O empregado (disse-me) tinha 43 anos e, a observar o modo clássico como se movimentava na sala, hoje ao jantar, dava ares de estar ali desde a fundação da casa. Fiz as contas e concluí que, já adulto, fui, pela primeira vez, à Trindade, a cervejaria, há precisamente 53 anos. Uma década antes do homem nascer. Ou ele é muito novo ou então é isso em que estão a pensar.
A bem dizer, nunca me recordo de ter comido mais do que assim-assim na Trindade. O bife, porque vai-se à Trindade para comer o bife, esteve sempre longe de ser o melhor de Lisboa.
O bife da Trindade, mesmo o do lombo, antes naqueles pratos metálicos que fizeram escola, esteve, por muitos anos, muito longe do do Império (hoje, fica ela por ela, e isto não é um elogio), do velho Montecarlo ou do Toni dos Bifes, e, sempre, muito abaixo do "rollsbeef" do Café de S. Bento. O senhor Albino, no Snob, ainda hoje tem um bife melhor. O Outro Tempo Bar também. O do Gambrinus, claro, é muito superior - e já teve melhores dias. Simpático continua a ser o do Pabe, como o é o da Sala de Corte. Falam-me da excelência dos bifes do Elefante Branco, mas essa é carne onde, juro!, nunca meti o dente.
Pelo bife do lombo que hoje ali provei (tinha ido em dezembro e a impressão foi exatamente a mesma), a Trindade renovada (porque a casa levou uma forte e arejada reforma, como a imagem ilustra) está feita para uma clientela estrangeira, que deve gostar dos clássicos azulejos e das calçadas de Lisboa que ilustram as novas paredes. Para quem é, aquele bife basta. Ou o "brás de bacalhau" (quem inventou esta corruptela parola, insultuosa para o Bacalhau à Brás, devia ser pendurado eternamente numa espinha), também pedido, que estava desenxabido.
Repito: não tenho especiais saudades da antiga Trindade. Mas recordo ali os almoços políticos socialistas, antes das descidas do Chiado, a 48 horas das urnas. E, bem antes, os fins de tarde dos anos 70, saído da livraria Opinião ou do Centro Nacional de Cultura, quando hesitava entre ir à Casa Transmontana, nas escadinhas do Duque, ao Alfaia ou então à Trindade. Ali havia a certeza de encontrar, na sala de entrada, sempre com uma caneca gigante de cerveja ao lado, um tipo barbudo, com cara de poucos amigos, que fechava todos os dias nesse registo, depois de ter oficiado no alfarrabista, umas portas abaixo, quase em frente aos Anarquistas.
Fui à Trindade hoje, como se vê. E só lá voltarei, não obstante a simpatia solta do pessoal, com muito brasileiro (e gosto de ver brasileiros no nosso comércio), quando me esquecer do bife que hoje quase lá comi.
A bem dizer, nunca me recordo de ter comido mais do que assim-assim na Trindade. O bife, porque vai-se à Trindade para comer o bife, esteve sempre longe de ser o melhor de Lisboa.
O bife da Trindade, mesmo o do lombo, antes naqueles pratos metálicos que fizeram escola, esteve, por muitos anos, muito longe do do Império (hoje, fica ela por ela, e isto não é um elogio), do velho Montecarlo ou do Toni dos Bifes, e, sempre, muito abaixo do "rollsbeef" do Café de S. Bento. O senhor Albino, no Snob, ainda hoje tem um bife melhor. O Outro Tempo Bar também. O do Gambrinus, claro, é muito superior - e já teve melhores dias. Simpático continua a ser o do Pabe, como o é o da Sala de Corte. Falam-me da excelência dos bifes do Elefante Branco, mas essa é carne onde, juro!, nunca meti o dente.
Pelo bife do lombo que hoje ali provei (tinha ido em dezembro e a impressão foi exatamente a mesma), a Trindade renovada (porque a casa levou uma forte e arejada reforma, como a imagem ilustra) está feita para uma clientela estrangeira, que deve gostar dos clássicos azulejos e das calçadas de Lisboa que ilustram as novas paredes. Para quem é, aquele bife basta. Ou o "brás de bacalhau" (quem inventou esta corruptela parola, insultuosa para o Bacalhau à Brás, devia ser pendurado eternamente numa espinha), também pedido, que estava desenxabido.
Repito: não tenho especiais saudades da antiga Trindade. Mas recordo ali os almoços políticos socialistas, antes das descidas do Chiado, a 48 horas das urnas. E, bem antes, os fins de tarde dos anos 70, saído da livraria Opinião ou do Centro Nacional de Cultura, quando hesitava entre ir à Casa Transmontana, nas escadinhas do Duque, ao Alfaia ou então à Trindade. Ali havia a certeza de encontrar, na sala de entrada, sempre com uma caneca gigante de cerveja ao lado, um tipo barbudo, com cara de poucos amigos, que fechava todos os dias nesse registo, depois de ter oficiado no alfarrabista, umas portas abaixo, quase em frente aos Anarquistas.
Fui à Trindade hoje, como se vê. E só lá voltarei, não obstante a simpatia solta do pessoal, com muito brasileiro (e gosto de ver brasileiros no nosso comércio), quando me esquecer do bife que hoje quase lá comi.
9 comentários:
A caneca gigante do tal tipo barbudo, estava ao fim da noite, acompanhada normalmente por três garrafas de Sagres preta, de litro, vazias. Quanto ao resto, também normalmente, um prego no prato, sem acompanhamento, e um monte de beatas no cinzeiro. A partir do meio da "refeição" lá ia passando pelas brasas de modo intermitente sempre com o cigarrito nos dedos. Nunca o vi falar com ninguém, para além do empregado que o atendia.
Bons e saudosos tempos, esses.
Ali entre 1982 e 1985 íamos lá com muita frequência à 6ª feira à noite.
Ainda hoje faz parte do anedotário familiar uma situação vivida lá.
Minha mulher tendo-se sentido mal disposta durante o jantar e dando evidentes sinais de que estaria perto de desmaiar, foi prontamente ajudada pelo empregado de serviço àquela zona e, ainda muito pouco recomposta, ouvimos dele que “foi isto mesmo que aconteceu à minha tia, ficou com a boca ao lado para o resto da vida”.
O empregado barbudo do alfarrabista estava lá todos os dias com as suas canecas de cerveja, umas após outras.
Eu passava uma vez por semana por esse alfarrabista, com uma escolha talvez demasiado variada para os intelectuais da época, por isso mesmo mais propícia a encontrar raridades por lá esquecidas, pois ali poucos as procuravam.
O senhor barbudo estava sentado na loja numa daquelas mesas que pareciam mais
uma carteira escolar, num recanto fechado do espaço só com uma porta, todo o dia escrevendo não imagino o quê, sem levantar a cabeça, sempre com o mesmo ar fechado, nunca dirigindo a palavra a ninguém, horas e horas durante anos e anos ali fui e nem sei se era mudo ou não.
O Brás de bacalhau é só o princípio, a seguir vamos ter o Gomes de Sá de bacalhau, o Zé do Pipo de bacalhau, o espiritual de bacalhau, o lagareiro de bacalhau e a Narcisa de bacalhau.
Não lhes estou a dar ideias parvas, esta gente não precisa que ninguém lhes dê ideias.
Não conheço nenhum deles, não sou de Lisboa. Chamou-me somente à atenção o Toni dos Bifes, que era onde o meu avô, quando ia a Lisboa, almoçava com o seu patrício gandarês Carlos de Oliveira.
Pensei que no Elefante Branco só a picanha é que era boa.
Casas com nome, mas com comida entre o sofrível e o dar vontade de atirar às paredes é o que não falta.
Brás de bacalhau? Epá, não me (palavrão).
Era conhecido por Luís da Barateira, numa “girafa” deitava três Sagres em garrafa, duas pretas e uma branca, folheava “A Capital” e acompanhava a cigarrilhas
Estava aqui a tentar lembrar-me do nome do alfarrabista (já fui mais rápido porque já fui mais novo) quando com o comentário do Rui Figueiredo se fez luz.
Fui logo dar aqui uma pequena volta numa de nostalgia, que nem faz nada o meu género, pondo “Livraria Barateira” na pesquisa do Google, aparece muita e boa informação sobre ela.
No blogue “Restos de Colecção”, notável trabalho de pesquisa e recolha de informação de José Leite (e de que já aqui falei uma vez) há um artigo bastante completo com muitas imagens sobre esta livraria que encerrou definitivamente as portas em 2012.
Nesse artigo José Leite apresenta um curiosíssimo postal de uma foto do Castelo de São Jorge, com algo que hoje em dia é quase totalmente desconhecido, não passou de geração em geração, talvez porque na altura em que os enormes edifícios (de 1807) foram demolidos (em 1940), não houvesse já muita gente que soubesse a origem e a razão da sua existência (fica para outra altura falar dessa história).
Do livro “A Religião dos Livros - Alfarrabistas, Livrarias e Livreiros” de Carlos Bobone, do qual o 1º capítulo está disponível on-line, retirei que :
“…o empregado da Livraria Barateira tinha, a certa altura, o seu retrato pendurado na parede da Cervejaria Trindade, a reconhecer que as suas sete cervejas diárias ao almoço constituíam uma assinalável façanha…”
Para fechar o tema (até ver) retiro um excerto do artigo “GASTRONOMIA: 180 Anos da Cervejaria Trindade, um assombro de comemoração”, publicado no sítio “MyGuide” em 9 de Junho de 2016.
Aqui vai, com a devida vénia ao autor.
“Amor ao primeiro gole
A última aparição ainda estaria por vir… no lugar mais fundo do restaurante, na sala Maria Keil, surge em silêncio e macambúzio João da Barateira. Reservado, a muito a custo começa a falar.
Foi o cliente mais assíduo da história da cervejaria. Desde os 19 anos, até à sua morte, não houve um dia em que não viesse à Cervejaria Trindade. Ficou conhecido por este nome por trabalhar na livraria Barateira no Chiado.
Era já uma atração da casa, apesar de nunca querer ter dado entrevistas. A intimidade era tal que se houvesse atrasos a servir a sua “girafa” preta, ou se esta viesse mal tirada, servia-se a si mesmo. Girafa foi o apelido que deu à sua sagrada cerveja, chegando a beber até 25 destas das sete da tarde às duas da manhã. Todas as noites vinha beber, fazendo desta casa a sua esposa.
“Hoje tens falta”, diziam os empregados em tom de brincadeira sempre que chegava atrasado. “Foram tantas as noites a virar cervejas, que tenho um calo na mão”, afirma Barateira estendendo-a aos convidados.
Saudoso recorda os momentos emblemáticos que aqui viveu: as gargalhadas de Amália Rodrigues, de Rui Veloso e dos UHF, bem como as alegrias de outros grandes vultos da cultura e da politica portuguesas.
Morreu aos 81 anos, sem barriga ou cirrose, sendo o seu funeral oferecido pela “Central de Cervejas”. Uma vela foi acesa por três dias na sua mesa habitual.”
não vá à Portugália pf...
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