domingo, maio 17, 2020

José Cutileiro


Hesito sempre, quando penso em José Cutileiro, se destacar mais o genial criador dos “Bilhetes de Colares”, essas pequenas crónicas ficcionadas, supostamente da autoria de um inglês residente na Várzea, reformado dos serviços secretos e com um “caso” subliminar com um cabo do Exército, que lhe traduzia os textos e aconchegava os lençóis, escritos num português límpido e enriquecido por uma memória culta, atento como poucos às nossas idiossincrasias, ali refletidas de forma por vezes cruel mas, nem por isso, menos verdadeira, típica de quem, estando cá dentro, manteve o seu olhar por fora, se a figura pública, misto de interventor político e de personalidade académica, que terá ficado na memória da maioria de quantos apenas o conheciam pelo nome, em especial pelas suas informadas análises da situação internacional, para onde decantara anos de uma vivência atenta ao terreno global, com especial relevo para o trabalho mediador desempenhado nos Balcãs, ao lado de lorde Carrington, visão que nele sempre refletia um realismo cético, marcado por um sentido assumidamente pessimista dos rumos do mundo, quiçá fruto da sua passagem pela diplomacia, onde um dia acedeu por escolha política, para uma casa que o aceitou e que indiscutivelmente beneficiou da válida contribuição que ele lhe prestou, e que acabou por lhe induzir uma espécie de sentido do que é possível fazer com as coisas tais como elas estão, a ele que vinha de uma afetividade e de uma nostalgia óbvia pelos tempos em que a relação transatlântica fora o centro incontestado do equilíbrio geopolítico que protegia a nossa segurança, a que o fim da Guerra Fria começou por introduzir muita esperança para acabar por se consagrar, como hoje está, num ambiente de desconfiança, criando alguma orfandade não resolvida à Europa, de cujo instrumento político-militar formal, a UEO, ele foi o derradeiro secretário-geral, tarefa da qual saiu, com prestígio, para uma experiência universitária breve, cumulada ao seu sempre inteligente comentário público sobre os rumos do mundo, para as nótulas sobre o quotidiano e as suas histórias com os outros que deliciam no seu “Inventário” bloguista, bem como para os ricos obituários de figuras, algumas ignotas para quantos não faziam parte do mundo anglo-saxónico que era a sua nunca desmentida “praia”, escritas semanalmente no “Expresso”, num estilo que se distinguia por não usar pontos finais a sincopar o texto, o que, em jeito de homenagem, arremedo neste que aqui lhe dedico, na hora da sua morte, que hoje foi anunciada, com um beijo de pesar à Myriam.

sábado, maio 16, 2020

“Angola é nossa!”


Há uma imagem que me marcou. Um final de tarde, ou uma noite, em frente ao edifício do governo civil de Vila Real, com gente a discursar da varanda central. Eu tinha pouco menos de 13 anos e recordo-me de que fui ali com o meu pai. Era uma manifestação de repúdio pela tomada da então chamada Índia portuguesa, pelas tropas invasoras da União Indiana, ocorrida dias antes. Os discursos eram inflamados e, de entre os oradores, recordo-me do Dr. Carlos Sanches, professor liceal e, ao que creio, presidente da Junta Distrital. O meu pai também ali estava no meio da multidão, solidário com a forte rejeição do país perante a ação violenta que “nos tinha roubado” o Estado da Índia.

Poucos meses eram passados, ainda nesse mesmo ano de 1961, e guardo a imagem de ter visto marchar pela cidade, desde o Regimento de Infantaria 13 até à estação de caminho de ferro, o primeiro contingente que dali partia para Angola, em “missão de soberania”, como então se dizia. Tinham uma farda de caqui bege, com um boné de pala da mesma cor. A cidade aplaudia-os. Provavelmente, também o fiz.

O país tinha ficado visivelmente chocado com as imagens, abundantemente mostradas, de corpos de “brancos, pretos e mulatos” chacinados à catana, no norte de Angola, durante os ataques da UPA. Pela rádio, diariamente, chegavam-nos relatos, em tom épico de reportagem patriótica, através de uma voz inconfundível que descrevia essas atrocidades. “De Angola, Ferreira da Costa”, era assim que terminavam essas reportagens na Emissora Nacional.

Em minha casa havia unanimidade: desde o meu avô, que eu sentia como salazarista, de quem fora “condiscípulo” em Coimbra, até ao meu pai e aos seus cunhados, filhos desse avô, que detestavam o ditador. “Angola é nossa” era então a palavra de ordem indiscutível.

Faço estas notas para sublinhar algo que, às vezes, tem sido esquecido: nesse tempo, podia ser-se ferozmente anti-salazarista e, no entanto, ser-se a favor da manutenção das “possessões portuguesas no Ultramar “. 

Era o caso do meu pai, apoiante de Humberto Delgado, que ficou deliciado com a tomada do Santa Maria por Henrique Galvão, que teve forte pena de que Botelho Moniz não tivesse conseguido derrubar Salazar, que viria a lastimar que o posterior “golpe de Beja” se tivesse gorado. E que, no entanto, ficou indignado com a invasão do Estado da Índia e apoiou a reação militar portuguesa às “ações terroristas” em Angola.

Passados que foram esses primeiros tempos de choque, que foi muito genuíno, a captação emocional do país em favor da “guerra do Ultramar” começou a declinar. Não me recordo de mais nenhum ato de empenhamento “ultramarinista” significativo, lá por Vila Real, embora os deva ter havido, promovidos pelos apoiantes do regime. O início da mobilização militar dos civis, num ambiente político onde a aceitação da exaltação nacionalista já tinha tido melhores dias, viria a tornar a causa da guerra pouco popular em Portugal.

Mas voltemos um pouco atrás. Como é sabido, o republicanismo português havia sido, desde a sua origem, fortemente “colonialista”, tendo a palavra, aliás, uma conotação muito positiva no seu discurso. 

Da crise do Ultimatum à entrada na Grande Guerra, a questão do “Portugal pluricontinental”, por muito tempo, esteve no centro da doutrina republicana e, depois do 28 de Maio de 1926, nunca dividiu as forças oposicionistas da linha que prevalecia na “situação” consagrada pela ditadura. 

Vale a pena lembrar que, no final dos anos 40, a unidade das forças oposicionistas fez-se à volta de Norton de Matos, um general que se orgulhava de ser um criativo “colonialista”, tendo no seu orgulhoso currículo o governo de Angola. E, menos de uma década depois, essa mesma oposição juntou-se para apoiar Humberto Delgado, um general dissidente do salazarismo, que havia defendido desde a primeira hora, e a quem, à época, ninguém tinha ouvido uma palavra de contestação da política colonial do regime.

Só nessa segunda metade dos anos 50, com o surto de independências de antigas colónias europeias e, em especial, depois da Conferência de Bandung, em 1955, que se reuniu em torno dos novos países descolonizados, o PCP, seguindo a linha da URSS, passou a defender o direito à independência dos povos coloniais. Seria, aliás, a primeira força da oposição a fazê-lo. Porém, logo a partir de então, a linha anti-colonial tornou-se rapidamente maioritária no seio da oposição à ditadura, em especial na extrema-esquerda de orientação pró-chinesa, alargando-se depois aos meios católicos radicais, onde começou a germinar um discurso pela “paz” que viria a tornar-se muito popular.

Lembro-me, contudo, que, na Comissão Democrática Eleitoral (CDE) de Vila Real, ainda em 1969, que tinha uma natureza “catch all” de todos quantos se opunham ao Estado Novo, o tema era ainda bastante divisivo. O facto de um dos nossos candidatos ter afirmado que queria “manter o Ultramar português”, num discurso num comício, levou-me, uma noite, a provocar uma “crise” na CDE de Vila Real.

Quase até ao 25 de Abril, subsistiu, na vida política portuguesa, um setor oposicionista mais conservador, em torno do chamado Diretório da Ação Democrato-Social, que sempre se recusou a subscrever a postura anti-colonialista do resto da oposição. Após o 25 de abril, esse setor viria a aderir, quase em bloco, ao então PPD.

Apeteceu-me deixar hoje aqui esta nota memorialística dos tempos em que, também eu, cantei o “Angola é nossa!” Ninguém é perfeito!

sexta-feira, maio 15, 2020

Tristeza

Quem por aqui me segue, já terá percebido que a frequência regular das livrarias (que falta me fez, este ano, a Feira do Livro!) e as idas regulares com amigos a restaurantes - e a ordem pode tambem ser inversa, assumo-o, sem rebuço - fazem parte dos meus hábitos e prazeres mais arraigados e regulares.

Ouço agora que, com a “pancada” da crise, muitas livrarias entraram numa séria crise de existência. Leio que a “Barata”, da Avenida de Roma, que tem uma “história” e que, na sua atual encarnação, representou uma bela onda de modernidade na cidade, pode vir a encerrar.

Também vários restaurantes, em especial os mais pequenos, confrontados com a esperada relutância de alguma clientela em correr riscos e com a dificuldade de compatibilizarem um mínimo de rendimento com as novas regras sanitárias, entraram em crise, em certos casos, já definitiva.

Confesso que tudo isto me entristece.

“Remake”?

“Santana pediu dispensa de funções executivas no Aliança”, diz hoje a imprensa.

Há por aí presidenciais? Há muita gente cansada de Marcelo? Há quem fale em arranjar um candidato de direita que não seja o atual PR nem o homem do Chega?

Eu já nem digo nada!

Alma de ateu


Há dias, a propósito da dignidade inteligente com que a hierarquia religiosa lusitana geriu o 13 de maio em Fátima, em tempo de pandemia, a contrastar com o que parecia ser um exercício de ginástica rítmica na Alameda, deixei claro num escrito que fazia esse homenagem na minha qualidade de ateu.

Logo houve quem reagisse, dizendo que o termo era muito “desagradável”. Alguns disseram que usar “agnóstico”, embora não sendo sinónimo, seria talvez menos agressivo.

Ao longo dos anos, criei a firme impressão de que os crentes das várias religiões exigem, para si e para aquilo em que acreditam, um maior respeito do que aquele que estão dispostos a conceder aos que o não são.

Ora eu, que sou ateu, requeiro para esta minha forma de estar na vida exatamente a mesma consideração que tenho por quem segue uma religião, seja ela qual for. Não aceito a menor superioridade moral de ninguém, só por que acredita em algo que a mim nada me diz.

Sou ateu, desde que me conheço. A minha mãe era católica, embora apenas escassamente praticante. O meu pai, embora viesse de uma família com forte pendor anti-clerical, era claramente um agnóstico, com um grande respeito pelas referências católicas: em toda a sua vida, que foi muito longa, sempre o vi tirar o chapéu quando passava em frente a uma igreja ou a um cemitério.

Os meus pais casaram pela igreja e sempre existiram, lá por casa, símbolos religiosos. Batizaram-me, ato a que, como verifico pelas fotografias, fui já a pé, com mais de dois anos. Ao que o meu pai dizia, entre a brincadeira e o sério, terá sido a água gélida do batismo, que o bom do padre Domingos (que batizou, casou e fez o funeral de muitos dos meus familiares) usou na igreja de São Martinho, que me provocou uma pneumonia, que me ia levando desta para melhor (não extraiam da frase de estilo nenhuma ilação religiosa, por favor). Foi esse o meu último, embora involuntário, cruzamento pessoal com as liturgias católicas.

Um dos grandes mistérios da minha vida foi sempre perceber a razão pela qual nunca fiz a primeira comunhão. Tenho uma ideia muito vaga de ter andado na “doutrina” de uma tal Dona Maria Vilar, uma senhora pequenina que oficiava num primeiro andar da Rua Direita, lá por Vila Real, onde recordo haver uns pequenos bancos, uns mochos, onde nos sentávamos e vagamente recordo que, em coro, repetíamos orações. Um contemporâneo a quem falei há tempos do assunto, contrariou-me: ali aprendia-se a tabuada, não as orações. Não seria “dois em um”?

Algo se terá passado - talvez uma nova maleita, porque tenho ideia de ser então muito enfermiço - que levou a que eu não fizesse parte do grupo dos miúdos da minha idade que, nesse ano, fizeram a primeira comunhão.

Provavelmente, tendo faltado nesse ano, na vez seguinte já não fui chamado em grupo ao exercício. Mas, sem dúvida, isso também demonstra alguma falta de empenhamento familiar na minha aculturação religiosa, o que, segundo conversas mais tarde ouvidas lá de casa, teria sido para não contrariar o “menino”, filho único e muito voluntarioso, que se terá mostrado refratário a cumprir tal dever. A assim ser, com assinalável êxito, pelos vistos.

De uma coisa tenho quase a certeza: terei sido a única criança dessa geração vilarrealense que não “fez” a primeira comunhão. Mas a religião era, para mim, uma coisa alheia? Em casa, lembro-me vagamente de ter aprendido a “Avé Maria” e o “Pai nosso”, mas nunca cheguei a decorar a “Salvé Rainha”. Ah! E também me diziam que nunca me soube benzer, trocando sempre a sinalética, numa dislexia que, pelos vistos, tinha uma anti-doutrina por detrás.

Contudo, a questão da existência de deus não deixou naturalmente de se me colocar, a mim e a outros da minha geração. Recordo-me de um “teste”, arriscado e que só nos dias de hoje tenho como divertido, que, bem miúdos, fizemos, uma noite: caminhámos, de braços abertos para nos equilibrar, sobre a antiga pérgola que existia no miradouro atrás do cemitério (na imagem).

Lá do alto, olhando o despenhadeiro que ia dar ao Cabril, insultámos deus, com palavras fortes, desafiando-o a matar-nos, se acaso existisse. Como não matou e nós nos safámos, logo ali ficou bem provada a sua inexistência. Pelo menos, o meu velho amigo Olívio fez parte comigo desse ousado desafio ao poder celestial, aliás bem sucedido, sob o olhar próximo e sombrio dos mortos do cemitério de D. Dinis.

(Nós, à época, não tínhamos lido, em “A Capital”, do Eça, a cena coimbrã em que o Damião “deu cinco minutos a Deus para que o fulminasse, e, passados os cinco minutos num grande silêncio do Céu, atirar desdenhosamente o cebolão de prata para a algibeira, dizendo com tédio: “está superabundantemente provado que não há nada lá no Céu”)

Não sei se os outros comparsas dessas minhas aventuras de infância acabaram ateus. Eu, que já o era, mantive-me como tal, até hoje.

Por isso, embora não faça o menor proselitismo do ateísmo, exijo sempre para esta minha forma de estar na vida um respeito idêntico àquele que vou tendo pelos meus amigos crentes e pelas liturgias que lhes são próximas, a algumas das quais os acompanho, quando a vida, ou a morte, a tal exige.

A segunda morte do caixeiro viajante


Quando dirigi cursos universitários de preparação para candidatos à carreira diplomática, um dos conselhos que sempre dava aos aspirantes à profissão era evitarem responder, se acaso lhes perguntassem por que razão queriam ser diplomatas, que “gostavam de viajar”. Essa tinha sido uma recomendação que me tinha sido dada antes do meu próprio exame de acesso, pela má impressão que a resposta causava, porque associada a uma vocação apenas lúdica.

O “glamour” das viagens, tal como a vida social dos cocktails e receções, está no imaginário que o comum dos cidadãos liga à diplomacia. Não nego que isso tem alguma razão de ser, porque, de facto, esses aspetos faziam parte da coreografia da profissão. Escrevi “faziam” porque, com o decurso dos anos, a liturgia social foi-se atenuando, muito do protocolo foi-se aligeirando e a diplomacia cada vez mais se aproximou de uma comum atividade técnica, marcada apenas pela dispersão dos seus atores pelo mundo, comum a outras profissões.

Durante as décadas que permaneci na carreira, as viagens foram uma constante em certos tempos da profissão. A entrada de Portugal para as instituições europeias fez disparar as deslocações entre as capitais e Bruxelas. Mas se, no início da profissão, o cosmopolitismo das viagens tinha um aspeto sedutor, devo confessar que, nos últimos tempos, era bastante mais sofrido do que apreciado. O peso da burocracia e da segurança nos aeroportos, as distâncias entre estes e os hotéis, tudo isso foi convertendo as viagens de trabalho numa tarefa cansativa e incómoda, que, para muita gente, era cada vez menos ansiada. Mas não escondo que, por vezes, dar uma saltada a uma cidade diferente daquela onde vivíamos refrescava os dias e espairecia o quotidiano.

A vídeo-conferência raramente fez parte do meu tempo diplomático. Era um método pouco utilizado, obrigava a uma logística algo pesada e sofria de deficiências técnicas muito limitativas. De facto, não fazia parte da nossa cultura de trabalho. Curiosamente, só a vim a encontrar com maior frequência, e, mesmo assim, sempre como solução alternativa de recurso à prática presencial, nas atividades no setor privado que hoje exerço.

Com os efeitos previsíveis da pandemia que se instalou, há duas realidades que, claramente, vieram para ficar: vai passar a haver menos viagens de trabalho e o recurso aos meios de comunicação à distância tenderá a generalizar-se. Estes últimos, contudo, têm rapidamente que dar um “salto técnico”, porque, nas últimas décadas, a sua evolução foi muito escassa. O Skype de hoje é muito parecido com o que tínhamos há quase 20 anos e todas as outras plataformas similares, algumas que só conhecemos nas últimas semanas, têm ainda fortes defeitos, que se tornam incómodos e cansativos. Verdade seja que, muito rapidamente, temos também de interiorizar regras comportamentais próprias da gestão desse tipo de reuniões.

Mas sejamos honestos: ter uma reunião presencial, com pessoas à volta de uma mesa, ou ter uma sessão por vídeo-conferência, está longe de ser a mesma coisa. Nada, repito, nada substitui o contacto pessoal, da mesma forma que o telefone nunca foi um meio alternativo ideal do cara-a-cara. Há conversas e cumplicidades que, em especial na vida internacional, no lidar com gente de culturas diferentes, só se ganham com o diálogo frente a frente, com o copo no bar ao final do dia, com um almoço calmo e descontraído. 

Talvez o fim da banalização do “presentismo” acabe por valorizar mais as ocasiões em que as viagens e o contacto pessoal são, de facto, indispensáveis, fazendo-nos refletir duas vezes sobre se esta ou aquela deslocação não será, afinal, desnecessária. 

Uma sensível melhoria técnica nos meios de trabalho à distância talvez nos torne assim mais conscientes de que esse mundo de “caixeiros viajantes” executivos, trazendo à trela aquelas caixas com rodas, com as medidas da IATA, que cruzávamos aos milhares, entre aviões, por corredores sem fim, gerando um peso ecológico insuportável, tem mesmo de ir acabando.

quinta-feira, maio 14, 2020

As Seveiros


Há tempos, passei por aquela casa, de traça modernista, a caminho do Pioledo, nas traseiras do Colégio de São José, lá por Vila Real, perto do Núcleo do (meu) Sporting, e lembrei-me delas, das Seveiros.

Quem eram as Seveiros? Não sei, nunca as vi, mas a minha memória de infância guardou para sempre esse plural, algo majestático e misterioso, que designava umas senhoras (imagino que fosse mais do que uma) que eram, à época, as "modistas" mais qualificadas da cidade. "Mandou fazer o vestido nas Seveiros", dizia-se em Vila Real, como selo de qualidade garantida. 

(Vale a pena dizer que, para os homens, os alfaiates "a sério" eram, então, o Batalha e o Pontes. Este último, caprichava mesmo em anunciar os seus méritos nos altifalantes do Campo do Calvário, no intervalo do jogos, ou nas noites de passeio das famílias na Avenida, com duas quadras que ficaram na memória local: "Se quer um fato perfeito / de acabamento ideal / tê-lo-á, mas se for feito / no Pontes, Vila Real" ou "Se deseja no trajar / ser modelo em Trás-os-Montes / seus fatos mande talhar / pelas hábeis mãos do Pontes". Não sei quem foi o poeta, mas reconheçamos que era "inspirado", como então se dizia.)

Nesse tempo, nas cidades, havia as "costureiras" e havia as "modistas". Lembro-me que as primeiras iam "lá a casa". Todos os anos ficavam um dia ou dois, a subir ou descer baínhas, a fazer pequenos arranjos. Já às modistas eram as senhoras quem se deslocava, levando às vezes na mão um modelo tirado da "Modas & Bordados", outras vezes com uma página rasgada da "Flama" ou de alguma revista brasileira.  

De uma cena, que, sei lá porquê, ligo sempre ao final das tardes de sextas-feiras, me recordo bastante bem: as Seveiros enviavam a minha casa o produto do seu trabalho pelas mãos de uma miúda, com um tabuleiro coberto com um pano de linho, tendo no fundo uma nota manuscrita com os seus honorários, sem o IVA que o dr. Cadilhe inventou e que o dr. Centeno não dispensa. Lembro-me da miúda porquê? Porque tinha mais ou menos a minha idade e uns olhos que perdi de vista mas não de memória.

Voltando ao princípio: “as Seveiros” é um grande nome! Posso estar enganado, mas estou convicto de que, se o Eça tivesse "apanhado" o nome das Seveiros, tê-lo-ia usado num qualquer enredo de província.

quarta-feira, maio 13, 2020

Centeno


Mário Centeno está a ser vítima da conjugação negativa de vários fatores, o principal dos quais é a falta de peso político próprio. Este é um tempo muito injusto para alguém que foi um excelente ministro das Finanças e a quem o PS muito deve.

Agora, até pode chover...


Quando Rui Rio foi reeleito no partido, escrevi aqui que ele teria feito bem se tivesse anunciado logo o apoio à recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Não o fez, perdeu o “timing” e agora, quando (inevitavelmente) vier a fazê-lo, vai ter de ir a reboque.

75 anos


O Centro Nacional de Cultura (CNC), nos dias de hoje presidido pelo Dr. Guilherme de Oliveira Martins, que tem décadas de dedicação àquela casa, é uma instituição cultural de elevado mérito que, com descrição mais notável eficácia, tem levado à prática um trabalho muito importante pela cultura portuguesa. Comemora agora 75 anos de existência.

Foi-me pedido que, para publicação no seu site (cuja consulta recomendo aqui), desse testemunho de como “cheguei” ao CNC, o que aconteceu precisamente há 50 anos.

Aqui fica a breve mensagem que enviei:

“ “Tens a certeza que é ali?”, foi a pergunta que fiz quando um amigo me convidou para ir ouvir Salgado Zenha ao “Centro Nacional de Cultura”. “Na rua da Pide?”. Assim era. Na Lisboa do boca-a-boca que então prosperava, assente nos cafés e nas livrarias, nesse início dos anos 70, começou a certa altura a constar que uma estrutura de raiz monárquica, “tomada” por uma onda democrática, estava a organizar debates políticos, procurando testar as margens da legalidade, já após a frustrada aventura eleitoral de 1969. Ao mesmo tempo, havia por lá uns cursos ao final da tarde, da Semiologia ao Marxismo (é verdade!) e outros temas interessantes. As salas, a certa altura, eram pequenas para o interesse que tudo aquilo já despertava, a muitos de nós e a uns cavalheiros que, à légua, se notava que estavam ali vindos da vizinhança... Não gosto de falar em “bons tempos”, porque o não foram, de todo! Mas que havia algo de divertido, de um saudável entusiasmo cívico, em toda aquela agitação no CNC, lá isso havia! Foi assim que eu lá cheguei, há meio século.”

Elogio


Aqui fica a homenagem sincera de um ateu à igreja católica, pela contenção e bom senso usada na cerimónia de Fátima.

Tenho um amigo preocupado


Em tempos de pandemia, tenho um amigo que, sem falha, diariamente me telefona, às vezes mais do que uma vez. Acha estranho, aliás, que eu não esteja sempre do “outro lado” da linha, como se o confinamento fosse uma espécie de “Big Brother” televisivo.

Nas conversas, transmite-me preocupações sobre questões geopolíticas magnas, das divergências financeiras europeias ao conflito entre os EUA e a China ou à crise das viagens aéreas. No que cabe à pátria, cuja política sempre nos dividiu sem acrimónia, tem teorias sobre a partilha de poder, que vogam em torno do Centeno, do Costa e do Marcelo, ouvindo-me sempre replicar-lhe com ironias. Deve achar que eu “bebo do fino”, mas que não me abro, por mera tática.

Não obstante viver com o mundo “às costas”, sob o peso insuportável dessas angústias acumuladas, ele parece dormir bem. E, ainda assim, tem tempo para ler tudo, para o “zapping” dos noticiários, decantando um saldo sempre tremendista.

Não imaginam as coisas que ele sabe sobre o vírus, e a sua propagação, e o seu combate, e as suas curvas, e o respetivo achatamento, que deve ir desencantar a fontes raríssimas, para além de Paulo Portas, que tem como seu oráculo regular.

Atura, com bonomia, o meu alheamento sobre tudo isso, embora o sinta incrédulo quando, perante o seu explanar das perfídias chinesas na pandemia, lhe digo, com a maior sinceridade, que não tenho a menor opinião.

Acredita pouco na diretora-geral de Saúde e, ainda menos, na ministra da dita, tendo dificuldade em perceber quando asseguro que, pelo contrário, sigo cegamente o que delas ouço. Aliás, pensasse eu o oposto do que dizem as senhoras, o que é que, de importante, mudaria na minha vida? Passaria a preocupar-me, como acontece com ele. Ora eu tenho como lema firme de vida fugir a sete pés das preocupações.

Esse meu amigo também se faz eco de teorias conspirativas, de Bilderberg às máscaras e aos ventiladores, que, como é da natureza das ditas teorias, ajudam a explicar tudo, mesmo que não saibamos exatamente o quê. É que ele compra o único jornal diário que me teriam de pagar para ler, o que me habilita com o contacto indireto com o mundo dos títulos e dos escândalos, sem correr o risco de ser diretamente infetado.

Uma coisa esse meu amigo não deve perceber: como é possível eu continuar a ter temas para escrever uma meia dúzia de artigos por mês, bem como alimentar diariamente o meu blogue, sem a intensidade de informação que ele colhe. Talvez não devesse revelar o segredo: hoje, por exemplo, falando sobre ele...

terça-feira, maio 12, 2020

Definição

Li, há pouco, uma bela definição. Há pessoas para quem uma notícia é verdadeira, nunca passando à categoria de “fake news”, se diz precisamente o que essas pessoas pensam...

Populismo

Para a demagogia do Chega, o assassinato da criança é sopa no mel do populismo. Se o assassino tivesse sido um cigano, então é que era ouro sobre azul...

segunda-feira, maio 11, 2020

O grande lóbi

A verdadeira força que o futebol tem neste país mede-se pelo modo como consegue “forçar”, em tempos sanitários bem duvidosos, o recomeço do campeonato.

Não houve um único partido a reclamar, porque todos estão infiltrados de lobistas dos vários clubes

A Aspirina do Jorge


“Ainda não sou médico! Mas já posso receitar Aspirinas!” 

Num final de tarde de 1967, o meu amigo Albano Tamegão, que comigo partilhava um quarto de estudante no Porto, preocupado com um febrão que me apoquentava os dias, decidiu pedir a um colega mais velho, do curso de Medicina que ambos frequentavam, para ir “consultar-me”, lá a casa. 

O “quase médico” era o Jorge Ginja. Todos éramos integrantes do Teatro Universitário do Porto, onde passávamos as horas livres dos nossos dias, num ambiente de camaradagem cultural que ajudava a compor uma vida de estudante que começava nas diferentes escolas universitárias que frequentávamos e que acabava no mundo que existia no fundo daquele esconso corredor, entalado entre a GNR e o que então era a Faculdade de Letras, antes ou depois passando, quase obrigatoriamente, pelas mesas do Piolho, onde cruzávamos o pessoal do Orfeão e do Coral. 

O Jorge lá me “receitou” a Aspirina e estou vivo, até hoje. Não é o caso dele, que acabo de saber que morreu, na terra onde eu nasci, em Vila Real.

Um dia, já há muitos anos, no guarda-vento da Gomes, dei de caras com o Jorge Ginja. “O que é que andas a fazer pela minha terra?”, perguntei-lhe.  Desde esses anos no Porto, em que fizéramos digressões teatrais pelo país, de Coimbra à Covilhã, passando por Amarante e Vila Real, tinha-lhe perdido o rasto. O Jorge, com aquele sorriso nervoso que era sempre o seu, disse-me: “Trabalho cá. Agora vivo em Vila Real.” Fiquei contente.

Depois, com os anos, assisti ao Jorge transformar-se num “vila-realense” adotivo. Não apenas como médico, mas também como figura da nossa Cultura, que passou a representar no Norte. Ligavam-me a ele, como logo entendi, algumas cumplicidades políticas, embora ele viesse de raízes ideológicas que se tinham mantido, até bem mais tarde do que eu, num terreno radical. Alguém, um dia, me disse, numa caraterização política que me agrada, que o Jorge Ginja era uma “voz grossa”. Era isso mesmo! E ainda bem!

Recordo-me do abraço forte que me deu, creio que em 2013, numa tarde pardacenta, no fundo da Avenida, numa manifestação contra o vírus que então se chamava “troika”. “Fico muito contente por te ver por aqui”, disse-me, talvez porque achasse menos curial que um embaixador reformado se juntasse àquele repúdio público à indecência política.

O Jorge Ginja era um puro, um homem com o sentimento à flor da pele. Um bom sentimento. Vou sentir falta dele - das mesas da Gomes ao balcão da Tosta Fina, passando pelos almoços no Lameirão, onde nos vimos pela última vez. Fico com a sensação de que nunca falámos tanto como talvez devêssemos ter falado, caro Jorge! Mas a tua Aspirina curou-me. Para sempre!

(Artigo que hoje publico no “Jornal de Notícias”)

domingo, maio 10, 2020

Leonardo Mathias


Quando, há dias, desapareceu, depois de uma vida de sucesso e prestígio, tive o ensejo de fazer aqui um breve perfil admirativo de Leonardo Mathias, uma das mais brilhantes figuras da nossa diplomacia. E um amigo pessoal, o que, para mim, não é menos importante.

Hoje, no suplemento do “Público”, a jornalista Bárbara Reis traça-lhe um interessante perfil político e profissional, recuperando episódios e momentos da sua carreira, ouvindo alguns dos seus amigos e familiares. Recomendo vivamente a leitura deste artigo.

O texto aborda, desde o tíitulo, a dualidade de um percurso feito entre o Estado Novo e o novo regime democrático. Mathias identificava-se, sem ambiguidades, com o primeiro, em especial no tocante à política colonial, em que acreditava e que defendeu, com brio e com brilho.

Com o 25 de Abril, o grande servidor do Estado que ele era, sem necessitar de renegar as suas opções ideológicas, ofereceu a sua maestria diplomática ao novo país democrático que entretanto tinha emergido. Com lealdade, colocou o melhor de si ao serviço do país que sempre representou, da melhor forma que soube. É assim um grande servidor do Estado e ele foi-o, de forma excelente.

sábado, maio 09, 2020

A Europa


Hoje, 9 de maio, é o Dia da Europa. Era muito bom que este ano, 2020, viesse a ser conhecido, no futuro, como o Ano da Europa. Mas tenho pouca esperança.

Saudades


Ter “saudades do futuro” é uma figura de retórica que, com a idade, alguns usam para se darem ares de que só olham em frente na vida. Ora bem! Essa malta está agora vingada! Com as ganas de sair da existência confinada, a expressão parece ganhar, pela primeira vez, algum sentido.

E as claques, senhor!


Um pensamento sentido, neste domingo, para essas instituições do bem, que o destino tem confinado ao silêncio e a uma injusta contenção, que dão pelo nome de claques de futebol. Espero que o “lay-off” lhes tenha sido aplicado, com a devida generosidade.

E ele regressou, claro...

Por estes dias, aqui pelas redes sociais, regressou em glória o “whataboutism”. Há um pessoal que, como se sente encostado às cordas, em matéria de coerência, não conseguindo explicar o que tem de explicar, chama logo a jogo o “outro lado”, na lógica do “Ai é? E então no caso do...?”

Teses, precisam-se!


Fazem-se teses universitárias a propósito de tudo e de nada. Espero que alguém se lembre de estudar o modo como a nossa comunicação social tratou esta crise, como “hierarquizou” as boas e as más noticias, como “jogou” com o otimismo e com o alarmismo. E como fez perguntas...

Centeno

Sente-se já uma satisfação evidente em certos setores, que nem cuidam em disfarçar, pela possibilidade de Mário Centeno vir a não renovar o seu mandato como presidente do Eurogrupo. Aqui pelas redes sociais, a notícia de ontem do Frankfurter Allgemeine caiu como sopa no mel. Verifiquem!

Ai restaurantes...

Nunca digo que “desta água não beberei”, mas tenho dúvidas que o meu gosto por restaurantes seja superior à estranheza que me causará a chegada de empregados mascarados, com distâncias que não permitem bocas do tipo “já viste os olhos daquela miúda?”

A ardósia


A ”ardoise” com o menu é uma velha instituição francesa. Neste tempo de pandemia, os restaurantes portugueses já deviam estar a encomendar ardósias das nossas velhas escolas

Lideranças (2)

Recebi vários comentários, traduzindo uma surpresa positiva, elogiosos das palavras que o novo líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, usou para denunciar a demagogia do deputado europeu Nuno Melo, na mais que provada falsa questão sobre Rui Tavares e a “Telescola”.

Pôs os pontos no is, aproveitando também para “puxar o tapete” às atordas parlamentares de Ana Rita Bessa e de Telmo Correia, mostrando assim que ninguém pode espalhar mentiras, em nome do CSD, à sua revelia.

Uma liderança revela-se desta forma, com frontalidade, ganhando o respeito democrático pela afirmação incontroversa da verdade.

Falaram-me tão bem desse texto! Alguém mo consegue encontrar?

Lideranças

Líder do CDS, hoje, ao “Expresso”: “O CDS é um partido eurocontido, não entra no exceitamento federalista, nem na negação dos valores da construção europeia”. 

É difícil dizer tanto nada com tantas palavras. Mas, contudo, também consegue nada dizer, com nenhumas palavras, perante o filo-fascismo de alguns dos parceiros do seu partido no PPE.

Uma “palavra” a Franco


Nestes 75 anos da vitória aliada na 2ª Guerra Mundial, convirá recordar que se deve à obstinação do ditador espanhol Francisco Franco, que, na reunião de Hendaye, terá convencido Hitler a não avançar até Gibraltar, o facto da Península ter sido poupada às consequências diretas do conflito.

Como é óbvio, se os alemães tivessem entrado em Espanha, nenhuma diplomacia “pelo meio dos pingos da chuva”, também chamada cinicamente “neutralidade colaborante”, teria evitado o envolvimento português na guerra ao lado do Eixo.

Por essa razão, que é puramente geopolítica, não tem o menor sentido o argumento de que “Salazar poupou os portugueses da guerra”, que alguns saudosistas procuram avançar, em tom atenuante, quando alguém fala, com razão, das décadas de malfeitorias do homem de Santa Comba. O qual, diga-se, anos depois, pela sua cegueira histórica, iria envolver o país em três guerras coloniais, convém já agora recordar.

O preço da vitória

Vale a pena lembrar, nestes 75 anos da vitória aliada na Segunda Guerra mundial, o preço que cada país pagou, em vidas humanas.

O dia da vitória


Estou a ver, ali adiante, a casa onde hoje vivo. Esta imagem é tirada de uma das varandas do edifício onde funcionava a embaixada britânica em Lisboa. Há três bandeiras, de três dos Aliados vitoriosos, nesse magnífico dia de 1945: Reino Unido, Estados Unidos da América e França. E houve também, como os relatos daquele dia o notam, pessoas que tinham na mão apenas um pau de bandeira, sem qualquer bandeira. Queriam simbolizar o outro vencedor da guerra, a União Soviética.

sexta-feira, maio 08, 2020

8 de maio, dia da Vitória


Onde é que eu estava a 8 de maio?
  • Hoje, estou confinado...
  • Há cinco anos, estava, precisamente a esta hora, a dar uma aula em Lisboa! 
  • Há 10 anos, estava a trabalhar em Paris.
  • Há 15 anos, estava a trabalhar em Brasília.
  • Há 20 anos, estava a começar uma visita de trabalho à Turquia.
  • Há 25 anos, estava a regressar de uma deslocação em trabalho a Itália.
  • Há 30 anos, tinha acabado de chegar a Lisboa, há pouco, depois de ter dado uma volta completa ao mundo (mesmo!), juntando trabalho e férias.
  • Há 35 anos, estava trabalhar em Luanda.
  • Há 40 anos, estava a trabalhar em Oslo.
  • Há 45 anos, estava na tropa, em Lisboa, no início do “Verão quente”, a fazer provas para entrar no MNE.
  • Há 50 anos, andava a tentar estudar Ciências Sociais, em Lisboa.
  • Há 55 anos, andava a fingir que estudava Engenharia, no Porto.
  • Há 60 anos, andava, garbosamente, no 3° ano do liceu, em Vila Real.
  • Há 65 anos, andava no escola primária “do Trem”, com o professor Pena.
  • Há 70 anos, brincava na casa onde então vivia, na rua Avelino Patena, desconhecendo que aí, onde tinha nascido, haviam reunido, faz no próximo dia 5 de outubro 110 anos, os conspiradores que implantaram a República em Vila Real (já lá está a placa).
  • Há 75 anos, dia da Vitória aliada na 2ª Guerra Mundial, ainda não andava por cá.

A China vai dominar o mundo?


No mundo antes do surgimento do novo vírus, a afirmação geopolítica da China vinha, desde há muito, a suscitar uma forte preocupação americana, desde logo pela perceção de que isso representava uma crescente ameaça direta à sua preeminência à escala económica global. Ao contrário de Obama (e do que poderia ter sido uma administração Clinton), que tinha apostado num “cerco” de parcerias económicas, envolvendo os seus aliados vizinhos da China, a linha de Trump apontou para um diálogo bilateral tenso, apostando em como Beijing não se arriscaria a um confronto económico-financeiro no qual teria muito a perder.

No imediato, a China contemporizou, Trump ganhou tempo e procurou levar os europeus para uma frente comum contra o perigo chinês. A Europa, que começa a encarar a China como um poder adversarial, não parece assumir ainda uma linha comum que permita uma sua antagonização aberta. Porém, o modo como aliados europeus dos EUA aceitaram incluir uma inédita referência à questão chinesa no comunicado da última cimeira da NATO prova que a porta, para um futuro entendimento entre americanos e europeus, não está totalmente fechada. A acontecer, isso só poderia ser feito desde que Washington optasse por uma postura de razoabilidade, pouco provável com a administração atual.

A preocupação europeia pela tomada de posições do capital chinês em ativos seus já não é de hoje, mas a verdade é que, num mercado aberto, quem tem meios disponíveis para aproveitar as oportunidades dificilmente pode ser travado por procedimentos administrativos. A Europa queixa-se de que países como Portugal alienaram ativos para mãos chinesas? E alguém dessa Europa se “chegou à frente”, no momento certo, para o evitar? Além de que convém notar que o nosso país, ao contrário do que alguns pensam, está muito longe de ser o maior hospedeiro europeu de capitais chineses.

A pandemia trouxe novos dados a esta equação. De um dia para o outro, a Europa parece ter acordado para a imensa dependência que, ao longo de décadas, criou face à China. E logo teve um reflexo “nacionalista”, protecionista, a que até o nosso primeiro-ministro foi sensível no seu discurso europeu. Há aqui, porém, um forte equívoco: o “made in Europe” não dá garantia estratégica absoluta a ninguém, como os italianos bem perceberam no auge do seu estado de necessidade. Além de que a China, passada a pandemia, vai regressar como um mercado essencial para a recuperação da indústria europeia, por muitas preocupações geopolíticas que Bruxelas possa suscitar.

Já se percebeu que os EUA optarão por alimentar cada vez mais teorias conspiratórias contra a China, que dêem a Trump a um inimigo externo que o ajude a renovar o seu poder interno. Não parece, contudo, que esse caminho possa vir a ter muitos seguidores, num mundo ansioso por capitais que o, embora limitado, crescimento chinês proporcionará. O futuro económico global não é muito risonho, mas nada indica que nele a China não possa continuar a sorrir.

(Artigo publicado a convite da revista “Visão”)

A oportunidade

A direita portuguesa, aquela que é democrática e quer continuar a ser decente, tem uma oportunidade de ouro para se demarcar do Chega. É que, se o não fizer, dá um bom argumento a quantos acham que, lá no fundo, ela tem a tentação eleitoral de ir colher votos racistas e xenófobos.

Gostos não se discutem



O Portugal de que gosto


Não alimento juízos definitivos de valor sobre o modo como os povos se relacionam uns com os outros, em termos de maior ou menor abertura para conviverem com as respetivas diferenças. Não entro na polémica, que alguns procuram trazer para a praça pública, sobre se Portugal é ou não um país racista ou xenófobo. Não faço parte de quantos acham que é útil fazer uma “sindicância” sobre o nosso passado colonial, lançando um debate auto-flagelatório sobre a nossa História. Já percebi que essa agenda anda por aí e, sobre ela, tenho a mesma teoria que as pessoas prudentes das aldeias têm sobre as queimadas: feitas sem ter em conta a força dos ventos podem dar origem a grandes incêndios.

Ao contrário do que acontece com muitos com o avançar da idade, sinto que tenho cada vez menos ideias gerais. Aprendi que as coisas são, em geral, muito mais complexas do que aquilo que uma abordagem impressionista parece indiciar. Talvez por isso, não alimento conversas de café sobre estados de alma nacionais. Vivi o suficiente para ter aprendido que se pode dizer uma coisa e o seu contrário e, no entanto, continuar a estar certo - porque a perspetiva é a do ponto a partir do qual se olha e não daquilo que está à vista.

Na vida que levei por algum mundo, representando Portugal, nunca ninguém me ouviu dizer que “os portugueses não são racistas” ou que a nossa colonização (e, já agora, a nossa descolonização) foi “exemplar”. Não é por Gilberto Freyre ser oriundo de uma antiga colónia que o “luso-tropicalismo” passou a ser uma categoria elogiosa, nem a nossa relação colonial ganhou uma suposta “bondade” graças a uma certa forma portuguesa de estar no mundo.

Somos hoje o que somos, como país. Mas de uma coisa tenho a certeza: seremos sempre um pouco mais se o nosso discurso assentar numa linha humanista e, em especial, numa firme vontade de fazer coincidir aquilo que fazemos com aquilo que, nesse domínio, defendemos.

Foi-me sempre agradável, como diplomata e como português, ver reconhecido nos fóruns internacionais, e no que os outros dizem sobre nós, a generosidade da nossa cultura de acolhimento dos estrangeiros que nos procuram, seja para melhorarem as suas condições económicas de vida, seja para se acolherem, para se refugiarem, quando perseguidos ou vítimas de situações de conflito.

Gosto muito de ver Portugal na vanguarda das atitudes internacionais em matéria de ações solidárias face aos migrantes e refugiados – da mesma forma que me envergonho ao ver certas forças políticas nacionais, com fortes responsabilidades democráticas, serem cúmplices pelo silêncio face aos comportamento miserável de alguns Estados europeus, só porque são dirigidos por partidos que pertencem à sua “família” política. Há famílias que não se recomendam!

Nesta crise da pandemia, senti um grande orgulho em ser português ao assistir ao gesto nobre, unilateral, do governo do meu país de legalizar todos os indocumentados estrangeiros. É deste Portugal que eu gosto.

quinta-feira, maio 07, 2020

Entrevista

Nenhuma questão importante deixou de ser colocada ao ministro das Finanças por Vitor Gonçalves, na Grande Entrevista que a RTP lhe fez esta noite. Será muito difícil fazer outras entrevistas assim?

Em defesa da liberdade de expressão

No debate que por aí anda sobre os comentários racistas, surgiram certas vozes a defender que, simplesmente, se deve calar à força quem disser enormidades daquele quilate. Cuidado! Não brinquemos com a democracia! Só o incumprimento da lei deve ser limite à liberdade de expressão

A câmara baixa

Há quem ache pouco prudente centrar um debate parlamentar num tema tão nojento como o que foi introduzido por um dos deputados da direita radical. Interrogo-me sobre se, afinal, não pode ser bem pedagógico ver a casa da democracia reagir, com voz dura, àquelas isoladas baixezas.

Honra e desonra

A TSF tem um lugar de honra na história da rádio em Portugal. Quando surgiu, cumpriu um papel de vanguardismo mediático idêntico àquele que tiveram o Expresso e o Público. Hoje, ao abrir o seu Fórum a uma temática como a que escolheu, a TSF arrisca-se a que alguém possa dizer que está a caminhar para um quadro de desonra. Não é esse o lugar da TSF.

As esquinas de Lisboa

Ontem, atravessando Lisboa de carro, cruzei-me com grupos de pessoas, sem máscara, conversando em esquinas, em registo de “business as usual”, com idade não só de terem juízo como de deverem ter cuidados acrescidos, por virtude dessa mesma idade. Fiquei com um mau pressentimento.

O mito das máscaras

Parece instalado na sociedade portuguesa o mito de que, usando uma máscara comum, se pode deixar de manter a distanciação física em relação aos outros. Não sou especialista, mas é por demais evidente que a máscara apenas limita parcialmente o risco de emissão e escassamente o de inalação.

quarta-feira, maio 06, 2020

Amanhã, na “Visão”


Munchau

Se eu estivesse no lugar de António Costa ou de Mário Centeno, este tweet de Wolfgang Munchau, que não é um produtor de “bocas”, mas é um observador muito atento de sinais (vitais), far-me-ia perder uns minutos de sono: “Other real bullet is the German court's explicit accusation that ECJ transgressed its competences, and is therefore to be ignored. Will open floodgates. This is the German version of Brexit.”

Igreja

Esteve muito bem o Cardeal Patriarca na questão das celebrações. Esteve presente na Assembleia da República e adotou uma atitude de sensatez quanto ao evento em Fátima.

Ai CDS...

É patético ver um partido com as credenciais históricas do CSD não se retratar abertamente, com a dignidade que deve ser a das instituições sérias, depois de ter embarcado numa acusação, que está já mais do que provada como infundada, que envolveu o historiador Rui Tavares.

Espirro

Dei um espirro (com máscara) num supermercado. Guardarei até ao final dos dias os olhares que vi à minha volta...

Pelo sim, pelo não...

Fui ao barbeiro. Coitados! Nem nos cuidados intensivos de um hospital se vive assim...

Mascarilhas

Antigamente, os homens tiravam o chapéu para cumprimentar os outros. Hoje, tiram a máscara para que os outros os reconheçam. Que raio de mundo em que estamos...

Regresso à escola

Mário Nogueira fala das condições “absurdas” para o início da aulas. Alguém que o informe que, no caso dele, pode continuar a não as dar...

Parabéns, “Observador”!

Se bem percebi, o “Observador” propõe que o governo não dê subsídios, mas que estimule que sejam feitos empréstimos às empresas de comunicação social, baseados no número de trabalhadores que esses órgãos tinham antes da crise e que não dispensaram.

Se assim é, parece uma ideia muito sensata.

... e a China aqui tão perto!

Fui a uma mercearia de bairro. À porta, um letreiro dizia que eram necessárias máscara e luvas. Eu ia de máscara. Da porta, perguntei: “são mesmo necessárias luvas?”. Lá de dentro, a resposta, sorridente, da chinesa, foi: “Nós vendemos luvas!”. Serviço completo!

A grande trivela de Quaresma


O “Público”


O “Público” traz hoje (Aleluia!) uma “carta ao diretor” recomendando que o jornal adote o Acordo Ortográfico.

Se assim o fizesse, textos de um excelente jornal como é o “Público” poderiam, finalmente, passar a ser recomendados pelos professores para leitura dos seus alunos.

A vigarice mediática

Continua, nas edições on-line da comunicação social portuguesa, mesmo em alguma com prestígio profissional que a obrigaria a uma atitude de maior responsabilidade, a prática desonesta de colocar títulos sobre temas chocantes, sem identificar a origem dos factos, apenas para provocar o “clickbait”, isto é, suscitar a abertura do ”link” pelo leitor enganado, como forma de contabilizar visitantes e assim vigarizar os seus anunciantes.

É para sustentar esta imprensa sem ética que é pedida ajuda através dos nossos impostos?

Os portugueses e o medo


Julgo que o comportamento dos portugueses, sob pressão desta pandemia, quer no modo como auto-regularam de imediato o seu quotidiano, quer na sua posterior interação com as determinações saídas do poder político, é talvez, a grande distância, o melhor retrato coletivo que o país deu de si mesmo, desde há muitos anos. Posso imaginar a “mina” que isto pode vir a ser para os nossos cientistas sociais.

Muitos de nós temos relutância em aceitar, sem a questionar, a ideia generalizadora de que “os portugueses” são “ assim” ou “assado”, embora também não resistamos, de quando em vez, a cair nessa caricatura, em especial por contraponto a outras nacionalidades - e os espanhóis são os que estão, quase sempre, mais à mão para essa comparação. Esse escrúpulo em fugir à generalização baseia-se na constatação de que essa imagem assenta bastante em preconceitos, o que os franceses qualificam com a bela fórmula de “ideias recebidas”.

Essa leitura estática do modo de “ser português” não beneficia, por exemplo, da influência das novas gerações, sujeitas a uma exposição sem precedentes às ideias exteriores, a referenciais e modelos cada vez mais comuns, através de um mundo digital que entra por todos os poros da sociedade. Teoricamente, essa influência, porque é transportada por uma linguagem idêntica, assente nas mesmas plataformas de informação, deveria tender a ser uniformizadora e a conduzir a formas de reação basicamente similares, independentemente das fronteiras, em especial em sociedades marcadas por padrões civilizacionais com grande aproximação.

Ora não foi isso que aconteceu. Nesta crise, cada país reagiu de forma diferente, as suas estruturas políticas tiveram atitudes e hesitações muito variadas, o mundo mostrou que, por muito que a sociedade global tenha hoje uma grande força, o modo de agir nacional continua ainda a ser, no final de contas, o referente essencial para o comportamento dos povos, em especial quando expostos a medos existenciais.

Entre nós, esta pandemia, mesmo que tenha carreado para o dia a dia atitudes em alguns casos contrastantes, desde um tropismo para a submissão temerosa até a atos de rebeldia libertária, projetou, no entanto, um modelo comportamental maioritário muito claro, do qual - aí sim! - podem extrair-se, com inteligência e métodos sociológicos apurados, conclusões muito interessantes sobre o que são, afinal “os portugueses”.

Será que é sob a influência dos medos coletivos que acabamos por nos conhecer melhor?

Os livros da vida (10)


Depois da sua implosão, a União Soviética deu origem a 15 diferentes Estados. Por motivos profissionais, tive o privilégio de visitar quase todo esse mundo que, nos dias de hoje, tem com Moscovo relações muito diversas - de algum amor a um imenso, e até crescente, ódio. Dos Bálticos aos Cáucasos e à Ásia Central, a antiga URSS deixou um mar de nacionalidades díspares. Um dia, sabendo do meu grande interesse por esta área do mundo, alguém me falou deste livro de uma autora bielorrussa, que havia sido, em 2015, Prémio Nobel da Literatura. O livro foi, para mim, um verdadeiro “murro no estômago”. É difícil classificá-lo. Nele se cruzam conversas com vítimas e nostálgicos da União Soviética, trazendo-nos a memória (ia escrever “sofrida”, mas a palavra não chega) dos tempos de Stalin, da 2ª Guerra Mundial, da invasão nazi, dos horrores, das fomes, das humilhações, mas também das grandes e pequenas alegrias de um povo muitas vezes mártir, outras vezes bárbaro, hoje “apátridas” de um passado, ao mesmo tempo glorioso e trágico, que o fim da Guerra Fria transformou num magma de frustrações e num palco de oportunismos. Fica a perceber-se melhor, acabada a leitura, a razão pela qual a Rússia é hoje dirigida por Putin. Saí deste livro, que me marcou imenso, com um respeito muito grande pela tragédia de quem passou pelo inimaginável. Lê-lo foi uma experiência única. E não digo isto de muitos livros.

terça-feira, maio 05, 2020

Os livros da vida (9)


Tenho uma memória “canina” àcerca dos locais onde compro os meus livros. Havia uma pequena livraria francesa, que parece já ter desaparecido, junto do Rockfeller Center, em Nova Iorque, onde, numa hora de almoço, em 2001 ou 2002, vi à venda este “L’écriture et la vie”, com a bela capa clássica da Gallimard. Enfarpelado de embaixador, com uma sanduíche e um Coca-Cola, sentado num murete, passei uma boa hora a ler, na cidade mais livre do mundo, o relato trágico da saída de um prisioneiro do inferno nazi de Buchenwald. Conhecia várias coisas de Semprún, mesmo bastantes (descubro agora que me falta ainda imensa coisa!), começando pelas que referenciaram o seu afastamento do comunismo espanhol. O livro que hoje refiro é dos que mais me tocou, pelo seu humanismo e pela solidez e maturidade da escrita, que voltamos a recuperar no “Adieu, vive clarté”, que aliás trata de um tempo cronologicamente anterior. Um livro “menor” de Semprún, de onde transparece o seu imenso desprezo por Alfonso Guerra, é o que relata a sua frustrante experiência como ministro da Cultura de Gonzalez, “Federico Sanchez se despide de ustedes”, uma das poucas obras de Samprún escritas originalmente em espanhol. Mas é um bom retrato da Espanha pós-franquista. Tenho muita pena de não ter conhecido Semprún, quando vivi em Paris. Mas, quem o conheceu, diz-me que nem sempre era uma figura agradável. Mas as figuras geniais, ao que parece, raramente o são.

segunda-feira, maio 04, 2020

Bolsonaro e Moro

Bolsonaro é o que é - não gastemos adjetivos. Em parte, é presidente graças ao ambiente político criado pela gestão habilidosa do Lava-Jato feita por Moro. Mas um ministro sair de um governo e começar a contar segredos do serralho define um caráter. Estão bem um para o outro!

Brasis

No Brasil há sinais de que pode ocorrer uma rutura formal da ordem constitucional, com o executivo a recusar-se, com eventual respaldo militar, a cumprir determinações do poder judicial. Se tal acontecer, estará em causa o Estado de direito democrático. E isso tem um nome.

As nossas “Mayas”

Acho fantástico como os comentadores portugueses olham para a realidade política. Será que o que se passou nos últimos anos, dos incêndios à pandemia, não os ensinou a ver que as coisas podem variar radicalmente em curto espaço de meses?

Os livros da vida (8)


Um dia, recém-colocado em Londres, adquiri um dos poucos “audio-livros” que tive em toda a minha vida: foi “Tinker, Tailor, Soldier Spy”. Num passeio pelo sul de Inglaterra, ouvi essas “cassettes” (julgo que eram ainda cassettes). Porquê? Porque, durante algum tempo, confesso que tive alguma dificuldade em conseguir ler, no original, as obras de Le Carré. “Ouvir” o livro ajudou-me assim a “entrar” na narrativa do autor, de quem julgo conhecer hoje praticamente toda a obra - e não é pequena. (Já tenho saudades de quando lia muita ficção, coisa que hoje não acontece). Le Carré é, a meu ver, o mais notável cultor de um estilo de romance de espionagem que assenta, precisamente, naqueles serviços secretos que sempre me interessaram mais: a “intelligence” britânica, que continua a ser para mim o mais fascinante desses mundos de “sombras”, a que o fim da Guerra Fria colocou um (apenas relativo) ponto final. O “Tinker, Tailor, Soldier, Spy” é, a meu ver, o romance mais bem construído da chamada “trilogia de Karla”, dentro de uma série bem mais longa, em que surge a extraordinária figura de George Smiley. Voltar a obras já lidas de John Le Carré é algo que tento fazer com regularidade e, como me acontece com outros bons romances, não é que continuo a descobrir por ali coisas que antes me tinham escapado? 

domingo, maio 03, 2020

Jornalismo

Tempos houve em que fazer jornalismo consistia em apresentar factos, com rigor, precisão e sem o menor viés opinativo por parte de quem redigia o texto. Os leitores, com base nessa informação, formavam então a sua própria opinião.

Era mesmo assim, acreditem ou não. Ainda alguém se lembra?

Silêncios


Este não é um silêncio “são”. Eu sei. Mas está-me a saber muito bem este silêncio de fim de tarde lisboeta, com alguma passarada em fundo.

Os interruptores


Imagem genérica dos entrevistadores televisivos que encavalitam perguntas ou não deixam acabar as respostas dos entrevistados, com o argumento de que não “temos” muito tempo.

Das mães



Há bastantes anos, telefonei a um amigo para lhe dar um abraço de pesar pela morte da sua mãe. Recordo-me de ele me ter dito que uma das coisas de que mais se arrependia era do facto de não ter conversado com ela, até ao fim, tanto quanto deveria ter feito. Fiquei com isto na cabeça e prometi a mim mesmo vir a ter isso em atenção, no futuro. Não tive. A minha mãe morreu há quase vinte anos. Até hoje, penitencio-me regularmente por não ter falado com ela tudo aquilo que deveria ter feito, o que sempre ponho à conta da vida algo errante (e, quando o não era, muito ocupada) que fui tendo. Mas, pensando melhor, esta é talvez uma ideia sem sentido: falamos com as pessoas, antes delas partirem de nós, exatamente aquilo que teria de ser. Alterar isso, forçar conversas só para as ter, seria artificializar o que, afinal, é apenas a coisa mais natural das nossas vidas.

Há uns meses, associei-me a uma iniciativa pública onde cada pessoa lia um poema sobre mulheres. Na altura, escolhi um texto de Eugénio de Andrade, chamado “Pequena Elegia de Setembro”, que aqui publiquei.

Repito-o, lembrando-me bastante, neste dia (embora, para mim, o dia da Mãe continue a ser o 8 de dezembro), da minha mãe: 


Não sei como vieste,

mas deve haver um caminho

para regressar da morte.



Estás sentada no jardim,

as mãos no regaço cheias de doçura,

os olhos pousados nas últimas rosas

dos grandes e calmos dias de setembro.



Que música escutas tão atentamente

que não dás por mim?

Que bosque, ou rio, ou mar?

Ou é dentro de ti

que tudo canta ainda?



Queria falar contigo,

Dizer-te apenas que estou aqui,

mas tenho medo,

medo que toda a música cesse

e tu não possas mais olhar as rosas.

Medo de quebrar o fio

com que teces os dias sem memória.



Com que palavras

ou beijos ou lágrimas

se acordam os mortos sem os ferir,

sem os trazer a esta espuma negra

onde corpos e corpos se repetem,

parcimoniosamente, no meio de sombras?



Deixa-te estar assim,

ó cheia de doçura,

sentada, olhando as rosas,

e tão alheia

que nem dás por mim.

Os livros da vida (7)

Foi naturalmente a carreira diplomática o motivo pelo qual alguém, um dia, me recomendou que lesse o “Les Ambassades”, de Roger Peyrefitte. O romance tinha ligação com um anterior, que só vim a conhecer mais tarde, “Les Amitiés Particulières”, uma obra de muito melhor qualidade literária. Peyrefitte escrevia primorosamente, embora muitas suas obras posteriores (como “Les Clés de Saint Pierre”, “Les Juifs”, “Les Fils de la Lumière” e, em especial, “Les Américains”, dentre os poucos mais que dele li) acabassem por fazer cedências a um modelo deliberadamente escandaloso, que o transformaram num “escritor maldito”, que a sua assumida pederastia bem justificava. O “Les Ambassades” é um romance divertidíssimo. Passado na Atenas pré-Segunda Guerra, ali se caricatura, com ironia e maestria, o microcosmos da embaixada de França, com os conflitos internos entre os titulares das várias funções internas. Quando entrei para a diplomacia, e por bastantes anos, aquele modelo tinha ainda algumas similitudes com a nossa própria realidade. Peyrefitte viria a escrever uma sequela, “La Fin des Ambassades”, já sem o mesmo fôlego e graça. 

sábado, maio 02, 2020

Saúde


Grande entrevista de Marta Temido à SIC, perante um Rodrigo Guedes de Carvalho que tentou ser muito incisivo mas, visivelmente, não estava à espera de uma entrevistada tão bem preparada.

Quem tiver dúvidas, pode ver aqui.

Ah! Lisboa...


... não estivesses tu confinada e eu chamava-te um figo!

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...