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terça-feira, agosto 28, 2012

Cimeiras e cúpulas

Foi ontem anunciado o adiamento da cimeira que estava prevista entre Portugal e o Brasil. Aposto que, no Brasil, os jornais falaram em "cúpula". 

Entre o português de Portugal e o do Brasil não há apenas diferenças na ortografia e na sintaxe. Há, pelo meio (os brasileiros dirão "em meio") de um vocabulário comum muito extenso, muitas palavras que são diversas. Alguns vocábulos brasileiros têm origem no português antigo, que se perdeu em Portugal e que permaneceu naquele país, em especial no Norte. Outros termos derivam da influência das línguas locais, como o tupi-guarani, ou de palavras oriundas de outras migrações, como a italiana, que também muito contribuiu para a abertura das vogais na fonética brasileira. Outras ainda, têm a ver com realidades locais e com uma evolução lexical que procurou, muito mais do que em Portugal, verter para a escrita o produto da oralidade popular. 

Estas diferenças, que não existem com a mesma intensidade noutras grandes línguas internacionais, não devem ser dramatizadas, mas devem ser lidas como fruto de uma diversidade que não há desvantagem em continuar a ser cultivada, desde que não fragilize o muito que a língua tem de comum, nomeadamente na sua expressão no mundo internacional.

Mas toda esta "conversa" vem a propósito das cimeiras ou cúpulas entre os dois países, que nunca têm uma data certa para a sua realização, que têm lugar quando é considerado oportuno por ambos e quando há suficiente matéria, em termos de interesses bilaterais, que justifiquem a ocasião. O mesmo se passa com exercícios idênticos que Portugal tem com a França, a Espanha ou Marrocos. 

Em 2006, teve lugar no Porto uma dessas cimeiras. Na noite que a antecedeu, fui testemunha de uma curiosa cena. Num certo momento, os dois diplomatas, um de cada país, que tinham a seu cargo a preparação do texto das conclusões, pareceram-me algo preocupados. O que é que se passava?  Muito simplesmente, cada país tinha contribuído com textos para essas conclusões e, ao juntarem-se esses mesmos textos num documento comum, ele ficava uma verdadeira "manta de retalhos", com expressões portuguesas e brasileiras, com uma espécie de ortografia e vocabulário "a meio do Atlântico". A imprensa, que era o destinatário principal dessas conclusões, iria, com certeza, ironizar com essas diferenças. E seria ridículo produzir dois documentos com diferentes ortografias, sintaxes e vocábulos.

Foi nessa altura que eu, e creio que o Lauro Moreira, o embaixador brasileiro que viria a ser o representante do Brasil na CPLP, nos voluntariámos para ajudar. Por alguns minutos, dedicámo-nos ao exercício de procurar sinónimos e expressões que, não apenas fossem comuns a ambos os países, mas que, igualmente, não apresentassem diferenças ortográficas. O nosso esforço foi bem sucedido e, nos poucos casos em que não fomos capazes de contornar as diferenças existentes, optámos por colocar as fórmulas portuguesa e brasileira, separadas por uma barra. 

Tudo se resolve, entre Portugal e o Brasil.

quarta-feira, julho 25, 2012

Bom português

Abespinharam-se, há dias, alguns comentadores e outros atentos leitores  deste blogue quando por aqui fiz uma curta listagem de quantos, na nossa imprensa, entendo que escrevem um "bom português". E logo alguns inquiriram o porquê dessa escolha.

Pode ser que esteja enganado, mas julguei detetar, em algumas dessas observações, que os juízos se estabeleciam na direta dependência da simpatia pessoal que os escribas suscitavam nesses leitores. Ora, se se olhar o conjunto dos nomes que referi, fácil é verificar que se trata de gentes de diversas e até de contraditórias orientações, o que prova que, pelo menos no que a mim me toca, julgo não poder ser suspeito desse desvio opinativo.

O que é o "bom português"? Sei lá! Para mim, é uma escrita que me agrade, por uma sábia combinação de substância e forma, alinhada de forma escorreita, não pretensiosa, sem demasiados ademanes estilísticos. Para ser sincero, é o português que melhor se aproxime do modo como eu próprio gostaria de saber escrever e que, sem qualquer inveja mas com basta admiração, me dá gosto ler. E mais não digo, porque estas coisas são assim mesmo, bem simples. 

domingo, julho 22, 2012

Comida e cultura

Por mais que, com alguma frequência, dela discorde, não deixo de ser leitor fiel de Clara Ferreira Alves, que tem uma escrita limpa, inteligente e em bom português, que já começa a rarear na nossa imprensa - a par com poucos, como Ferreira Fernandes, Vasco Pulido Valente, Miguel Esteves Cardoso e José Manuel dos Santos, este último até que a "Atual", do hebdomadário balsemónico, lhe tirou misteriosamente o espaço (*).

Na "Revista" do "Expresso" de ontem, Clara Ferreira Alves analisava a pobreza cultural dos nossos meios políticos e de imprensa. E, definitiva e tremendista como é do seu estilo, acabava o texto dizendo: "Como bem disse Vargas Llosa, em vez de discutirmos ideias discutimos comida. A gastronomia é uma nova filosofia. Ferran Adriá é o sucessor de Cervantes e Ortega y Gasset" (o "Expresso" colocou o Y em maiúscula, porque o revisor deve ter pensado que era a inicial de um outro apelido...).

Reconheço que, por vezes, as nossa imprensa exagera um pouco na exploração do tema gastronómico. Mas faço notar que ele não é, de forma alguma, incompatível com a cultura, como o António Mega Ferreira e eu tentámos provar, há uns tempos, numa divertida conversa com a Paula Moura Pinheiro, na "Câmara clara".

Nestas curtas férias, aliás, vou entreter-me a tratar um pouco de ambas. Da comida, no meu blogue "Ponto Come", onde tenciono ir dando despretensiosa conta de algumas experiências de "restauração" feitas pelo país. Da cultura, mano-a-mano com Isabel Pires de Lima, no final desta semana, charlando sobre a cultura portuguesa e da Europa, numa iniciativa integrada na Feira do Livro de Viana do Castelo.

(*) Em tempo: como bem lembra um comentador encartado, há também o Manuel António Pina

segunda-feira, junho 11, 2012

Lusofonia

Ontem, ao falar com os promotores do festival cultural que, em Toulouse, é este ano dedicado à Lusofonia, dei comigo a pensar que este conceito, sendo hoje banal, era muito pouco utilizado há umas décadas atrás. Porquê? Porque afirmar um conceito se sugerisse como federador de realidades culturais suportadas, simultaneamente, pela antiga "potência" colonial e pelos novos países emergentes da descolonização era um risco que muito poucos arriscavam então assumir. 

Foi o 25 de abril, aliado ao bom-senso e à posterior "desmarxização" que levou à atenuação de uma agenda radical anti-portuguesa em alguns desses recentes Estados, que foi gerando este descomplexado sentimento comum que faz com que, nos dias de hoje, um cantor angolano, um escritor moçambicano, um cineasta português, uma bailarina brasileira ou sei lá quem mais de Cabo Verde, de Timor, de Macau, de S. Tomé, da Guiné ou das várias diásporas possam encontrar-se, e sentir-se bem, em conjunto. 

Se os outros, os estrangeiros, nos qualificam como lusófonos, quem somos nós para recusar esse epíteto? Viva a lusofonia, esse fundo de riqueza de países de onde sempre se vê o mar, com culturas saudavelmente diferentes e muitas vezes distantes mas que, no essencial, se reúnem, com uma cada vez maior naturalidade, à volta de uma língua - mas também de uma bacalhauzada bem regada ou de um pastel-de-nata.

quinta-feira, maio 31, 2012

Português no estrangeiro

Cada vez mais, o ensino português no estrangeiro é, e deve ser, o de uma língua que é suporte das várias culturas que a utilizam. Senti isso ontem, no Lycée Internationale de Saint-Germain-en-Laye, nos arredores de Paris, na despedida da professora Matilde Teixeira, com vozes da diversidade lusófona a fazerem transparecer o universalismo do português. 

Uma sala a abarrotar de amigos marcou a passagem à reforma daquela que, durante 17 anos, foi a diretora da secção portuguesa do liceu, que recebeu testemunhos de apreço genuíno de colegas, alunos e pessoas que se habituaram a respeitá-la, como uma das figuras mais qualificadas do nosso ensino no estrangeiro.

Como embaixador de Portugal, tive um grande gosto de me associar a esta homenagem.

quarta-feira, maio 30, 2012

Um facto

A má fé e a distorção propositada obtêm, por vezes, algumas vitórias. Admito que alguns possam não gostar do novo Acordo Ortográfico, mas não é aceitável que, por mera vigarice intelectual, se procurem criar mitos em torno das mudanças que ele introduz.

O mais flagrante, e que tenho verificado que que está já na cabeça de muitas pessoas incautas, é a ideia de que a palavra facto passa, por virtude do Acordo, a mudar para fato. De tanto isto ser repetido, há quem acredite.

Ora isto é uma falsidade, que alguns se entretêm a instilar. Por uma vez, que fique claro: o novo Acordo Ortográfico não altera a forma de escrita (e, naturalmente, de pronúncia) da palavra "facto"

Quantas vezes será necessário repetir isto? 

sexta-feira, maio 11, 2012

Cesária lusófona

Ontem, comemorando o dia da Língua portuguesa, os países lusófonos encheram o grande auditório da UNESCO, numa homenagem musical a Cesária Évora, que, no ano passado, morreu aqui em Paris.

Se bem pensarmos, Cesária é uma das poucas intérpretes que hoje é comum a todo o mundo da lusofonia, que com a sua música se identifica com naturalidade. Talvez isso se deva ao facto do seu país de origem, Cabo Verde, ser, enquanto espaço de expressão cultural e humana, um espaço de cruzamento com uma riqueza bastante atípica.

quinta-feira, maio 10, 2012

Chandeigne

Desde há algumas semanas, a Librairie Portugaise et Brésilienne, de Michel Chandeigne, tem novas instalações, no 19/21 rue des Fossés Saint Jacques, Place de Estrapade, 75005 Paris, numa zona próxima do seu antigo endereço, também na zona do Panthéon. Aí pode ser encontrada uma muito boa oferta de títulos em língua portuguesa, originários de vários países, bem como de traduções francesas de muitas obras das culturas que se expressam na nossa língua.

Michel Chandeigne é uma personalidade a quem a cultura portuguesa em França muito deve, quer através das edições que promove, quer pelo trabalho desenvolvido na livraria, quer, igualmente, por toda a difusão da História e da cultura portuguesa que tem feito, em múltiplas conferências e palestras.

segunda-feira, abril 16, 2012

Guiné-Bissau

Hoje à tarde, na UNESCO, na terceira das jornadas "Vamos falar português", estava previsto como tema a abordagem da cooperação com a Guiné-Bissau, assunto que fora proposto pelo Brasil, bem antes dos tristes acontecimentos que ocorreram naquele país.

Porque todos acreditamos que, cedo ou tarde, as coisas se normalizarão, foi decidido, apesar de tudo, manter a agenda e dar conta de um interessante programa de ajuda educativa levado a cabo por uma ONG, também com forte empenhamento brasileiro.

Coube-me abrir a sessão e falar um pouco do modo como víamos o desenrolar dos acontecimentos em Bissau, lembrando a firme tomada de posição da CPLP e a inequívoca rejeição da ação militar por parte de instituições internacionais - como as Nações Unidas, a CEDAO e a União Europeia. 

Esta dia em que, de forma particular, se falou português na UNESCO esteve longe de ser, contudo, um dia feliz para os países que falam a nossa língua. 

terça-feira, abril 10, 2012

Inadimplência

Uma utilíssima "newsletter" luso-brasileira, que continuo a ler com regularidade, titula hoje "Inadimplência em Portugal continua a aumentar". Recordo-me de ter avançado para um dicionário (de Portugal) quando, há uns anos, li, pela primeira vez, a expressão na imprensa brasileira. E da minha grande surpresa por nele não encontrar a palavra e o seu significado.

A Academia Brasileira de Letras, embora reconhecendo-o, não aprecia o termo, preferindo-lhe a expressão "inadimplimento", há muito já usada na ordem jurídica portuguesa (mas não na nossa linguagem corrente, como acontece no Brasil com "inadimplência").

Seja "inadimplência" ou "inadimplimento", a verdade é que se trata de um conceito preciso e sintético, que é pena não ser mais utilizado. E que também é pena que seja uma realidade cada vez mais frequente entre nós, nos dias que correm.

sexta-feira, fevereiro 03, 2012

A brigada do asterisco

Desde 1 de janeiro, os serviços públicos estão, no cumprimento da lei, obrigados a utilizar o novo Acordo ortográfico, em toda a sua documentação. 

Para o vulgar cidadão, o uso ou não do acordo é naturalmente facultativo, como se nota, por exemplo, na significativa "brigada do asterisco", composta por colunistas que esclarecem, em orgulhosos pés-de-página, nos jornais em que debitam doutrina, a sua inquebrantável fidelidade à escrita do "tempo da outra senhora". Estão no seu pleníssimo direito, como o estava um velho familiar meu, que sempre dizia que ia à "pharmácia com 'pêagá' ", seguindo o "acordo ortográphico" do seu tempo de infância.

Ontem, ficou-se a saber que o novo diretor do Centro Cultural de Belém mandou desinstalar os corretores ortográficos existentes nos computadores e determinou o regresso à vetusta ortografia. Uma coisa é, desde já, mais do que certa: com esta decisão, aliás plenamente coerente com o que sempre defendeu, Vasco Graça Moura passou a ter, como turiferários da sua nomeação, todos quantos militam contra o Acordo, como se observa nas imensas loas que já está a receber, na blogosfera e na imprensa. Além de coerente, Vasco Graça Moura provou, uma vez mais, ser hábil, inteligente e destemido.

Teremos que aguardar as cenas dos próximos capítulos para perceber se o Acordo Ortográfico está mesmo em vigor ou se, afinal, subsiste por aí uma "região autónoma" impune, espécie de aldeia de Astérix que resiste à "ditadura" da lei democrática, escudada num preciosismo interpretativo do estatuto da instituição. Para sermos mais claros, vamos ter oportunidade de observar se a aplicação do Acordo Ortográfico, na área oficial, é, afinal, "à vontade do freguês", isto é, sujeita a uma singular interpretação do Direito internacional "à moda dos Jerónimos", o que deixaria em alguma dificuldade a própria autoridade do Estado. Seria, aliás, o cúmulo da ironia se o "novo" CCB viesse, por esta via, a transformar-se na fortaleza do "regresso ao passado" ortográfico, uma espécie de sede informal da "brigada do asterisco" e outros protestantes correlativos, reunidos em eventos contestatários, perante o olhar embaraçado das autoridades e impotência do contribuinte que alimenta a instituição.

Valha-nos a certeza de que, com tudo isto, Portugal continua a provar que é um país muito patusco.

(Sei que muitos leitores deste blogue não concordarão com este post e, quiçá, estarão já entoando um renascido "Força, força, companheiro Vasco!"...)

quarta-feira, janeiro 18, 2012

Euronews

Acaba de ser anunciado que a Euronews vai terminar a sua edição em português, por ter sido suspenso o contrato que mantinha com a RTP. A Euronews encontra-se sediada perto de Lyon, em França, e na edição portuguesa trabalhavam vários cidadãos nacionais. Há meses, reuni com o principal responsável da Euronews, com o qual discuti os problemas do financiamento do serviço em português.

Para além dos imperativos de natureza financeira que terão obrigado a esta medida, a qual acarretará a saída de vários jornalistas portugueses da estação, há que reconhecer que o fim da Euronews em português representa a desaparição de uma importante plataforma noticiosa em língua portuguesa, num espaço mediático internacional onde elas não abundam. Pena é que, entre a RTP e a Euronews não tenha sido possível encontrar uma solução que permitisse a manutenção do serviço.

domingo, janeiro 15, 2012

Ciberdúvidas


Fez ontem precisamente 15 anos, nasceu em Portugal o Ciberdúvidas, essa magnífica ferramente informática que nos ensina a esclarecer as dúvidas que possamos ter na utilização da língua portuguesa. 

Um dos seus fundadores, que ainda hoje é a teimosa alma do projeto, foi José Mário Costa, que, anos antes, fora já o organizador do primeiro "livro de estilo" de um jornal português, o "Público". Contra ventos e marés, tem conseguido levar avante o Ciberdúvidas e quero aqui deixar-lhe um abraço amigo e votos de coragem para o futuro.

Conheci o José Mário em 1968. Com o Fausto (esse mesmo, o cantautor) e outros amigos, fazia parte de um grupo de estudantes que, vindos de Angola, aportaram ao então ISCSPU, à Junqueira, nesses tempos em que Adriano Moreira tentava transmutar uma escola de formação de quadros para a administração colonial num centro cada vez mais dedicado às ciências sociais. Nos anos seguintes, estivemos envolvidos nas lutas académicas que "incendiaram" o ISCSP e a academia de Lisboa, com incidências na impressionante movimentação oposicionista para as "eleições" legislativas de 1969. O "Zé Mário" participou na primeira linha das batalhas políticas desse tempo e, por essa razão, foi preso pela PIDE/DGS. O 25 de abril iria encontrá-lo ainda, creio, na prisão política de Peniche.

Ao tempo da sua detenção, creio que em 1971, o movimento associativo universitário do ISCSPU decidiu inquirir junto da PIDE (que então já se chamava DGS - Direção-geral de Segurança - depois da reforma onomástica da "primavera" marcelista, que também transformou o partido único União Nacional em Ação Nacional Popular, bem como a Censura em "Exame prévio" ) sobre as razões que a fundamentavam e o futuro do nosso colega.

Porque era então presidente da Assembleia Geral da Associação académica, fui designado para me deslocar à sede da PIDE/DGS, na António Maria Cardoso. Expus o essencial da questão ao "pide" que estava na porta do prédio, que logo se mostrou um tanto perplexo com o sentido da diligência, estranhamente "naif", que eu estava a executar. Foi numa taquicardia conjuntural que subi a escadaria daquela sinistra casa, onde por aqueles tempos muita gente continuava a ser torturada, com as paredes recheadas de placas que lembravam agentes dessa polícia política que tinham perdido a vida em operações nas guerras coloniais em África.

Depois de uma longa meia hora de espera (é capaz de ter sido menos tempo, mas a mim pareceu-me uma eternidade), numa sala abafada, apareceu-me um "pide", com ar de mais sénior, a quem dei conta da nossa perplexidade pela detenção do nosso colega, explicando que também estávamos preocupados pelo facto dele não ter família na "metrópole" e, por essa via, poder não ter qualquer apoio.

O "pide", seco mas de bons modos, "sossegou-me": disse-me que o detido tinha uma tia que já tinha sido contactada e que "estava muito bem", pelo que não precisávamos de nos preocupar. Quanto aos motivos da detenção, nada podia dizer-me, mas "ninguém era detido sem razão". À saida, devolveram-me o bilhete de identidade que tinham guardado na portaria e, lembro-me bem, caminhei, sem olhar para trás, até à zona do S. Luiz, onde um grupo de colegas me aguardava. 

Só voltei a entrar na sede da polícia política depois do dia 25 de abril de 1974. Mas, nessa altura, foi já como militar e na minha qualidade de membro da "Comissão de Extinção da ex-PIDE/DGS e LP". A sala de espera onde eu tinha estado continuava idêntica. Mas respirava-se por lá melhor.

sexta-feira, julho 29, 2011

Despedidas

Estão na moda as despedidas da escrita antiga, agora que o Acordo Ortográfico vai, contra ventos, marés e Graças Mouras, entrar definitivamente em vigor.

Ontem, chegou-me este delicioso texto:

"Quando eu escrevo a palavra ação, por magia ou pirraça, o computador retira automaticamente o c na pretensão de me ensinar a nova grafia. De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais na língua portuguesa. 

Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim. 

São muitos anos de convívio. Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes cês e pês me acompanharam em tantos textos e livros desde a infância. Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da professora: não te esqueças de mim! 

Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí. E agora as palavras já nem parecem as mesmas. O que é ser proativo? Custa-me admitir que, de um dia para o outro, passei a trabalhar numa redação, que há espetadores nos espetáculos e alguns também nos frangos, que os atores atuam e que, ao segundo ato, eu ato os meus sapatos. 

Depois há os intrusos, sobretudo o erre, que tornou algumas palavras arrevesadas e arranhadas, como neorrealismo ou autorretrato. Caíram hifenes e entraram erres que andavam errantes. É uma união de facto, para não errar tenho a obrigação de os acolher como se fossem família. 

Em 'há de' há um divórcio, não vale a pena criar uma linha entre eles, porque já não se entendem. Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, os és passaram a ser gémeos, nenhum usa chapéu. E os meses perderam importância e dignidade, não havia motivo para terem privilégios, janeiro, fevereiro, março são tão importantes como peixe, flor, avião. Não sei se estou a ser suscetível, mas sem p algumas palavras são uma autêntica deceção, mas por outro lado é ótimo que já não tenham.

As palavras transformam-nos. Como um menino que muda de escola, sei que vou ter saudades, mas é tempo de crescer e encontrar novos amigos.

Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do cê não me faça perder a direção, nem me fracione, nem quero tropeçar em algum objeto abjeto. Porque, verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser atual nem atuante com um cê a atrapalhar."

quarta-feira, julho 20, 2011

Despedida do trema

Anteontem, falou-se aqui do Acordo ortográfico. Hoje vou falar do trema.

Há muito que, em Portugal, o trema - esses dois pontinhos sobre certos "u", para obrigar a pronunciá-los isoladamente - deixou de existir. Mas, no Brasil, só agora, com a implementação do Acordo Ortográfico (é verdade, no Brasil também mudam algumas coisas...), o trema vai desaparecer. E, nesse país, resolveu despedir-se com uma bela carta, que me chegou e que reproduzo:

Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema. Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüíferos, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüenta anos. Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente estou fora. Fui expulso para sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!... O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio...  A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. O dois pontos disse que eu sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé. Até a cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cara de pau que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra. E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I. Desesperado, tentei chamar o ponto final para trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões.... A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K e o W, "Kkk" pra cá, "www" pra lá. Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que aliás, deveria se chamar TÜITER. Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou "tremendo" de medo. Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas.E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar!... Nós nos veremos nos livros antigos. Saio da língua para entrar na história. Adeus, 
TREMA

segunda-feira, julho 18, 2011

Acordo Ortográfico

Eu sei que há quem não goste do Acordo ortográfico (nestas expressões, a segunda palavra passa a escrever-se com minúscula). Eu sei que há quem nunca tencione aplicá-lo. Mas ele vai tornar-se obrigatório na documentação oficial a partir de 1 de janeiro de 2012 (os meses, tal como as estações do ano, passam a escrever-se com minúscula).

Por essa razão, para quantos queiram conhecer o que vai mudar, de facto (a palavra facto não muda, contrariamente a todos os mitos, porque vamos continuamos a escrever as letras que pronunciamos), na escrita oficial portuguesa, pode consultar uma versão simplificada aqui.

sexta-feira, junho 03, 2011

Astérix em mirandês

Um amigo bem nortenho, fez o favor de me enviar o "Le grand fossé", um belo álbum das aventuras de Astérix (e Obelix, não esqueçamos!), numa edição limitada, em língua mirandesa ("L galaton").

Igualmente me ofereceu, editada igualmente em mirandês, a banda desenhada "Os Lusíadas" ("Ls Lusíadas), com o clássico traço de José Ruy.

Os mirandês está bem e recomenda-se!

segunda-feira, maio 23, 2011

Narrativa

Começou em Portugal há poucos anos, insinuou-se em alguns discursos - primeiro nos académicos, depois nos mais vulgares -, foi retomada, como nota de procurada erudição, pela imprensa escrita (neste sábado, contei-a um monte de vezes em vários textos no "Expresso") e agora persegue-nos por todo o lado, dos blogues à conversa: é o uso intensivo da palavra "narrativa". 

Estejam atentos! É um dos vocábulos da moda. Dele não vem mal nenhum ao mundo, mas a mim irrita-me, por ser hoje produto de uma espécie de mimetismo. Neste blogue, garanto, não haverá nunca "narrativas"...

sábado, julho 24, 2010

Suissa

Ontem, numa emissão da RTP dedicada às comunidades portugueses no exterior, ao ser referido um tema de literatura, apareceu a identificação de um cidadão como residente em Genebra, na "Suissa".

É claro que o escriba da legenda não estava a procurar transcrever a forma antiga do nome do país alpino. Fê-lo, obviamente, por efeito dessa iliteracia que hoje se propaga como endemia, sem vacina à vista, na nossa comunicação social, que leva a erros de calibre bem mais chocante, de que as legendas que correm no fundo dos telejornais são recorrente sintoma.

O grande problema é que, no caso vertente, e muito provavelmente, ninguém fez qualquer observação ao "jornalista" em causa, os poucos que terão notado o erro não o devem ter considerado relevante e, dessa forma, tudo vai continuar na mesma. Aliás, é nessa "cultura" de facilismo e de falta de exigência que alegremente prossegue o "serviço público" fornecido por essa boa ideia transformada em tragédia "pimba" que dá pelo nome de RTP Internacional.

segunda-feira, julho 05, 2010

Acordo ortográfico

O "Expresso" desta semana passou já a usar as normas do novo Acordo Ortográfico.

O mesmo já acontecia com a única agência noticiosa portuguesa - a "Lusa" -, bem como com o semanário "Visão" e o jornal desportivo "Record".

Acaba, entretanto, de ser anunciado que, a partir de Janeiro de 2011, os manuais escolares irão aparecer sob a nova ortografia, embora haja um período de transição.

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...