domingo, julho 09, 2023

Vasco


Num álbum qualquer, lá por Vila Real, existe uma fotografia, tirada na sala da nossa casa em Luanda, há quase 40 anos, em que se vê o Vasco, sentado no chão, debruçado sobre um imenso e excelente mapa de África, que eu tinha comprado em Londres. Nele, o Vasco ia antecipando a fantástica viagem de jeep que, tempos depois, iria fazer, entre Angola e Portugal. Ele estava tão fascinado pela qualidade do mapa, que a mim quase de nada servia, a não ser para o exercício da minha curiosidade geográfica, que, no final da noite, lho ofereci.

Ontem, ensombrou-nos uma bela festa a notícia de que o Vasco Corrêa Mendes tinha morrido nessa manhã. Tinha 88 anos. Mas o Vasco era daquele género de amigos que "adolescem" com o tempo, de tal maneira a juventude do seu espírito se sobrepunha sempre ao calendário.

Conhecemos o Vasco nessa Luanda difícil dos anos 80, com a guerra por todo o lado, com o recolher obrigatório a azucrinar-nos as noites. A casa do Vasco e dos seus primos Sérgio Guedes de Sousa e Zé Tó Arantes Pedroso - que se revezavam em Angola para tratar do negócio familiar da Guedal - foi o porto seguro de tantas e tantas jantaradas divertidas. 

A "casa dos Guedais", como lhe chamávamos, era uma espécie de ilha de boa disposição permanente, um "acelerador de trigliceridos", como eu a qualificava, à vista dos efeitos dos excessos de consumos líquidos sobre o meu fígado. Naquela cidade de Luanda, com uma vida então muito difícil, nós tivemos o inestimável privilégio de ser cooptados para esse grupo extraordinário, de sermos os parceiros constantes de uma mescla que ia variando à medida que os primos rodavam na sua tarefa de gestão. Quanta gente interessante - os chatos eram sempre dispensados! - por ali conhecemos! 

O Vasco era o mais aventureiro dos três primos. Era com ele que se montavam as melhores expedições à Quiçama, às lagostas do Mário, em Cabo Ledo, os pôr-do-sol no Morro da Lua. Um dia, conseguimos mesmo fazer uma improvável ida de Jeep à ilha do Mussulo, aproveitando uma conjuntural baixa-mar. Também guardo algures uma cobertura fotográfica desse feito, então raro.

Lá se foi o Vasco! Se calhar, ele gostaria que dispensássemos as nostalgias e bebêssemos um copo à sua memória. Foi o que ontem fiz, com a maior cumplicidade, com a Ana Poppe, alegre comparsa desses tempos de Luanda. Na festa de ontem, marcaram presença outros amigos do Vasco: a Graça e o Fernando Andresen Guimarães, a Papucha e o Fernando Neves, a Bá Burnay, o António Vallera. E, pela mesma razão que ali levou à ausência do Vasco, marcámos falta triste a alguns mais. "Cheers", Vasco! À amizade! 

(Um perfil do Vasco aqui.)

3 comentários:

Anónimo disse...

Fernando Neves
Amigo dos meus irmãos mais velhos conhecia-o desde a minha infância e era sempre uma festa quando nós encontravamos. Saudades

Flor disse...

Os meus sentimentos. Que descanse em Paz.

Retornado disse...

Houve uma Luanda que não existiu, aquilo tudo foi uma fantasia.
Guedes e Almeida sobreviver a 1975...haja paciência!

Isto é verdade?