quinta-feira, março 16, 2023

Putinistas e outra gente com piada

Regressaram os insultos. Estranho! Logo agora que dei umas "bicadas" à máquina de propaganda ocidental é que me ressurge nos comentários este espécimen: 



Assado

Há coreografias verbais que são muito reveladoras. Ver o líder sírio utilizar, no seu encontro com Putin, uma linguagem que, mesmo no léxico, traduz uma deliberada colagem à narrativa russa sobre a guerra na Ucrânia, revela bem o isolamento de Damasco no mundo.

quarta-feira, março 15, 2023

A glória da banca

Agora é que iremos perceber se os "treinos" de stress de Basileia deram indicações confiáveis para a saúde dos bancos europeus.

terça-feira, março 14, 2023

Bases militares


Olhando estes mapas, representando bases militares em território estrangeiro, percebe-se melhor a preocupação do mundo ocidental com a dimensão militar da ameaça que a China hoje representa.



Cartas de amor


Carta da Autoridade Tributária. Área de cobrança! Ó diabo! Abro: "Fica notificado do processo de acerto de contas...". Pronto! Deve vir aí uma bolada das antigas! Continuo: "... em resultado do qual haverá lugar a reembolso". Uáu! São só €25, mas é tão raro! Aleluia! 

À espera do Eça!

 


segunda-feira, março 13, 2023

António Sequeira Nunes


Era dezembro de 1987. A porta do meu novo gabinete tinha uma mola. Ele passou metade do corpo e ficou por ali, qual Martim Moniz, atravessado na entrada, com a barriga saliente a segurar a porta.

"Tu é que és o Seixas da Costa?", perguntou, da sua insólita postura. Confirmei e ele entrou, dando-me uma forte mãozada. "Sou o António, António Sequeira Nunes. Vamos ser vizinhos". Com o António, não havia um segundo de oportunidade para não nos tratarmos por tu.

António Sequeira Nunes era chefe de gabinete do ministro João de Deus Pinheiro, ministro dos Negócios Estrangeiros. Eu era o novo assessor do secretário de Estado Durão Barroso. Os nossos dois gabinetes eram muito próximos. E próximos ficámos, criando uma relação pessoal muito boa.

Às vezes, nos mais de dois anos que passei por ali, o António entrava e sentava-se no único sofá da minha sala. Trazia historietas, raramente da casa, algumas picantes, coisas com graça. Outras vezes, era eu quem empurrava a porta dele, ao contrário da minha quase sempre entreaberta e, depois de um "Estás livre?", entrava, levando uma anedota.

Numa casa por onde sempre perpassa alguma snobeira e espírito de casta, o António deve ter percebido, desde muito cedo, que, comigo, estaria mil por cento à vontade. Imagino que deve ter embirrado com alguns dos meus colegas mais velhos, muito "stiff upper lip", prenhes de importância, mas que eram obrigados a frequentar, por razões de serviço ou exigência de carreira, o gabinete de um homem simples, direto, que todos sabiam de uma dedicação extrema ao ministro, com quem já viera da sua estada na Educação.

O António era, no dizer de alguém, um verdadeiro "character". Tinha patilhas, faltava-lhe o cabelo no topo da cabeça que lhe sobrava, em dois tufos, ao lado das orelhas, fazia, às vezes, um carão, falava grosso e fumava imenso. Quero crer que não fazia o género de alguns "plenipotenciários"! E ele ralado!

Era um fanático do Belenenses, de que foi presidente, por alguns anos. Acho até que gostava mais do clube do que do PSD - ele que andara pelas origens do PPD e até ajudara na sua segurança, em tempos que entendia como heróicos, de que me contava alguns episódios pitorescos, perguntando: "Nessas alturas, tu achavas que éramos uns fachos, não era?" Eu não lhe respondia...

Um dia, quase que se zangou comigo: recusei um convite para ir para "número dois" na nossa missão na OCDE, depois de ele ter "vendido" o meu nome, recheado de elogios, ao embaixador político que estava por lá. Ficou furioso, escandalizado: "Não percebo! Não queres ir viver para Paris?". Fosse eu presciente e ter-lhe-ia respondido que iria ter tempo para isso.

Voltámos a ver-nos, episodicamente e sempre por mera casualidade, salvo no dia em que, simpaticamente, foi ao lançamento de um livro meu, no Centro Cultural de ... Belém - "where else?", para um belenense.

Ao longo dos anos, fui sabendo dele. Ontem, soube que o meu amigo António Sequeira Nunes morreu.

sábado, março 11, 2023

Inteligência Artificial

A Inteligência Artificial pode estar ainda algo atrasada, mas aquilo que produz é já surpreendente. Perguntei ao Chat GPT o que podia dizer sobre as relações entre Portugal e Espanha. Vejam o resultado:



Vidas


Vale sempre a pena conhecer Antes, para melhor poder se apreciar Depois, que é o lugar onde iremos morar o resto das nossas vidas.

A fotografia da praia


Ontem, o Diário de Notícias trazia, na primeira página, um conjunto de fotografias creio que do "who's who" das finanças europeias. Posso crer que o retrato do cavalheiro da imagem não foi reconhecido pela maioria dos leitores. É Werner Hoyer. Desde há onze anos, é presidente do Banco Europeu de Investimentos. Trata-se de um liberal alemão que, por algum tempo, foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus, no último governo de Helmut Kohl.

Foi nessa mútua qualidade que nos conhecemos. Chefiámos as nossas delegações nacionais na negociação do Tratado de Amesterdão e criámos, a partir de então, uma relação pessoal muito agradável. Werner é uma figura afável e dialogante, embora muito firme nas suas convicções. Perdemo-nos de vista desde então e só viemos a dar um abraço, há uns anos, num encontro casual de rua, numa noite, na Promenade, cheia de neve, no centro de Helsínquia.

Um dia, naqueles tempos de governo, convidei Werner Hoyer para vir a Lisboa. Ele tinha-me recebido, meses antes, no seu espartano gabinete de Bona e, ao entrar no espaço que eu ocupava no Palácio da Cova da Moura, ficou verdadeiramente deslumbrado.

O gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Europeus, com azulejos nas paredes, um teto de madeira e belas pinturas nas portas, é, na minha opinião, um dos mais bonitos espaços de trabalho de qualquer governante português. Expliquei-lhe que, naquele mesmo local, tinha tido lugar a reunião dramática da última tentativa de golpe de Estado para derrubar Salazar, em 1961. E que aquele espaço fora também o gabinete do general Spínola, chefe da Junta de Salvação Nacional, nos dias revolucionários de 1974.

Portugal desenvolvia, por esse tempo, um esforço diplomático para tentar convencer os nossos parceiros de que a nossa aproximação aos critérios para a entrada na moeda única europeia estava a fazer-se de uma forma sustentada.

A moeda única era uma aposta política mas era, igualmente, um teste à nossa credibilidade. Os países da Europa mais a norte mantinham fortes dúvidas de que Portugal pudesse vir a reunir condições para partilhar o futuro euro. Ainda não havia por ali nórdicos, mas a Alemanha e a Holanda eram, visivelmente, os mais reticentes. Para os alemães, que, no processo da moeda única iam dispensar o seu tão prestigiado marco, todos os cuidados eram poucos. Em todas as conversas, eu ia sentindo que Hoyer, como liberal ortodoxo que era, embora sem o dizer, desconfiava bastante que Kohl pudesse vir a tomar uma decisão política, de cariz voluntarista, em favor de Portugal, dando menos importância às condições financeiras objetivas do nosso país.

A certa altura da nossa conversa, levei Werner Hoyer a ver o magnífico terraço em frente ao meu gabinete. Estava um belíssimo dia de sol lisboeta e, por qualquer óbvia razão, vieram à baila as praias portuguesas. Foi então que lhe ouvi este comentário: "Tenho algum receio que vocês, em Portugal, façam uma fotografia de praia". Não percebi e, como falávamos em inglês e eu podia ter entendido mal, repeti: "Uma fotografia de praia? O que queres dizer com isso?".

Hoyer sorriu e explicou: "Como sabes, nas fotografias que tiramos na praia, temos sempre a tentação de encolher a barriga, para ficarmos mais elegantes para a imagem. Logo que a fotografia é feita, relaxamos os músculos e lá regressa a barriga. O que eu quero dizer é que, na Alemanha, alimentamos o receio de que Portugal - mas não só Portugal - faça um esforço pontual para cumprir os critérios de convergência, em especial em matéria de dívida e défice, estando preparado para o momento em que a decisão sobre a entrada na moeda única vier a ser tomada mas, depois, passado que seja esse instante, venha a haver um progressivo laxismo e um menor empenhamento no esforço orçamental que vai ser necessário manter para sustentar o projeto monetário."

Já tivemos altos e baixos, mas acho que Portugal, nos últimos tempos, tem dado provas de querer ficar cada vez melhor no retrato.

sexta-feira, março 10, 2023

Notícias do reino


O governo conservador britânico, pelas mãos do par de governantes de que aqui deixo um retrato, acaba de dar a conhecer uma das medidas mais discriminatórias, face a imigrantes, de que há memória na história democrática da Europa.

Sei lá bem porquê, lembrei-me deste episódio passado comigo, já lá vão uns bons anos, lá por Londres.

Foi em 2016, no caminho para o aeroporto, num “mini-cab”. Viviam-se os tempos anteriores ao referendo sobre o Brexit.

Perguntei ao motorista o que é que ele pensava da possibilidade do Reino Unido vir a sair da União Europeia.

O homem, de tez escura e sotaque iniludível, tinha ideias firmes sobre o assunto: nas últimas eleições tinha votado pelo partido anti-europeu UKIP, por achar que havia toda a vantagem em que o país abandonasse “essa coisa de Bruxelas”. E logo acrescentou: “Não sei de que país o senhor é, mas nós já estamos cheios de estrangeiros, não queremos cá mais”.

Expliquei que era português, mas que não vivia no Reino Unido. Ele comentou, pouco afável: “Há já cá muitos portugueses”.

Deixei “pousar” a conversa. “Onde é que nasceu?”, perguntei, minutos depois. O homem: “No Sri Lanka. Vim há 11 anos para cá. Tenho nacionalidade britânica”. Não me enganara e não resisti a comentar: “Como a rainha...” Calou-se.

Um cidadão da Comunidade britânica, como era aquele motorista, sentia-se “um deles” (lembrei-me da expressão clássica de Margareth Thatcher: “one of us”). E “eles”, sentiriam o mesmo?

Estrangeiro, para aquele homem, era um português ou um grego que, graças a “essa coisa de Bruxelas”, andava a disputar-lhe os postos de trabalho.

Semanas depois, no referendo, esse meu motorista ocasional iria votar “leave”. Ao seu lado, exatamente com o mesmo sentido de voto, iriam estar milhões de cidadãos nascidos e residentes fora das grandes cidades do Reino Unido. Essa sua atitude era, entre outras razões, o resultado dos crescentes receios contra a imigração, nomeadamente de pessoas como o meu motorista, o qual, por outro motivo, iria também ser favorável ao Brexit.

A graça do mundo é que ele nunca é linear.

"A Arte da Guerra"


A guerra na Ucrânia ocupa a primeira parte. As perspetivas para as presidenciais americanas enchem a segunda. Terminamos abordando as consequências das eleições na Nigéria. 

É o "A Arte da Guerra" desta semana, um podcast semanal de trinta e poucos minutos, sobre temas internacionais, nos audiovisuais do Jornal Económico, uma conversa com o jornalista António Freitas de Sousa. 

Pode ver aqui

Em boas mãos


Ontem, por uma razão que não vem ao caso, tive de ir ao edifício principal do Ministério das Finanças. E, de repente, recordei-me de um episódio ali ocorrido, há mais de uma década, que já por aqui tinha contado.

Era já tarde. O meu encontro com o ministro Vitor Gaspar estava aprazado para minutos depois. Na rádio, eu ouvira que o governante tinha terminado, há pouco, um debate importante no parlamento. Mas uma certeza eu tinha: o ministro não chegaria atrasado à conversa que tinha combinado com o embaixador em França que eu então era, nesse ano de 2012. Vitor Gaspar não chega atrasado aos encontros.

Entrei com o meu carro no pátio interior do Ministério. Um GNR levou-me por um corredor até à base de uma grande escadaria.

Nesse instante, dei-me conta de que nunca, até então, tinha ido ao Ministério das Finanças, nem nos cinco anos e tal que passara no governo, nem em qualquer outra ocasião, numa visita de uma personalidade estrangeira ou a uma posse. (Mais tarde, quando estive ligado à RTP, acabei por passar por lá algumas horas, para desbloquear problemas).

Naquele fim de tarde de 2012, olhei aquela escada larga que estava diante de mim e interroguei-me se seria por ela que Salazar subia. Provavelmente não. As portas dos ministros são quase sempre outras.

Na base da escada estava uma secretária, com uma senhora sentada. No topo da mesa, uma criança, seguramente filha da senhora, fazia os seus "deveres" (agora diz-se TPC, não é?). 

Expliquei ao que vinha. Eram 19.25. Ela tinha anotado que o senhor ministro me receberia às 19.30. Gentilmente, disse-me que me acompanharia, escada acima, para me encaminhar ao gabinete, onde sabia que uma adjunta me aguardava. Foi então que, voltando-se para a criança, que teria aí uns 11 ou 12 anos, lhe disse:

- Olha! Tu ficas aqui, a guardar isto, enquanto eu vou lá em cima levar este senhor, está bem?

A criança disse que sim com a cabeça. As Finanças ficavam em boas mãos.

quinta-feira, março 09, 2023

E o Estado, senhores?

Se houve graves abusos, praticados por cavalheiros que operavam numa certa instituição, não seria prioritário o Ministério Público atuar criminalmente sobre essas pessoas? Não estaremos a conferir demasiada importância pública ao aturdido estado de espírito dentro dessa mesma instituição?

Gambito dos bispos


Cada bispo está a reagir à sua maneira ao escândalo da igreja lusa. Uma diocese faz assim, outra faz assado. Como a hierarquia dos bispos reside na Santa Sé, tudo vai sobrar para o simpático papa argentino, que já nem nos deve poder ver, depois da polémica do altar...

quarta-feira, março 08, 2023

Ainda é dia para dizer isto

a mulher mais bonita do mundo


estás tão bonita hoje. 

quando digo que nasceram 
flores novas na terra do jardim, quero dizer 
que estás bonita. 

entro na casa, entro no quarto, abro o armário, 
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio 
de ouro. 

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como 
se tocasse a pele do teu pescoço.
  
há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim. 

estás tão bonita hoje. 

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios. 

estás dentro de algo que está dentro de todas as 
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever 
a beleza. 

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios. 

de encontro ao silêncio, dentro do mundo, 
estás tão bonita é aquilo que quero dizer. 


(poema de José Luís Peixoto)

Viva o Estado!

No dia internacional da mulher, ainda ninguém se lembrou de referir que o Estado é, desde que é democrático, um empregador onde a trabalho igual corresponde salário igual.

8 de março

Nos dias 8 de março, costumo recordar que, durante alguns meses, quando passei pelo governo, todo o meu gabinete - chefe de gabinete, adjuntas, assessoras, secretárias e pessoal administrativo - foi constituído apenas por mulheres. Exceto os motoristas. E foi há mais de 20 anos.

terça-feira, março 07, 2023

E amanhã?

Últimos dias: professores, habitação, hospitais, igreja, TAP. 

Amanhã, o que será?

Os fachos

O Chega a utilizar a expressão "atitude pidesca" seria motivo para risota, se acaso o fascismo fosse motivo de riso.

Medina

Por que será que existe uma sanha persecutória contra Fernando Medina, que tenta, a todo o custo, envolvê-lo na questão TAP, mesmo em período anterior às suas funções nas Finanças?

segunda-feira, março 06, 2023

Igreja

Fosse eu católico e seguidor da "santa madre igreja" e estaria seriamente preocupado com a onda de descrédito por que a instituição - por via de ações, omissões, a que se somam escandalosos erros de comunicação dos seus responsáveis - está a passar.

domingo, março 05, 2023

Trabalho


Há muitos anos, ouvia este anúncio na rádio: "O trabalho dignifica o homem, tal como os motores Rabor dignificam a indústria nacional". 

Hoje, domingo, fui trabalhar à CNN. Estava uma senhora a pôr-me pó de arroz, na caraterização, para evitar que eu "brilhasse", quando me lembrei desta frase. Sei lá bem porquê! Ele há coisas...

sábado, março 04, 2023

O teste


O teste definitivo da nossa (boa) opinião sobre um restaurante é o nome saltar-nos, espontaneamente, da boca, quando nos perguntam onde gostaríamos de ir jantar . Começo eu: Salsa & Coentros.

Vista de Caxias


sexta-feira, março 03, 2023

Segurança


Um dia de reflexão, com muitos e relevantes convidados internacionais, presencialmente e on-line, em torno do tema "Segurança - da Europa ao Indo-Pacífico", nas belas instalações da Agência Europeia de Segurança Marítima. 

quinta-feira, março 02, 2023

José Manuel Galvão Teles


Já não se pode aturar a morte! Leva-nos os melhores, amigos e conhecidos, reduz o nosso mundo. Agora, há pouco, foi a vez do José Manuel Galvão Teles. Bolas!

O Zé Manel foi um homem que, nos últimos anos, suportou uma doença bastante limitativa, sempre com uma imensa coragem. Morreu agora, aos 84 anos.

Há nove anos, escrevi por aqui, a propósito de uma homenagem que lhe foi feita: "Foi uma bela festa! Ele mereceu-a. O José Manuel Galvão Teles, com aquele sorriso bom que o Sean Connery pretendeu, em tempos e sem êxito, imitar, é uma grande figura, não apenas da advocacia mas também, e principalmente, da cidadania. Não faço parte dos mais velhos amigos do Zé Manel, mas tenho com ele, de há muito, uma relação de grande simpatia e amizade, fruto de várias cumplicidades e cruzamentos de ideias e de interesses. É uma figura que admiro pela sua inabalável postura democrática, pela fidelidade ímpar aos amigos (sei do que falo), pela sua retidão e pela maneira alegre e jovial de estar." 

O Zé Manel e eu tínhamos três tertúlias em comum, o que bem representava os mundos diversos por onde ambos teimámos sempre em andar: uma, sem nome, com gente que, há quase meio século, tinha andado pelo MES, pelo "sampaísmo" e não só, um pessoal que ainda hoje vai saltitando entre restaurantes. Outra, o Grupo Amizade, recentemente reativado, "com mais advogados do que a OMS recomenda", como ironicamente alguém dizia da tertúlia que mensalmente se reúne na Trattoria. E, até ao seu termo, o Zé Manel e a Micucha foram sócios com lugar cativo na tertúlia da Mesa Dois, do Procópio, que desapareceu com a sua figura tutelar, o Nuno Brederode Santos. 

À Micucha e ao Nuno, bem como a toda a família, deixo um abraço de muito pesar, já com imensa saudade.

"A Arte da Guerra"


No podcast semanal do "Jornal Económico" sobre temas internacionais, "A Arte da Guerra", analiso com o jornalista António Freitas de Sousa a situação na Ucrânia, o acordo entre o Reino Unido e a União Europeia sobre a questão da Irlanda do Norte e a evolução da situação política na Itália, com a nova liderança na oposição.

Pode ver aqui.

quarta-feira, março 01, 2023

Saudades do Carteiro

Ontem, na reunião periódica na empresa, onde, nos últimos sete anos, o fui encontrando, não o vi. Estava doente, disseram. Por detrás do olhar de quem o disse, pareceu-me descortinar alguma coisa mais.

Era um homem aproximadamente da minha idade. Especialista na área técnica em que, desde há muito, colaborava com a empresa, foi essencial para me ajudar a entrar nas funções que ali passei a desempenhar. 

Caloroso, bem disposto e com um permanente sorriso, retribuí-lhe um dia a simpatia convidando-o para um almoço, que acabou por ser muito divertido, num restaurante que ele próprio me revelou, "O Carteiro". Descobrimos então, nesta aldeia que é Lisboa, episódios que tínhamos partilhado e alguns amigos comuns.

Ficámos íntimos? Longe disso! Tratávamo-nos pelo nome próprio, trocávamos mensagens, em especial durante a pandemia, que acabou por atingi-lo. Falávamos, às vezes, pelo telefone. Uma vez, ligou-me de Moçambique, outras do Alentejo, onde gostava de sossegar a vida. Sempre positivo.

Ontem, ao final da manhã, saí daquela reunião com um mau pressentimento. Mas, disse cá para mim, eu é que sou um incurável cismático - como o meu pai designava aqueles que ficam a remoer tudo na negativa. 

À noite, chegou-me a notícia. O Carlos Bernardes tinha morrido. Hoje, estive no velório, o funeral será amanhã.

É assim a vida, é assim a morte.

Cozinha trasmontana em Lisboa

 

Depois, não digam que não avisei! 

Não é o 25 deles...

Mesmo que seja por vias ínvias, tem imensa graça ver alguma gente que detesta o 25 de Abril a mostrar-se preocupada com os aspetos formais da cerimónia deste ano.

Sair do país?

Por que partem os jovens de Portugal? Partem porque adquiriram em Portugal qualificações especializadas que lhe permitem competir num mercado internacional de oportunidades, para locais com uma produtividade que gera salários superiores aos nossos.

No passado, praticamente só saíam do país dois tipos de trabalhadores: cidadãos altamente qualificados, com um nível de especialização excecional, ou cidadãos quase sem qualificações, facilmente adaptáveis a tarefas pouco especializadas, na indústria ou em serviços.

A atenuação das fronteiras culturais, em especial graças ao domínio do inglês e a um cosmopolitismo geracional adquirido, leva a que muito mais pessoas usufruam de um mercado potencial de emprego no estrangeiro muito maior do que aquele que lhes é oferecido em Portugal.

À democratização do ensino, potenciada nas últimas décadas, que criou uma inédita massa de licenciados, não correspondeu uma absorção a nível idêntico, em termos de emprego, por parte do parte do sistema produtivo, que é maioritariamente privado.

Aproveitar na nossa economia os cidadãos nacionais que cá tenham sido formados deve ser um desiderato a prosseguir. Mas há que convir que, se o mercado europeu é o espaço de livre ação das nossas empresas, de igual modo também é o mercado de trabalho natural dos nossos cidadãos.

Lugar aos novos...

Na sua estimável história política, o PSD (melhor dizendo, o PPD/PSD, porque isto já vem de longe) é, a longa distância, a força política portuguesa que menos "paciência" revela para líderes que tardam em se afirmar na corrida pelo poder. Uma vez mais, isto vai confirmar-se.

Justiça

Para o cidadão comum, é quase indiferente saber de quem é a culpa das trapalhadas que envolvem o processo de Tancos, que agora obrigaram à anulação de algumas condenações. O que sabem é que, como contribuintes, estão a pagar um balúrdio por uma justiça que não está a ser feita.

terça-feira, fevereiro 28, 2023

Wolf

 


Martin Wolf é alguém que me habituei a ler, sempre com imenso proveito, no "Financial Times". Há dias, vi que publicou este livro. Pedi-o, na Amazon, e chegou na tarde de hoje. São quase 500 páginas. Quando vejo por aí a referência aos "bancos de horas", tenho pensado se não poderei recorrer a um empréstimo...

segunda-feira, fevereiro 27, 2023

Segurança - Da Europa ao Indo-Pacífico

O Clube de Lisboa continua a sua regular atividade de reflexão, com convidados internacionais, sobre grandes temas de importância global. 

Desta vez, no dia 3 de março, sexta-feira, vamos organizar uma conferência sobre uma questão da maior atualidade: "Segurança - da Europa ao Indo-Pacífico" (clique na imagem, para melhor leitura do programa).

Com uma riquíssima participação de especialistas internacionais, o Clube de Lisboa, com o apoio de várias entidades - de que destaco a Embaixada do Japão e a Agência Europeia de Segurança Marítima - convida todas as pessoas interessadas a participar presencialmente, como sempre sem qualquer encargo, nesta jornada de reflexão. Quem quiser estar no auditório desta conferência deve inscrever-se através do site do Clube de Lisboa.

Brasil

O que se tem passado, a nível das forças políticas portuguesas, a propósito da ida à Assembleia da República do presidente do Brasil (tenha ele o nome que tiver), é de uma incomensurável irresponsabilidade e de uma imensa falta de sentido de Estado, numa vertente essencial da nossa política externa.

Lideranças políticas responsáveis (não falo de grupos populistas) deveriam perceber que o que "ganham" com uma chicana politiqueira, em torno de declarações do PR ou do MNE, é sempre muito inferior à credibilidade que perdem com o tratamento ligeiro de um tema de Estado.

Encontro em Campanhã

Tinha sobre ela, na minha memória, aliás não tão distante como isso, "mixed feelings". Convivemos por muitos e bons anos. Da maioria das vezes, guardo uma sua imagem de suavidade mas, em outras ocasiões, recordo que chegava a "arranhar", se acaso eu a não tratava bem. Devo reconhecer, contudo, que a culpa, nesses casos, foi sempre da minha forma desajeitada de lidar com ela.

Descobrir-lhe o "ponto" (deixem-se de ideias tolas!) foi sempre essencial, para garantir que tudo ia passar-se bem, sem recuos nem, de forma humilhante, correr o risco de ser visto a "ir abaixo". Quando, muitas vezes, me dava para ter pressa, ela acabava por ter uma imensa canseira, entrando num desatino. Mas, pensando bem, esse era um tempo que até tinha a sua graça, que era excitante, que transmitia uma sensação diferente. Ironicamente, eu saía dessas ocasiões quase a ignorá-la.

Com as modernices, já quase me tinha esquecido dela. Voltei a encontrá-la hoje, ao final da manhã, na estação de Campanhã, quando a greve da CP me cortou as vazas e me obrigou a alugar um carro para regressar a casa. Carro esse que não tinha velocidades automáticas. Lá vim, pelo caminho, por todas essas demasiadas horas, a usar a velha embraiagem, que, não obstante continuar a levar com os pés, está sempre ali para as curvas, porque, nas retas, todos os santos descansam. Despedi-me dela na Avis, ao fim da tarde.

domingo, fevereiro 26, 2023

Alfa Pendular


Bar do Alfa Pendular, Lisboa - Porto, na tarde de hoje, domingo. 

Ainda ouvi dizer, ao cliente anterior, estrangeiro: "Não aceitamos cartões, só dinheiro". 

Pedi um "Compal".

- "Compal" não temos.

- Mas está ali anunciado... O que é que tem como bebidas?

- Café ou capuccino.

- Quero uma garrafa de água, então.

- Também não temos...

- Não tem água à venda?

- Não.

Está tudo doido, na única companhia de comboios de um país que vive do turismo, ou sou eu quem está a ver mal as coisas?

A Tourada, em Paris


Entre 25 de fevereiro e 13 de março de 1973, fui de Lisboa a Paris, para "ver" as eleições legislativas francesas desse ano. (Como sei as datas? Tenho todos os meus passaportes, desde a infância, e alguma vantagem os velhos carimbos de fronteira haviam de ter!)

Ia entrar no serviço militar obrigatório no final de março, por um período de tempo que poderia vir a ser superior a três anos, pelo que havia decidido oferecer a mim mesmo umas férias políticas, tiradas no banco onde então trabalhava. Como consegui autorização para sair do país, a semanas da recruta, é um mistério que nunca resolvi.

Paris fervilhava. A Rive Gauche aparecia, a alguns da nossa geração lusitana de então, como o centro de um mundo do futuro, do qual eu tinha a consciência de que me iria afastar, por muito tempo. Mal eu sonhava que, trinta e tal anos depois, nesse tal futuro, iria ser embaixador por lá. Há vidas piores, eu sei. 

Não, eu nunca tinha tido a intenção de dar "o salto", de "fugir à tropa", como muitos faziam. Embora detestasse o regime e a ideia da guerra, não tinha essa vontade ou, para ser simples, não tinha essa coragem. No final de março, lá iria para Mafra. Depois, logo se veria. Fiz sempre a minha vida assim, e não me dei mal.

Os livros eram, já então, a minha principal perdição, com a livraria "La Joie de Lire", a que sempre chamávamos "a Maspero", a surgir como a principal "meca". Lembro-me de que, para um amigo maoísta, futuro familiar, que me acompanhou na viagem, o destino de eleição era a livraria Fenix, no boulevard Sebastopol (que ainda há anos existia, contrariamente à primeira, já nada maoísta e convertida a orientalista). 

Para além dos comícios políticos, na Mutualité e em certos teatros de bairro, por esses dias ia-se obsessivamente, quase por obrigação cultural, a algum cinema que não passava em Portugal, frequentava-se espetáculos musicais ou teatrais, comprava-se o "Le Monde" como uma espécie de ritual vespertino, andava-se pelas universidades da moda, onde se entrava livremente e tínhamos amigos. 

Verdade seja que, para além da muita conversa e do flanar, embora em dias que recordo de algum sol e imenso frio, pouco mais se fazia. Por alguma razão, contudo, os nossos dias estavam sempre bem cheios. 

Na Cité Universitaire, por onde dormi uns dias na "Maison de Norvège", graças ao Joaquim Pais de Brito, cruzávamo-nos com cambodjanos entrapados, por aí recém-envolvidos numa trágica confrontação com mortos e feridos, fruto da deslocalização da sua guerra civil para Paris. O Joaquim, não sei se ele o saberá, mas fica a saber, era invejado por ter então, como namorada, que nos apresentou, uma norueguesa de fazer parar o metro, a Tøve, que, seis anos depois, vim a encontrar dona de uma loja de roupa de luxo em Oslo, quando para ali fui viver. O mundo das mulheres bonitas parece ser mais pequeno.

Uma tarde, na universidade de Vincennes, fui, num grupo, ouvir uma aula de Nicos Poulantzas. O seu "Fascismo e Ditadura" era então uma bíblia laica, muito em voga entre nós. Escutar a vedeta ideológica grega era uma oportunidade única. 

A certa altura, vejo-o interpelado por uma figura de bigode farfalhudo, que lembrava o georgiano "pai dos povos": "Mon cher Nicos, je suis tout à fait en désaccord avec toi..." Alguém, em voz baixa, me esclareceu: o interpelante era português e chamava-se Silva Marques. Não o conhecia, mas logo me recordei da famosa "carta aberta" que, anos antes, esse tal Silva Marques enviara aos militantes do PCP, demitindo-se, com fragor ideológico, do lugar de principal responsável do partido na margem sul. 

Depois da aula, fui-lhe apresentado. Na conversa, perguntei-lhe por um amigo, que presumia comum e que sabia estar por Paris. Grave, retorquiu-me: "Você é da PIDE?". Fiquei indignado com a reação. E disse-lho, logo apoiado por quem mo apresentara. Silva Marques, didático, explicou: "Só os provocadores é que costumam perguntar assim por alguém que está na clandestinidade". Fiquei a saber. Mas imaginava lá eu que o meu amigo andava clandestino por Paris... Anos mais tarde, nos anos 90, ao tempo em que estive no governo, vim a reencontrar Silva Marques, já como deputado do PSD, porque a vida é o que é. Rimo-nos da cena. Já desapareceu.

Num outro dia dessas jornadas de Vincennes, o José Carlos Serras Gago, outro amigo que infelizmente já se foi, e que eu conhecia bem de Lisboa, afastou-se subitamente do nosso grupo, num corredor, dizendo que ia a uma outra aula: "De quem?" perguntei, já que aquilo parecia uma parada de estrelas da cultura. "Bachelard", foi a resposta. E desapareceu, numa esquina. 

Uáu! O Bachelard! O homem da epistemologia, de quem eu tinha folheado alguns textos, nesse tempo em que julgava poder ir a todas. Mas logo me surgiu a dúvida: o Bachelard ainda seria vivo? Não havia ainda o Google à mão para tirar teimas mas, tinha quase a certeza!, o velho Bachelard, com a sua patriarcal barba branca, já deixara este mundo há uns anos. O Serras Gago levara-nos, à certa. 

À saída, confrontei-o: "Com que então, o Bachelard!? Foste à campa?". O Zé Carlos, sereno, esclareceu que ele nunca tinha dito que era "o" Bachelard. Ele fora à aula de filosofia de Suzanne Bachelard, filha do filósofo e, também ela, filósofa (morreu em 2007, diz-me o Google). E, comigo já convencido, partimos, de metro, de volta à Cité universitaire, onde o Zé Carlos pousava as noites na "Maison du Danemark". Ou seria do Líbano? Tenho de perguntar ao Quim Pais de Brito, cujo cartão universitário eu utilizava para ir comer à então melhor cantina universitária de Paris, em Jussieu. Como o Quim era careca e eu tinha um imenso cabelame, embora ambos usássemos bigode, eu colocava o polegar sobre o topo da fotografia de passe dele. E passava...

Sem surpresas, a política portuguesa, mesmo em Paris, continuava a andar à nossa volta, muito para além da campanha eleitoral francesa, que já havia a certeza que a direita ia ganhar. Através do João Fatela e do António Gomes, por indicação do António Massano, fomos uma noite a um certo apartamento a Colombes, conhecer outros "amigos de amigos". À volta de umas garrafas de vinho, falámos, por algumas horas, do Portugal distante de que se haviam exilado e de que sentiam evidentes saudades, pelo meio dos conflitos políticos que os atravessavam, com uma vivacidade crítica que fazia lembrar certos ambientes lisboetas. 

O tempo dessas pessoas, porém, era contado: não havia noitadas, porque a sua vida era muito dura e começavam a trabalhar de madrugada. Sem que isso desse origem a quaisquer perguntas, recordo que havia lá por casa pilhas de documentos da LUAR (Liga de União e de Ação Revolucionária), que então tinha Palma Inácio, preso em Portugal, como figura cimeira. Já me tenho perguntado: que será feito da gente dessa noite de Colombes? Talvez o João Fatela saiba.

Quando regressei, dei-me conta de que, na Lisboa dos nossos cafés, se falava muito no escândalo que tinha sido vitória, no festival português da canção (um evento que então parava Portugal), da "Tourada", cantada por Fernando Tordo e com uma letra hábil de Ary dos Santos, cuja ambiguidade de sentido só foi apercebida mais tarde. 

O festival tinha sido no dia 26 de fevereiro. Em Paris, onde eu então estava, nem nessa nem em qualquer outra noite, ninguém falara disso. A extraordinária "Tourada" ganhou à ditadura, saindo pela porta grande, faz hoje 50 anos, dia por dia. Caramba! E, um ano e tal depois, fizemos a festa!

País de sonho

O que eu gostava era de um Portugal em que, um dia, um festival da canção não "passasse" as músicas vencedoras em anos anteriores. A prova de que já estivemos mais distantes desse país de sonho é que, pelos Natais, a RTP já deixou de repetir os filmes do António Silva.

sábado, fevereiro 25, 2023

"Queres ir à Livrelco?"


"Queres ir à Livrelco?" Ao ouvir a minha pergunta, colocada em tom casual, há pouco, dentro do carro, quando atravessávamos da rua de Entrecampos para a avenida da República, notei que a minha mulher olhou para mim, de viés. "Ter-lhe-á dado alguma coisa?", deve ter pensado, porque, com isto da idade, nunca fiando. Deixei de estar impávido e sorri. Ela sossegou, imagino.

A pergunta tinha sentido ser feita por ali (edifício na imagem), mas apenas nos anos 60 para 70 do século que já lá vai. Nas tardes de sábado, dessa Lisboa onde ainda se não publicava o "Expresso", uma ida à Livrelco, a cooperativa livreira universitária, era um programa tradicional. A pequena diferença é que então se estava em ditadura, provavelmente tínhamos acabado de almoçar, porque um dia não eram dias, no Retiro do Quebra-Bilhas ou no Chico, o dos tabiques, no Campo Pequeno, eu andava com o "Diário de Lisboa" debaixo do braço, íamos lanchar à Granfina ou à Suprema. Ah! E não estávamos casados e éramos ligeiramente mais novos. Apenas isso.

A Livrelco, onde belas novidades livreiras nos apareciam, muitas vindas de França, a preços a que dificilmente chegávamos, não sobreviveu aos tempos e aos modos que por aí vieram. Nem sei se isso foi bom ou se foi mau. Foi a vida. E não foi pouco.

Ucrânia

 


Aqui.

A vida está mais democrática...

 


"A Arte da Guerra"


No programa "A Arte da Guerra", o podcast para o Jornal Económico, a conversa com o jornalista António Freitas de Sousa incidiu esta semana no ano de guerra na Ucrânia. Falou-se dos discursos de Putin e Biden, da atitude europeia e da maior visibilidade recente da China. Consultar aqui.

Guerra de mundos


O que se passa na Ucrânia fez regressar a sociedade internacional a um patamar de tensões com elevado risco. Mas só foi surpresa para quem andava desatento.

O ocidente, através dos Estados Unidos, tinha ganho a Guerra Fria. Nesse contexto, exaurida e incompetente na gestão da sua sobrevivência, a União Soviética, em pouco tempo, implodiu institucionalmente. Do lado de cá, com o comunismo soviético pelas portas da amargura, um furor otimista quase decretou a vitória eterna da democracia.

A Rússia que sobrara para Moscovo pareceu, a certa altura, poder adotar um modelo de mercado que o neo-liberalismo julgava salvífico para a criação, por ali, de um futuro regime de liberdades. Viu-se! Sem o cimento retórico dos amanhãs do socialismo real que não chegaram a cantar, o que restou da URSS acabou numa patética decadência. A regeneração, uma vez mais, veio a fazer-se em torno de um projeto de raiz proto-imperial, autoritário como sempre, marcado por uma imensa humilhação.


A ambição

No nosso mundo, a euforia deu lugar à ambição. A Europa, que no pós-guerra se unira atrás do muro de Berlim e debaixo do chapéu de segurança americano, teve arroubos de existência política, quis-se potência, encheu-se de sucessivos tratados e tratadinhos, acolhendo no seu seio, um tanto à pressa, para aproveitar a janela de oportunidade da fragilidade russa, Estados que, décadas antes, em Ialta, os aliados haviam concordado em oferecer à tutela de Estaline.

França e Reino Unido faziam de poderes, ajudados pelo nuclear e pelo usucapião no Conselho de Segurança, com a Alemanha a comprar, com a riqueza e a continuada contenção securitária, a honra e a unidade perdidas nos anos 40.

Os americanos tinham percebido, entretanto, que o principal risco, ameaçador da sua hegemonia económica e, a prazo, também geopolítica, estava algures, estava na China. A Europa era um competidor económico controlável, a Rússia era vista como um poder regional, como um dia disse um presidente americano que, nem por ser muito estimável, deixará de ficar na história com um dos mais incompetentes gestores da postura externa de Washington. Cavalgando a russofobia dos neófitos europeus, com o 11 de setembro a fornecer-lhe um alibi para pescar em águas estratégicas tradicionalmente russas, Washington foi por aí adiante.


O teste

Com a promoção do golpe político da Maiden, em 2014, a América deu uma machadada final na hipótese da Ucrânia poder gerir, enquanto Estado unitário e democrático, a sua dualidade étnica. O acordo de Minsk foi um mero arranjo de fachada, no qual ninguém acreditou, a começar por Washington, que não se tinha sentado àquela mesa. Irritada com o facto consumado da tomada da Crimeia, a América decretou a quarentena da Rússia do G8.

Putin arranjou um pretexto para se acantonar no Donbass e, à medida que Washington e Londres faziam entrar a Ucrânia para a NATO pelas traseiras, acalentou o projeto de reverter a independência ucraniana de 1991, a qual, verdadeiramente, nunca tinha aceitado. E mediu tudo mal: a determinação do opositor, o efeito do pânico nos europeus, o desejo de Biden de fazer esquecer a humilhação no Afeganistão e, surpresa das surpresas, a inadequação da sua força militar convencional.

Putin bem pode tentar disfarçar com bravata, mas o que se passou na Ucrânia neste último ano, foi uma imensa humilhação para a Rússia. A teoria do cerco externo promovido pelos Estados Unidos, com a Europa a fazer peito mas a ser um mero ajudante de campo, tem alguma coisa de verdade. Mas a voracidade territorial, bem como a barbaridade militar desproporcionada, colocou Moscovo na marginalidade da ordem internacional.

Muitas dezenas de milhares de mortos depois, de uma extensão inimaginável de material militar perdido e de uma condução errática do esforço de guerra, fica, da Rússia enquanto poder, uma imagem muito pouco lisonjeira.

E fica a trágica dúvida: se a Rússia se enganou na avaliação das suas capacidades numa guerra convencional, não poderá vir a repetir o equívoco numa qualquer aventura nuclear?


A fronteira

Em Varsóvia, Biden quis marcar a nova fronteira, democracias versus autocracias. Com isto, faz um favor a Putin, colocando potencialmente a seu lado, porque excluídos pelo país-tutela do mundo das liberdades, toda uma vasta legião de ditadores, autocratas e ditos iliberais, com quem pode não dar jeito aparecer na fotografia, mas que contam bastante no saldo político Norte-Sul. O presidente americano esquece que, na anterior Guerra Fria, foi com muita dessa gente que o ocidente contou para trilhar o caminho que levou ao colapso de Moscovo.

A guerra está aí agora, para lavar e durar. Sem "boots on the ground", ganhando nas armas, no gás e, desta vez, nos princípios, a América está mais à vontade para a tarefa de abafar a Rússia. A Europa, por muito que Macron ziguezagueie, seguirá Washington, tendo de gerir as consequências políticas e económicas das sanções. Se os cidadãos americanos não sentirem negativamente no bolso o esforço orçamental, Biden pode mesmo vir a suceder a si mesmo, travestido de Matusalém. Quem havia de dizer!

quinta-feira, fevereiro 23, 2023

Mais claro não pode ser


A lógica da ação militar russa passa por esta frase. Não se trata apenas defender os direitos dos russos que vivem na Ucrânia, no quadro da soberania ucraniana (base do acordo de Minsk, que Moscovo subscreveu). Putin considera que as áreas onde eles vivem são "territórios históricos" russos. Pode imaginar-se como isto deve soar nos ouvidos dos Estados bálticos.

quarta-feira, fevereiro 22, 2023

Trindade


O empregado (disse-me) tinha 43 anos e, a observar o modo clássico como se movimentava na sala, hoje ao jantar, dava ares de estar ali desde a fundação da casa. Fiz as contas e concluí que, já adulto, fui, pela primeira vez, à Trindade, a cervejaria, há precisamente 53 anos. Uma década antes do homem nascer. Ou ele é muito novo ou então é isso em que estão a pensar.

A bem dizer, nunca me recordo de ter comido mais do que assim-assim na Trindade. O bife, porque vai-se à Trindade para comer o bife, esteve sempre longe de ser o melhor de Lisboa. 

O bife da Trindade, mesmo o do lombo, antes naqueles pratos metálicos que fizeram escola, esteve, por muitos anos, muito longe do do Império (hoje, fica ela por ela, e isto não é um elogio), do velho Montecarlo ou do Toni dos Bifes, e, sempre, muito abaixo do "rollsbeef" do Café de S. Bento. O senhor Albino, no Snob, ainda hoje tem um bife melhor. O Outro Tempo Bar também. O do Gambrinus, claro, é muito superior - e já teve melhores dias. Simpático continua a ser o do Pabe, como o é o da Sala de Corte. Falam-me da excelência dos bifes do Elefante Branco, mas essa é carne onde, juro!, nunca meti o dente.

Pelo bife do lombo que hoje ali provei (tinha ido em dezembro e a impressão foi exatamente a mesma), a Trindade renovada (porque a casa levou uma forte e arejada reforma, como a imagem ilustra) está feita para uma clientela estrangeira, que deve gostar dos clássicos azulejos e das calçadas de Lisboa que ilustram as novas paredes. Para quem é, aquele bife basta. Ou o "brás de bacalhau" (quem inventou esta corruptela parola, insultuosa para o Bacalhau à Brás, devia ser pendurado eternamente numa espinha), também pedido, que estava desenxabido.

Repito: não tenho especiais saudades da antiga Trindade. Mas recordo ali os almoços políticos socialistas, antes das descidas do Chiado, a 48 horas das urnas. E, bem antes, os fins de tarde dos anos 70, saído da livraria Opinião ou do Centro Nacional de Cultura, quando hesitava entre ir à Casa Transmontana, nas escadinhas do Duque, ao Alfaia ou então à Trindade. Ali havia a certeza de encontrar, na sala de entrada, sempre com uma caneca gigante de cerveja ao lado, um tipo barbudo, com cara de poucos amigos, que fechava todos os dias nesse registo, depois de ter oficiado no alfarrabista, umas portas abaixo, quase em frente aos Anarquistas.

Fui à Trindade hoje, como se vê. E só lá voltarei, não obstante a simpatia solta do pessoal, com muito brasileiro (e gosto de ver brasileiros no nosso comércio), quando me esquecer do bife que hoje quase lá comi.

O regresso de Bond


(Artigo publicado na revista "Visão")


O regresso de Bond


Eles aí estão, pelo mundo, de volta à ribalta. Nos jornais, na política, na academia, nas fardas. Os viúvos da Guerra Fria. 

Desde o início dos anos 90, quando a implosão da União Soviética tinha garantido uma vitória ao ocidente, percebia-se já a sua inquietação. Tinham tido um êxito, claro, mas, às vezes, em tom de desabafo, deixavam cair: “Nesses outros tempos, as coisas eram bem mais claras, éramos nós e eles”. E o facto de “eles” se terem só formalmente transmutado, de ter passado a ser necessário fingir que se acreditava na sua conversão, criava um ambiente estranho, um faz-de-conta em que passaram a ser obrigados a viver. 

Por uma trintena de anos, esses saudosos das sombras de um mundo a preto e branco, sentiram-se desconfortáveis, por terem sido forçados a sair da velha e cómoda trincheira maniqueísta. 

Tal como James Bond tinha abandonado a caricatura vinda do frio e derivara para novos alvos, também eles se dedicavam a genéricos estratégicos, aos atores não-estatais, como o terrorismo de várias matizes, ou os jihadistas, tudo imerso numa pouco subliminar islamofobia, sucedânea do anticomunismo do antanho.

Agora, o velho Bond já pode regressar. O que se passou no último ano trouxe esse pessoal de volta aos velhos tempos, ao faroeste da vida internacional, à guerra dos bons contra os maus, mesmo que se sintam obrigados a conceder, em privado, referindo-se a alguns incómodos companheiros de jornada, que surgem no apoio à causa da conjuntura, aquilo que um dia Roosevelt disse de Somoza: “He is a son of a bitch, but he is our son of a bitch”. Direitos humanos, liberdade partidária, independência dos tribunais, liberdade dos media - enfim, passam a ser coisas que outros valores mais altos obrigam a pôr entre parêntesis.

Devemos ficar inquietos quando, na partilha de solidariedade com causas anunciadas como essenciais, descobrimos, ao nosso lado, gente que, em tudo resto, não partilha o nosso quadro de valores. Quando, sob o alibi da “force majeure”, nos encontramos de mão na mão com pessoal nada estimável, é muito mau sinal. Ou melhor, no plano internacional, é sinal de que entrámos, alguns felizes, outros descontentes, muitos hipócritas, outros sem mais soluções, na lógica de uma inelutável confrontação. Que é sempre a soleira de uma possível guerra a sério, com tudo ao molho e fé no nuclear.


Agradecer a Putin

Vladimir Putin é o outro lado da moeda dos “cold warriors” de extração ocidental.A Rússia de Gorbachev e Yeltsin, de que o ocidente morre de saudades, acabou por decantar um “apparatchik” que, nem por um segundo, aceitou de bom grado o fim da URSS, que o mesmo é dizer, o saldo da Guerra Fria que essa mesma URSS, goste ela ou não de admitir, perdeu. E, quando se perde uma guerra, há consequências a suportar.

Contudo, Putin sabia que, nessa Rússia humilhada, não estava sozinho, muito longe disso. E, sem surpresas mas com inesperada clareza, deu-nos a conhecer a doutrina subjacente à sua leitura de uma espécie de hierarquia das nacionalidades que a União Soviética federara. As intervenções públicas com que o senhor de Moscovo nos ilustrou, ao longo do ano desta guerra, foram, nesse aspeto, de extrema utilidade didática.

É certo que a Rússia fora acossada pelo ocidente - chamando as coisas pelos nomes, pelos Estados Unidos - com o assumido objetivo de provocar o seu enfraquecimento, mesmo a sua anulação como potencial ameaça. Mas foi ele próprio, Putin, com o seu mutante e cada vez mais preocupante comportamento, ao longo dos anos, quem gerou o caldo de cultura que adubou essa mesma deriva. 

Aparentemente, a Rússia de hoje não consegue perceber que os governos dos países que engrossaram as fileiras da NATO, que se foram chegando às fronteiras russas, o fizeram porque quiseram, não foram marionetes, agindo sob a pressão de modernas baionetas americanas. Alguns têm ódios recalcados, uma russofobia evidente. Mas têm também fortes razões para estarem inquietos. São cúmplices, dessa forma, do cerco americano à Rússia, do incumprimento da promessa política americana de não alargar a NATO? É óbvio que sim, mas Moscovo tem aqui a paga da sua preocupante deriva autocrática.

Talvez a Rússia possa agora perceber melhor que foi necessário um sismo estratégico para ver duas sólidas democracias, como a Suécia e a Finlândia, que tinham feito da neutralidade o DNA da sua identidade internacional, lançarem-se, por completo, nos braços da aliança militar ocidental. E que foi Putin, sem a menor sombra de dúvida, o detonador desse movimento.

Aqueles que, deste lado do mundo, se sentem agora mais à vontade com a dualidade estratégica que aí está reinstalada, devem assim um agradecimento à ajuda dada por Putin. 

A invasão da Ucrânia e, no topo do bolo, a canhestra integração na Federação dos oblasts onde havia uma apreciável população russa, precedida de uns ridículos referendos, revela que Moscovo vive numa espécie de “second life” em matéria de direito internacional, de que já tinha dado mostras na questão da Abcásia e da Ossétia do Sul. 

Por muitas voltas que as coisas possam dar, a Rússia pode esperar sentada se acaso tem a mínima esperança de que esta sua “nova” ordem internacional venha a prevalecer.


A China a bordo

A entrada das tropas russas na Ucrânia apanhou a China desprevenida? Talvez nunca venhamos a saber o teor da conversa entre Xi e Putin, nas vésperas da olimpíada de Inverno.

O que a China sabia, o que todos sabíamos, é que o mal-estar dos EUA em face da sua afirmação internacional caminhava num crescendo. E Pequim não ajudou: por exemplo, não se coibiu de alimentar a corda retórica, na tensão com Taiwan, porque lhe era essencial em ano de congresso do partido. 

Os últimos anos pareciam apontar, contudo, para o interesse chinês de consolidar o seu projeto de financiamento de infra-estruturas, a Nova Rota da Seda, um plano que, tudo assim o indicava, seria favorecido por um mundo em relativa paz.

O ciclo de distração americana no Médio Oriente - inaugurado com o 11 de setembro, prolongado com a segunda guerra no Iraque e culminado na saída do Afeganistão - tinha dado a Pequim, entretanto, duas décadas de simpática desatenção por parte de Washington. Isso tinha acabado e era óbvio que os EUA iriam agora mobilizar os seus “compagnons de route” asiáticos para um cerco de suspeição face a Pequim.

O que não estava nas cartas é que a China se veria obrigada, na sequência da reação ocidental à entrada da Rússia na Ucrânia, a coreografar um relativo alinhamento com Moscovo. Mas era impossível à China furtar-se a ele, mesmo se o “timing” para este inevitável agravamento da relação com o ocidente não fosse, como não era, o seu.

Agora, a polarização com Washington é inevitável, restando a Pequim tentar encontrar prosélitos em todos os continentes, oferecendo-lhes razões e dinheiro para não se deixarem seduzir pelo poder americano. Enfim, uma espécie de “déjà vu” face ao período posterior à Segunda Guerra. 


Ah! E há a Europa!

O parceiro dos americanos na nova Guerra Fria é, naturalmente, a Europa. 

Nesta crise, ficaram provadas três coisas. 

A primeira é que os EUA continuam a ser um poder europeu insubstituível, único verdadeiro provedor de resposta a ameaças da Rússia, com o Reino Unido à ilharga e os restantes a velocidades e vontades diversas. 

A segunda é que a Europa de Bruxelas, depois do subliminar golpe de Estado institucional em que a Comissão subalternizou um aturdido Conselho, pela fragilidade conjuntural do eixo franco-alemão, quase pede meças à retórica jingoista da NATO, mobilizada pelo medo e pela subordinação ao clamor mediático, elevado à dignidade de legitimidade democrática. 

A terceira é que, por muito que o velho continente continue a agitar-se em torno da ideia de obter uma autonomia estratégica, em matéria de segurança e defesa, esta guerra terá provado, pelo papel uma vez mais desempenhado pelos EUA no continente, que embora essa fosse porventura uma bela ideia, pode continuar a ser só isso.


Agora, a guerra

Os Estados Unidos, o dono do jogo, que até agora tem providenciado a esmagadora maioria do armamento dado à Ucrânia, mostra vontade de continuar a favorecer a resistência desta face à agressão russa, não forçando Kiev a qualquer cedência territorial. Com ou sem reserva mental por parte de alguns Estados, a Europa segue Washington, em ordem unida. Os EUA terão decidido que vale a pena correr o risco de contrariar a bravata russa de que pode vir a recorrer às armas nucleares. Só resta esperar, para a segurança coletiva, que as contas lhes (nos) não saiam furadas.

terça-feira, fevereiro 21, 2023

Há 10 anos...

Faz hoje precisamente 10 anos, publiquei neste blogue o que então designei por um "post impopular". E tenho a certeza de que, nos dias de hoje, continua a ser. Aqui fica:

"Acho triste o contentamento que anda aí em certas hostes com o achincalhamento público e o boicote da palavra de um membro do governo. Em democracia, o direito à manifestação e até à indignação tem sempre de ser compatível com o respeito devido às figuras institucionais e, em particular, o respetivo direito à palavra. Por muito que alguns não gostem de certas autoridades da República, a verdade é que se trata de personalidades que assumiram os cargos que hoje ocupam com plena legitimidade. As formas públicas de expressar o legítimo descontentamento têm assim de ser compatíveis com o quadro de deveres que a democracia impõe.

Sei que há quem não goste de ouvir isto embora desconfie que, se tocasse "aos seus", a posição dessas pessoas seria diversa."

A que é que isto se referia? Às "grandoladas" com que eram recebidas em público as aparições de Miguel Relvas, um ministro do "infamous" governo de Passos Coelho contra o qual a esquerda particularmente se assanhava. O ciclo político já mudou, há muito, mas eu continuo a pensar exatamente o mesmo que então pensava. E a dizê-lo, arrostando, com gosto, com a impopularidade do post. 

Ponto

A ver se nos entendemos. O presidente da AR, pelo regimento, não pode impedir um deputado de dizer dislates. Mas, pela ética e pela decência...