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terça-feira, agosto 21, 2018

A casa e as férias

A casa é hoje uma escola de música. Antes, foi a residência da minha avó paterna e dos meus tios, em Viana do Castelo. Nela passei férias “grandes” até ao fim da minha adolescência. A estátua, ao alto, representa o Mercúrio. Por todo aquele espaço, em frente à doca (onde aprendi a nadar), calcorreei muitos agostos. Regresso lá sempre com imenso prazer, como ainda há dias fiz.

segunda-feira, agosto 20, 2018

Rubins


Por esse tempo, não tínhamos automóvel. Nos agostos das “férias grandes”, saídos de Vila Real, de comboio, com incómodos transbordos na Régua e no Porto, chegávamos finalmente a Viana, após imensas horas de viagem e esperas. À saída da estação, onde a família nos aguardava, cortávamos logo à direita e, de seguida, à esquerda, “para apanhar a sombra dos Rubins”, no dizer do meu pai, tático experiente dessas comodidades comezinhas. 

A Rua dos Rubins (na imagem) é paralela à principal artéria de Viana do Castelo, a Avenida dos Combatentes. Nos dias ensolados de caloraça, tem uma sombra magnífica. Os Rubins acabam junto ao cais mas, por essa altura, já se chamam, humildemente, Travessa do Salgueiro.

Era pelos Rubins que seguíamos, até cruzar a Rua Manuel Espregueira, que o meu pai sempre designava pelo nome antigo de S. Sebastião. Nas mãos dos homens, que se revezavam, iam as malas, nessa altura sem rodas (o inventor das rodas nas malas merecia ter tido um Prémio Nobel!). Na esquina, numa rotina sem exceção, o meu pai entrava, por um instante, numa casa comercial, para dar um primeiro abraço vianense ao seu amigo Magalhães Monteiro. Depois, um pouco adiante, tomávamos a direção de doca, pela Rua de Santa Clara, até chegar à casa da minha avó. Instalado finalmente no quarto, invariavelmente, eu olhava, lá no alto, a basílica e o hotel de Santa Luzia.

Foi assim, por muitos anos. Saudades desses tempos? Só das pessoas e de mim por esses anos. Mas confesso que me satisfaz bastante, agora, estar a escrever isto, com a paisagem tão simples dos Rubins à minha frente.

sábado, agosto 18, 2018

Manuel Freitas


Manuel Freitas não nasceu em Viana do Castelo. Economista de profissão, ligar-se-ia à cidade através de um tio que foi proprietário da mais emblemática ourivesaria da cidade, a Ourivesaria Freitas, do qual seria herdeiro. 

Por Viana casou e a cidade passaria ser o cenário de toda a sua vida, nomeadamente do seu notório empenhamento cívico. O país, contudo, viria a conhecê-lo mais por momentos trágicos que atravessou - a sua ourivesaria e o Museu do Ouro que criou viriam a ser objeto de assaltos que ficaram na memória coletiva.

Ao ouro de Viana e à história da arte criada em seu torno Manuel Freitas dedicou grande parte do seu talento. Sobre isto escreveu e foi, ele próprio, artífice reconhecido de peças belíssimas que hoje fazem parte do património artístico da capital do Alto Minho. O Museu do Traje da cidade inclui um riquíssimo espaço dedicado ao ouro, por ele oferecido.

Daqui a escassas semanas, passará um ano desde que Manuel Freitas nos deixou. Neste dia das festas da Senhora da Agonia, em que muitas lavradeiras se passeiam com o ouro que ele com tanto carinho estudou, e que se esforçou por divulgar pelo país e pelo mundo, deixo aqui um abraço saudoso em sua memória. E também à Filomena, a sua mulher-coragem, heroína de demasiadas tristezas.

sexta-feira, agosto 17, 2018

Ir a Viana


Pela voz de Amália, Pedro Homem de Melo crismou as palavras - “havemos de ir a Viana” - daquele que é hoje o hino informal de Viana do Castelo. Quem por lá for, por estes dias, ouvi-lo-á por toda a parte, de tal modo a canção se colou à pele da cidade e dos vianenses.

O próprio Homem de Melo, veraneante na vizinha Cabanas, era um visitante regular de Viana. Há muitos anos, no centro da Praça da República, uma figura então muito conhecida da cidade, Zé Rancheiro, ao vê-lo aproximar-se, disse alto, com voz sonante, uma quadra do poeta: “O rio passa em Cabanas / Por entre fragas ... tão lindo / que embora desça da serra / parece que vai subindo”. O declamador concluiu com um admirativo “Belo poema!”, ao que Homem de Melo terá retorquido, com um largo sorriso: “Dito por Vossa Excelência!”, tudo terminando num cumprimento cavalheiresco. 

A Praça da República de Viana - finalmente liberta do “mostrengo” da estátua do Caramuru, que agora, da Praia Norte, para onde foi desterrada, poderá vislumbrar melhor o Brasil da sua lenda - não vai por estes dias ser palco de “jogos florais” com a elegância passada. É que o espaço medieval enche-se agora de bombos, de música no coreto, de gigantones e cabeçudos, imagens de marca da Romaria de Nossa Senhora da Agonia - as Festas, para o vianense.

As Festas andam por toda a cidade: do desfile das Mordomas à Festa do Traje, das procissões ao Cortejo histórico, das cantigas ao desafio às filarmónicas, dos arraiais aos tapetes coloridos de sal da Ribeira, da feira no Campo da Agonia ao variado fogo de artifício, com destaque para a Serenata sobre o Lima. E até se sentem lá no alto, em Santa Luzia, com a basílica agora de faces lavadas.

Sejamos justos! Não se encontra, pela província portuguesa, uma romaria igual. O mundo, aliás, sabe isso. Tirando a coreografia do fado, a única imagem do folclore português que sobrevive no estrangeiro, nos dias de hoje, não é outra senão a das lavradeiras vianenses - dos trajes vermelhos aos azuis, dos verdes de Geraz ao negro das noivas, com o orgulho (“chieira”, diz-se em Viana) do seu ouro por cima. A mulher, aliás, é a dona das Festas. O traje local dos homens é por ali algo incaraterístico, com a notável exceção das camisas de linho bordado (a minha é imbatível, desculpem lá!). 

Se quer um bom conselho, caro leitor, vá às Festas a Viana, durante este fim de semana único. E não se deixe tomar pelo “fica para o ano”, fingindo levar a sério o dito “havemos de ir a Viana”. Vá agora! Eu já lá estou! 

domingo, agosto 12, 2018

Nine


É este verão que vou a Nine! 

A estação ferroviária de Nine faz parte do meu imaginário de infância, quando, em férias “grandes” ou do Natal, ia com a família de comboio, de Vila Real a Viana do Castelo. Passadas as várias horas necessárias nas linhas do Corgo e do Douro, a última etapa da viagem fazia-se entre o Porto e Viana do Castelo. E por lá, a certo ponto, estava Nine!

Nine é um entroncamento. Dali parte um ramal para Braga. Se bem me lembro, na estação, as carruagens do comboio que ia por essa rota, para mim sempre misteriosa, faziam uma ligeira inclinação, ainda na estação. Creio ter usado esse ramal uma única vez, numa ida de Viana a Braga.

Era eu então muito miúdo e o meu pai ensinou-me que “nine” era “nove” em inglês (deve ter sido a primeira palavra inglesa que aprendi). Anos mais tarde, revelou-me que havia o mito (ele sabia que era um mito!) de que a localidade se chamava assim porque os ingleses, responsáveis pela construção da via férrea, haviam designado dessa forma aquela que era então a nona estação a contar do Porto. Ainda outro mito, a que o meu pai nunca aludiu e que só vim a conhecer mais tarde, dava como certo de que esse “nine” era o número de mihas que dali distava Braga...

Afinal eram tudo “escovas”, como na minha família lá por Viana ainda hoje se designam as mentiras populares (não é assim, Filomena e Carlos?) É que documentos antigos, as “inquirições”, datadas de 1220, já falam de “Santa Maria de Nini”, nesse local, o que desmonta todas essas teorias de conveniência.

Por estas e por outras, daqui a dias, vou passar por Nine!

(E lá fui, como se pode ver pela imagem junta! Como se nota, sobrevive, face à imagem anterior, o edifício ao fundo, com três arcos)

sábado, dezembro 22, 2012

Este Natal

Este ano, não passarei o Natal em Vila Real. Na vida, isso aconteceu-me apenas duas vezes: quando vivia em Londres, já nem sei bem porquê, e, no ano passado, porque fiquei por aqui, por Paris, na ressaca de uma questão de saúde. 

Devo dizer que não sinto falta deste Natal, em Vila Real. Seria um Natal triste, depois de um tempo recente em que, por lá, perdi pessoas com cuja falta me não reconciliei. Aliás, nos últimos anos, pelas leis da vida ou da morte, chamem-lhe como quiserem, os Natais têm vindo a tornar-se momentos um pouco mais sofridos do que agradáveis.

Nem sempre foi assim. Até à minha adolescência, os meus Natais dividiam-se entre Viana do Castelo e Vila Real. E eram muito, mesmo muito agradáveis e alegres.

"Exilado" em Vila Real desde os anos 40, o meu pai rumava a Viana com a família, poucos dias antes do Natal, do mesmo modo que fazia nas "férias grandes" e na Páscoa. Invariavelmente, ano após ano. Não tinhamos carro. Íamos de comboio, em três etapas épicas. Primeiro de Vila Real à Régua, na velha linha do Corgo, bancos de "sumopau", com as faúlhas da fumarada das máquinas a entrarem-nos pelos olhos, se acaso espreitávamos pela janelas. Da Régua ao Porto, o comboio era melhor, embora mais monótono. Por um tempo, o Douro ia ali ao lado, mas nós, nessa época, nem olhávamos para ele. (Era uma viagem em que, no Verão, em algumas estações, mulheres vendiam regueifas e água em recipientes de barro: "Água e bilha, 15 tostões!", apregoavam).  A aproximação do Porto, anunciada por túneis sucessivos cuja travessia nunca, até hoje, me sossegou, induzia-me uma recorrente inquietação. É que via o meu pai, com a sua organização meticulosa, preocupado em conferir ao minuto os atrasos, que nessas alturas eram frequentes, por forma a tentar perceber se "dava tempo" para chegar a Campanhã ou mesmo a S. Bento ou se, pelo aperto dos horários, tínhamos de mudar para a linha do Minho em Ermesinde, num rebuliço de bagagens e gentes, com a certeza de ter de ir de pé até Viana, nesses períodos de inevitável enchente dos comboios. É curioso que, até hoje, o nome Ermesinde provoca em mim um "frisson" subliminar, ligado a essa angústia de infância. 

Passávamos quatro ou cinco dias em Viana, com a ceia da Consoada no casarão da minha avó materna, no largo Vasco da Gama, um ambiente que, para a vida, me ficou como sinónimo de férias. Lembro-me bem do presépio que, em cada ano, saía de um armário, do musgo que íamos buscar ao quintal, para colocar sobre um papel forte manchado, e de uma famosa "vaca" que o não era (mas esta é uma "private joke" familiar...). Com os meus primos, jogava pinhões ao rapa e inventávamos algumas maldades inocentes, para encher as noites em que os adultos se entretinham em conversas que só com os anos fomos conseguindo acompanhar. Eram serões muito agradáveis, com todos à volta da minha avó e nós, os mais novos, a traquinar pela imensa casa.

Na tarde de 25 de dezembro, depois da "roupa velha", comida impreterivelmente ao meio dia e meia (a minha avó era de horários sagrados), partíamos para o Porto, comigo já contentado com algumas prendas recebidas. Parte das quais, contudo, para meu silencioso desconsolo, eram sempre pacotes de meias (isso mesmo, meias!), uma oferta regular de duas tias, compradas no Eugénio Pinheiro, ali na Picota. Desse regresso de comboio, tenho para sempre na memória a imagem do meu pai a ler "O Comércio do Porto", nesse dia sempre com as páginas muito ilustradas, com coloridos motivos natalícios. E da minha mãe entretida com a então famosa "Eva" do Natal, uma revista que eu só via surgir nessa altura, com numeração para sorteio de uma moradia. Nunca nos "saiu", diga-se, porque toda a sorte que tivémos deu sempre muito trabalho.

A chegada à estação de S. Bento, com fumarada, apitos e uma barulheira que eu achava o máximo do cosmopolitismo, que depois me lembrava alguns filmes, era um momento desejado. Aguardavam-nos familiares muito próximos, com os quais, após uma ritual passagem para abraços em casa de outros, avançávamos para Vila Real. Ia-se por Santa Catarina, pelo Marquês e por Costa Cabral adiante, passando próximo de Ermesinde (outra vez!), rumo às temíveis curvas do Marão. A elas nos abalançávamos depois de um "reforço" em Amarante, no Zé da Calçada, com aquisição da doçaria na Lai-Lai, ao lado. Passada a Pousada e o ansiado Alto de Espinho, onde a curvaria amainava, as luzes de Vila Real, avistadas de Arrabães, prenunciavam já a outra noite de Natal que aí vinha, desta vez em casa dos meus avós maternos, numa bela e alegre noitada, com outros tios e outros primos. E com novas prendas, claro!

Eram dias felizes. Foram-se os avós, foram-se os pais, foram-se quase todos os tios. Restam os primos, "primos-irmãos", uma rede renovada em gerações, assente num tecido de muito forte amizade. Mesmo assim, este ano, não tenho vontade de passar o Natal em Vila Real.  

sábado, outubro 06, 2012

Fundações

Na razia das fundações que por aí vai, li o nome da "Fundação maestro José Pedro", em Viana do Castelo, como uma das que poderia acabar. Não lhe conheço a história, nem tenho a menor ideia sobre se a sua atividade tem maior ou menor mérito. Mas, confesso, preocupa-me o seu destino.

Porquê? Porque o edifício que ocupa foi o local onde, até aos meus 17 anos, passei todas as minhas "férias grandes". Andei muito por ali, por aquela casa para onde os meus avós paternos vieram viver, em 1912, chegados de Ponte de Lima. 

Conhecia todos os cantos àquela casa. Com a curiosidade de um visitante regular que, da infância à adolescência, ia mudando de interesses, explorei-lhe todos os lugares, sabia onde "iam dar" alguns falsos armários, que eram misteriosas ligações entre espaços longínquos. No imenso quintal, depois reduzido por opções imobiliárias, tenho algumas das minhas primeiras fotos. A "loja", com solo térreo, que tinha zonas onde ninguém ia, não tinha segredos para mim. Recordo a grande sala do 1º andar, com um teto magnífico, onde estava pintada uma cena da mitologia grega, lembrando a que fora sala de música. A casa havia sido um colégio e, no 2º andar, ainda havia números nas portas de alguns quartos. No alto do edifício havia, nesse tempo, a "torre", um saguão para onde se subia por uma escada esconsa, lugar onde havia de tudo, com bela vista para a doca e para o largo onde se fabricavam as cordas, para o qual eu era atraído em muitos desses meses de agosto. Tenho na memória, talvez mais presente porque era o local diferente daquele onde eu vivia o resto do ano, uma imensidão de momentos percorridos por aquelas salas, com os meus pais e com a minha avó (o meu avô morrera já em 1922), com os meus tios e primos, em tempos muito diversos, com alegrias breves de infância, edulcoradas pela seletividade da memória, com outros menos agradáveis, determinados pelas leis da vida.

Hoje, quando por lá passo (e passo muito por lá), olho aquelas janelas onde por muito tempo apareciam, sentadas nos bancos de pedra que moldavam o interior das janelas do topo, a minha avó Filomena e a minha tia Zé, que o meu pai designava pelo "comandante" e "imediato" desse que sempre foi o barco da sua saudade eterna, no seu agradável exílio transmontano. Há algumas décadas que não entro naquela casa, através da bela escadaria de pedra do largo Vasco da Gama ou da escada elegante da rua dos Rubins.

Nesta estranha questão que envolve as fundações, verdadeiramente, só tenho esta preocupação. Fica aqui esta declaração de interesses, "à toutes fins utiles".

domingo, agosto 05, 2012

Almanaques

Na casa da minha avó paterna, em Viana do Castelo, um belo edifício frente à doca onde hoje se acolhe uma fundação musical, havia um escritório que, por quase uma dezena e meia de Agostos, se transformava no meu quarto. Recordo-me que, ao redor da cama, para além de uma escrivaninha, havia três armários envidraçados, dentro dos quais reluziam belas encadernações de livros, pertencentes a um membro da família que morrera ainda antes de eu nascer, o tio Túlio. A sua figura severa olhava-nos da parede, de uma fotografia em que aparecia com uma farda cinzenta de tenente da Cruz vermelha. Ao lado, num outro caixilho, que tilintava quando se lhe tocava, jaziam as suas condecorações. Os livros estiveram, por muito tempo, inacessíveis à ala mais jovem da família, fechados à chave. Estava por lá tudo o que era literariamente óbvio na pátria - Eça, Camilo, Júlio Dinis, Herculano, etc. - e uma imensa diversidade de obras estrangeiras, que assentava muito no realismo francês do fim do século XIX e, na área do ensaio, tinha coisas muito ecléticas e até cientificamente bizarras. Por razões que a memória da família não acolhe, recordo ainda existirem textos vários, em português e francês, sobre espiritismo. Só lá para os meus 13 ou 14 anos é que tive direito às chaves dos armários talvez porque, verdade seja dita, apenas nessa idade comecei a ter curiosidade em explorar alguma daquela livralhada. De início foi Jules Verne e os muitos Sandokan. Depois, aconselhado em segredo por primos mais velhos, aventurei-me, pelas razões naturais da idade, por literatura com páginas tidas por mais excitantes, num outro mundo de aventuras...

Mas todo este preâmbulo serviu apenas para dizer que, num dos armários, o tio Túlio tinha uma magnífica (e julgo que, à época, muita completa) coleção dos Almanaque Bertrand, umas dezenas de preciosos volumes de que eu bem gostaria hoje de ser proprietário (que será feito deles?). Embora a "cultura de almanaque" de alguns nossos conhecidos fosse sempre objeto de ácidas graças no seio da nossa família, a verdade é que esses belos anuários, que aliavam o caráter de repositório de memórias com anedotas, curiosidades, jogos, curtos textos literários, de humor e de divulgação, foram muito importantes para algumas gerações, num tempo sem televisão e com a rádio apenas a nascer, em que muita imagem era substituída por imaginação.

Nesta ensoleirada tarde de domingo, com a Bertrand do Chiado aberta (viva a crise!), adquiri, por uma muito módica quantia, o Almanaque Bertrand nº 72, relativo a 2012/2013. E, por mais de uma hora, na esplanada da Brasileira, em frente ao "Paris em Lisboa", na qualidade de quase único representante português na maré de estrangeiros que se fotografavam com o metálico Pessoa, diverti-me imenso com essa encadernada fonte de informação e distração. E recordei, com alguma saudade e gratidão, o tal tio Túlio que nunca conheci. 

Do Almanaque deste ano, deixo esta divertida definição (muito injusta, reconheça-se) do "Folar de Chaves": "grossas almofadas confecionadas a partir de restos de croissant e recheadas com bacon, linguíça, salpicão e espanhóis"...

segunda-feira, julho 30, 2012

A Europa e a nossa cultura

Foi na noite de sábado. O espaço era magnífico: a biblioteca que Siza Vieira desenhou para Viana do Castelo. O debate, que durou quase duas horas, fazia-se em torno do tema "A influência da Europa na cultura portuguesa".

Partindo de perspetivas diferentes, mas coincidindo no essencial da abordagem, a antiga ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, e eu próprio acabámos, pela influência das questões surgidas, por evoluir do centro temático da nossa prestação para a discussão das grandes incógnitas que hoje atravessam o espaço europeu - o que prova que é isso, na verdade, aquilo que mais mobiliza as pessoas e que angustia o seu quotidiano.

Devo dizer que gostei muito desta experiência, feita a convite da Câmara Municipal de Viana do Castelo, uma terra a que cada vez volto mais.

domingo, julho 29, 2012

Esclarecimento

Ao passar, ontem, num certo cruzamento de Viana, não pude deixar de lembrar-me do dia em que ouvi, há quase meio século, um comerciante local, amigo do meu pai, explicar como se empenhava em ajudar os turistas franceses que, nestes tempos de férias, atravessavam a cidade: "Ali, ao pé do Hotel Aliança, eu digo-lhes 'sempr'en frent' e eles nunca se enganam na estrada para a fronteira".

domingo, julho 22, 2012

Comida e cultura

Por mais que, com alguma frequência, dela discorde, não deixo de ser leitor fiel de Clara Ferreira Alves, que tem uma escrita limpa, inteligente e em bom português, que já começa a rarear na nossa imprensa - a par com poucos, como Ferreira Fernandes, Vasco Pulido Valente, Miguel Esteves Cardoso e José Manuel dos Santos, este último até que a "Atual", do hebdomadário balsemónico, lhe tirou misteriosamente o espaço (*).

Na "Revista" do "Expresso" de ontem, Clara Ferreira Alves analisava a pobreza cultural dos nossos meios políticos e de imprensa. E, definitiva e tremendista como é do seu estilo, acabava o texto dizendo: "Como bem disse Vargas Llosa, em vez de discutirmos ideias discutimos comida. A gastronomia é uma nova filosofia. Ferran Adriá é o sucessor de Cervantes e Ortega y Gasset" (o "Expresso" colocou o Y em maiúscula, porque o revisor deve ter pensado que era a inicial de um outro apelido...).

Reconheço que, por vezes, as nossa imprensa exagera um pouco na exploração do tema gastronómico. Mas faço notar que ele não é, de forma alguma, incompatível com a cultura, como o António Mega Ferreira e eu tentámos provar, há uns tempos, numa divertida conversa com a Paula Moura Pinheiro, na "Câmara clara".

Nestas curtas férias, aliás, vou entreter-me a tratar um pouco de ambas. Da comida, no meu blogue "Ponto Come", onde tenciono ir dando despretensiosa conta de algumas experiências de "restauração" feitas pelo país. Da cultura, mano-a-mano com Isabel Pires de Lima, no final desta semana, charlando sobre a cultura portuguesa e da Europa, numa iniciativa integrada na Feira do Livro de Viana do Castelo.

(*) Em tempo: como bem lembra um comentador encartado, há também o Manuel António Pina

quarta-feira, julho 18, 2012

Viana

Viana do Castelo é uma terra à qual o nome de Pedro Homem de Melo ficará para sempre ligado, quanto mais não seja pelo poema que Amália cantou e que a imagem mostra.

O poeta tinha uma casa em Cabanas, perto de Afife, a poucos quilómetros da cidade. Hoje, ao passar na praça da República, lembrei-me de uma história que o meu pai, testemunha presencial, sempre contava.

Pedro Homem de Melo passeava-se com amigos. Do outro lado da praça surgiu José "Rancheiro", uma figura conhecida da cidade, senhor de palavra fácil e de uma voz forte. E que, alto e bom som, fez ecoar pela praça o seguinte poema (cito de cor), que está num azulejo em Cabanas, junto à casa de Homem de Melo:

"O rio passa em Cabanas
por entre fragas
tão lindo
que mesmo que vá descendo
parece que vai subindo".

Acabada a curta declamação, José "Rancheiro" acrescentou, também bem alto: "Belo poema!". Ao que Pedro Homem de Melo, visivelmente lisonjeado, reagiu, com aquela voz rouca que tinha: "... dito por Vossa Excelência!".

Não deixava de ser bonito um certo cavalheirismo de um outro Portugal. 

domingo, agosto 21, 2011

"Santirso"

Ontem, ao ver as peixeiras da ribeira de Viana do Castelo imitarem uma discussão, durante a "festa do traje" das festas da senhora da Agonia, lembrei-me do "Santirso".

O "Santirso" era o nome de um barco espanhol de transporte que, na minha infância, aportava com alguma regularidade à doca de Viana do Castelo, em frente à casa da minha avó. Isso nada teria de especial, num porto que, à época, era bastante movimentado, se não se desse o caso da presença desse barco estar associada, no imaginário das pessoas da pesca vianense, à chegada de mau tempo. Por isso, e porque a coincidência se repetia com demasiada frequência, era voz corrente que as mulheres da ribeira apupavam os marinheiros do "Santirso", que olhavam como responsáveis pelas condições climatéricas que não permitiam a saída da barra dos pescadores.

Nestas festas da senhora da Agonia, o "Santirso" não chegou e o tempo acabou por mostrar-se clemente, salvo na derradeira noite. Mas uma coisa é certa: há chegadas que dão azar e estragam o clima.

Em tempo: apanhei isto na internet sobre a "lenda" do "Santirso" 

domingo, agosto 07, 2011

Falta de imaginação



Vá lá! Acho que tenho direito, depois de dois anos e meio de posts (algumas vezes, mais do que um) diários, a confessar que, no dia de hoje, não tenho a mais leve ideia para um texto. Não me ocorre nada que possa mobilizar o mais disponível dos leitores, mesmo os reformados que se dedicam, com nome emprestado e zelo telefónico, a entrar em direto no Fórum TSF ou nas tardes da SIC, comentando, com evidentes crises de vesícula, a atualidade, com uma abrangência temática digna do professor Marcelo. Nada! Hoje, não me sai rigorosamente nada!

Preguiçosamente, olhei para a imprensa, a ver se me pilhava alguma ideia. Ainda pensei abordar a questão da permissão excecional que, logo este ano, foi dada para a caça aos melros*. Seria uma exigência da "troika"? Mas não me recordo que o MoU tenha algo que permita disparar sobre as amáveis aves de bico laranja. E dei por mim a reler o poema que o Guerra Junqueiro lhes dedica, que o meu pai recitava como ninguém.

Lembrei-me também da questão da estátua de Caramuru na praça da República, em Viana do Castelo, um mostrengo que a saloiíce municipal permitiu que se implantasse naquele que é um dos espaços urbanos mais bonitos do país. Sempre seria um motivo acrescido para lembrar Viana, onde acaba de abrir agora um novo museu do Ouro (um abraço pela tua coragem, Manel!). Parece que há um movimento cívico para deitar abaixo o mamarracho. Se for precisa mais uma assinatura... Mas não é tema!

Ontem, foi dia de subida à senhora da Graça. Para quem não saiba, esta é a segunda mais importante etapa da Volta a Portugal em bicicleta, depois da "etapa-raínha" da Torre. De Mondim até lá acima, são imensos (embora poucos) quilómetros de esforço, que sempre impediram o "foguete da Rebordosa" (quem sabe de ciclismo sabe do que estou a falar) de ganhar a competição. Para post, contudo...

Ou, finalmente, ainda pensei que poderia aqui falar do meu Sporting e do modo 100% eficaz como, neste fim de semana, conseguiu assegurar, um honroso lugar no torneio "Ramón Carranza". O último lugar, claro. Tenho a sensação de que, uma vez mais nesta época, nós, os sportinguistas, vamos ter os nossos costumeiros problemas dermatológicos. Porquê? É que os "adeptos leoninos" (adoro esta linguagem de jornal desportivo), no início de cada época futebolística, esfregam de tal forma e com tal intensidade as mãos, repetindo "este ano é que é!", que acabam por ter sérios problemas de pele.   

Mas, não: decididamente, hoje, não tenho nenhuma ideia para um post. Até amanhã!

* Leitores atentos chamaram a atençãp para o lapso: não eram canários, eram melros. Aliás, o poema de Guerra Junqueiro sobre os canários ainda está por escrever.

domingo, março 06, 2011

A tia Zé e a Líbia

Ao ver as notícias sobre os combates na cidade líbia de Brega, não pude deixar de lembrar-me da minha velha tia Zé.

Estávamos em torno da televisão, nesse agosto de 1968, em Viana do Castelo. As imagens eram da entrada das tropas soviéticas em Praga, com a subida dos tanques pela praça Venceslau, sob protestos populares.

A tia Zé vivia, desde sempre, num mundo diferente, um pouco alheado, distante daquele que nos mobilizava, frente ao televisor. Não era dada a seguir eventos noticiosos, nem  sentia estímulo para participar em quaisquer conversas que excedessem o quadro familiar ou das amizades. Por uma vez, porém, os nossos comentários e exclamações, bem como a notória brutalidade do que observava, tê-la-ão feito compreender que alguma coisa não ia bem, lá pelo mundo exterior. A certo ponto, numa pausa do noticiário, ao entrar na sala com o tradicional café de saco, de cuja feitura não prescindia, a velha senhora deixou escapar: "As coisas estão mal lá por Braga, não estão?"

Se a boa da tia Zé, com o seu mau ouvido, não tivesse deixado, há décadas, de cuidar dos dias dos outros,  imagino que hoje, ao escutar notícias sobre as movimentações militares em torno de Brega, voltaria a inquietar-se.

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Alberto Oliveira e Silva (1924-2011)

Alberto Oliveira e Silva tinha um belo historial de luta contra a ditadura. Era advogado. Foi ministro da Administração Interna, em 1974, e governador civil de Viana do Castelo. 

Em Outubro passado, por motivos ligados à sua qualidade de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Viana de Castelo, tivemos uma derradeira e longa conversa ao telefone. Relembrámos então a sua velha amizade com a minha família e, em especial, um último jantar em que havíamos estado juntos, aquando de uma iniciativa do jornal "Aurora do Lima". Prometi visitá-lo no Natal, compromisso que não cumpri. Faleceu em Viana, hoje, com 86 anos.

quinta-feira, novembro 11, 2010

Batalha naval


Esta velha história de Viana do Castelo surgiu ontem, numa conversa ao almoço, com um recém-descoberto novo amigo vianense, ele proprio filho de um grande amigo do meu pai.

Estava-se durante a segunda guerra mundial. Portugal vivia dividido entre os apoiantes dos Aliados e os defensores da Alemanha e do Eixo. Na juventude vianense da época, a afetividade pendia mais para o lado dos Aliados, mas alguns germanófilos sobreviviam. Um destes últimos era uma figura um tanto caricata, tradicionalmente alvo de algumas "partidas", por via de uma credulidade que se somava a um inultrapassável défice cultural.

Um dia, os "aliadófilos" chegam junto desse seu amigo próximo do Eixo, mostrando-se escandalizados:

- Vocês não têm vergonha?! Acaba de ser anunciado que a Alemanha abateu, em alto mar, um contra-torpedeiro suíço. Ao que chegámos! Berlim nem sequer respeita os países neutrais!

O amigo germanófilo, cujos conhecimentos geográficos escasseavam, deu como óbvia a perca do navio daquela que seria a "poderosa" marinha suíça e, pragmático, respondeu, já desafiador:

- O que é que vocês querem?! Guerra é guerra!

terça-feira, dezembro 15, 2009

Allan Kardec


Foi anunciado que o Benfica vai contratar um futebolista brasileiro, com o sugestivo nome de Alan Kardec.

Na minha infância, dormia em férias num quarto de família, em Viana do Castelo, que tinha um armário envidraçado, cheio de livros. Alguns deles eram de Allan Kardec. O armário estava fechado, tendo os livros pertencido a um tio por afinidade, já falecido. Andei anos até que descobri que Kardec era a figura fundadora da doutrina do espiritismo, a tal que mexe com mesas e nos põe em diálogo com o além. Comecei a ler um desses livros, já na adolescência, mas, seguramente por incompatiblidade com o meu cartesianismo, nunca fui sensível à doutrina.

Como se sabe, o Brasil é pródigo em nomes bizarros para os seus cidadãos, muitas vezes por adaptação, mais ou menos rigorosa, do de figuras estrangeiras. Este é apenas mais um deles. Será que, para o Benfica, ter um potencial espírita na equipa fará entrar o clube em diálogo virtual com os seus êxitos no passado? E será que o espiritismo será compatível com  o treinador Jesus? Mas têm-se visto tantas "macumbas"! Já estou a imaginar os comentários a este post...

Em tempo: um leitor atento lembra-nos que Allan Kardec está no cemitério parisiense de Père Lachaise. O mundo é pequeno.

quarta-feira, novembro 25, 2009

quarta-feira, julho 29, 2009

Estátuas

Umas férias no "Portugal profundo" dão-nos mais tempo para observar, com cuidado, o novo património escultórico que enxameia as localidades portuguesas.

Não coloco em causa a importância de dar trabalho a alguns esforçados artistas, mas confesso quee me sinto chocado pelo mau-gosto que impera em algumas cidades e vilas, frequentemente em locais com grande dignidade.

Dou o exemplo de uma terra a que estou muito ligado, Viana do Castelo: dois mostrengos estão a estragar, respectivamente, a intocável Praça da República e o Largo de S. Domingos. No primeiro caso, é uma feiíssima alegoria a uma temática brasileira. No segundo (vejam...) é uma figura a cavalo (parece um burro...), desproporcionada e monstruosa.

Não é possível lançar uma campanha nacional para abolir estes monos?

Entrevista à revista "Must"

Aque horas se costuma levantar?  Em regra, tarde. Desde que saí da função pública, recusei todos os convites para atividades “from-nine-to-f...