quinta-feira, março 16, 2023

A posta da Quinta do Outeiro


Há bem mais de uma década, tive um tempo de "clandestinidade" gastronómica. Eu explico. Era então embaixador em Paris e a revista "Sábado" tinha-me convidado para ser seu "crítico mistério", durante creio que meio ano. A combinação era eu enviar 20 e tal crónicas, semana após semana, sob pseudónimo, e, no fim, ser revelado o meu verdadeiro nome. O nome falso que escolhi foi "Augusto Maria de Saa" (assim mesmo, com dois "a"), lembrando uma figura fictícia que já tinha usado em outras ocasiões.

Embora, desde há muitos anos, organizasse listas policopiadas de restaurantes por mim selecionados, por zonas do país, para usufruto dos meus amigos, e, no Brasil, tivesse feito parte do júri de seleção de restaurantes da revista "Veja", nunca me tinha atrevido a enveredar pela crítica gastronómica. Mas, depois de alguma insistência de Edgardo Pacheco, decidi correr o risco. Um estímulo foi também saber que, na minha tarefa na "Sábado", eu tinha tido ilustres predecessores: Miguel Esteves Cardoso, Daniel Proença de Carvalho, Paula Teixeira da Cruz e Ruben de Carvalho.

Haveria de repetir a aventura, no futuro, como crítico das revistas "Evasões", a convite da Catarina Carvalho, e da "Epicur", a convite de Mário Rui de Castro, tarefa em que me diverti imenso, embora com efeitos sensíveis na balança e nos ralhetes do meu médico. Noto que foi-me sempre dada total liberdade de escolha dos restaurantes, por todas as revistas.

Decidi então apostar em alguns restaurantes pouco conhecidos, mas que representavam um esforço profissional que reputava de interessante. Creio que o primeiro terá sido o restaurante Quinta do Outeiro, na zona oeste de Amarante, relativamente próximo da A4. Já por lá tinha comido algumas vezes, a sugestão do meu amarantino amigo Albano Tamegão, e tinha-os achado merecedores de um elogio em forma de artigo.

Porque é que falo agora disto? Porque, ao final da tarde de ontem, cansado da condução desde Lisboa, à passagem por Amarante, deu-me para ir jantar à Quinta do Outeiro. Estava com alguma pressa (CNN Portugal oblige...) e levava expetativas apenas moderadas. Das últimas vezes que por lá passara, lembrava uma deriva para um serviço algo errático e duas ou três memórias de mesa não excessivamente deslumbrantes. Mas, no entanto, sabia que ia comer numa casa com alguma constância e tradicional variedade de oferta.

O que eu não estava à espera, neste jantar casual e rápido, era que me fosse apresentada uma das melhores Postas de vitela que alguma vez me foi dado provar em toda a minha vida. E eu tenho alguns "benchmarks" na matéria que são dificilmente batíveis: desde a dona Iracema do Geadas, em Bragança, passando pelo Abel, em Gimonde, até à histórica Gabriela, em Sendim, a outros tempos da Lareira, em Mogadouro, ou do Artur, em Carviçais (com o mudo a servir o vinho), até à memorável Posta do há muito desaparecido Abade de Priscos, em Braga - que se podia cortar com o lado contrário da faca.

O resto que nos foi servido estava à altura, mas aquela Posta!

Pronto, fica feita a recomendação: passem pela Quinta do Outeiro! E peçam a Posta. É claro que não é a minha, porque essa já cá canta!

7 comentários:

Anónimo disse...

Grande "naipe" de luxo!!- Em "Sociedade Civil" hoje, na RTP2. Gente assim ainda orgulha Portugal ...

E a posta também !

Luís Lavoura disse...

ao final da tarde de ontem, cansado da condução desde Lisboa, à passagem por Amarante, deu-me para ir jantar à Quinta do Outeiro

Admira-me como o Francisco, com a sua proveta idade, ainda é capaz de conduzir de Lisboa a Vila Real. Eu sou bem mais novo que ele, porém para mim ir de Lisboa a Coimbra já é de mais.

Também questiono se come essa fabulosa posta acompanhada de uma boa quantidade de vinho, e depois vai de Amarante até Vila Real a conduzir alcoolizado. Ou se, pelo contrário, come a posta somente acompanhada de água.

manuel campos disse...


Deu para ir relê-lo a contar-nos do seu "irmão brasileiro".
Um prazer de leitura.

E de conhecer esta história que me permito reproduzir (fonte: RTP Noticias de 2 de Abril de 2005):

A Embaixada de Portugal no Brasil e o programa "Ritornello", da RDP 2, apresentado por Jorge Rodrigues, promoveram sexta-feira a maior mentira do 1º de Abril dos últimos tempos, informaram à Lusa diplomatas portugueses.
O programa cultural "Ritornello" de 01 de Abril foi dedicado a um personagem fictício, o português Augusto Maria de Saa, que teria vivido no Brasil na segunda metade do século XIX.

De acordo com o programa, o "personagem ímpar da cidadania e da cultura" teria ganho destaque nos campos da literatura, música, artes, antropologia, física, matemática, entre outros.

No entanto, segundo o mesmo programa, teria sido esquecido pelos portugueses.

A história de Augusto Maria de Saa, contada também num blog da Internet, diz que o ilustre lisboeta morreu aos 54 anos, no dia 01 de Fevereiro de 1908, vítima de uma bala perdida da arma que teria matado também o rei D. Carlos e o príncipe D. Luiz Filipe.

O programa contou com a participação do novo embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa, do conselheiro cultural da embaixada de Portugal no Brasil, do director do Instituto Camões no Brasil, Adriano Jordão, e do conselheiro de imprensa Carlos Fino.

Também participaram do "Ritornello" do 1º de Abril a escritora portuguesa Luísa Coelho, professora de Literatura da Universidade de Brasília (UNB) desde 2002, e o professor Carlos Alberto Xavier, assessor do ministro da Educação do Brasil, Tarso Genro.

As entrevistas foram transmitidas em directo para Portugal.

O programa, uma "conspiração cultural" entre a embaixada portuguesa no Brasil e o programa "Ritornello", recebeu vários telefonemas de ouvintes indignados por não conhecerem Augusto Maria de Saa, reclamando que Portugal não está atento aos seus valores.

Francisco Seixas da Costa disse...

Luis Lavoura: você está mesmo bem?

manuel campos disse...


Luís Lavoura

"Proveta"?

Olhe que eu, que tenho uma provecta idade ligeiramente mais provecta que a do nosso anfitrião, em face de uma situação mais urgente não tenho qualquer problema em sair de manhã de Lisboa até esse sítio onde tenho uma propriedade (quase 300 kms), tratar do que tenho a tratar, almoçar e fazer o regresso (por coincidência também quase 300kms), a tempo de jantar em minha casa em Lisboa.

E isto sem nunca ultrapassar os limites razoáveis em auto-estrada, que para mim são os 130 Kms/hora, 2.5 horas de caminho para cada lado incluindo dois chichis pelo meio.

Nem dou pelo tempo a passar.
Mas também é um facto que faço essas viagens em estado adiantado de embriaguez, para dizer a verdade onde outros trazem no carro uma garrafa de água eu trago uma de bagaço.
Com o tempo ganha-se o hábito, vai-se ali a fazer um esforço para manter a direcção do carro direita, nem as brigadas de trânsito da GNR desconfiam.

Claro que seu tivesse uma "proveta" idade já não digo nada.



Francisco de Sousa Rodrigues disse...

O Luís Lavoura, sem querer, consegue ter mesmo imensa graça.

manuel campos disse...


Já me esquecia das precauções.
Antes que apareça alguém a confrontar-me com as minha condução perigosa de, mesmo nunca ultrapassando os 130 Kms/hora, não estar a cumprir os 120 kms/hora da lei, socorro-me de um excerto de um artigo do "stand virtual" que aborda as margens de erro admitidas tanto na velocidade máxima (10%) como no velocímetro dos carros (um determinado "x" que varia de carro para carro e é tanto menor quanto mais recente é o modelo).

Assim e em resumo:
"Porém, o condutor deve saber com exatidão a folga de que dispõe para poder jogar com isso. Seja como for, é aconselhável rodar a uma velocidade inferior à permitida, mesmo contando com esses dois fatores adicionais. Por exemplo, numa autoestrada, em vez de circular a 120 km/h + 12 km/h + x de erro de velocímetro, não passar dos 130 km/h apresentados no visor – assim tem a certeza de não incorrer em penalizações."



O futuro