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segunda-feira, agosto 20, 2012

Bruxas

Quase 40º de calor não me impediram de comprar ontem, num "bouquiniste" à beira do Sena, um velho "Livre de poche" com "As Bruxas de Salem", que há minutos acabei de reler. 

Ao meu lado, um cidadão olhou de soslaio a minha aquisição dessa bela peça teatral, a qual demonstra, a quem o não souber, que Arthur Miller é bem mais do que o marido de Marylin Monroe, de quem muito se fala por estes dias. O homem do cais tinha ar de eslavo. Será que não há uma edição russa da obra? Bem falta fazia por lá...

terça-feira, julho 24, 2012

Camaradas

Há poucas semanas, em Moscovo, logo atrás da Praça Vermelha, deparei com uma manifestação do Partido Comunista local, que agora já não é "da URSS". A minha incorrigível curiosidade por estas coisas fez com que decidisse aceder ao espaço vedado, que estava reservado para o comício (com prévia passagem por um estrito controlo de metais...), por forma a observar mais de perto o ambiente. Eram uma escassas centenas de pessoas, com muitas bandeiras e tarjas vermelhas, junto a um palco onde peroravam algumas figuras - ao que me foi dito para protestarem contra os malefícios da alternância entre Putin e Medvedev.

A memorabilia à venda tinha escassa graça, tanto mais que, para espanto dos vendedores, eu andava à procura de coisas do tempo de Stalin, para oferecer a um amigo que ainda é fã do "pai dos povos". 

Ao sair do inesperado evento, dei comigo a pensar que, desde há quase um século, o Partido Comunista continua a ser, na Rússia, a única força política com o privilégio de poder organizar livremente as suas manifestações públicas.

Para o meu amigo (ainda e sempre) estalinista, e na impossibilidade de lhe ofertar, como desejaria, um "recuerdo" do "Zé dos Bigodes" (cujo busto, note-se, continua a figurar junto à muralha do Kremlin), deixo esta fotografia da placa da "rua da ditadura do proletariado", que recolhi na ex-Leninegrado. Pelos vistos, é quase tudo quanto que vos resta, "tovarich"...  

sexta-feira, junho 29, 2012

Património

A igreja da Natividade, em Belém, foi inscrita, há minutos, na lista do Património da UNESCO, através de um procedimento de urgência, a solicitação do mais novo membro da organização, a Palestina. A sala da Duma de São Petersburgo desfez-se em aplausos - embora, com certeza, menos retumbantes do que aqueles que Lenine por aqui, neste mesmo local, arrancou, há umas boas décadas atrás.

No minuto seguinte, foi a vez do Monte Carmelo ser inscrito na lista, sob proposta de Israel. A sala não foi tão entusiasta, mas não deixou de aclamar o novo bem agora proclamado no seu valor universal. Salomão, com a sua justiça, não faria melhor.

As organizações internacionais são isto mesmo: espaços onde, mais do que o equilíbrio, se procura e pratica algum equilibrismo. Mas seria errado pensar que este tipo de liturgias e coreografias é, em si mesmo, negativo. Estes compromissos, às vezes cínicos, outras vezes oportunistas, são a chave da sobrevivência do mundo multilateral, refletindo as suas limitações mas, ao mesmo tempo, consagrando os pequenos passos que fazem avançar esse mundo, que muito tem feito pela paz e pelo entendimento entre os povos.

terça-feira, junho 26, 2012

De Leninegrado a São Petersburgo

Há mais de 30 anos, ao tempo em que vivia em Oslo, tive a curiosidade de visitar a União Soviética. Achei que os preços das viagens eram surpreendentemente convidativos. Na véspera da minha partida, falei do assunto a um colega norueguês e logo fiquei ciente daquilo em que me metera: a agência de viagens que eu escolhera estava ligada ao Partido Comunista norueguês e, se calhar, fazia "dumping" ideológico. De facto, no grupo em que, durante duas semanas, estive incluído, muitos foram os que, logo que chegados a Leninegrado, colocaram na lapela uma imagem de Lénine...

A visita acabou por ser muito interessante, feita também por Moscovo e por Ialta, comigo sempre a tentar, para desespero da guia norueguesa, fugir ao espartilho dos programas e reagir à irracionalidade do condicionamento de movimentos. Guardo para sempre algumas recordações impressivas desse país, com uma vida que, à época, pressenti misteriosa, cinzenta e triste.

Hoje, por razões profissionais, estou em São Petersburgo - mas já não em Leninegrado. Para além do nome, muita coisa mudou por aqui, como se sabe. Mas, confesso, tentarei não deixar de revisitar, em homenagem àquilo que é a memória sentimental de uma certa geração, a estação da Finlândia, o Smolny, o Aurora e, claro, o palácio de Inverno, símbolos fortes de uma Revolução de outubro, que em dez dias abalou o mundo, e que, por sinal, foi em novembro.

sábado, fevereiro 18, 2012

Síria e Kosovo

Na sexta-feira, estive presente na cerimónia que, em Paris, assinalou o 4º aniversário da independência do Kosovo, uma realidade política até hoje reconhecida por 88 países, entre os quais 22 da União Europeia, incluindo Portugal.

Não pude deixar de recordar-me, na ocasião, que o Kosovo talvez hoje deva a sua existência à intervenção militar promovida pela NATO, em 1999, feita à revelia de qualquer legitimação do Conselho de Segurança da ONU, então bloqueado pela obstinação russa e chinesa. Uma ação discutível mas que, para largos setores da comunidade internacional, se justificou por ser talvez a única forma de suster a repressão sangrenta das forças sérvias sobre a população kosovar. 

A atual crise síria evoca, naturalmente, o caso do Kosovo. Também agora largos setores da opinião pública internacional sentem que se está perante um verdadeiro escândalo: a completa impunidade de uma ação impiedosa de um regime sobre a sua própria população. E, uma vez mais, a oposição russa e chinesa no Conselho de Segurança está presente. Só que, nesta conjuntura, o quadro geopolítico não aponta no sentido de alguns países poderem ser tentados a agir militarmente, mesmo sem o conforto da legitimidade multilateral.

Alguns tentam "perceber" as razões formais da Rússia e da China, ao não darem luz verde para uma pressão constrangente sobre Damasco: os ocidentais mostraram, na Líbia, que a resolução 1973 foi "abusada" e que, da imposição de uma "no fly zone", se passou rapidamente para um processo de "regime change", que não estava previsto no mandato onusino. E ambos os países também temem que, por esta via, comece a consagrar-se um "direito de ingerência", princípio que sempre recusaram, pela utilização alargada e sem controlo que dele pode fazer-se. Razões discutíveis mas arguíveis, no plano dos princípios.

O que a Rússia e a China parece não perceberem é que, ao não partilharem, em situações graves como estas, as preocupações de grande parte do mundo, além de ficarem ligados, inapelavelmente, aos fautores das barbáries, contribuem para condenar a ONU a uma irrelevância que degrada a sua imagem e legitimidade. De bloqueio em bloqueio, vão dando razões a quantos acham, às vezes por motivos que não são os melhores, que, em situações limite, é preciso "ir a jogo", ultrapassando os impasses onusinos. E que assim se cria, na opinião pública internacional, um ambiente de crescente condescendência face a possíveis ações unilaterais, sem limites nem mandatos, que possam pôr cobro a situações de flagrante escândalo humanitário. 

terça-feira, janeiro 24, 2012

Irão

A questão nuclear iraniana é suficientemente séria para justificar, em absoluto, a imposição das sanções agora decididas pela União Europeia. A UE deu mostras de um grande sentido de responsabilidade ao conseguir gerar um compromisso interno em torno do novo quadro de sanções. Depois das concludentes análises feitas pela Agência Internacional de Energia Atómica ao programa nuclear iraniano, seria altamente perigoso deixar o respetivo regime prosseguir, sem uma forte reação, o seu caminho em direção à arma nuclear.

Alguns, inocentes ou de má fé, dirão que a legitimidade de Teerão querer possuir a arma nuclear é, pelo menos, idêntica à de outros Estados que também a obtiveram por meios menos claros, sem que, por isso, se sujeitem a um controlo ou a uma pressão internacional de idêntica natureza. Custa ter de assumir isto, mas uma atitude de meridiano realismo leva à necessidade de pensar que, qualquer que seja o panorama nuclear global, o aparecimento de novos atores nesse "mercado" é um risco que deve ser evitado a todo o custo. E que esgrimir juízos de mera equidade, numa área com a delicadeza do tema nuclear, é um suicídio a prazo. 

Pena é que países como a China ou a Rússia, a quem, manifestamente, a nuclearização do Irão nada interessa no plano estratégico, não tenham querido, a tempo e horas, aliar-se a uma pressão internacional sobre Teerão, no quadro da ONU. Se a troca de argumentos conjunturais com as potências ocidentais não tivesse prevalecido sobre um mínimo de razoabilidade, talvez se pudesse ter evitado a situação a que hoje se chegou, agora acrescida com novos e graves riscos envolvidos.

É que, para além da tensão militar no Golfo, de que o sinal mais evidente é a situação que se vive no estreito de Ormuz, a inevitável subida do preço do petróleo vai acabar por traduzir-se num peso acrescido sobre o esforço de recuperação da economia internacional. Resta esperar que nenhum tropismo belicista, quiçá mobilizado por agendas políticas nacionais, venha ainda somar fogo às chamas.

quinta-feira, dezembro 29, 2011

Direitos humanos

O ministério dos Negócios Estrangeiros russo publicou, pela primeira vez, um relatório sobre o cumprimento dos direitos humanos no mundo. 

Nesse texto, Portugal é criticado por não ter transposto uma diretiva comunitária sobre direito de livre circulação e residência. A diplomacia russa considera também que 24% dos brasileiros são discriminados em Portugal.

Abre imensas e legítimas expectativas o facto de Moscovo manifestar a sua preocupação com o tema dos direitos humanos.

terça-feira, dezembro 27, 2011

A Rússia e o mundo árabe

Muito se tem falado das dificuldades de alguns países do ocidente para encontrarem um modus vivendi com as instáveis decorrências políticas das "primaveras árabes", depois de, durante décadas, terem tido os ditadores derrubados como amigos públicos. E ainda "a procissão vai no adro". O caso líbio absolveu parcialmente as culpas de alguns e a realpolitik, que não tem apenas cultores deste lado, vai fazendo o resto.

Mais intrigante tem sido a posição russa em todo este contexto. A Rússia é um parceiro histórico na região, desde os tempos da União Soviética. Mesmo num período em que a sua debilidade económica era mais notória, o seu estatuto no Conselho de segurança da ONU, bem como as relações que mantinha com certos atores problemáticos da região, justificaram a sua permanente cooptação para os quadros de diálogo, de que o "quarteto" (com os EUA, a UE e a ONU) sobre a questão israelo-palestiniana é caso mais notório.

É sempre interessante acompanhar a linguagem de Moscovo no tocante ao Médio Oriente alargado. Por ela perpassa uma preocupação em evitar a sedimentação de uma presença intrusiva dos países ocidentais nos diversos processos, na tentativa de contrariar o que lhe parece ser um desequilíbro geopolítico que se possa criar em seu desfavor. Esse cuidado é historicamente matizado por algumas notas de adesão, embora frequentemente em moldes algo equívocos, a temáticas tidas como de interesse comum ou já consagradas no "politicamente correto": o combate ao terrorismo, a não-proliferação nuclear, o livre acesso à rotas de fornecimento petrolífero. Sem surpresas, muito menos enfático é o seu apoio ao "empowerment" democrático dos povos árabes e à preservação, sem relativismos culturais, dos direitos humanos.

O caso sírio é aquele onde a posição russa se revela em todo o esplendor da sua ambiguidade. Colocado perante um caso trágico de violência e repressão, num dos cenários onde tem ainda algum "leverage", Moscovo tem vindo a deixar passar os dias e os mortos, numa frieza descredibilizante do seu papel à escala global. O inaceitável "wording" do seu projeto de resolução na ONU, equiparando o que não é comparável - as ações violentas de setores da oposição com a barbaridade da repressão governamental -, revela bem que o poder russo continua tentado por reflexos de meros jogos de poder.

É pena. Por razões de outros grandes equilíbrios à escala global que não vêm para o caso, o mundo precisava de uma Rússia mais aderente e construtiva de uma agenda multilateral e normativa de princípios, que potenciasse a sua influência e se revelasse bastante menos dependente de uma mercantil lógica de fins, evitando a colagem a regimes a que o destino aponta a inexorável direção do caixote do lixo da História. O que se passou, há precisamente duas décadas, em Moscovo, deveria servir de lição. A Moscovo. 

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...