sábado, julho 31, 2021

Não, afinal estava assim...


 

Estará assim, daqui a pouco?

 


Marcelo sabe muito



O maluquinho

Há um maluquinho que, todos os dias, insiste em tentar colocar coisas neste blogue. Faz links para um blogue racista e negacionista, cheio de teorias conspiratórias, que tem a curiosidade de não ter visitantes. O maluquinho assina, imaginem!, uihggkj . Deve achar “o máximo” esse heterónimo que disfarça a sua doença mental. Pelo IP, já se sabe de onde vem. Um dia, vai ter uma surpresa.

sexta-feira, julho 30, 2021

Ida pela volta

 


Caixa forte


Fui hoje à Caixa. À agência do meu bairro. Aparentemente, estava fechada. A porta tem imensa papelada afixada. No meio, um horário. Pelos vistos, só se pode ir livremente de manhã. À tarde, e só até às três, apenas por marcação. Eram duas da tarde. Pelos vidros, não se via vivalma. Mas havia luzes. Toquei à campaínha. Uma senhora, lá de dentro, pelo telefone, repetiu-me as horas de expediente. E explicou-me que, à hora a que eu ia, “só por marcação”. Perguntou-me para quando eu queria marcar. Eu disse: “Marque para agora, por favor!…” Abriu-me a porta, simpática. Fui muito bem atendido. Aquilo que eu pretendia resolver só o poderia fazer presencialmente. Os bancos transformaram-se em entidades totalmente impessoais. Com simpatia “à la carte”. Não gosto. Deve ser da idade, admito.

Uma “Lezíria” perto de casa


Ontem, não nos apetecia jantar em casa, mas igualmente não queríamos ir muito longe. Recorri ao “Fork”, uma “app” muito útil, que efetua reservas sem termos de negociar nada telefonicamente: escolhemos o restaurante, escrevemos o número de pessoas e a hora desejada. Se houver lugar, recebe-se, quase sempre de imediato, um email a confirmar.

O “Fork”, que infelizmente não é adotado por muitos restaurantes, tem também a vantagem de nos indicar, com o número de metros, os restaurantes mais próximos do local onde estamos.

Surgiu-nos então o “Lezíria”, um nome que era acompanhado da sugestiva indicação: “casa de petiscos”. A menos de 10 minutos de casa. Lá fomos, com alguma curiosidade. É na Rua S. João da Mata, 46 (912 790 387), muito perto do Largo de Santos.

É uma sala não muito grande, com uma decoração “arejada” e muito cuidada. Não chegam a 20 pessoas os comensais possíveis. Só uma pessoa serve às mesas: educada, atenta, com sugestões úteis. E o serviço é competente e foi rápido.

O menu eram petiscos, como o nome indicava. Abrimos com uma salada de polvo e gambas salteadas. Depois, fomos para uns ovos mexidos com farinheira e uns peixinhos da horta. Uma mousse de requeijão com doce de abóbora e crocante de noz fechou o percurso culinário. As doses tinham o tamanho adequado. Estava tudo - sem exceção! - excelente! Uma sangria ajudou a que, mesmo com couvert, o preço apontasse para o início da casa dos 30 euros, para duas pessoas. Mas havia uma curta lista de vinhos, a preços muito aceitáveis.

Atenção! A lista estava muito longe de se resumir ao que comemos. Havia por ali outras propostas a que, em ocasião próxima, não deixarei de ser tentado: bacalhau com compota de tomate, mexilhões de cebolada, ovos no forno com cebola e chouriço, cogumelos gratinados e várias coisas mais. Tudo simples, tudo bom.

E assim, “sem saber ler nem escrever”, como se dizia na minha terra para aquilo que é fruto do acaso, descobri um pouso de amesendação leve perto de casa. Ganhei a noite!

Olavo

   


Desde há dois dias, a RTP 2 está a transmitir uma série que aborda a saga da família real norueguesa durante a segunda Guerra Mundial. As figuras centrais são o então príncipe herdeiro Olavo e sua mulher Marta Sofia, com esta a ter um destaque a História não lhe tinha dedicado. 

Olavo chegaria ao trono, como Olavo V, em 1957, por morte do seu pai, Haakon VII. Olavo V morreu em 1991, sendo sucedido pelo atual rei, o seu filho Harald, que surge já representado na série. 

A imagem que ilustra este texto mostra Haakon VII e o então príncipe Olavo, refugiados na zona de Tromsø, bem a norte do círculo polar ártico, antes da ida dos dois para Londres.

Quando fui viver para a Noruega, em 1979, o culto do rei era particularmente acentuado nas gerações mais idosas, pela memória dos tempos da guerra e da ocupação alemã. A polémica decisão do Haakon VII de se exilar em Londres, com o príncipe, acabou por se revelar acertada, tendo salvaguardado a soberania norueguesa e, de caminho, a própria coroa.

Ainda nos anos 70, Olavo V foi visto a viajar de elétrico na cidade de Oslo. Perguntado sobre os riscos em que incorria, o rei disse que tinha “quatro milhões de guarda-costas”, o total da população norueguesa. As preocupações com a sua segurança acabariam por se impor, mas Olavo V continuou a insistir em conduzir o seu automóvel, embora sempre com um polícia à paisana, ao seu lado.

Fui testemunha, um dia, de uma curiosa cena. 

Ia a pé numa rua de Oslo quando vi o imenso carro do rei (creio que era um Packard), com ele próprio ao volante. Recordo a curiosidade do rei ir de chapéu preto dentro do carro. Atrás, com uma antena reveladora, seguia uma viatura normal, com segurança. O carro do rei parou numa passadeira, para deixar uma senhora muito idosa, que caminhava lentamente e com dificuldade, atravessar a rua. A certo momento, ela olhou para o carro e, de repente, abriu-se num imenso sorriso, ao descortinar o seu rei como condutor. Este retribuiu com outro sorriso, tirou o chapéu, fazendo uma saudação à senhora. Foi então curioso vê-la a caminhar o resto da passadeira, sempre olhando o rei, em contínuas vénias, até chegar ao passeio. Deve ter ganhado o dia!

A Noruega permanece, nos dias de hoje, um país solidamente monárquico. Todos os anos, um partido suscita, no parlamento, um voto sobre a continuidade da monarquia. E perde, por expressiva margem, embora os analistas digam que um referendo, não pondo nunca em causa a continuidade do regime, teria uma expressão menos pronunciada.

Mas que ninguém se iluda: a regra é que países que tenham deixado de ser monarquias não voltam a ter um rei. A singular exceção foi a Espanha. Até ver.

quinta-feira, julho 29, 2021

Pedro Tamen (1934-2021)



             

 

O mar é longe


O mar é longe, mas somos nós o vento;
e a lembrança que tira, até ser ele,
é doutro e mesmo, é ar da tua boca
onde o silêncio pasce e a noite aceita.
Donde estás, que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos, dedos, sal e a longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes, fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar.

“A Arte da Guerra”


Esta semana, a minha conversa com o jornalista António Freitas de Sousa, no “A Arte da Guerra”, no site do Jornal Económico, analisa os efeitos do escândalo do sistema de espionagem eletrónico Pegasus, os desafios que o governo de Mario Draghi enfrenta na Itália e o acordo entre os Estados Unidos e a Alemanha que permite a conclusão do gasoluto Nordstream 2.

Pode ver aqui.

terça-feira, julho 27, 2021

Há 51 anos


 
Morreu no dia 27 de julho. Algo me diz que também não teria apreciado o 25 de abril.

segunda-feira, julho 26, 2021

Viva o 25 de Abril! Sempre!




Um dia, em inícios de 1983, o João Sobral Costa, um amigo já desaparecido, um gigante de bondade que, como capitão da Força Aérea, havia feito parte do grupo ocupante do Rádio Clube Português, na noite de 25 de Abril, e que trabalhava então em Luanda, onde eu estava colocado na embaixada, telefonou-me: “Queres ir beber um copo com o Otelo, ao Hotel Panorama? Está cá de passagem, vindo de Maputo”. Claro que queria.

Eu tinha uma grande simpatia por Otelo Saraiva de Carvalho. Não faço ideia de quando o conheci, naqueles tempos convulsos do 25 de Abril. Sei que só me recordo de mim a tratá-lo sempre por tu, porque, seguramente, ele terá dado abertura para isso ao jovem miliciano que, em 1974 e 1975, andava por aqueles corredores da Junta de Salvação Nacional e do MFA. Era uma figura cativante, sempre com um sorriso e uma palavra acolhedora, quebrando distâncias.

Em 1976, nas primeiras eleições presidenciais, eu tinha votado naturalmente Otelo, como muito boa gente, como Jorge Sampaio e muitos dos meus amigos. Era óbvio que ele não ganharia. Mas Eanes (e alguns que então o apoiavam) não me agradava (hoje, admirador do retidão do general, dou a mão à palmatória pela avaliação negativa que fazia da sua personalidade) e nenhum outro candidato me dizia nada politicamente. Confesso que não me revia no projeto de “poder popular” de Otelo, mas aquela era a candidatura de que me sentia afetivamente mais próximo. E não só não me arrependo desse voto, como faço questão de o não esconder nunca. Nós somos também as nossas circunstâncias.

“Então estás cá na embaixada?! Não te sabia diplomata!”, disse-me Otelo, no abraço no bar do Panorama, sobre a baía de Luanda. No fim da conversa, ao perceber que, no dia seguinte, ele e a sua mulher tinham uma hora de refeição livre, perguntei-lhe se queriam ir almoçar a minha casa. Quando lhe disse que vivia num pequeno apartamento no “compound” da embaixada de Portugal, no mesmo edifício onde ficava a chancelaria e o consulado-geral, notei alguma reticência da sua parte. Mas com o João já a favor da ideia, lá aceitou. Sugeri então que se nos juntasse o Arlindo Ferreira, outro capitão de Abril, que estava em Luanda para outras "guerras" (e que também já faleceu). Por aquelas "makas" (uso aqui uma expressão angolana) em que a família de Abril é useira e vezeira, não se reuniu consenso para o Arlindo se nos juntar. O Otelo torceu o nariz à ideia. Politiquices, deduzi.

No dia do almoço, vim à porta da embaixada receber Otelo, que chegou acompanhado da mulher. O edificio da Embaixada era na então rua Karl Marx, que antes fora chamada de Vasco da Gama e que, hoje em dia, é avenida de Portugal (evolução toponímica que daria para um mestrado...).

A grande maioria dos funcionários da nossa missão diplomática em Luanda era constituída por antigos quadros da administração colonial, que tinham visto o percurso da sua vida perturbado pelo 25 de Abril e pela independência do país. Em geral, sofriam a Revolução bem mais do que a celebravam. Não era, assim, legítimo pedir-lhes que entoassem loas à chegada do estratega da Pontinha. 

Um deles, boquiaberto, reconhecendo Otelo de fotografia, perguntou-me: "É o...?", sem ousar dizer o nome. Era, confirmei-lhe com um sorriso, e, nesse segundo, devo ter caído uns furos na sua escala de consideração, bem como na de outros a quem ele terá corrido a contar a inconveniente frequentação social do jovem diplomata que eu então era. Esse era, contudo, como perceberão, o lado para onde eu dormia melhor.

O almoço com Otelo foi uma ocasião que recordo como bastante divertida. Ele e o João Sobral Costa (Alzira, lembras-te da conversa?) que haviam sido vedetas operacionais de um filme onde eu só tinha feito umas "pontas" como figurante, conflituaram versões sobre alguma autoria do "documento do COPCON" (demoraria muito explicar aqui o que isso foi) e outras cenas desses tempos movimentados. Eu, que nunca tinha andado próximo da linha de ambos, no verão quente de 1975, era apenas espetador da discussão sobre os conciliábulos havidos no Alto do Duque. 

Recordo-me de ter então lido a Otelo extratos de um livro que ele não conhecia, escrito por um certo militar, onde se criticava o "silêncio" de Otelo durante a célebre "assembleia selvagem" (como alguns gostam de chamar-lhe) do MFA, em 11 de março de 1975. Rimo-nos todos, porque, ali, eu e o João podíamos atestar, como testemunhas presenciais, que Otelo, de facto, não tinha então falado, porque... não havia estado presente nessa tão badalada reunião!

Perdi Otelo Saraiva de Carvalho de vista. Fui sabendo pelos jornais das aventuras político-partidárias radicais em que se envolvia, da sua prisão, das acusações que sobre ele impenderam, seguidas das batalhas judiciais. Nunca tive a mais leve opinião sobre o assunto, só podendo esperar que a justiça se fizesse, fosse para que lado fosse. E, depois de toda a água que correu sob as pontes, também não tenho opinião sobre se a justiça se fez ou não.

Otelo, de quando em vez, ia sendo estimulado a fazer algumas declarações públicas à imprensa que me entristeciam: parecia procurar frases com impacto, para provocar polémica. Nada que ajudasse a preservar a parte da sua biografia que nós admirávamos.

Bem mais de três décadas passaram. Uma noite, em Viana do Castelo, sendo eu, nesse ano, presidente da Comissão de Honra das Festas de Nossa Senhora da Agonia (É verdade! Também fui isso!), chegado à Festa do Traje, deparei com Otelo e a sua mulher sentados nas cadeiras da plateia. Fui dar-lhe um abraço e convidei-o a vir juntar-se-nos à frente. Modestamente recusou. Mais um ano decorreu e demos mais um abraço numa ante-estreia de um filme do António Pedro de Vasconcelos. A derradeira vez que nos vimos foi na Associação 25 de Abril, há cerca de dois anos, na apresentação do livro que reproduz o que se passou nessa célebre assembleia do MFA, de 11 de Março de 1975. No final, eu disse-lhe: “Finalmente, ficaram reproduzidas em livro as intervenções que não fizeste naquela noite!”. O Otelo deu uma gargalhada e deu-me um último abraço. O Otelo deu-me a minha liberdade, eu apenas lhe dei alguns abraços. Fico a dever-lhe muito.

Para quem, como eu, tem o culto do 25 de Abril, a morte de Otelo Saraiva de Carvalho é um momento muito triste, é uma parte da minha memória afetiva que desaparece. E estimula-me a dizer, o que sempre digo e sempre direi com eterna convicção: Viva o 25 de Abril! Sempre!

domingo, julho 25, 2021

sábado, julho 24, 2021

Vista do Alentejo

 


Vista do Tejo

 


5G

Os reguladores são independentes e, pelos vistos, intocáveis. Mas também podem ser incompetentes e, por essa via, insuportáveis para o país. O que se passa com o 5G é um escândalo e uma vergonha, revelando também a perversidade do labirinto jurídico em que Portugal se deixou cair.

Todes

O novo Museu da Língua Portuguesa, em S. Paulo, na sua apresentação digital, usa a palavra “todes” para o escapar ao grave dilema do politicamente correto entre o “todos” ou “todas”. Por mim, com toda a convicção, compro a polémica que quiserem e digo: são parves!

sexta-feira, julho 23, 2021

Romaria



É uma romaria já com tradição. Nem a pandemia tem travado a realização do evento, sem quebra mínima de regras - até porque só se vive uma vez e, ao que creio saber, esta é a última. Trata-se dos festejos anuais de Nossa Senhora do Folguedo de Cima, de cujo miradouro a imagem mostra o que deve. De algumas zonas do país, num fim de semana de julho, para ali rumam os romeiros, no cumprimento fervoroso dos eventos agendados, que têm lugar à volta de uma mesa e de sofás por onde se espojam as conversas e a amizade coletiva. O programa de festas não é extenso: inclui belas vitualhas e bons líquidos a condizer. Lá iremos, daqui a pouco.

As histórias e a vida

Foi anteontem. Um bom amigo telefonou-me, apenas para saber como eu andava. Tenho desses amigos, felizmente. No meio da conversa, deixou cair: “Lá te tenho lido! É pá! Tu ainda tens muitas histórias para contar?” Respondi que sim, que tinha muito boa memória e que, além disso, a vida me dava, todos os dias, pretextos para episódios novos, que “tratava” depois por aqui. E que enquanto houvesse gente, como ele, disposta a ler-me, “a luta continua”. O que o Zé Vera Jardim talvez não estivesse à espera é que aquele seu telefonema também fosse motivo para um texto.

“A Arte da Guerra”


Esta semana, no “Jornal Económico”, regressam as minhas conversas com o jornalista António Freitas de Sousa sobre temas internacionais.

Desta vez, abordamos a instabilidade em Cuba e na África do Sul, analisando também as repercussões internacionais da política britânica em matéria de pandemia.

Pode ver esse programa clicando aqui.

quinta-feira, julho 22, 2021

A outra Noruega


Foi há dez anos. Um militante de extrema-direita colocou uma bomba que matou oito pessoas em Oslo e daí partiu para uma ilha próxima, onde jovens do Partido Trabalhista realizavam um encontro. Liquidou então a tiro, um a um, 69 dentre eles. 

Não se confirmou que o assassino estivesse ligado a alguma rede, ao contrário do que ele próprio afirmava. Aparentemente, o ato teve com objetivo manifestar a sua oposição ao que entendia ser a “islamização” crescente da Europa e a cumplicidade dos “marxistas” nessa deriva. Nada muito diferente do que alguma gente pensa por aí, ligada a agendas de ódio, embora sem se dispor a chegar a “vias de facto”.

Vivi três anos na Noruega, a partir de 1979. Vinha de um Portugal ainda em convulsão, depois do período revolucionário. Encontrei uma sociedade que me surpreendeu pela serenidade e civilidade do debate político. Os trabalhistas, partido histórico do poder, estavam já então sob algum desgaste político. Em eleições que ocorreram quando por lá vivia, a direita chegou ao poder.

Na noite do sufrágio, depois de apurados os resultados que levaram os conservadores ao governo, um jornalista português destacado por “O Jornal” para cobrir o evento, Fernando Dacosta, pediu-me que o levasse a ver as manifestações nas ruas, pela mudança ocorrida, que alteravam fortemente o “statu quo”. Quando chegámos ao centro da cidade, sem vivalma, cerca da meia-noite, ambos constatámos que ali se vivia numa “galáxia” política diferente da nossa. Por essa altura, cansado de alguma balbúrdia lusa, cheguei a perguntar-me se aquele civilizado modelo político (tirando o rei do tabuleiro institucional), idêntico ao praticado noutras sociedades nórdicas, não seria, afinal, a democracia ideal. 

É sempre muito redutor e caricatural afirmar, sobre um determinado país que apenas conhecemos conjunturalmente, que as coisas são “assim” ou “assado”. A sociedade calma e tolerante, criada pela social-democracia norueguesa, que a direita ascendente alterou apenas em alguns aspetos menores, era incompatível com o nacionalismo irracional que emergiu no dia 22 de julho de 2011? Não sei responder. À época, parecia ser. A tolerância, a moderação e um sólido património de consenso face a certos valores e alguns adquiridos, parecia fazer parte de um contrato social com larga base de apoio. A riqueza recente do país, contrastante com a memória de tempos de pobreza e de guerra, dava a ideia de colocar a Noruega ao abrigo de derivas totalitárias.

A Noruega, nesse tempo em que por lá andei, era um país acolhedor para refugiados políticos de várias origens e financiava agendas de grande generosidade no mundo em desenvolvimento. Mas, em abono da verdade, também por ali observei alguns sinais de xenofobia e mesmo de racismo. Nunca esqueci o olhos molhados de um caboverdeano, que tinha adquirido nacionalidade norueguesa, a contar-me que um dia, num serviço público, alguém lhe disse, de forma arrogante: “Você mudou de passaporte, mas não mudou de pele”. E era um pouco irritante ouvir, sempre que havia um roubo, ou um distúrbio à ordem social, o comentário rotineiro: “Deve ter sido um estrangeiro”. Nesse tempo, não havia redes sociais ou caixas de comentários onde detetar o outro país. 

Nenhuma sociedade está imune a evoluir negativamente face à diferença, como nós próprios bem sabemos. Nada disso, porém, apontava no sentido de vir ali a ser gerado um monstro como aquele que, naquele mesmo dia de há dez anos, fez 77 vítimas totalmente inocentes, num ato de terrorismo indiscriminado. A História mostra-nos que nunca devemos subestimar a capacidade de uma sociedade gerar, no seu seio, os piores monstros. E que, no dia a dia, devemos manter-nos alerta e pensar que tudo é possível em toda a parte.

Terei mesmo escrito isto?


Há coisas que, embora com um tema muito apelativo, e tendo-me sido atribuídas, não consigo ter “lata” para colocar na minha bibliografia…

Que anos estes!

O médico, à saida: “Venha cá daqui a meia dúzia de meses, lá para janeiro”. Caramba! Ainda não vivemos nada deste 2021 e já estamos a falar de 2022!

Quem me manda a mim…

Balcão da Livraria da Travessa, há minutos. Alguém pede um livro, soletrando o apelido: “B, dois E, V, O, R”. Interrompo: “Desculpe, mas não é com dois E, é com E seguido de A”. Agradecimento e saio. Chego à rua, vou ao Google. Por que não estive calado?

quarta-feira, julho 21, 2021

Os amigos de Aristides


Depois de muitos anos de esquecimento, em especial por parte da diplomacia portuguesa (no tempo da ditadura, mas não só), o nome de Aristides de Sousa Mendes, o cônsul rebelde às instruções desumanas de Salazar, tem vindo a grangear um destaque internacional e nacional merecido. A colocação dos seus restos mortais no Panteão Nacional, no próximo dia 5 de Outubro, consagrá-lo-á, em definitivo, entre nós.

Revelar e manter viva a memória das ações de Sousa Mendes foi uma tarefa em que, ao longo dos anos, se empenhou muita gente, em iniciativas frequentemente esparsas, às vezes competitivas entre si, outras vezes subordinadas a algumas agendas e até mesmo a certos egos. Mas tudo parece ir terminar agora da melhor forma.

Neste contexto, gostava hoje de deixar anotado o nome de três cidadãos portugueses que, no estrangeiro, pude testemunhar - em três postos diplomáticos em que servi - como extremamente empenhados, ao longo de vários anos, em relevar a ação meritória de Sousa Mendes. Constatei que o fizeram, ou fazem, sem o menor interesse, por uma mera questão de justiça que decidiram assumir como sua.

Começo por falar de João Crisóstomo, um português que vive em Nova Iorque. Além de muitas outras iniciativas que fui acompanhando, recordo-me de que, há precisamente 20 anos, ele organizou, com a ajuda do então ICEP, uma exposição que tive o gosto de inaugurar e que, mais tarde, se conseguiu viesse a ser apresentada na Argentina, com o empenhamento do embaixador José Augusto Seabra, então em Buenos Aires.

Deixo também uma palavra à memória do jornalista Paulo Martins, já desaparecido, figura que, no Brasil, desenvolveu um trabalho muito interessante para divulgar Aristides de Sousa Mendes. Foi com ele que montei, no Instituto Camões, em Brasília, uma conferência onde se destacava a ação o antigo cônsul português.

Finalmente, falo de Manuel Vaz Dias. A partir de Bordéus, tem revelado uma extrema dedicação à memória de Aristides de Sousa Mendes. Durante o meu tempo como embaixador em França, pude apreciar e apoiar o seu esforçado labor organizativo, nomeadamente com eventos desenvolvidos em Bordéus e em Paris.

Estou certo que outros cidadãos portugueses, por esse mundo fora, terão sido sensíveis à necessidade de preservar a memória de Aristides de Sousa Mendes. Mas estes três foram aqueles cujo trabalho pude apreciar de perto. Aqui fica esta nota que lhes é devida, “for the record”.

terça-feira, julho 20, 2021

Vera Lagoa

Saiu hoje uma biografia de Vera Lagoa. Estou a “passarinhar” pelas páginas (a leitura fica para férias). 

Descobri, entretanto, uma passagem do livro em que Vera Lagoa é citada a reagir a quantos acusavam a sua coluna ”Bisbilhotices”, no “Diário Popular”, de se arrogar a fazer apreciações críticas sobre peças de teatro, filmes, pintura ou outras dimensões artísticas ou literárias. Lagoa defendia-se dizendo que essa era apenas a sua opinião e que não tinha culpa de que muitos a lessem (e muitos, mesmo muitos, a liam, como é sabido) e, por essa via, ficassem influenciados.

Sem o saber, Vera Lagoa, já então feita ”tudóloga”, antecipava as atuais redes sociais, um mundo em que mesmo quem não perceba rigorosamente nada sobre um assunto tem hoje todo o espaço para ”botar” a sua opinião, lado a lado com quem possa ser o maior especialista naquilo de que está a falar.

“A Arte da Guerra”


Amanhã, quarta-feira, dia 21 de junho, pelas 19 horas, no site do “Jornal Económico”, regressam as conversas semanais com o jornalista António Freitas de Sousa, em “A Arte da Guerra”, um espaço de análise sobre temas internacionais. 

A situação política em Cuba e na África do Sul, bem como as dimensões diplomáticas da singularidade britânica na gestão da pandemia serão os três temas em foco.

segunda-feira, julho 19, 2021

Da fornada de Wilton Park


Foi no primeiro semestre de 1986. Portugal tinha acabado de entrar para as então chamadas Comunidades Europeias. Recém-chegado de Luanda, eu estava colocado na Direção-Geral que, entre nós, se ocupava das questões das ditas.

Um dia, o sub-diretor geral, Paulo Castilho, perguntou-me se eu queria ir fazer um curso sobre assuntos europeus a Wilton Park. Tratava-se de uma instituição dependente do Foreign Office, situada perto de Brighton, onde se têm lugar interessantes seminários residenciais sobre temáticas internacionais. Para essa ocasião, além de diplomatas, académicos e jornalistas britânicos, o governo do Reino Unido convidava um diplomata de cada um dos outros 11 países das Comunidades Europeias.

Mal eu sabia que, nessa semana de “colégio interno”, com debates de manhã à noite (mesmo à noite, porque havia quase sempre um convidado para uma palestra “au coin du feu”), iria conhecer gente, ligada aos assuntos europeus, que fui depois encontrando pela vida fora, alguns dos quais guardei como amigos. 

Foi uma semana de extrema utilidade formativa e uma ocasião muito divertida, no belo ambiente de grupo que se gerou. Ao final da tarde, jogava-se “croquet” no jardim ou sentavamo-nos, a ler ou a conversar, nas várias salas ou na biblioteca da mansão, nesse tempo em que ninguém pensava se havia ou não wifi...

O “pub” dentro de Wilton Park fechava muito cedo. Uma noite, eu e o colega espanhol, convidando alguns outros, em três táxis, organizámos uma romagem a Brighton, para completar a jornada. A direção de Wilton Park não pareceu ter ficado excessivamente agradada com a iniciativa ibérica. Em anos seguintes, no entanto, tive o gosto de regressar algumas vezes à magnífica mansão de Wilton Park, como orador convidado.

Hoje de manhã, aqui pelo Twitter, a mais brilhante das cabeças jurídicas que alguma vez encontrei na área europeia, Jean-Claude Piris, sublinhava o facto de um nosso comum amigo, Tom de Bruijn, ter sido nomeado ministro do Desenvolvimento e do Comércio Externo dos Países Baixos. 

Foi precisamente naquela jornada de Wilton Park, há 35 anos, que eu conheci Tom de Bruijn. Na sua carreira, Tom iria ser um brilhante diplomata, diretor-geral dos Assuntos Europeus e embaixador junto da União Europeia, tendo ainda vasta experiência académica. Era um bom negociador, como testemunhei nos debates para a fixação dos tratados de Amesterdão e de Nice, onde ele foi o “deputy” de Michael Patijn, demonstrando um conhecimento notável da realidade europeia. Só me resta desejar-lhe felicidades nas novas funções.

As redes sociais continuam a ser o meio privilegiado para se saber por onde andam os amigos.

Javier Cercas



Há dias, numa determinada circunstância social, ouvi alguém dizer “e ali o Javier Cercas…” Voltei-me para o escritor e editor Francisco José Viegas, que estava ao meu lado e, em voz baixa, perguntei-lhe: “Qual é o Javier Cercas?” O Francisco, com o sorriso que é o dele, apontou, de forma discreta, para a pessoa que estava precisamente junto de mim…

Acabada a função a que assistíamos, dirigi-me a quem me tinha sido indicado como sendo Javier Cercas e disse-lhe que pretendia cumprimentá-lo e felicitá-lo por livros que dele tinha lido e que me haviam dado um imenso prazer. Fi-lo porque senti, naquele momento, um dever de gratidão pelo gosto que havia tido em ler o “Anatomia de um Instante”, um relato extraordinário e muito esclarecedor sobre a tentativa de golpe militar que ocorreu em Espanha em 23 de fevereiro de 1981, e pelo fascinante “O Impostor”, a descrição de uma personagem real, que ficcionou uma sua biografia heróica, na Espanha pós-Franco.

E estava eu, perante um Javier Cercas naturalmente sorridente e agradado com o que eu lhe dizia no meu “portuñol”, a prestar-lhe uma modesta homenagem, quando a minha mulher se aproximou e eu fiz as apresentações. “Javier Cercas? O autor dos “Os Soldados de Salamina”? Esse livro foi como que um ‘murro no estômago’, para mim”, foi a reação dela, lembrando um pequeno grande livro de Cercas que a tinha impressionado muito.

Javier Cercas agradeceu, com grande simplicidade e simpatia, aquilo que lhe tínhamos dito, talvez curioso por ter ali encontrado, por mero acaso, duas pessoas que, não apenas apreciavam o que escrevia, mas que, vencida a barreira da timidez (falo por mim), tinham-se tirado dos seus cuidados e haviam querido dizer-lhe o bem que pensavam da sua obra. Imagino que, para um escritor, esse reconhecimento seja sempre agradável.

Por mim, devo dizer, fiquei muito satisfeito pela oportunidade. Às vezes, dizemos coisas simpáticas de alguém, seja por dever de ofício, seja por obrigação de circunstância. Algumas dessas vezes, até exageramos no elogio. Desta vez, contudo, num impulso mil por cento genuíno (tão genuíno que até tinha tido eco num casal!), eu tinha tido o gosto de dizer a um escritor, cara a cara, o quanto apreciava o que ele escrevera. Nunca o tinha feito antes a ninguém, noto agora. Com toda a certeza, muita gente já devia ter dito coisas similares a Javier Cercas. Mas há algo que tenho por seguro: ninguém lho disse nunca de uma forma mais sincera.

A “roleta britânica”

Começa hoje a “roleta russa” britânica, suspendendo a maioria das precauções públicas no tocante à pandemia. Estarão certos? Prouvera que sim!

domingo, julho 18, 2021

Nã conhecia!


Dirão: um restaurante tipicamente alentejano, no Alentejo? Isso é novidade? Não é, de facto. Mas este, de que falo aqui, tem duas caraterísticas que, conjugadas, são únicas: é bom (o que também acontece com outros, é verdade) e fui lá almoçar hoje (o que não aconteceu com mais nenhum outro restaurante em todo o mundo).

Afinal, está tudo calmo por aqui...

 


sábado, julho 17, 2021

José Carlos Serras Gago


Era uma voz débil. Da cama do hospital. Quis falar com amigos, pressentindo, com certeza, que seria a última vez que o fazia. Foi há poucos dias.

Fico sempre sem saber o que dizer nestas situações e, invariavelmente, saem-me expressões tontas, pouco ajustadas ao momento. Uma vez mais, foi isso que aconteceu.

Conheci o José Carlos Serras Gago em Paris, há quase meio século. Ele vivia na Casa do Líbano, na Cidade Universitária. 

Foi-me apresentado pelo Joaquim Pais de Brito e, logo nessa noite, num jantar num "bistrot", trocámos notas sobre os muitos amigos que tínhamos, em comum, em Lisboa. E, como era natural nesse pequeno mundo em que nos tinhamos movido, das Avenidas Novas a algum Chiado, tínhamos estado em "cenas" (à época, o termo não se utilizava) comuns: "O quê?! Também estiveste naquela Assembleia Geral da Livrelco? E foste para o Canas, fugido à polícia, no enterro do António Sérgio?"

Depois, em alguns dias de turismo livresco e intelectual, andei com o José Carlos pela universidade de Vincennes, onde me levou a uma aula do Nicos Poulantzas e me foi introduzindo a outras vedetas do esquerdismo em moda. Eu, intimamente, prestes a fardar-me de verde em Mafra, sem lho dizer, invejava-lhe aquela jornada parisiense.

Depois do regresso do José Carlos a Portugal, após Abril, tentámos fazer um livro a duas mãos. O projeto morreu, e guardo a minha quota de culpa nisso, depois de três reuniões numa casa no Alto da Barra. O José Carlos passou a andar pela Sociologia, eu passei a andar por fora.

Um dia, coincidimos no MNE. Ele na OCDE, outra vez em Paris, eu por Lisboa. Encontrávamo-nos a espaços. Lembro-me de que tivemos algumas discussões, em regra pela avaliação diferente que fazíamos de algumas figuras políticas em voga. Mas navegávamos nas mesmas águas.

Isso ficou muito mais patente nos últimos anos, quando uma das mais ruidosas e animadas tertúlias almoçantes lisboetas nos reunia com alguma regularidade. O José Carlos, numa regra sempre confirmada, era o último a chegar à mesa. E trazia sempre um sorriso aberto, uma graça na ponta da língua, uma história divertida - e sempre inteligente e culta - para contar. Às vezes, não poucas, a sua cara traduzia uma saúde frágil, mas ficava a ideia de que o regresso ao grupo o animava, lhe dava um sopro de vida. Um dia, mais pálido, confessou-me: "Vim do hospital para aqui".

Nos longos meses da pandemia, suspensas as refeições do grupo, falámo-nos, de quando em quando, para saber como estávamos a aguentar a chatice coletiva. Nunca o vi esmorecer, mas, sem grandes pormenores, pressenti que as coisas se estavam a agravar, para os lados da saúde dele.

Naquela nossa última conversa, pelo telefone, a uma frase de ânimo, da minha parte, respondeu de uma forma que me deixou entrever o que aí vinha: "Não sei se vou ter força para aguentar isto". Não teve.

Manuel Alberto Valente


Foi uma cerimónia simples, mas com forte significado. 

Manuel Alberto Valente, uma das grandes figuras do mundo editorial português, recebeu na quinta-feira, na embaixada de Espanha em Lisboa, das mãos da respetiva embaixadora, a Comenda da Ordem de Isabel a Católica.

Ao longo da sua longa e excecional carreira editorial, Manuel Alberto Valente teve um papel da maior importância na divulgação da literatura espanhola entre nós. O Estado espanhol quis, com este seu gesto, manifestar-lhe o um reconhecimento e prestar-lhe uma homenagem. E os escritores e intelectuais espanhóis presentes sublinham isso mesmo.

Fomos bastantes - e mais seríamos se a pandemia não nos andasse a rondar os dias e obrigasse a limitar as presenças - os amigos que quiseram associar-se a este momento. Um belo fim de tarde, nos jardins de Palhavã.

Um forte abraço, Manel, extensivo naturalmente à Rosário.

A tristeza de Cuba




A partir dos anos 60 do século passado, os Estados Unidos, que até então tinham vivido felizes e contentes com o regime ditatorial que Fulgencio Baptista mantinha em Cuba, convertida num bordel americano, abespinharam-se quando um grupo de guerrilheiros tomou conta do poder, com amplo apoio popular, naquela que os EUA sempre consideraram ser uma sua zona indisputada de influência. E enfureceram-se bastante mais quando o novo regime caiu nos braços da União Soviética e instalou um modelo de comunismo tropical às portas da Florida.

O desfecho da chamada “crise dos mísseis” provou que as potências que lideravam as duas trincheiras da Guerra Fria implicitamente acabavam por aceitar o conceito de “soberania limitada”, para Estados situados na sua proximidade estratégica, cuja liberdade de afirmação política ficava dependente das condicionantes de segurança determinadas pela potência prevalecente na área. Do outro lado do espelho político, isso já era claro: a Finlândia, por décadas, teve essa experiência e a Ucrânia ou a Geórgia sentem isso na pele, nos dias que correm.

Na atitude americana, seria uma falsa ingenuidade acreditar em pruridos ético-democráticos, como forma de explicar o bloqueio constante imposto ao país de Fidel de Castro. Não só Washington tinha vivido muito confortável com Baptista como, na década que se seguiu ao seu derrube, sob o pretexto da luta anti-comunista, viria a apoiar ou mesmo a encorajar alguns sinistros regimes ditatoriais na região, todos eles, aliás, bem mais sanguinários do que o modelo entretanto criado pelos barbudos saídos da Sierra Maestra.

O bloqueio americano a Cuba, sendo uma afirmação arbitrária e arrogante de poder, com fortes e duradouros efeitos detrimentais na vida da população cubana, viria a convocar uma romântica comoção internacional de apoio a Fidel e aos seus homens, estimulada pelo orgulhoso sentimento de nacionalismo patriótico que, à época, atravessava a população cubana.

À esquerda democrática europeia, embalada num endémico anti-americanismo, que outros cenários estratégicos, como o Vietnam, então favoreciam, nem por um momento terá passado pela cabeça interrogar-se por que razão era necessária uma ditadura de partido único, sem liberdades, para enfrentar a agressão “yankee”. Fidel estava “absolvido” dessa deriva, mesmo antes da História o poder vir a julgar nesse sentido, como ele proclamava.

E de regime libertador dos cubanos, a Cuba de Castro viria ainda a autoerigir-se num "exportador" de revoluções pelo mundo, aliás sem grande sucesso. O "dois, três, muitos Vietnam" da retórica de Che Guevara (o qual, se fosse vivo, talvez não gostasse de ver aquilo em que o Vietnam se transformou) acabou por ser um imenso fracasso.

Pressentido como executor de um "outsourcing" ditado por Moscovo, que durante décadas pagava as faturas de uma economia abafada pelo embargo, o regime de Fidel de Castro, que identificava a menor dissidência interna com uma traição pró-yankee, acabou por se converter num dos atores centrais da Guerra Fria. Mas, curiosamente, embora de forma progressivamente mais penosa, tem conseguido sobreviver-lhe.

Os refugiados cubanos nos EUA transformaram-se, entretanto, num forte lóbi, pugnando por uma política de dureza face ao regime de Havana. As sanções, de que nunca desistiram, acabaram ironicamente por dar a Cuba um motivo constante para rigidificar a sua posição e prolongar o regime ditatorial.

Obama tentou um gesto de descrispação, num tempo de transição endogâmica na liderança cubana, mas Trump fez gorar esse esforço. Joe Biden não tem, por ora, suficiente legitimidade para poder recuar a História ao tempo de Obama.

A aventura política, cada vez mais solitária, de Cuba, a que a pandemia retirou entretando os réditos essenciais da indústria turística, deixou de ter o menor élan ideológico e vive dias muito complexos e, essencialmente, cada vez mais tristes. E a tristeza não rima com os cubanos.

sexta-feira, julho 16, 2021

Presidências rotativas em risco?


Portugal concluiu, no final de junho, mais um tempo de presidência europeia. Tal como sucedeu nas vezes anteriores, e neste caso em condições bem difíceis, fez uma boa prestação, reconhecida por quem conta. O nosso país, que vive há muito no “mainstream” da União, revelou um sentido de compromisso que lhe permitiu assegurar resultados, exercendo, com rigor, a autoridade que lhe advinha da função desempenhada.

Segue-se agora a Eslovénia. Em aberto contraste com a serena leitura europeia que a nossa presidência tinha afirmado, o novo país titular, desde as primeiras horas da sua ação, destacou-se por gestos provocatórios perante a Comissão e o Parlamento Europeu. Quer o primeiro-ministro esloveno quer outros membros do seu executivo deram sinais de buscarem a indução de uma agenda nacionalista, solidária e protetora de tendências desviantes, que são conhecidas em outros Estados-membros. Prouvera que possamos estar enganados e que os meses que aí vêm possam infirmar esta perceção. Caso contrário, a presidência eslovena pode vir a tornar-se um caso exemplar negativo.

Com o que acabo de escrever, quis fazer notar que duas presidências sucessivas, exercidas por dois países diferentes, podem introduzir, no dia-a-dia da União, impulsos de natureza muito diversa, senão mesmo contraditórios.

Não obstante a Eslovénia ter ficado ligada à Alemanha e a Portugal no chamado “trio” das presidências, com a adoção de um programa a três, as primeiras duas semanas de presidência eslovena mostraram que estamos perante estilos algo contrastantes. Dir-se-á que as coisas são o que são, que temos de viver com a imensa diversidade introduzida na União pelos últimos alargamentos. Mas terá de ser mesmo assim?

A rotação das presidências foi um método criado para dar a cada Estado-membro, em condições formais de igualdade, a possibilidade de liderar um semestre da vida da União. Assumir essa tarefa era também uma forma de ligar o país e a sua administração às respetivas responsabilidades europeias.

A busca de uma maior eficácia, atenuando o impacto negativo provocado pela debilidade institucional de alguns Estados, levou à introdução, no Tratado de Lisboa, de mecanismos de maior centralização do funcionamento da vida comunitária. A criação do lugar de presidente do Conselho Europeu representou um claro passo nesse sentido e, do mesmo modo, no domínio da ação externa, em aberto detrimento do papel dos ministros dos Negócios Estrangeiros, a União consagrou o poder coordenador de Bruxelas. Não obstante, uma parte significativa da ação das presidências continuou a assentar nos Estados.

Aqui chegado, pergunto-me: a sucederem-se casos como o que esta presidência eslovena ilustra, será que não poderá começar a fazer o seu caminho a ideia de diluir ainda mais o papel das presidências rotativas, em detrimento dos Estados membros, como forma de evitar o surgimento oportunista de agendas nacionais que, por um período de meio ano, podem atrasar ou mesmo arruinar os esforços da generalidade da União?

quinta-feira, julho 15, 2021

Das cercanias de um TWG preto Earl Grey com bergamota e centáurea

Gonçalo Reis

Gonçalo Reis lançou o livro “Serviço Público”, memória do seu tempo na administração da RTP. Ausente de Lisboa, não pude estar na ocasião, como gostaria.

Foi uma experiência única, aquela que Gonçalo Reis teve na RTP. Tendo já feito parte, como vogal, de uma anterior administração, então nomeada pelo governo, ele viria a assumir, desde 2015 e até há semanas, a chefia dessa mesma administração, por um período de seis anos, em dois mandatos sucessivos e completos.

Rompendo com o modelo de designação pelo poder político, que esteve em vigor durante décadas, a escolha de Gonçalo Reis para essas novas funções, foi feita, pela primeira vez, em 2015, pelo Conselho Geral Independente (CGI), órgão de composição diversa e plural, entretanto instituído para tutelar a empresa e ao qual compete designar ou exonerar as administrações, bem como definir as orientações gerais pelas quais elas devem reger a sua ação. Tendo feito parte do CGI durante os últimos três anos, lugar do qual entretanto saí, tive o ensejo de votar, em 2018, pela recondução de Gonçalo Reis para o seu segundo mandato.

Durante estes últimos anos, pude acompanhar - não diria dia a dia, mas com grande regularidade e bastante atenção - a ação da administração da RTP. Nessa tarefa, pude constatar ter ela levado a cabo uma gestão de grande rigor, com resultados de equilíbrio financeiro que falam por si. Esta é uma das imagens de marca que ficam coladas à passagem de Gonçalo Reis pela empresa.

A RTP é uma empresa cuja estrutura e cultura funcional parecem, desde há muito, condenadas a potenciar conflitos e a adubar tensões, parte dos quais sempre vi como algo artificiais, algumas vezes fruto de agendas políticas, outras vezes de mero despeito e mediocridade profissional, outras ainda da tentativa deliberada de levar a cabo uma ação destrutiva do trabalho da empresa, como é patente naquilo que certa comunicação social cuida em fazer, com quase diária e matutina regularidade. Deixo, porém, essa análise para um tempo em que me apeteça vir a fazê-la. 

Testemunhei o modo empenhado como Gonçalo Reis e a sua equipa enfrentaram os diversos escolhos que se colocaram ao seu trabalho, tendo criado uma grande admiração pela infinita paciência com que sempre geriu a procura das soluções para os vários ciclos de problemas que foram emergindo, para o que, aliás, sempre teve o concurso positivo e a lealdade do CGI, como, estou certo, o seu livro confirmará.

A minha limitada experiência na RTP foi de uma natureza e de uma dimensão que nada têm a ver com as responsabilidades de Gonçalo Reis. Mas julgo ter sido suficiente para me aperceber das dificuldades essenciais que marcaram o seu trabalho. Os extratos conhecidos do livro que Gonçalo Reis agora publicou abrem-me o “apetite” para conhecer ainda melhor aquilo que ele decantou dessa sua experiência. 

quarta-feira, julho 14, 2021

Bloco

É muito curioso que as posições do Bloco de Esquerda e dos seus deputados sejam incensadas até à exaustão, por quem à direita se lhe opõe, quando se trata de questões da banca & trapalhadas financeiras, embora, em tudo o resto, o partido seja tratado como irresponsável e leviano. Só são “bons” só quando dá jeito, é isso?

Brasil

No passado, Lula e o PT perderam apoio pela sua constante desculpabilização do autoritarismo de Chávez e Maduro. Neste tempo de tentativa de recuperação da sua credibilidade, Lula cometerá um erro se caucionar uma reação violenta do regime cubano às reivindicações democráticas.

Africa do Sul

O fim do apartheid e a liderança de Mandela geraram uma imensa esperança. Por anos, o mundo olhou mesmo a África do Sul como um fator para a estabilização regional. O realidade veio a provar que, sem atenuação das desigualdades, o potencial para a eclosão da tragédia permanecerá.

terça-feira, julho 13, 2021

Ainda Cuba


Alguns amigos de esquerda continuam a não entender que eu não aceite que a culpa de Cuba viver sob ditadura seja do bloqueio americano ao regime. O bloqueio é uma violência arbitrária e criminosa. Mas, para lhe fazer frente, só com um regime de partido único, sem liberdades?

Paulo Tarso


Quando cheguei a Brasília, em 2005, uma das primeiras pessoas que fiz questão de visitar foi o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima.

Recordava-me de que, nos anos 90, quando ambos tínhamos coincidido em Londres, ele tinha sido de uma grande generosidade para com o então jovem conselheiro da embaixada de Portugal que eu era. O Paulo e a Lúcia acolheram-nos, por mais de uma vez, na residência brasileira em Londres, com imensa simpatia. Ambos tinham, à época, uma projeção muito rara no seio da vida político-social britânica, sendo Lúcia uma conhecida amiga íntima da princesa Diana.

Paulo Tarso foi um dos mais proeminentes diplomatas brasileiros. Membro do “staff” de Juscelino Kubitschek quando jovem, ocupou o posto de embaixador em capitais como Londres, Washington e Roma, entre outras, bem como secretário-geral do Itamaraty. Foi sempre tido como um brilhante operador diplomático. A sua mulher, Lúcia, que teve cargos políticos de governo de Brasília, viria a ser uma peça indispensável para o sucesso profissional do seu marido.

Atingido, nos anos finais da sua carreira, por uma doença que muito o limitou fisicamente, Paulo Tarso soube, com imensa coragem, enfrentar o infortúnio e, retirado das lides diplomáticas, viria a criar um gabinete de consultoria de investimentos. 

Falou-me um dia da vida que criara após a reforma, aconselhando-me a pensar na minha (eu estava então ainda a uma década de distância), recomendando que me mantivesse sempre atualizado face às grandes questões globais, que as fosse acompanhando, com leitura e boas fontes abertas de informação: “O conselho independente de um diplomata experiente, que tenha decantado bem aquilo por que passou ao longo da sua carreira, pode ser extremamente interessante para o setor privado, que tem necessidade de pensar a prazo e de ter quem o ajude a olhar o futuro. É o que eu faço aqui, com algum sucesso”. Nunca esqueci esta lição e segui exatamente o que me disse. Não me arrependi.

Durante os quatro anos que passámos em Brasília, vimos com muita frequência o casal Flecha de Lima, com mantinhamos uma relação de grande proximidade, não obstante a nossa diferença de idades, assim prolongando a amizade criada em Londres.

Lúcia morreu em 2017. Tenho agora a notícia de que Paulo Tarso morreu ontem, aos 88 anos. Deixo um abraço de grande pesar a toda a sua Família.

segunda-feira, julho 12, 2021

“Então é Portugal, hem?… Cheira bem!”*


O Luís Santos Ferro, se fosse vivo, faria hoje 82 anos. Esta tarde, a Fundação Eça de Queiroz, em Tormes, acolheu o espólio queirosiano do Luís, oferecido pela sua família. Eu deveria ter estado presente na ocasião, coisa que acabou por não acontecer, por impossibilidade de última hora, que não vem ao caso.

Imagino que a evocação do Luís tenha sido sentida, mas acho que deve ter sido igualmente divertida, como sei que ele gostaria, como iria bem com o seu sorriso e o seu humor. 

Posso imaginar que terá havido umas palavras do Jacinto, que o Zé Fernandes tenha trazido a tia Vicência, lá de Guiães, de certeza que o Pimenta subiu da estação, que o Silvério deixou os compromissos em Castelo de Vide para se juntar ao ato e que o Melchior (que, ao que consta, anda de candeias às avessas com o Grilo) tinha a quinta arrumada a preceito. Disseram-me (mas “vendo-a” como me a venderam) que, de Lisboa, veio o chefe das Cortes e que até um poeta, que em horas ocupadas exerceu ofício como diplomata de mérito, se juntou à ocasião.

Desta vez, dizem-me, não terão sido servidas favas. Será que, nos almoços antes do evento, terá sido servido bazulaque? O que é o bazulaque? Não me digam que não sabem?  

Tenho pena, repito, de ter estado ausente desta evocação do Luís Santos Ferro. É melhor assim: a mim também não me apetecia dizer-lhe adeus.

* (A expressão é do Jacinto, quando o comboio que o trazia de Paris chegou a Portugal).

Cuba, aqui neste blogue


Extrato de dois textos sobre Cuba aqui publicados:

(2014)

“Castro e os seus guerrilheiros, saídos da Sierra Maestra depois de uma saga político-militar que entusiasmou o romantismo de uma certa esquerda à escala global, cometeram o grave erro de reagir às recorrentes provocações americanas através de uma crescente dependência da União Soviética. A aventura da colocação de mísseis russos na ilha, em 1962, levou a um embargo americano que ainda hoje se mantém. 

De regime libertador, a Cuba de Castro transformou-se num "exportador" de revoluções pelo mundo, aliás sem grande sucesso. Os "dois, três, muitos Vietnam" da retórica de Che Guevara (que, se fosse vivo, teria visto naquilo que o Vietnam se transformou) acabou por ser um imenso fracasso. Pressentido como executor de um "ousourcing" ditado por Moscovo, que durante décadas pagou as faturas de uma economia abafada pelo embargo, o regime de Fidel de Castro, que identificava a menor dissidência interna com uma traição pró-yankee, acabou por se converter num dos atores centrais da Guerra Fria.

No plano interno, Cuba é uma ditadura intolerante e repressiva. Jogou sempre com o sentimento de anti-americanismo como fator atenuador da leitura que o mundo podia fazer das condições em que o seu povo vive, passando as culpas do regime para as consequências do embargo - de facto, uma medida datada e sem sentido, unilateralmente imposta por Washington e que, bem vistas as coisas, acabou por facilitar fortemente o prolongamento do regime castrista. Cuba é hoje uma sociedade triste, vivendo numa penúria imensamente injusta para a felicidade possível das gerações que sofreram a sua tragédia geopolítica.”


***

(2016)

“Raramente tive uma experiência tão desagradável, como turista, como quando há uma década, sem guias nem mentores, passeei pela pobreza das ruas de Havana, então uma cidade de gente sem esperança, a que nem a graça que alguns acham à decadência dava alguma franca alegria.

Fidel libertou os cubanos do bordel dos Estados Unidos em que Baptista convertera o país, mas prendeu-os num pesadelo de vida que condenou gerações à penúria. E não me venham com a conversa do “orgulho” nacional, como se isso pudesse alguma vez substituir a possibilidade de dizer, alto-e-bom-som, podendo também escrevê-lo fora do “Granma”, o que se pensa, bem ou mal, dos dirigentes, que se querem eleitos e contrastantes.

A vida ensinou-me a deixar de ser complacente com a crueldade dos sonhos radicais, do “socialismo real” do Leste europeu a todos os modelos que relativizam o interesse em preservar as liberdades “burguesas”, reféns de amanhãs que o tempo veio o provar ser, infelizmente, muito similares o outros “ontens” que quero esquecer.

Para mim, guardarei para sempre o olhar triste daquela pintora cubana, uma mulher jovem, num subúrbio de Havana, que me contava ter vendido quadros seus em exposições nos Estados Unidos, e a quem, inadvertidamente, perguntei se tinha gostado da viagem: “Eu? Eu não fui! Eu não posso sair daqui. Eu nunca vou sair daqui...”. Aquele desencantado e nem sequer revoltado “nunca” marcou-me para sempre.”

Wembley

 


Este post é enganador. Conta uma história passada em Wembley, onde, há pouco mais de uma hora, a Itália derrotou a Inglaterra, para o Europeu, “at home”. Ora, na realidade ela passa-se no estádio antigo, ali ao lado. Por isso, quem quiser “sair” aqui, faça favor.

Vamos à história.

Claro que não era uma ordem, até porque tinha vindo de Lisboa por via indireta, cordial e amigável. Mas o recado segundo o qual aquela figura do Estado português "ficaria muito grata" se a nossa embaixada em Londres, que eu chefiava interinamente, pudesse arranjar dois lugares, destinados a um seu familiar, que estudava em Inglaterra, e a um professor deste, para assistirem a uma final da Taça de Inglaterra em Wembley, configurava aquele género de pressão a que é difícil dizer que não. Vamos ser claros: era uma inócua cunha.

Verdade seja que não se pediam “borlas”, mas bilhetes pagos. O problema é que toda a gente sabia que os bilhetes para o jogo estavam esgotados, há muito. Eu sabia bem disso, porque conseguira comprar um para mim, bastante caro, já meses.

Na embaixada, descobriu-se então, para minha imensa surpresa, que alguém tinha um “conhecimento” na federação britânica. Essa pessoa, por especial favor, fez um contacto e veio a conseguir dois acessos. A resposta da federação acabou, aliás, por ser melhor do que se poderia supor: atendendo a que era um pedido da embaixada, ofereciam dois convites, gratuitos, para uma zona especial, tipo camarote, onde ficavam os convidados da federação.

Porque era uma área do estádio alheia às claques, relativamente "neutral", a federação apenas pedia alguma parcimónia na exibição de bandeiras ou símbolos dos dois clubes em liça. Esses ficavam para as duas imensas claques, uma londrina, do Arsenal, outra do Sheffield Wednesday, que iam encher as respetivas zonas do estádio. E, já agora, para fazer amigável inveja, gostava que soubessem que há poucos ambientes desportivos mais bonitos do que um Wembley ululante, cheio de cânticos, numa “cup final”. E eu, na vida, tive o privilégio de assistir a três!

Era na cidade de Sheffield que o tal familiar do nosso político estudava na universidade. Estava assim explicado que quisesse fazer um gesto e trazer o seu professor para ver o seu clube jogar esse prélio decisivo. E, com certeza, para mostrar que era influente, capaz de mover mundos e fundos para arranjar duas entradas, ainda por cima saiam de borla, para uma final da Taça de Inglaterra.

Lembro-me de que o contacto da federação britânica havia dado uma indicação sobre a necessidade de, naquela zona reservada do estádio, serem respeitadas as limitações “coreográficas”, em termos de sectarismo clubista: bandeiras e coisas assim. Foi dito isso para o felizardo de Sheffield e ficou combinado deixar os dois convites num determinado local de Londres.

No dia do jogo, lá fui, como habitualmente de metro, para Wembley. Como o meu bilhete era relativamente central, fora das claques, podia avistar, com facilidade, o tal camarotes. E foi então que vi, no meio de um largo grupo de pessoas que não ostentavam nem bandeiras nem cachecóis: uma pessoa mais velha e um miúdo, jovem adolescente, ambos vestidos, da cabeça aos pés, de evidentes fãs do Sheffield Wednesday. Destoavam vivamente, pela cor e pela agitação que fui observando, dos restantes convidados. Eu não conhecia o familiar do político, mas não me pareceu ser nenhum dos dois. Que coisa estranha!

Esse familiar da personalidade, educado, teve a anabilidade de telefonar, no dia seguinte, a agradecer, dizendo que tinha ficado "adoentado" e que, por essa razão, tinha dado o seu bilhete ao filho do professor. Pois... Estava-se mesmo a ver, não era?

Porque a sorte protege os audazes mas não necessariamente os espertalhaços, o Sheffield Wednesday perdeu contra o Arsenal e os dois "convidados" terão ficado com uma cara similiar à dos seus correlegionários da foto (mas não me lembro se algum deles usava o elegante capacete da "farda"). A minha satisfação era ainda maior porque o meu clube londrino era o Arsenal, por razões que a história explica e que belo livro de Nick Hornby, “Fever Pitch”, ajuda a compreender.

Vale tudo?

O "whataboutism" no seu melhor: perante a evidência da onda de execuções levada a cabo pelos novos senhores da Síria, as redes soc...