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Entre os deputados da oposição que me colocaram questões, um deles, Luís Marques Mendes, abandonou o plenário antes de eu ter tido oportunidade de responder à pergunta que me colocara. Irritei-me. Quando passei pela resposta que lhe era devida, fiz uma ironia algo "grossa" e desajeitada.
O PSD entrou em ebulição, os deputados do PS ficaram encavacados com a minha ousadia, ao provocar alguém que, daí a dias, ia passar a líder parlamentar dos social-democratas.
Ao meu lado, António Costa, em voz baixa, reagiu: "O que você foi fazer, Francisco! Agora, vai ser o bom e o bonito!".
E foi. A honra da bancada do PSD foi invocada por alguém exaltado, que desancou a minha ousadia, ninguém do PS saltou em minha defesa, eu decidi, erradamente, não me retratar e António Costa lá teve de defender-me, "tant bien que mal". Foram uns minutos menos agradáveis.
Nesse dia, aprendi que o meu estatuto de membro (júnior) do governo não me permitia colocar-me ao nível dos deputados. É que eu não tinha sido deputado, não era "um deles", pelo que eles não aceitavam (PS incluído) que eu atirasse graças e ironias sobre uma figura grada do estrelato oposicionista (na ocorrência, o hoje meu amigo Luís Marques Mendes). Ah! E ser independente também não ajudava nada.
Medidas todas as distâncias, lembrei-me disto ao ver a sarilhada em que Pedro Adão e Silva se meteu, ao criticar os deputados da comissão parlamentar de inquérito à TAP, dizendo, aliás, algumas coisas certas e óbvias. Mas o Pedro também nunca foi deputado...
Se, em fevereiro do ano passado, a Rússia tivesse conseguido colocar a Ucrânia "de joelhos", como ficou evidente ser a sua intenção no frustrado movimento de tropas para Kiev e Kharkiv, teria ficado dona do jogo e podia estar numa outra posição para negociar com os EUA. Ao ter falhado clamorosamente no plano militar, provocou exatamente o contrário: ressuscitou os seus piores demónios e está agora a pagar um elevado preço, nomeadamente no reforço conjuntural da NATO. No fim de contas, há que convir que Prigozhin tinha alguma razão: alguém levou Putin a cometer aquele imenso erro, avaliando mal a relação de forças no terreno. Terão sido Shoigu ou Gerasimov, como ele também diz? Como exercício político-militar, a Rússia é hoje um "case study" fascinante.
O pragmatismo e o bom-senso fazem com que, no histórico das relações Portugal-Espanha, o equilíbrio de interesses prevaleça sempre sobre a tentação de cumplicidades ideológicas. Cavaco deu-se lindamente com González, tal como Guterres com Aznar. Se Feijóo vier a sair na rifa eleitoral, Costa saberá encontrar o tom certo.
Ontem, ensombrou-nos uma bela festa a notícia de que o Vasco Corrêa Mendes tinha morrido nessa manhã. Tinha 88 anos. Mas o Vasco era daquele género de amigos que "adolescem" com o tempo, de tal maneira a juventude do seu espírito se sobrepunha sempre ao calendário.
Conhecemos o Vasco nessa Luanda difícil dos anos 80, com a guerra por todo o lado, com o recolher obrigatório a azucrinar-nos as noites. A casa do Vasco e dos seus primos Sérgio Guedes de Sousa e Zé Tó Arantes Pedroso - que se revezavam em Angola para tratar do negócio familiar da Guedal - foi o porto seguro de tantas e tantas jantaradas divertidas.
A "casa dos Guedais", como lhe chamávamos, era uma espécie de ilha de boa disposição permanente, um "acelerador de trigliceridos", como eu a qualificava, à vista dos efeitos dos excessos de consumos líquidos sobre o meu fígado. Naquela cidade de Luanda, com uma vida então muito difícil, nós tivemos o inestimável privilégio de ser cooptados para esse grupo extraordinário, de sermos os parceiros constantes de uma mescla que ia variando à medida que os primos rodavam na sua tarefa de gestão. Quanta gente interessante - os chatos eram sempre dispensados! - por ali conhecemos!
O Vasco era o mais aventureiro dos três primos. Era com ele que se montavam as melhores expedições à Quiçama, às lagostas do Mário, em Cabo Ledo, os pôr-do-sol no Morro da Lua. Um dia, conseguimos mesmo fazer uma improvável ida de Jeep à ilha do Mussulo, aproveitando uma conjuntural baixa-mar. Também guardo algures uma cobertura fotográfica desse feito, então raro.
Lá se foi o Vasco! Se calhar, ele gostaria que dispensássemos as nostalgias e bebêssemos um copo à sua memória. Foi o que ontem fiz, com a maior cumplicidade, com a Ana Poppe, alegre comparsa desses tempos de Luanda. Na festa de ontem, marcaram presença outros amigos do Vasco: a Graça e o Fernando Andresen Guimarães, a Papucha e o Fernando Neves, a Bá Burnay, o António Vallera. E, pela mesma razão que ali levou à ausência do Vasco, marcámos falta triste a alguns mais. "Cheers", Vasco! À amizade!
(Um perfil do Vasco aqui.)
Nessa altura, foram muitas mais as horas de negociação, pela madrugada dentro, que permitiram conseguir chegar a conclusões que, sob proposta portuguesa, juntaram países politicamente tão distantes como a Rússia e os Estados Unidos, ou a Arménia e o Azerbaijão, com bastantes outras notórias conflitualidades pelo meio. No final, o acordo obtido foi formal e rapidamente aprovado pelos ministros, como é de regra.
Nunca, desde então, qualquer outra presidência anual da OSCE voltou a ser capaz de assegurar posições comuns no seio de toda a organização.
Há dois anos, tive o gosto de ser convidado a ir a Viena, à sede da OSCE, para recordar essa experiência, que ficou bem gravada na memória daquela instituição.
Foi graças a uma fantástica equipa de diplomatas, técnicos e oficiais das Forças Armadas, que então me coube chefiar, e que havia sido organizada pelo meu antecessor no posto, embaixador João Lima Pimentel, que foi possível atingir aquele resultado, para o qual muito contribuiu também o meu "deputy", embaixador Carlos Pais.
Porque, à época, a hipótese de um fracasso nos acompanhou até muito tarde, ver cumprido com total êxito o nosso objetivo deu muito mais gozo.
Não sei se já apareceu, mas não deve tardar muito até um desses maluquinhos das teorias da conspiração vir aventar: "Não é por acaso que o golpe do Prigozhin surgiu logo depois da reunião do Bilderberg em Portugal..."
Com quase cem anos, morreu ontem Luís Saias. É provável que o seu nome diga pouco a muita gente. Saias era um estimável democrata algarvio, deputado do PS, amigo de Mário Soares, que, para surpresa de muita gente, foi chamado para ministro da Agricultura e Pescas, no governo PS/CDS, em 1978.
Luís Saias esteve apenas sete meses no governo e, ao que consta, teria sido a sua política no setor o pretexto - há quem diga não ter sido essa a real razão - que o CDS encontrou para se dissociar daquele bizarro "acordo parlamentar de incidência governativa", como genialmente Jaime Gama então o qualificou à inédita aliança entre os socialistas e os democrata-cristãos.
No seu curto mandato, Luís Saias foi a Israel, com o objetivo de estabelecer programas de cooperação no setor agrícola. Vivia-se um tempo de aproximação entre Portugal e aquele país, então sob governo trabalhista. A visita de Saias era, creio, a segunda que um governante português fazia a Israel, depois de Salgado Zenha. À época, as relações entre os dois países eram ínfimas e não havia embaixadores mutuamente acreditados, embora Israel tivesse uma estrutura consular em Lisboa. Como responsável pelo "desk" do Médio Oriente e Magrebe, no setor económico do MNE, fui encarregado de integrar a comitiva do ministro.
Antes da partida da nossa delegação, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Victor Sá Machado, figura grada do CDS, chamou-me ao seu gabinete e transmitiu-me instruções bem precisas - e extremamente assisadas - sobre aquilo que, durante a visita, deveria ser dito, em nome de Portugal, sobre a questão israelo-árabe. Lembro que, de forma delicada, sugeri que talvez fosse melhor o colega de governo de Sá Machado ser o destinatário direto dessas instruções diplomáticas. Sá Machado sorriu: "Espero que você faça o seu melhor". E lá segui para Israel, com instruções políticas muito precisas, que um governante do CDS queria que um ministro do PS seguisse, comigo a servir de intermediário.
A visita correu de forma simpática. Na conferência de imprensa final, ao ser inquirido pelos jornalistas sobre algumas questões mais sensíveis, o nosso ministro respondeu em português. Eu ia traduzindo as perguntas e as respostas, ou melhor, interpretando criativamente estas últimas para inglês. No final, quando nos levantámos da mesa, Saias disse-me, um tanto desagradado: "Percebi que você não traduziu exatamente aquilo que eu disse". Tive uma imensa tentação de lhe responder: "Eu apenas disse em inglês aquilo que o senhor ministro deveria ter dito em português". Mas contive-me, por óbvias razões, e devo ter dado uma resposta elíptica. Julgo que Luís Saias, que era um homem prudente e sensato, terá percebido a dificuldade do meu papel naquela que terá sido a sua única viagem diplomática.
Todos os debates das Conferências de Lisboa são sintetizadas graficamente pelo génio de Daniel Perdigão, que "segue" e ilustra a...