Não percebi logo a observação irritada do governante português, que eu acompanhava, em resposta à indicação, dada pelo seu chefe de gabinete, de que o nosso embaixador naquela capital europeia, onde mudaríamos de avião, iria aparecer na sala VIP, durante a escala de cerca de duas horas que aí faríamos, vindos sei lá de onde, a caminho de Lisboa. Passava-se a cena nos anos 80.
O nosso avião estava prestes a aterrar, pelo que o governante das Necessidades, ao ver a perplexidade que a sua observação provocara em mim, explicou:
- É que os seus colegas diplomatas, sempre que me apanham de passagem por algum país, fazem de mim uma espécie de "muro das lamentações", trazendo-me os problemas que não conseguem resolver diretamente com os serviços, lá em Lisboa. Como se eu pudesse andar a despachar pelo caminho! Ou é o carro que está velho, ou é o contínuo que falta, ou é o orçamento para as obras no telhado! Começo a estar farto!
Nessa como em outras ocasiões, eu notara já que os governantes perdiam a paciência, com frequência, quando apanhados para questões de intendência, no decurso de uma viagem. Muitas vezes cansados, sem nenhumas respostas à mão, reagiam mal a terem de tomar conta do pedido ou chamar os membros dos gabinetes que os acompanham para apontar a questão. Embora, muitas vezes, verdade seja, os problemas com que os diplomatas se defrontam nos postos sejam bem reais.
Nos anos em que estive no governo, fui eu, algumas vezes, a vítima desse "assédio". Talvez por isso, aprendi: como embaixador, gabo-me de nunca ter incorrido nesse pecadilho, precisamente porque sabia bem "do que a casa gasta"...
Assim, nessa madrugada, à saída do avião, a cara com que o nosso governante olhou para o pobre do meu colega, que se havia tirado dos seus cuidados e dos seus lençóis àquela indigesta hora matutina, estava longe de ser a mais simpática.
Seguimos para a "sala vip". Um boa meia-hora depois, vejo o embaixador debruçado sobre o ouvido do governante, que continuava com um ar de poucos amigos.
Regressados ao avião, não me contive:
- Desculpe a minha curiosidade, se calhar não devia estar a perguntar isto. Mas, afinal, o que queria este embaixador? Vi-os numa longa conversa...
O governante sorriu:
- Queria apenas outro posto. E nem pediu muito. Sempre é mais "barato" do que querer reforço do orçamento, mais pessoal ou um carro novo.
2 comentários:
Sr. Embaixador será que isso ainda acontece hoje em dia?
Não faço ideia, Flor.
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