desapareciam no West Village e em Chelsea, com as esplanadas cheias e um ar de prosperidade geral, embora distante do auge do Nasdaq.

Como em todas as sociedades em que a precariedade do vínculo laboral é a lei que reflecte as crises, Nova Iorque reagiu ao 11 de Setembro com brutalidade. Desemprego, encerramento de actividades e retracção de consumo, com a queda vertical do turismo e o afundar temporário da Broadway.

E, também, com a emergência da angústia com a segurança, que nunca mais terminou. Foram os tempos do “antrax”, das ameaças constantes das “dirty bombs”. Os novaiorquinos passaram à “vigilância popular”, a olhar o vizinho, o “diferente” como uma ameaça potencial. O uso da bandeira americana passou a factor de credibilitação, nas lapelas, nas portas ou nas montras, com os não seguidores da regra a serem vistos com anti-patriotas. O “nine-eleven” (fórmula americana para o 11 de Setembro), o terrorismo, Bin-Laden e Al-Queda monopolizaram os discursos, com uma comunicação social marcada por um jingoísmo que abafava reticências.

Com o 11 de Setembro, aprendi que os americanos estão dispostos a sacrificar o mais sagrado da sua liberdade – e poucos povos haverá com um sentimento de liberdade mais arreigado – em favor da restauração, ainda que limitada ou mesmo virtual, da sua própria segurança. Por muitos e menos bons tempos, a América está prisioneira de si própria, pelo temor e pela desconfiança. Mas América que eu conheço e admiro vai, estou certo, conseguir fazer sair o país desta psicose colectiva. E todos ganharemos com isso."


Nota: Este texto foi publicado no "Jornal de Notícias" em 11 de Setembro de 2003. Embora datado, achei que podia ser interessante recordá-lo hoje.

terça-feira, agosto 31, 2010

Diana

Passaram já onze anos, dia por dia, desde a morte, aqui em Paris, de Diana de Gales. Tinha esquecido a data, mas um amigo, há umas horas, lembrou-me isso, ao chamar a minha atenção para a profusão de flores que hoje estão colocadas junto à chama dourada (que nada tem a ver com a morte da princesa, diga-se) que se situa por cima do túnel de Alma, onde ela teve o seu mortal acidente.

Nos mais de quatro anos que vivi em Londres fui espetador distante da crise matrimonial que então já atravessava a realeza britânica. Diana era uma figura mítica, adorada pelos fotógrafos e explorada até ao limite pela imprensa. A força da monarquia britânica mede-se também pela capacidade com que conseguiu lidar, sem ser destruída, pelo fenómeno Diana.

Uma noite, em Buckingham Palace, na cerimónia anual em que a corte recebe o corpo diplomático, Diana parou junto da delegação portuguesa, na breve conversa circunstancial que toda a família real tem com a representação de cada embaixada. Notando que o cônsul-geral, Duarte Ramalho Ortigão, e eu próprio tínhamos, ao pescoço, o símbolo da Cruz de Cristo (a única condecoração portuguesa que, embora nos graus inferiores que, à época, eram os nossos, assim pode ser usada), Diana, sopesando, atrevida, a insígnia do Duarte, inquiriu junto do embaixador António Vaz Pereira, que chefiava o nosso grupo: "Ambassador, you don't have it?". Vaz Pereira, que tinha ao peito outras condecorações bem importantes, respondeu, diplomático, com um largo e deliciado sorriso: "I'm working for it, Your Highness!" Diana deu uma bela gargalhada.

Em 1993, Diana esteve, com o príncipe Carlos, na nossa Embaixada em Londres, no jantar que o presidente Mário Soares ofereceu à rainha Isabel II. Posso assegurar que era muito mais bonita ao vivo do que em fotografia.   

Confesso os figos

Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste m...