Almoça-se num ambiente elegante, mas descontraído, a um preço módico para os padrões do género, com menu limitado e um vinho da casa em regra bem razoável. No final, na mesa ou nos sofás de couro, quem ainda tem fígado para isso pode optar por um digestivo, para arredondar a conversa ou enquanto lê a imprensa que por ali abunda, no meio de muitos livros.
Durante muitos anos, todo o whisky servido era escocês. Foi necessária a pressão de um sócio que por acaso assina este texto para que uma garrafa de Bushmills passasse a ter entrada definitiva na prateleira dos "spirits". O meu homónimo Francisco, o magnífico chefe de sala que a todos acolhe com uma inexcedível simpatia, há muito que conhece o meu sinal para que a "lâmina dourada" do Ulster venha para a mesa a acompanhar o meu segundo café.
Entre as salas de conversa no piso de entrada, com cantos e recantos para interlocuções mais discretas, e o espaço de refeições no andar superior, que se prolonga para uma ainda mais cimeira sala dos grandes momentos, existe uma íngreme escada, em quatro lanços bem perigosos. Se a subida é penosa, a descida, já pós-pandrial, quando a euforia pode não rimar com o cuidado, converte-se no momento mais perigoso da jornada.
Durante anos, alimentei a tese de que aquela escada tinha um cruel objetivo: abrir vagas. Como o clube tem, na sua "classe" superior, um número limitado de sócios, espalhei a ironia de que foi uma deliberada perfídia dos seus fundadores criarem aquela verdadeira ratoeira, onde membros das faixas etárias mais elevadas podem, com facilidade, vir a sofrer, momentânea e tragicamente, o efeito da força da gravidade. E, claro, por essa via, dar origem à abertura de um espaço no exclusivo "numerus clausus" da casa.
Não faço ideia se uma vaga alguma vez foi assim criada, nas mais de oito décadas da existência do cenáculo, mas sempre recordo como, frequentemente, sentados nos sofás, acompanhávamos o percurso descendente, por aquele verdadeiro escadório social do Chiado, de figuras idosas de sócios, alguns bem conhecidos no burgo. Mas, valha a verdade, o facto de já por ali estarmos era óbvio sinal de que não ansiávamos por um qualquer lugar.
Ontem, saído da tal almoçarada com um belo grupo de amigos, dei comigo e com os meus companheiros de refeição a descer aqueles perigosos degraus, com lentidão e imenso cuidado. Ao dobrar a esquina da escada, observei, de cima, os sofás da sala, não fosse dar-se o caso de haver uma nova geração de cavalheiros a cocar a eventual abertura de uma futura vaga. É que, nos tempos que correm, afinal, os tais cavalheiros idosos já somos nós.
2 comentários:
Ainda bem que as senhoras lá são admitidas, em nome da igualdade. E também lhes é feita alguma exigência em termos de vestuário ou, em nome da igualdade, fazem como querem?
Porque não partilhar em vez de excluir ?
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