quinta-feira, julho 13, 2023

Os não-deputados


Creio ter sido no ano de 1996. Eu era secretário de Estado dos Assuntos Europeus e, num qualquer dia, estava na bancada do governo, na Assembleia da República, a responder aos deputados. Ao meu lado, tinha, como única companhia, o meu colega secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Chamava-se António Costa.

Entre os deputados da oposição que me colocaram questões, um deles, Luís Marques Mendes, abandonou o plenário antes de eu ter tido oportunidade de responder à pergunta que me colocara. Irritei-me. Quando passei pela resposta que lhe era devida, fiz uma ironia algo "grossa" e desajeitada. 

O PSD entrou em ebulição, os deputados do PS ficaram encavacados com a minha ousadia, ao provocar alguém que, daí a dias, ia passar a líder parlamentar dos social-democratas. 

Ao meu lado, António Costa, em voz baixa, reagiu: "O que você foi fazer, Francisco! Agora, vai ser o bom e o bonito!".

E foi. A honra da bancada do PSD foi invocada por alguém exaltado, que desancou a minha ousadia, ninguém do PS saltou em minha defesa, eu decidi, erradamente, não me retratar e António Costa lá teve de defender-me, "tant bien que mal". Foram uns minutos menos agradáveis.

Nesse dia, aprendi que o meu estatuto de membro (júnior) do governo não me permitia colocar-me ao nível dos deputados. É que eu não tinha sido deputado, não era "um deles", pelo que eles não aceitavam (PS incluído) que eu atirasse graças e ironias sobre uma figura grada do estrelato oposicionista (na ocorrência, o hoje meu amigo Luís Marques Mendes). Ah! E ser independente também não ajudava nada.

Medidas todas as distâncias, lembrei-me disto ao ver a sarilhada em que Pedro Adão e Silva se meteu, ao criticar os deputados da comissão parlamentar de inquérito à TAP, dizendo, aliás, algumas coisas certas e óbvias. Mas o Pedro também nunca foi deputado...

12 comentários:

manuel campos disse...


Nunca foi eleito.
E os deputados foram eleitos.
Não perceber e não respeitar isto, goste-se ou não, não é bonito.

Unknown disse...

Bem visto! Mas, como disse já em comentário, penso que Adão e Silva, como governante, não tem legitimidade para fazer qualquer comentário desprimoroso ao funcionamento de uma CPI que está a investigar precisamente a actividade do Governo. Tal comportamento só pode contribuir para uma deslegitimação dos órgãos de soberania, para a corrosão do equilíbrio dos poderes e para uma corriqueira falta de respeito institucional.

Anónimo disse...

Não se amofine. Ser deputado nesta República não é méritório. É apenas sinal de subserviência ao chefe de um partido.






J Carvalho disse...

Os deputados gostam de discursos redondos. Muitos deles até acreditarão que o facto de serem eleitos lhe conferiu um acréscimo no QI. Deve ser por isso que não convivem bem com quem lhes fala frontalmente. O que precisávamos era de outros ministros que falassem abertamente, sem receio de melindrar deputados e jornalistas.

Unknown disse...

Anónimo
Ser deputado desta República não é meritório. E ser governante deste governo é-o? Mais uma razão até para A. e S. estar calado. Um país que não observa a ordem institucional é um país que vai pondo em risco o seu regime. E isso acontece, no nosso, em diveras áreas É o que se passa nos tribunais, em que os arguidos criticam as decisões dos juízes na rua à saída dos julgamentos; é o que se passa quando algumas instituições fiscalizadas criticam as decisões do Tribunal de Contas ou do TC; quando o pessoal dos clubes insulta e quer liquidar os árbitros, etc.. Infelizmente, no nosso país, a falta de autoridade e de respeito, que se confunde com o exercício da liberdade, são endémicas. Alias, não percebo a substância das críticas de Adão e Silva, algumas delirantes, que atribuo, primeiro, a uma certa falta de conhecimento e, depois, ao excesso de visão de filmes negros ou da chamada série B. Por acaso, Adão e Silva está a par dos poderes das CPI? O que é que o incomodou genuinamente? O facto de os membros do governo, seus colegas, terem sido escrutinados, e bem, e apanhados em falso? Viu alguma falta de respeito? Nunca se trabalhou fora de horas, nas CPI e nos tribunais? Incomodou-o o facto de o André Ventura estar a par das competências investigatórias das CPI e mandar para o MP um telemóvel que uma testemunha disponibilizou para a investigação? É assim tão chocante ou é falta de convivência com os mecanismos de justiça parlamentar, que vi, numa das poucas vezes, funcionar com eficácia?

Anónimo disse...

Quem elege os deputados são os partidos, uma vez que são eles que os escolhem e ordenam nas listas.
Os eleitores apenas votam nos partidos.
Se as eleições fossem uninominais, ou seja, o voto na pessoa, em vez de no partido, então, sim, eu o consideraria o meu deputado.

Unknown disse...

Também eu estou contra esta "partidocracia". Porém, isso não impede que o Governo, ele próprio não eleito directamente. respeite o Parlamento quando é por ele fiscalizado. É o sistema que todos eles juraram cumprir.

manuel campos disse...


Era para trocar aqui umas ideias com o Anónimo das 11.10 sobre eleições e outras banalidades que tais.

Não o faço porque não sei quem é um Anónimo que nem ao trabalho de inventar ali um "nome" qualquer se dá, evitando assim que se lhe possa seguir o mínimo dos mínimos: uma linha de pensamento.
Anónimos que saibam escrever em português há uns bons milhões em Portugal, não vou andar aqui aos "tiros no escuro".

Como ele queria um deputado que fôsse dele (eu se calhar também) não me dispenso no entanto de lembrar às pessoas que sabem em que sistema vivem, mesmo que não gostem dele, que:
1. Os Deputados são eleitos por listas apresentadas por partidos, ou coligações de partidos, em cada círculo eleitoral;
2. Os Deputados representam todo o país e não apenas os cidadãos do círculo eleitoral pelo qual foram eleitos.
(in: www.parlamento.pt)

Portanto: "Os Deputados são eleitos" (Artº 149 da Constituição da República Portuguesa) e os Ministros "...são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro" (Artº 187 da mesma Constituição).

Não gostamos temos bom remédio, não ligamos ou tentamos mudar a lei, de qualquer modo o resultado destas duas decisões vai ser o mesmo.
Agora fazer exercícios de retórica "à medida" não nos resolve grande coisa.

Nota- Não deixarei de comentar Anónimos assim tão Anónimos, mas no estrito sentido de esclarecer outras pessoas que se possam ver confundidas entre o que as coisas são e o que as coisas poderiam ser com argumentações habilidosas mas inúteis neste caso em particular.

Tony disse...

Manuel Campos.

Você, enche-me as medidas. Sou, completamente, seu incondicional. regalo-me com os seus certeiros tiros. (salvo seja). Abraço fraterno.

manuel campos disse...


Tony

Muito obrigado pelas suas palavras.

Pelo que leio creio que temos em comum "não somente uma certa maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira" como disse Carlos Drummond de Andrade a propósito de quem escreve.
E tendo isto em comum, certamente que muitas outras coisas.

Um abraço fraterno também para si.

Anónimo disse...

"... eleitos por círculos..." mas escolhidos exclusivamente entre militantes partidários.
"... ,a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais,...".


Artigo 149.º
(Círculos eleitorais)
1. Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respectiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos.
2. O número de Deputados por cada círculo plurinominal do território nacional, exceptuando o círculo nacional, quando exista, é proporcional ao número de cidadãos eleitores nele inscritos.

Nuno Figueiredo disse...

PA&S: o nº 2..

Isto é verdade?