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quarta-feira, junho 20, 2012

Grécia

Na história política grega, uma aliança governamental entre o partido conservador Nova Democracia e os socialistas no PASOK é um caso inédito. As raízes profundas de ambas as formações partidárias apontam para direções bem opostas, fruto de linhagens familiares próprias, de clientelas divididas e de outros fatores de "balcanização" em que a sociedade grega é useira. Só uma ameaça exterior (como será a da imediata bancarrota ou seria a da Turquia) terá levado a este quase milagre político, que se anuncia muito conjuntural.

Em Portugal, a experiência do Bloco Central (1983/1985), uma coligação governamental entre os dois maiores partidos que a democracia havia feito emergir uma década antes, acabou por se revelar uma solução positiva para garantir uma expressão de vontade política maioritária, capaz de enfrentar uma situação de grave emergência nacional.

A prazo, sabe-se que os modelos de "unidade nacional" têm os seus limites, em particular temporais, porque juntam "água e azeite", porque são contra-natura face à normal canalização individualizada de diferente projetos políticos e, muito em especial, porque têm como inevitável consequência fazer crescer as oposições que deles ficam fora, as quais sempre aproveitam para federar o descontentamento que a implementação de políticas impopulares sempre gera.

segunda-feira, junho 18, 2012

Ironias

Há ironias que só o destino sabe desenhar. Ver a Grécia a defrontar a Alemanha no Euro (com todos os trocadilhos a que isso vai levar) é uma dessas deliciosas ocasiões.

No que nos toca, aconteceu o que já estava nas cartas: fazendo o trabalho a que nos tínhamos comprometido, poderíamos acabar por ser ajudados pela Alemanha...

domingo, junho 17, 2012

As Europas

Hoje, há eleições legislativas em França e na Grécia. Se, nas primeiras, poucas incertezas há quando ao respetivo desfecho e às suas consequências em termos de orientação política do país, já ninguém tem dúvidas que, do que emergir das segundas, resultarão consequências muito importantes, e imprevisíveis, não apenas para a Grécia mas igualmente para todo o resto da Europa comunitária.

Uma das grandes fragilidades do projeto europeu continua a ser a sua dependência do curso da História em cada um dos países que o integram, dos diferentes calendários eleitorais, da força muito diversa dos governos que resultam desses mesmos processos internos, para além das naturais divergências entre os programas políticos sufragados pelos votantes nacionais, mobilizados por agendas de preocupações frequentemente muito afastadas entre si. Dir-se-á que não há muito que se possa fazer para obviar a isto: cada país tem a sua tradição constitucional própria, nalguns casos resultante de processos políticos bem anteriores à criação das próprias instituições europeias. Estas, aliás, quando foram instituídas, estavam muito longe de ter uma ambição, em termos de projeto político e económico, como aquela que marca a União Europeia de hoje. E, salvo em pormenores, as ordens constitucionais nacionais pouco se alteraram, por virtude da pertença ao projeto continental.

Desde há muito, todos temos vindo a dizer que a Europa deve aprender a viver com a sua diversidade, que é, indiscutivelmente, a sua grande riqueza. Mas se é verdade que os países não estão preparados para ceder no essencial das suas tradições constitucionais - e sendo isso verdade para um, sê-lo-á para todos -, deixando-se marcar por uma espécie de "template" europeu, criado em torno dos seus tratados, também não deixa de ser evidente que, cada vez mais, se torna difícil tomar decisões importantes no seio dessa mesma diversidade.

Que se há-de fazer? Ninguém sabe e, por isso, vamos andando, um pouco numa "navegação à vista", que dá aos cidadãos uma imagem de uma Europa à deriva, zigzagueando num insolúvel labirinto, imagem que naturalmente também os não mobiliza para entregarem ao projeto europeu o essencial do seu destino.

Isto não está fácil! 

segunda-feira, maio 28, 2012

Grécia

Na Grécia, o povo votou e os políticos que escolheu consideraram-se incapazes de gerar uma solução governativa que permitisse impor as reformas que ajuda externa hoje exige. Por essa razão, a Grécia regressa, daqui a dias, às urnas, na esperança de que o povo grego reveja o seu sentido de voto e faça uma escolha diferente. 

E se não o fizer? E se o sentido desse voto confirmar a não aceitação das políticas de rigor que, há mais de dois anos, estão a ser impostas ao país, sem que, no entanto, os gregos vejam uma luz de esperança, ao fundo do túnel de sofrimento que atravessam?

Ontem, um português, amigo de há mais de meio século, que vive na Grécia, deixou-me no Facebook a mensagem: "por aqui vai tudo mal, mas ainda vai ser pior".

E juntou-lhe um poema de Gunter Grass, que ele próprio traduziu:

                         "A vergonha da Europa"

À beira do caos porque fora da razão dos mercados,
Tu estás longe da terra que te serviu de berço.

O que buscou a Tua alma e encontrou
rejeita-lo Tu agora, vale menos do que sucata.

Nua como o devedor no pelourinho sofre aquela terra
a quem dizer que devias era para Ti tão natural como falar.

À pobreza condenada a terra da sofisticação
e do requinte que adornam os museus: espólio que está à Tua cura.

Os que com a força das armas arrasaram o país de ilhas
abençoado levavam com a farda Hölderlin na mochila.

País a custo tolerado cujos coronéis
toleraste outrora na Tua Aliança.

Terra sem direitos a quem o poder
do dogma aperta o cinto mais e mais.

Trajada de negro, Antígona desafia-te e no país inteiro
o povo cujo hóspede foste veste-se de luto.

Contudo os sósias de Creso foram em procissão entesourar
fora de portas tudo o que tem a luz do ouro.

Bebe duma vez, bebe! grita a claque dos comissários,
mas Sócrates devolve-Te, irado, a taça cheia até à borda.

Os deuses amaldiçoarão em coro quem és e o que tens
se a Tua vontade exige a venda do Olimpo.

Sem a terra cujo espírito Te concebeu, Europa,
murcharás estupidamente.

sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Contágio

Ontem de manhã, tinha marcado um encontro de trabalho com o meu colega grego na UNESCO. Mas uma forte febre, consequência de uma gripe, obrigou-me a cancelar a reunião.

Lembrei-me que não seria prudente estar a transmitir-lhe a minha doença. Se, nos últimos tempos, anda por aí tanta gente preocupada em não sofrer qualquer "contágio" dos gregos, seria pouco correto sermos nós a contagiá-los...

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

Gregos

Hoje, à volta de um almoço de trabalho, ouvi de muita a gente, pela enésima vez, a consoladora e elogiosa mensagem de que "Portugal não é como a Grécia".

Antes de fazerem o comentário, os seus autores olhavam em volta, não fosse o meu colega grego estar a ouvir... E eu tinha esperança que ali andasse alguém da "Standard and Poor's", da "Fitch" ou da "Moody's".

quarta-feira, novembro 09, 2011

Um abraço, Georgios

Não é vulgar repetir um post. Mas vou reproduzir o que aqui publiquei, em 5 de outubro de 2009, porque ele é o melhor retrato que consigo fazer de um amigo que foi, até há uns minutos, o primeiro-ministro da Grécia:

"Georgios Papandreou foi ontem eleito primeiro-ministro da Grécia.

Desde o tempo em que foi secretário de Estado e depois ministro dos Negócios Estrangeiros do seu país, Georgios anima anualmente um clube internacional de discussão, para o qual tive o privilégio de ser por ele convidado algumas vezes - o Symi Symposium. António Guterres e Jaime Gama foram os outros portugueses presentes nessas reuniões, que têm uma composição variável. Por lá passaram já Bill Clinton, Amartya Sen, Joseph Stiglitz, Richard Holbrook, Fernando Henrique Cardoso, Yossi Beilin, Ségolène Royal, etc. São encontros com cerca de 25 pessoas, cada uma de sua nacionalidade, realizados sempre em locais diferentes da Grécia, nos quais, durante uma semana, se pensa livremente o mundo e, muito em especial, a Europa.

Houve um desses debates, creio que em 1999, que nunca mais esquecerei. Estávamos no tempo imediatamente posterior à grande crise do Kosovo e, à mesa, desencadeou-se uma acesa discussão entre uma resistente sérvia, aberta opositora de Milosevic, e um intelectual kosovar, recém-saído de meses de clandestinidade em Pristina. Num certo momento, o kosovar, num óbvio excesso de argumento, volta-se para nossa amiga sérvia e ataca-a da seguinte forma: "tu podes ser pró ou anti-Milosevic, mas o problema que nunca poderás ultrapassar é o facto de seres sérvia!".

Todos ficámos gelados! O ambiente de diálogo e cordialidade que caracteriza, desde há vários anos, aquelas reuniões, que não impede discussões acesas e vivas, nunca terá chegado a um extremo tal de agressividade, muito fruto de um tempo de tensão balcânica cuja conflitualidade inter-étnica ficámos, naquele instante, a perceber bem melhor.

Foi então que, com o seu ar sereno, no tom suave que nunca perde, Georgios interveio. E fê-lo para contar uma história, que se tinha passado consigo, já há muitos anos.

Durante a ditadura militar grega, o seu pai, Andreas Papandreou, que mais tarde viria a ser primeiro-ministro, encontrava-se na clandestinidade. Uma noite, o exército invadiu a casa da família de Georgios, que era então adolescente, e levou-o de carro para uma qualquer zona da Grécia. Umas horas mais tarde, ao chegarem a uma moradia isolada, cercada pela tropa, Georgios viu o oficial que o detivera e que comandava o grupo pegar num megafone e dirigir-se à habitação, que logo compreendeu ser o esconderijo onde estava o seu pai. O oficial gritou então para que Andreas Papandreou se rendesse, informando-o de que tinha ali o seu filho, que prenderia se ele não se rendesse, tudo isto acompanhado de outras ameaças violentas. Perante este cobarde ultimatum, o pai Papandreou entregou-se e foi preso.

A história que Georgios nos contou tinha um significado que ele pretendia projectar no ambiente de tensão que se criara no nosso debate. Porque acrescentou: "na passada semana, encontrei casualmente o militar que fez essa chantagem comigo e com o meu pai, utilizando-me como refém. Estendi-lhe a mão e cumprimentei-o. Essa é a nossa superioridade como democratas".

Recordo-me que todos olhámos para os nossos amigos da Sérvia e do Kosovo, para tentar perceber se eram sensíveis à lição. Não estou certo que ela tenha sido eficaz.

Se outras razões não tivesse, fruto da minha já antiga amizade com Georgios Papandreou, este testemunho reforçou-me a admiração pelo perfil humanista do homem que, desde ontem, dirige os destinos da Grécia. E a quem já dei os meus sinceros parabéns."

quinta-feira, novembro 03, 2011

Europeus e europeus

Ontem à noite, ao observar a conferência de imprensa do presidente Sarkozy e da chanceler Merkel, em Cannes, na qual ambos se pronunciaram sobre as consequências da crise grega para o projeto europeu, dei por mim a pensar nos diferentes europeus que somos.

Um cidadão alemão ou francês ouve o chefe do executivo do seu país a dar mostras de autoridade sobre o processo económico-financeiro europeu, notando que a palavra desses dirigentes pesa nas decisões que a Europa toma, conta mais do que a de outros para a formulação da vontade política coletiva, seja ela qual for. Assim, ao votar nas suas eleições nacionais, ao escolher um líder para o representar, ou um parlamento para eleger esse líder, esse cidadão, alemão ou francês, sabe que essa pessoa vai ter ao seu dispor uma força capaz de assumir, com eficácia, pelo menos relativa, o interesse do seu país no quadro externo.

Coloquemo-nos agora no lugar de um cidadão grego. Desde há anos, vê regressar o seu líder, chegado das reuniões de Bruxelas, ajoujado sob o peso de decisões que teve de aceitar, debaixo da pressão de uma situação económica muito preocupante, com a vida social do seu país a degradar-se dia após dia. Esse cidadão, ao ser chamado a votar, percebe que, eleja ele quem eleger, o poder desses seus representantes será sempre, à partida, muito limitado, em particular no tocante à influência que pode vir a ter nas decisões tomadas em instâncias coletivas externas, contudo com forte impacto sobre seu país. 

O que quis significar com o que atrás escrevi foi o facto de haver hoje um sério problema de legitimidade política à escala europeia. Na História, sempre houve uma hierarquia de poderes nacionais, derivada da força relativa dos Estados. O essencial das decisões que importavam aos Estados permanecia, no entanto, no seu seio, onde a soberania era exercida em quase plenitude.

Nos seus primeiros tempos, o modelo europeu de integração, ao ter preservado a unanimidade, para o essencial das decisões, equiparava os Estados, que assim exerciam um (pelo menos teórico) direito de veto. E até mesmo nas questões que já eram decididas por maioria qualificada era preservada, por uma espécie de "gentlemen's agreement" (o famoso "compromisso do Luxemburgo"), a possibilidade de invocação do "interesse vital". A Europa parecia ter encontrado um modelo equilibrado de expressão desses poderes onde, não deixando de tomar em conta a importância real de cada um, era gerada uma expressão moderada da resultante coletiva, que se projetava sobre todo o grupo. 

Em poucos anos, esse mundo europeu, movido por uma incontrolável ânsia de eficácia, mudou. E mudou precisamente num tempo em que muitas das funções de soberania passaram a ser "partilhadas" (o que era uma realidade passou a eufemismo) a nível europeu. Ora quando, dada a extrema sensibilidade das questões em causa, a lógica apontaria para que houvesse um cuidado ainda maior na capacidade de cada Estado preservar algum controlo de interesses próprios de soberania, aconteceu precisamente o contrário: alguns Estados perderam, pelos tratados ou pela prática, uma capacidade mínima de determinar o seu futuro. A evolução dos últimos tempos, com a trágica diluição do poder comunitário independente que a Comissão Europeia era obrigada a representar e com a emergência de uma intergovernamentalidade com um brutal desequilíbrio dos poderes dos Estados, acaba assim por relevar na praça pública, de forma quase cruel, a legitimidade diferenciada dos decisores políticos de cada Estado.

Tudo isto é muito perigoso para a democracia. Como se está a ver na Grécia.

terça-feira, novembro 01, 2011

Referendo grego

Não estou no segredo dos deuses, mas imagino que os líderes europeus, ao aprovarem, na passada semana, as importantes decisões financeiras que se projetam sobre a Grécia, não faziam a mais leve ideia de que o respetivo governo podia vir a ter a intenção de levar a cabo um referendo para legitimar internamente a respetiva aceitação. A reação dos mercados a esta decisão grega foi a que seria de esperar.

Há um "drama" com que a Europa tem de viver, por muito que lhe custe ou que até lhe possa vir a custar o futuro: a democracia interna dos seus Estados. Já aqui falei disso há semanas. Os equilíbrios de cada sistema político, as diferentes realidades nacionais e a sua difícil compatibilidade (em especial, temporal) com a dinâmica global dos mecanismos da União Europeia tornam o dia-a-dia do projeto integrador numa caixa de surpresas. Às vezes, não as melhores, como é, flagrantemente, o caso.

segunda-feira, outubro 24, 2011

Europa alegre

Não deve ser por acaso que o hino europeu é a "Ode an die Freude" (ode à alegria), tirada da nona sinfonia de Beethoven. A alegria está no centro do projeto europeu. Leiam-se, a este propósito, as significativas palavras do ministro búlgaro das Finanças, Simeon Djankov, no "Le Monde" de hoje:

"Même si ce n'est pas bien joli, il y a un certain degré de joie mauvaise (à l'égard de la Grèce), parce que la Bulgarie est toujours comparée à la Grèce [...]. On a maintenant l'impression que les Grecs vont plus mal que nous, cela nous aide beaucoup en tant que gouvernement."

quarta-feira, setembro 21, 2011

A democracia e a Europa

Ontem, um velho e avisado amigo francês comentava comigo o facto de apenas cinco dos 17 membros da zona euro terem, até ao momento, ratificado o programa de ajuda à Grécia aprovado no dia 21 de julho - faz hoje precisamente dois meses! A maioria desses Estados argumenta com a lentidão dos processos decisórios internos, isto é, com a necessidade de serem respeitados os procedimentos democráticos de cada país.

Com um ar irónico, atrás do qual se escondia uma premonição lúgubre, esse meu amigo concluía: "Quem havia de dizer que haveria de ser a democracia a acabar com a Europa". Sem, por ora, partilhar necessariamente a funesta previsão subjacente ao raciocínio, não me contive e acrescentei: "Tendo a democracia nascido na Grécia..."

quinta-feira, junho 16, 2011

Grécia

Aquando da sua chegada à chefia do governo grego, falei aqui de Georgios Papandreou, de quem sou amigo há mais de 15 anos. Assumiu essas funções num dos momentos mais delicados da história recente do seu país, depois de ocupar vários outros cargos políticos. 

Georgios é uma personalidade serena, com um humor discreto e uma imensa atenção aos outros. Uma sua estada em Lisboa, em 1998, a meu convite, coincidiu com a morte súbita, precisamente em Atenas, de um grande amigo meu, diplomata português, que aí se encontrava de passagem. Recordarei sempre o modo emocionado como Georgios partilhou esse momento delicado, da morte na sua terra de alguém de quem os seus anfitriões estavam muito próximos. A sua sensibilidade tocou-nos a todos.

Neste tempo bem complexo em que, de certa maneira, "todos somos gregos", gostaria de poder dar um abraço ao Georgios e à Ada, extensivo ao vários amigos gregos que tive a felicidade de criar ao longo da vida.

Em tempo: lembro-me do que, há um ano, aqui escrevi sobre a crise grega.

Entrevista à revista "Must"

Aque horas se costuma levantar?  Em regra, tarde. Desde que saí da função pública, recusei todos os convites para atividades “from-nine-to-f...