O meu colega Luís Castro Mendes acaba de dar nota, no Facebook, da morte do escritor chileno Jorge Edwards.
Entre 2009 e 2013, em Paris, fiz parte do júri do "Prix des Ambassadeurs", um galardão literário que anualmente é atribuído a uma obra de um autor francês dedicada a temáticas de História política, quer interna francesa, quer de relações internacionais.
O prémio era decidido por um júri de não mais de 20 embaixadores (na prática, só cerca de 12-15 participavam), todos claramente francófonos, escolhidos entre os embaixadores acreditados em França, junto da UNESCO ou da OCDE, cooptados pelo júri em funções, à medida que se processava alguma "baixa", pela partida de um dos membros. Presidia ao exercício Henri Lopes, antigo primeiro-ministro do Congo e então embaixador do seu país em Paris... desde 1998!
Recordo que a minha entrada, em abril de 2009, foi apadrinhada pelos meus colegas checo e polaco, respetivamente Pavel Fischer e Thomasz Orlowsky, dois queridos e velhos amigos que tinha reencontrado em Paris.
As coisas funcionavam num modelo há muito testado. Um "petit comité" de membros da Academia Francesa, que era titulado por Alain Decaux e, até pouco tempo antes da minha chegada, o fora pela figura histórica de Maurice Drouon, fazia uma pré-seleção de uma dúzia de obras, sobre as quais o júri se iria pronunciar.
As reuniões do júri, que tinham lugar no "Cercle de l'Union Interalliée", conduziam sempre a animados debates, que eram apoiados em apresentações orais e relatórios escritos, sempre mais do que um dos membros, sobre a mesma obra. A cada reunião, as obras eram "retenues" ou afastadas, por consenso, processando-se no final um voto secreto, com base numa "short list" de três livros.
Um dia de 2010, chegou ao nosso grupo Jorge Edwards. Depois de uma carreira de 16 anos como diplomata, que tinha terminado com a chegada de Pinochet ao poder, Edwards tinha sido embaixador junto da UNESCO, entre 1994 e 1997. Quando coincidimos em Paris, acabara de ser convidado pelo governo do seu país, já com mais de 80 anos, para ser embaixador em França.
Contrariamente ao Luís Castro Mendes, infelizmente, eu nada tinha lido de Edwards. (E, até hoje, nada li, devo confessar). Por isso, quando ele chegou ao grupo, apenas comecei por tomar nota de que se tratava de um escritor chileno famoso. E, a partir daí, fomos convivendo um pouco, nas reuniões mensais de trabalho.
Edwards era uma figura muito simpática, conversadora, nada vedeta, com um permanente sorriso e uma bonomia cativante. Insistia em testar o meu "portuñol" e, de uma das vezes, coincidindo saírmos juntos da reunião do Cercle, sugeri que fôssemos almoçar a um pequeno bistrot, que não distava muito dali, cujo dono era português e onde se vendia um paté delicioso. Edwards fez, ali mesmo, uma encomenda do produto e, recordo, gracejou com a delícia que aquilo faria ao seu colesterol. E aturou a minha grande curiosidade sobre os "tempos de chumbo" do seu país.
Com a passagem do tempo, Edwards ter-se-á desinteressado do nosso grupo, cujas prioridades de leitura intensiva talvez não fossem as suas. E deixou de aparecer. Nunca mais o vi, nem sequer naqueles infernais cocktails onde, entre os "infamous" croquetes e um champanhe raramente razoável, saudávamos os dias nacionais de Estados amigos ou, às vezes, nem sequer isso. Compreensivelmente, Edwars queria o seu tempo melhor aproveitado. Tempo esse que agora, infelizmente, terminou.
Em honra do meu apenas conhecido e ex-colega Jorge Edwards, vou pedir ao Luís Castro Mendes que me "receite" uma sua obra que eu deva ler. É que nunca é tarde na vida para ler um bom livro.