sábado, março 11, 2023

A fotografia da praia


Ontem, o Diário de Notícias trazia, na primeira página, um conjunto de fotografias creio que do "who's who" das finanças europeias. Posso crer que o retrato do cavalheiro da imagem não foi reconhecido pela maioria dos leitores. É Werner Hoyer. Desde há onze anos, é presidente do Banco Europeu de Investimentos. Trata-se de um liberal alemão que, por algum tempo, foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus, no último governo de Helmut Kohl.

Foi nessa mútua qualidade que nos conhecemos. Chefiámos as nossas delegações nacionais na negociação do Tratado de Amesterdão e criámos, a partir de então, uma relação pessoal muito agradável. Werner é uma figura afável e dialogante, embora muito firme nas suas convicções. Perdemo-nos de vista desde então e só viemos a dar um abraço, há uns anos, num encontro casual de rua, numa noite, na Promenade, cheia de neve, no centro de Helsínquia.

Um dia, naqueles tempos de governo, convidei Werner Hoyer para vir a Lisboa. Ele tinha-me recebido, meses antes, no seu espartano gabinete de Bona e, ao entrar no espaço que eu ocupava no Palácio da Cova da Moura, ficou verdadeiramente deslumbrado.

O gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Europeus, com azulejos nas paredes, um teto de madeira e belas pinturas nas portas, é, na minha opinião, um dos mais bonitos espaços de trabalho de qualquer governante português. Expliquei-lhe que, naquele mesmo local, tinha tido lugar a reunião dramática da última tentativa de golpe de Estado para derrubar Salazar, em 1961. E que aquele espaço fora também o gabinete do general Spínola, chefe da Junta de Salvação Nacional, nos dias revolucionários de 1974.

Portugal desenvolvia, por esse tempo, um esforço diplomático para tentar convencer os nossos parceiros de que a nossa aproximação aos critérios para a entrada na moeda única europeia estava a fazer-se de uma forma sustentada.

A moeda única era uma aposta política mas era, igualmente, um teste à nossa credibilidade. Os países da Europa mais a norte mantinham fortes dúvidas de que Portugal pudesse vir a reunir condições para partilhar o futuro euro. Ainda não havia por ali nórdicos, mas a Alemanha e a Holanda eram, visivelmente, os mais reticentes. Para os alemães, que, no processo da moeda única iam dispensar o seu tão prestigiado marco, todos os cuidados eram poucos. Em todas as conversas, eu ia sentindo que Hoyer, como liberal ortodoxo que era, embora sem o dizer, desconfiava bastante que Kohl pudesse vir a tomar uma decisão política, de cariz voluntarista, em favor de Portugal, dando menos importância às condições financeiras objetivas do nosso país.

A certa altura da nossa conversa, levei Werner Hoyer a ver o magnífico terraço em frente ao meu gabinete. Estava um belíssimo dia de sol lisboeta e, por qualquer óbvia razão, vieram à baila as praias portuguesas. Foi então que lhe ouvi este comentário: "Tenho algum receio que vocês, em Portugal, façam uma fotografia de praia". Não percebi e, como falávamos em inglês e eu podia ter entendido mal, repeti: "Uma fotografia de praia? O que queres dizer com isso?".

Hoyer sorriu e explicou: "Como sabes, nas fotografias que tiramos na praia, temos sempre a tentação de encolher a barriga, para ficarmos mais elegantes para a imagem. Logo que a fotografia é feita, relaxamos os músculos e lá regressa a barriga. O que eu quero dizer é que, na Alemanha, alimentamos o receio de que Portugal - mas não só Portugal - faça um esforço pontual para cumprir os critérios de convergência, em especial em matéria de dívida e défice, estando preparado para o momento em que a decisão sobre a entrada na moeda única vier a ser tomada mas, depois, passado que seja esse instante, venha a haver um progressivo laxismo e um menor empenhamento no esforço orçamental que vai ser necessário manter para sustentar o projeto monetário."

Já tivemos altos e baixos, mas acho que Portugal, nos últimos tempos, tem dado provas de querer ficar cada vez melhor no retrato.

9 comentários:

Paulo Guerra disse...

Com uma montanha de divida às costas que não era nossa porque estes senhores paralisaram o BCE - para não fornecer liquidez à banca como é função do BCE com os fluxos interbancários congelados - para protegerem os seus bancos! Só desconfiam de quem não devem desconfiar. Por isso é que também nunca se livraram das bases americanas e do Memorial com os tanques russos! Por mais que lhes custe! Só por curiosidade, qual era a altura da varanda?

Flor disse...

Adorei o texto mais a "fotografia da praia". Esta não me vou esquecer e pode ser utilizada em outro contexto. Fiquei curiosa com a descrição do gabinete que tinha no Palácio e fui á procura. Nao sei se será o mesmo mas tem as mesmas características. É de facto muito bonito.

manuel campos disse...


Como isto tudo só se vai aguentando com os turistas e que muitos deles são querem sol e praia, lá vamos encolhendo todos a barriga mas não será por causa do retrato de praia.

JHS disse...

Bom dia. Uma pequena correcção: gabinete de Spínola apenas em 1974 e certamente antes de tomar posse como Presidente da República (em 14 de Maio de 1974, segundo creio). Em 1975, Spínola já não fazia parte da Junta de Salvação Nacional e até se exilou faz hoje precisamente 48 anos.

balio disse...

O sr. Hoyer é um liberal? Então, segundo os critérios do Francisco, deve ser de extrema-direita. Como pode o Francisco dar-se com gente dessa?

Francisco Seixas da Costa disse...

JHS. Spínola teve esse gabinete, enquanto presidente da JSN, desde o dia 26 de abril até à sua tomada de posse como PR. O gabiinete passou então a ser ocupado por Costa Gomes, até ao 28 de Setembro, altura em que Spínola abandona a PR e Costa Gomes o substitui em Belém.

marsupilami disse...

Parece-me que os alemães também tiraram umas "fotografias de praia" aos seus bancos - antes, durante e depois da crise de 2008. Os deficits de uns são os superavits de outros. A fotografia de praia para mascarar os superavits excessivos (face aos tratados) da Alemanha também não foi coisa pouca. Temo que até no campeonato da hipocrisia não tenhamos arcaboiço para nos erguermos acima do meio da tabela.

Anónimo disse...

Os principais beneficiários do euro são os alemães cujas exportações beneficiam de uma moeda mais fraca do que seria o Marco. O Euro, como disse há tempos o M Finanças holandês é um sistema dê-os países pobres subsidiarem os países ricos.
Fernando Neves

Francisco Seixas da Costa disse...

A tempo. JHS tinha toda a razão: é 1974 e não 1975.

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