A pergunta tinha sentido ser feita por ali (edifício na imagem), mas apenas nos anos 60 para 70 do século que já lá vai. Nas tardes de sábado, dessa Lisboa onde ainda se não publicava o "Expresso", uma ida à Livrelco, a cooperativa livreira universitária, era um programa tradicional. A pequena diferença é que então se estava em ditadura, provavelmente tínhamos acabado de almoçar, porque um dia não eram dias, no Retiro do Quebra-Bilhas ou no Chico, o dos tabiques, no Campo Pequeno, eu andava com o "Diário de Lisboa" debaixo do braço, íamos lanchar à Granfina ou à Suprema. Ah! E não estávamos casados e éramos ligeiramente mais novos. Apenas isso.
A Livrelco, onde belas novidades livreiras nos apareciam, muitas vindas de França, a preços a que dificilmente chegávamos, não sobreviveu aos tempos e aos modos que por aí vieram. Nem sei se isso foi bom ou se foi mau. Foi a vida. E não foi pouco.
6 comentários:
A Granfina ainda lá está e de boa saúde para os hábitos actuais das gentes.
Tenho ideia que foi "fundada" por um senhor que conheci e veio da Pastelaria Capri ou da Pastelaria Roma, mas já não juro por nada que tenha acontecido há mais de 50 anos...
Que lembranças!
Dos livros comprados lá, tenho em uso o histórico "Dicionário de História de Portugal", dirigido por Joel Serrão, um clássico!
E outros, marcados pelo tempo que vivíamos então!
Grata pelas suas memórias.
Na Livrelco comprei alguns bons livros, mas a certa altura penso que ficou infestada de maoistas, assim como o CCUL- Cine Clube Universit+ario de Lisboa!
Fui visitante diário da Livraria Barata durante 15 anos.
Vivendo na área e estudando na área, todos os dias lá entrava, dava a volta àquela “ilha” central com as novidades, naquele espaço atravancado que hoje acharíamos minúsculo, namorava pelas estantes alguns livros que esperava comprar um dia, se outros livros não lhes passassem à frente na urgência (relativa) da aquisição, o dinheiro não dava para tudo (nunca dá, por mais que se tenha, o Elon Musk explica-vos isto melhor que eu).
A loja chamava-se na altura “BARATA – tabacaria, papelaria, livraria” porque a menção a papelaria e tabacaria permitia-lhe estar aberta todos os dias das 9 às 23 horas, o que não era permitido às livrarias.
Costumo dizer que hoje não teria tirado curso nenhum porque 90% do dito foi tirado em cafés da zona, o Café Londres e as Pastelarias Roma e Copacabana à cabeça, nesses tempos dava para estar ali o dia quase todo com uns 2 ou 3 cafés como única despesa, ninguém corria connosco.
No Verão havia (ainda há) a esplanada da Pastelaria Madrid, com sombra toda a tarde, local calmíssimo e pouco frequentado (ainda hoje) numa rua de quase nenhum transito (ainda hoje), bem simpático para entremear uma matéria chata com um livro giro.
A Mexicana nunca fez o meu estilo nem eu o deles (apesar de amigo do filho de um dos donos da altura), dos que conheci que paravam por ali só me lembro de um que tivesse acabado o curso e, mesmo esse, levou 12 anos de vida para fazer 6 anos de curso.
A Las Vegas era cervejaria e as cervejarias estavam noutro filme.
Como raramente estava sózinho na mesa, os meus intervalos de algum estudo e muita conversa eram as idas à Barata, eventualmente mais que uma por dia.
De há muitos anos para cá que é “proibido” estudar em cafés, o que eu compreendo, nem que seja pelo facto da população escolar/universitária ter crescido de tal maneira, em número de estudantes e disponibilidades financeiras, comparadas àquela época, que os mesmos se converteriam exclusivamente em salas de estudo.
De um modo geral os cafés têm hoje um aviso de que não é permitido estudar (o que sendo igual a ser proibido, soa muito melhor aos ouvidos dos "é proibido proibir").
Soube no entanto, por colegas da universidade de uma neta minha, que algures há um destes estabelecimentos que avisa que não é permitido ler livros (!).
Se assim fôr, talvez porque achem que podem ser de estudo ainda que com uma capa a disfarçar, a seguir evitarão que se leiam jornais que podem sempre esconder folhas de sebenta, depois talvez seja desaconselhado conversar não se esteja a falar de matérias de alguma cadeira, no fim teremos mesmo um aviso do tipo “é beber o café, comer o pastel, pagar a conta e ala que se faz tarde”.
Isto enquanto houver por lá mesas e não seja tudo ao balcão, claro.
(Continuação da novela, já lá íam os 4096 caracteres...)
Tudo isto para voltar à Barata e ao Senhor António Barata.
Construí ao longo desses anos uma biblioteca em grande parte constituída por volumes da “Livre de Poche”, a variedade era muita e o preço era pouco, possuo algumas centenas pois comprava um por semana, todos na Barata, onde havia uma enorme estante logo à direita de quem entrava, os livros lá em cima só de escadote, todos ainda hoje com o preço escrito pela mão dele, todos pagos com os 10% de desconto que ele sempre me fez, um "fidelizar" da clientela bem feliz.
Tenho-os todos no canto mais seguro (luz, humidade) de uma sala aí algures pelo país, é quase uma questão “religiosa” para mim a de os preservar o melhor que possa, cada livro daqueles foi menos uma ida ao cinema ou menos umas quantas bicas.
Mas é o tal prazer de que se falou aqui há dias, o de os ter, os poder folhear, um ou outro reler, tudo aquilo está condenado pois juntar filhos, netos e escrita em francês é para esquecer.
Quem hoje entra na Livraria Barata (não vou lá muito agora) e não a frequentou nessa época não pode imaginar que, na origem, a livraria “toda” era aquela área ali até à zona do escaparate das revistas, se tanto.
Foi por ali também que se encontravam quase todos os dias muitos escritores e intelectuais ligados à “Editora Presença”, de que o Sr. Barata foi um dos fundadores quando se juntou a Francisco Espadinha (de que também me lembro, sempre falaram bem ao “miúdo” que eu na altura era, talvez porque me viam sempre com um livro e nunca com um jornal desportivo).
Como o espaço da loja era o que era (melhor dizendo, não era) lá íam todos em grupo charlar (no melhor sentido do termo) para um pequeno café da Avenida João XXI, onde eu muitas vezes me refugiava quando não queria aturar ninguém, ali não era “in” entrar nesses tempos.
A UNICEPE, no Porto, homóloga da Livrelco, ainda sobrevive, à custa da dedicação e carolice de alguns resistentes. Nos anos 60 fui dirigente da Unicepe. Já agora, em Coimbra, a cooperativa livreira estudantil era a Unitas,de que nunca mais ouvi falar.
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