quinta-feira, outubro 26, 2023

Entrevista ao "Diário de Notícias"



O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, foi acusado por Israel de ter quebrado a imparcialidade do cargo. Concorda com esta leitura? 

Não. Acho que a função do secretário-geral é defender os princípios da carta das Nações Unidas e o engenheiro António Guterres, ao dizer o que disse e da maneira como disse, não só sublinhou aquilo que eram os princípios básicos da ONU como dignificou o cargo. O engenheiro António Guterres, na questão da Ucrânia, também se colocou de uma forma que foi lida negativamente por Moscovo, precisamente pela mesma razão, precisamente porque decidiu lembrar aquilo que são os princípios fundamentais da ONU.

E agora foi Israel.

Na questão de Israel, da Palestina e do Hamas, Guterres disse duas coisas e só está a ser sublinhada uma. Disse uma coisa que naturalmente funciona bem aos ouvidos de Israel, que é a questão da denúncia da ação terrorista do Hamas e do caráter absolutamente inaceitável de ter atacado populações civis, ter morto civis de forma cobarde e, de forma cobarde, ter raptado civis que agora procura instrumentalizar. Mas também disse uma coisa que é uma evidência e que muitas vezes a cobardia e a complacência no plano internacional têm evitado dizer. Disse que isto não aconteceu do nada. Porque é preciso percebermos que o Hamas faz aproveitamento daquilo que é a radicalização da injustiça de décadas a que a população palestina tem sido sujeita. Tem havido, por exemplo, contra a vontade das Nações Unidas, a construção de colonatos na Cisjordânia.

É isso que está a ser usado contra Guterres...

Eu tenho o maior dos respeitos por Israel e mais do que isso, Israel é um país cuja existência não está em causa e não deve estar em causa pela comunidade internacional. Mas a segurança de Israel, para mim, não é superior à importância da segurança dos palestinos e da vida dos palestinos. E enquanto Israel tem um Estado para proteger os seus cidadãos, só a comunidade internacional, isto é, as Nações Unidas, pode proteger os palestinos. É um bocadinho irónico, devo dizer, ver Israel a acusar as Nações Unidas de falta de independência quando Israel não cumpre as próprias resoluções das Nações Unidas. E mais: se eu disser que sou a favor da existência do Estado de Israel com fronteiras definidas à luz do direito internacional, serei considerado um adversário de Israel. Porque Israel não aceita as fronteiras que o direito internacional lhe atribuiu.

Voltando ao papel do secretário-geral, Kofi Annan disse uma vez que tem que ter imparcialidade, mas isso não significa neutralidade. Concorda?

É evidente que o secretário-geral não pode ser neutral, o secretário-geral tem um problema histórico, que é ser a voz do Conselho de Segurança. E fora desse tempo em que é a voz do Conselho de Segurança, quando o Conselho de Segurança está bloqueado, o secretário-geral tem apenas que ecoar os princípios gerais das Nações Unidas, aqueles que vêm da Carta da ONU. Não é por qualquer razão que Boutros Ghali não foi reeleito secretário-geral da ONU. Não foi pela simples razão de que, ao defender os princípios gerais da Carta, se colocou contra um Estado, que eram os EUA. E, portanto, o engenheiro Guterres sabe que, ao dizer estas palavras, está a defender aquilo que são os princípios das Nações Unidas, que é a razão pela qual ele foi eleito. Como português, fiquei muito honrado por aquilo que ele disse e fiquei altamente marcado por aquilo que ele disse. Ele tem que ser isento, não tem que ser neutral de maneira nenhuma, porque só podia ser neutral se fosse amoral. E ele não é amoral. Nós aqui em Portugal, que o conhecemos bem, sabemos perfeitamente bem que os princípios e os valores são a coisa que Guterres mais acarinha.

Israel pede agora a demissão de Guterres. Tem força para o fazer?

Israel tem a mesma força que tem um país que incumpre com todas as resoluções de Conselho de Segurança. Quer dizer, é evidente que se amanhã os EUA, a França, o Reino Unido, a Rússia, a China ou alguns deles subscreverem essas mesmas posições, a fragilidade do papel do secretário-geral aumenta. Eu diria, no entanto, que o secretário-geral, neste momento, tem um mandato e que o deve levar até ao fim e que só honra às Nações Unidas a circunstância de ter um secretário-geral que foi capaz de levantar bem alto os princípios da Carta das Nações Unidas.

Na história das Nações Unidas só houve um secretário-geral que se demitiu, que foi logo o primeiro, o norueguês Trygve Lie.

Exatamente. E outro [Dag Hammarskjöld] morreu num acidente de avião, provavelmente num atentado, no Congo. Mas houve outro que não viu o seu mandato renovado, que foi o Boutros Ghali, porque se opôs aos EUA, que não o deixaram renovar o mandato. Foi um conjunto de declarações que basicamente pôs em causa o papel dos EUA. Em relação ao engenheiro Guterres, eu acho que só honra as Nações Unidas ter um secretário-geral que diga estas coisas, que são, volto a dizer, banalidades. Isto se o mundo não tivesse uma complacência há muito tempo estabelecida. Nomeadamente esta entidade que tem uma postura absolutamente medíocre no Médio Oriente que se chama a União Europeia, que só serve para pagar estragos feitos nas guerras e que é incapaz de ter uma posição comum e que hesita sempre entre uma grande complacência em face às questões de Israel e alguma sensibilidade moral face à Palestina e não consegue a partir daqui ter nenhuma decisão definitivamente satisfatória. E que ainda outro dia titulou, com as declarações da senhora Ursula von der Leyen, um dos momentos mais baixos da história da sua própria política externa. Eu acho que Guterres fez muito bem e Guterres não pode ser neutral e acho que o pedido da sua demissão por parte de Israel deve ter como resposta um encolher de ombros.

Para finalizar, penso que a frase de Trygve Lie, de que o cargo é "o mais difícil do mundo" estará na sede das Nações Unidas. 

O que Trygve Lie dizia, no auge da Guerra Fria e no início das Nações Unidas, era porque sabia que no próprio quadro do Conselho de Segurança e nos membros permanentes com o direito de veto havia países que têm posições completamente diferentes e leituras completamente diferentes. O secretário-geral tem que ser uma espécie de representante de uma conflitualidade e portanto, quando a situação, quando o Conselho de Segurança decide sobre uma questão que não importa de forma vital a qualquer membro permanente do Conselho de Segurança, o secretário-geral tem um imediato poder e um imediato poder que pode exercer. Agora, quando há membros do Conselho de Segurança profundamente envolvidos, é evidente que a sua situação torna-se impossível. Eu não excluo que a situação, a certo momento se possa tornar impossível para António Guterres, num cenário em que os EUA subscreverem as posições de Israel. Guterres tem que ter a confiança dos membros permanentes do Conselho de Segurança. Se não tiver essa confiança, eu espero que o Brasil, que tem a presidência neste momento, seja capaz de tomar posições que permitam encontrar um caminho comum.

susana.f.salvador@dn.pt



quarta-feira, outubro 25, 2023

Artigo que publiquei, há uma década, no "Diário Económico"


"Na minha vida diplomática, dei-me conta de que criticar a ação internacional de Israel obrigava sempre a um "disclaimer", implícito ou explícito, sem o que se erguia o risco de cair, de imediato, na jurisdição dos atentos polícias do espírito: cuidar em não poder ser acusado de anti-semitismo e nunca deixar de referir que o povo judeu foi vítima da violência nazi.

A ajudar a este temor reverencial soma-se, desde o primeiro momento, um racismo anti-árabe, que condicionou o discurso popular. Tutelados por regimes retrógrados, embrulhados em panejamentos que os indiciavam noutro patamar da civilização, os árabes são-nos mostrados como uma espécie de bárbaros, apenas desejosos de "deitar os judeus ao mar". Por isso, e porque não eram aceitáveis os métodos extremistas da Fatah ou o não são os das várias seitas em que a revolta palestiniana se balcaniza, aos olhos de muito mundo passou a "valer tudo" por parte de Israel, desde os assassinatos da Mossad ("extra-judicial killings", na linguagem eufemista das Nações Unidas) às incursões sem limite pelas terras vizinhas. Ninguém ousa lembrar que Israel se recusa a cumprir as resoluções que a ONU aprovou (já agora, sem oposição dos EUA), muito embora se levante um escarcéu se outros países procederem de forma similar (desde logo, o Iraque).

Durante a "guerra fria", Israel estava do lado "de cá" e os árabes do "outro lado", embora se soubesse que as coisas não eram bem assim. Os judeus eram o povo perseguido, rodeado de "facínoras" que aproveitariam o seu menor descuido para o esmagar. Por isso, para o ocidente, era de regra apoiar, sem limites, tudo o que pudesse ser apresentado em favor desse "enclave" não árabe, que "dava jeito" quando era necessário (sem que ninguém tivesse de "sujar as mãos"), por exemplo, para dar uma lição às ambições nucleares iranianas ou ver-se livre de alguns terroristas, esquecendo leis. É que, neste "racismo nuclear" que por aí anda, o Irão não pode ter a arma atómica, mas Israel está aparentemente "isento" da observância do Tratado de não-proliferação.

Os EUA, mobilizados pelo lóbi judaico, neutralizam toda a atitude que possa limitar a liberdade do Estado israelita. A Europa, com o ferrete da guerra a marcar-lhe a memória, vive entre piedosos protestos perante os "exageros" de Telavive e os negócios com a constelação dos governos árabes. Estes, com os conflitos entre si a prevalecerem hoje sobre a sua acrimónia face a Israel, vivem mais preocupados em fazer sobreviver os seus heteróclitos regimes do que se sentem mobilizados para a causa palestiniana.

O absurdo de tudo isto é que, se alguém se atrever a afirmar que Israel tem o indeclinável direito de ver respeitadas as fronteiras que lhe foram consagradas pelas resoluções da ONU, é imediatamente acusado de ser inimigo jurado do Estado judaico. E se ousar dizer que, em troca da segurança desse território, garantida, por exemplo, pela colocação de forças internacionais de paz, protetoras dessas mesmas fronteiras, Israel deve prescindir de quaisquer ambições territoriais e recuar na construção de colonatos em territórios que ninguém reconhece como seus, de imediato fica crismado de anti-israelita, provavelmente de anti-semita e, ainda com alguma probabilidade, sei lá!, de simpatizante nazi. Dei-me conta que não falei de Gaza. Para quê?"

Lembrei-me deste texto hoje, dia em que senti orgulho em ser diplomata português, ao ouvir as palavras de António Guterres.

terça-feira, outubro 24, 2023

Eduardo Ferro Rodrigues


Fomos muitos, mesmo muitos, os que ontem encheram, a transbordar, uma grande sala do Centro Cultural de Belém, na apresentação do livro de memórias de Eduardo Ferro Rodrigues. Foi um grande momento afetivo, bem patente em todas as intervenções, a começar na do autor até à peça que encerrou a sessão, uma deliciosa fala de Marcelo Rebelo de Sousa. Foram ditas muitas e muito justas coisas sobre o Eduardo, o "Fefé", como muitos lhe chamam, desde há décadas. Saí - julgo que saímos todos - muito satisfeito daquela que, a pretexto de um livro, acabou por ser uma bela homenagem a um querido amigo, um grande cidadão da nossa República. 

segunda-feira, outubro 23, 2023

Brasil


O cartoon da Folha de S. Paulo de hoje seria impensável, há bem poucos anos. O facto de agora ser publicado, com naturalidade, dá bem conta do desprestígio que os militares brasileiros estão a pagar por se terem comprometido, do modo como o fizeram, com a gestão Bolsonaro.

domingo, outubro 22, 2023

A "Varina" da noite boa


Ontem, fui jantar à Varina, à velha "Varina da Madragoa", na rua das Madres. Andava ocasionalmente ali pela zona, tinha testado alguns locais na rua da Esperança que estão na moda e que, por isso, estavam infrequentáveis por excesso de turistas, pelo que subi até às Madres. Ainda não eram oito e meia e, ao contrário dos outros locais, a Varina estava às moscas, com a exceção de um casal estrangeiro, sentado num canto. O Veiga recebeu-nos com um imenso abraço comum, a que chamou "familiar", de genuíno contentamento por nos ver, como sempre acontece quando nos acolhe por ali, há quase quatro décadas.

Em boa hora chegámos porque, pouco tempo depois, houve uma enchente e a Varina passou a não ter um único lugar vago. Ao casal estrangeiro que já lá estava, que meteu conversa connosco, explicámos que a mesa onde se sentavam era a que habitualmente era ocupada por José Saramago. Eram canadianos, muito simpáticos e achavam, sinceramente, que Saramago era espanhol. Ela tinha lido o "Ensaio sobre a Cegueira", ele era cultor de "slow food", o que se notava pela calma com que ia debicando o que tinha à frente. Viram-nos comer umas pataniscas e uns grenadinos de vitela (é o único sítio onde ainda encontro, com esse nome, aquela espetada de vitela com bacon), duas coisas que quase sempre pedimos por ali. Saímos com eles a encomendar os grenadinos, comigo na esperança de que não achassem que, aqui por Lisboa, "a carne é fraca"...

Gostei de regressar à Varina, onde julgo que não ia (não, não é "desde a última vez que lá fui", como diria o venerando Thomaz) desde a última noite de Santo António em que, como em outros anos, por lá reuni mais de uma dezena de amigos à volta das sardinhas e das febras. Ontem, foi mais uma noite boa na Madragoa.

Beilin e a paz



"Ó doutor Seixas! Disseram-me que vai receber amanhã o Yossi Beilin? É verdade?"

A voz era de Jorge Sampaio, pelo telefone, pouco depois de jantar. Cedo na noite porque, ao que sempre presumi, o presidente deitava-se "com as galinhas".

O "doutor Seixas" era uma expressão que ele muitas vezes utilizava. Como só conheci pessoalmente Sampaio em 1993, quando eu vivia em Londres, nunca o tratei por "Jorge Sampaio", como ele passava o tempo a insistir que eu fizesse, comigo a persistir depois no "senhor presidente", que ele não gostava que eu utilizasse. Verdadeiramente, em privado, confesso que nem sei como acabei a tratá-lo...

Era, de facto, verdade que eu ia receber Yossi Beilin, ministro da Justiça de Israel de um governo de Ehud Barak, que visitava Portugal por uma qualquer razão e que tinha pedido para ter um encontro com o secretário de Estado dos Assuntos Europeus, que eu era nesse ano de 1999. Posso imaginar que nisso tivesse havido mão do então embaixador israelita em Portugal, um homem com quem eu tinha uma excelente relação.

Yossi Belin foi, por algum tempo, uma estrela no universo político de Israel. Como vice-ministro dos Negócios Estrangeiros de Yitzhak Rabin, Beilin é considerado o estratega israelita do Acordo de Oslo, entre Israel e a OLP. Foi com ele que o atual presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, trabalhou para a finalização do processo de paz. Depois do assassinato de Rabin, em fins de 1995, Beilin veio a ser ministro da Justiça e, mais tarde, dos Assuntos Religiosos, em governos de Barak. Saiu depois do Partido Trabalhista e passou para um partido mais à esquerda, de linha pacifista, Meretz, que chegou a liderar. Em 2003, viria a estar ligado à iniciativa de paz de Genebra e defendeu, anos depois, a ideia de uma confederação de dois estados - Israel e Palestina. Abandonou a política em 2008 e é hoje consultor no setor privado.

Jorge Sampaio, ligava-me nessa noite para pedir que, logo após o meu encontro com Beilin, eu lhe telefonasse. Ele recebia-o meia hora depois e pretendia uma avaliação minha, a montante da conversa que ele próprio iria ter.

Yossi Beilin era uma figura excecional e eu fiquei com a melhor das impressões, depois daquela meia hora de conversa. Sereno, ponderado, bom conhecedor das clivagens e fragilidades do lado palestino, pareceu-me sempre imensamente realista, em especial com uma grande "saudade" de Rabin. Lembro-me de me ter dito uma coisa que me marcou: uma das grandes dificuldades da gestão do processo de paz no Médio Oriente (na altura, a sigla PPMO fazia parte da nossa rotina) era o papel, nem sempre "helpful", dos países próximos de ambas as partes. Senti ali uma queixa em relação ao diverso mundo árabe e muçulmano, no tocante aos palestinos, mas igualmente à influência do lóbi judaico nos EUA, que não tinha um sentido unívoco e nem sempre estava em consonância com o ritmo da evolução do processo em Israel, imiscuindo-se mesmo na luta política doméstica em Jerusalem. Beilin pareceu-me cético quanto à possibilidade da União Europeia ter um papel substancial no PPMO, embora, na conversa, tivesse passado alguns "recados" que esperava pudéssemos canalizar para o debate Bruxelas.

Dei conta a Jorge Sampaio da conversa. Uma hora depois, ligou-me de volta:

"Doutor Seixas! Que figura, o Beilin! Com homens destes é que a paz naquela região pode um dia acontecer. Valeu bem a pena a conversa!" 

A paz não aconteceu, apesar de homens como Beilin.

Há pouco mais de um mês, eu tinha lido uma entrevista de Yossi Beilin ao "El País" onde ele explicava, "crystal clear", as razões do impasse no processo israelo-palestino. Depois do atentado do Hamas e do que se passa e vai passar em Gaza, tudo ficará agora mais difícil. Mas vale muito a pena ler a entrevista, que aqui deixo.

Anotei que Beilin tem exatamente a minha idade, que é também a idade de Israel.

sábado, outubro 21, 2023

As fronteiras da razão

A maior ironia do Médio Oriente é que se alguém for apanhado a dizer que é 100% favorável à existência do Estado de Israel, com fronteiras seguras e internacionalmente reconhecidas, é tido por hostil ao governo israelita. Porquê? Porque Israel não aceita essas fronteiras.

Teresa Magalhães


No final dos anos 80, vi o quadro numa galeria perto da praça de Espanha, gostei dele e comprei-o com cheques pré-datados, para serem descontados ao longo de meses, como então se fazia muito. Não foi barato, lembro-me. O quadro anda comigo, desde então. O meu pai, que dava um nome a cada um dos meus quadros não figurativos, chamava a este "A bota". Nos dias de hoje, o óleo está por Vila Real. Nunca conheci a autora, Teresa Magalhães, que soube que morreu agora, aos 79 anos.

Não chegaram a Vila Real, essa é que é essa!

 


sexta-feira, outubro 20, 2023

Não, não é sobre palestinos ...


 ... antes pelo contrário!

Muito bem, António Guterres!

 


Ai vai, vai!

Longe de mim estar a querer dar ideias a um pessoal por cujas ações tenho escassa (e isto é um "understatement") simpatia, mas, por este andar, mais dia menos dia, o presidente da República ainda vai acabar por ser aspergido de verde pelos "piquenos" radicais do clima.

Gaza


Nas próximas semanas, vamos ver por aí muita gente "Sem olhos em Gaza"...

Ah! Pois é!

E se aplicarmos a lei de Murphy à atual conjuntura internacional?: "Anything that can go wrong will go wrong, and at the worst possible time".

Biden

Estas palavras de ontem de Joe Biden explicam muito sobre o empenhamento americano na guerra da Ucrânia: "It’s a smart investment that’s going to pay dividends for American security for generations, help us keep American troops out of harm’s way".

quinta-feira, outubro 19, 2023

Mesa Dois


Estivemos lá ontem. Tal como já tínhamos estado na quarta-feira da passada semana. Na Mesa Dois do Procópio. Foi um grupo pequeno, capitaneado pela "Sedonalice" Pinto Coelho. Muitas mulheres, poucos homens. Vamos tentar reconstituir, nas próximas semanas, o espírito do local. O Nuno, sempre por lá, olha-nos do retrato desenhado pelo Caruso. E, conhecendo-o, deve estar a dizer: "Bebam um copo por mim!" Eu até bebi dois, por ele, por todos os que já lá não podem ir.

quarta-feira, outubro 18, 2023

Opção

José Cutileiro, uma figura desaparecida há uns anos e que teve uma carreira distinta no serviço diplomático português, contou-me que, um dia, no decurso de uma conversa com o presidente croata, Franco Tuđman, sobre a operação militar que levou os croatas a expulsarem os sérvios que viviam na região da Krajina, este comentou, em jeito de pergunta que não precisava de resposta: "Sempre é melhor uma limpeza étnica do que um genocídio, não acha?"

terça-feira, outubro 17, 2023

Campo de Ourique

 


E não é ...


... que há pr'aí uma malta que não gosta do outono?!

Preocupação

Ontem, telefonou-me um amigo, colega diplomata, com quem vou falando episodicamente pelo telefone, dada a dificuldade em nos encontrarmos. 

Ouve-me em aparições televisivas e quis transmitir-me um sentimento: a sua profunda preocupação sobre o momento que o mundo atravessa, em face do que considera ser a conjugação "perfeita" de fatores de instabilidade, que pode facilmente levar a uma tragédia. Falámos quase uma hora. Coincidimos em muitas coisas, divergimos marginalmente em algumas. 

Ele vê bastante televisão, imagens das guerras. Ouve comentários, avalia opiniões e tem juízos muito ponderados - quatro décadas de diplomacia ajudam muito. Tem vivido os últimos dias marcado pelos acontecimentos, embora com sentimentos interiores que confessa serem, às vezes, algo contraditórios.

Julgo que ficou chocado quando lhe disse que, desde há muito tempo, sou quase incapaz de assistir a um telejornal, de ouvir um debate televisivo, mesmo na "minha" CNN. E surpreendeu-se ao saber que, para me informar, apenas leio textos, muitos textos, e que deixei, quase em absoluto, de ver imagens de atualidade. E que, nos dias de hoje, me encharco de futebol, de Mezzo e de filmes "light", sem dramas nem sentimentos profundos. Ele sabe que, além disso, continuo a trabalhar bastante - e que o trabalho, desde que me conheço, entretem-me muito e, em geral, até me diverte.

Cada um de nós tem a sua forma de estar no mundo. Mas, curiosamente, mantemo-nos de acordo no essencial, como sempre aconteceu. E, em comum, comungamos hoje uma forte preocupação.

segunda-feira, outubro 16, 2023

Onde terá sido?

Na Polónia, o partido mais votado vai, muito provavelmente, perder a chefia do governo, com os restantes a entenderem-se para criar uma nova maioria. 

Estou a tentar lembrar-me do nome do país onde, há oito anos, uma solução similar foi acusada de ser anti-democrática.

Nunca tinha visto...


... o "Casablanca" desta perspetiva.

domingo, outubro 15, 2023

A expressão



Eram lendárias as hesitações daquele diplomata. Rebuscado cultor do perfecionismo, colocava em cada texto um esforço de afinação de escrita que ia sempre muito para além daquilo que o próprio bom-senso recomendaria. As matérias mais simples levavam-no a um trabalho insano, que demorava horas, porque não desejava deixar, a quem potencialmente o viesse a ler, a ideia de um descaso ou de menor atenção face àquilo que os arquivos dele iriam recolher para a História. 

De duas circunstâncias ele se não dava conta: por um lado, que o que ganhava em rigor perdia em leitura, porque a atualidade e interesse dos seus textos iam fenecendo na razão inversa do tempo que ele lhes dedicava. E, por outro, a realidade de que os postos onde operava estiveram, quase sempre, longe da linha de prioridades de quem tinha a responsabilidade por tomar conta da nossa política externa, o que levava a que essa sua elaborada escrita acabasse por ter um escasso universo de leitores.

Uma dia, numa zona do país onde estava colocado, ocorreu uma grave catástrofe natural, com perda de muitas vidas e haveres. Não obstante as agências noticiosas terem multiplicado pelo mundo, desde a primeira hora, relatos pormenorizados sobre a situação, o nosso embaixador, embrulhado na constante chegada de novos factos, foi adiando, ao longo de todo o dia, para grande desespero dos seus colaboradores, o envio de uma comunicação a Lisboa, menos para relatar o que já seria conhecido mas, por exemplo, para dar conta da sua avaliação sobre as medidas que, no entendimento da embaixada, Portugal deveria tomar para se associar ao esforço internacional de solidariedade que já se desenvolvia.

As comunicações, à época, estavam longe dos meios vários que hoje são utilizados. Nem o telefone era fácil de usar! Só ao final do dia o embaixador concluiu, com o requinte estilístico habitual, um longo texto que, rasurado e emendado mil vezes, chegou à funcionária do serviço da Cifra, que fazia a expedição dos "telegramas", a qual passou então um largo tempo a dactilografar para a máquina a obra-prima do seu chefe. Exausta, acabou, já ao início da noite, o "bem elaborado telegrama" (uma expressão clássica do MNE), o qual foi então enviado ao ministério, a Lisboa, onde, depois de decifrado, seria colocado sobre as secretárias dos responsáveis, na manhã seguinte. Tinha-se, assim, perdido um dia.

À uma da madrugada, o telefone tocou na casa da funcionária da Cifra. Era o embaixador. Pedia-lhe, em tom extremamente educado e delicado, se podia regressar à chancelaria, dada a necessidade de enviar algo "muito urgente" para Lisboa. 

A capital onde a embaixada se situava não tinha um ambiente muito sossegante, em matéria de segurança, principalmente durante as noites. Ciente de que se vivia um tempo excecional, a senhora, que já estava a dormir, saída da zona de subúrbio onde vivia, lá regressou ao local de trabalho, guiando o seu carro, num gesto de dedicação excecional. 

O embaixador esperava-a, no gabinete. Visivelmente grato, com um sorriso entre o nervoso e o embaraçado, estendeu-lhe uma folha com o texto manuscrito de um novo telegrama. À distância, ao ver que era uma mensagem muito curta, a funcionária sentiu-se aliviada. Ao menos isso! E lá foi para a Cifra enviar o texto para as Necessidades, Quando finalmente o leu, ia-lhe dando uma coisa má: "Muito agradecia que, no meu telegrama anterior, todas as vezes em que surge a palavra "terramoto", esta fosse substituída por "tremor de terra"...


(Publiquei este texto neste mesmo blogue no dia 15.10.2013, há precisamente 10 anos)

sábado, outubro 14, 2023

O problema das malgas

 
Anos 70 e 80 do século passado. Por esta altura de outono, quando passava por casa das minhas quatro tias, duas solteiras e duas viúvas, irmãs da minha avó materna, que viviam juntas nas Pedras Salgadas, recebia meia dúzia de malgas daquilo que, para a família, era a famosa "marmelada das tias". 

Com a sua tradicional modéstia, a tia Helena, a mais dotada de entre elas para a doçaria, lançava umas rituais reticências: "Este ano, a marmelada não saiu lá muito bem..." E lá vinha eu, o sobrinho-neto guloso, com uma recheada saca de malgas, não sem antes me ter alambazado, no lanche na mesa da braseira, com uma sanduíche com uma bela fatia do produto, sempre acompanhada de uma idêntica porção do queijo de bola comprado no Frutuoso. (Um dia, o Frutuoso mandou fazer uns sacos de plástico, mas, por lapso ou pelos ínvios caminhos do senhor, saiu neles impresso "Furtuoso", o foi levado à conta do exagero da balança que usava e dos preços que praticava...)

Mas não era da marmelada, nem sequer da excelente marmelada das tias, que eu queria falar. Queria falar das malgas. 

Desde miúdo até hoje, em casa dos meus pais ou depois da meia centena de anos que levo de casamento, que ouço uma conversa recorrente e nunca resolvida sobre malgas. Abre-se um armário e, à vista de uma qualquer malga, ouço logo uma referência à propriedade do objeto. No passado era: "Esta malga é das tias, temos de a levar de volta" ou "há que devolver esta malga à Mariazinha Rua", esta última uma senhora amiga que, por décadas, foi responsável pelos meus mais avantajados índices de glicose. Mais recentemente, a conversa passou a ser outra, mais ou menos lisboeta: "Esta malga veio, no ano passado, com a marmelada da Didas" ou "da Graça" ou "da Mariita". E a consciência, levemente culposa, de que aquilo não é nosso, fica a pesar no saldo de malgas cá de casa.

Não sei como se resolve, mas há um eterno problema com as malgas. Porque ele ainda se agrava quando, sem dolo mas com descuido, a marmelada confecionada cá em casa surge feita em malgas alheias. Mas já nem quero pensar nisso!

E não é ...

 


... que eu já estava com algumas saudades da chuva?

sexta-feira, outubro 13, 2023

SNS

O governo talvez fizesse um favor a si próprio se alguém, em seu nome, viesse a público explicar por que razão demorou um ano a aprovar a lei orgânica da nova estrutura do SNS. Não é só dizer: agora já está aprovada. Não. É dizer: houve erros, penitenciamo-nos, pedimos desculpa. Custa assim tanto?

quarta-feira, outubro 11, 2023

Matinas

Nunca fui um homem das manhãs. Sou mesmo um assumido "late riser". O silêncio da noite e das madrugadas é-me essencial para a leitura e trabalho. Mas, às vezes, abro algumas exceções, nesta década de "novas profissões" que levo como "ex-reformado", como alguém costuma chamar-me.

Fiz parte, por vários anos, de uma tertúlia de discussão sobre temas económicos e sociais, com uma dezena de pessoas, que se reunia, cerca de duas vezes por mês, das nove e meia às 11 da manhã. Nem um minuto mais. E era um belo exercício. Um dia, por razões que não vêm ao caso, teve de acabar.

Também no âmbito de uma empresa de que sou consultor, organizo, desde há vários anos, a audição de personalidades com funções ou conhecimentos relevantes, em torno de pequenos-almoços de trabalho. Essas pessoas fazem uma curta palestra, a que se segue um período de debate, que me cabe coordenar. Os convidados para ouvir o orador são umas dezenas de gestores de topo, oriundos de empresas de diversos setores. É gente muito ocupada, que tem muito pouco tempo: o exercício começa assim às oito e meia e termina exatamente uma hora depois. Ontem, foi mais uma dessas ocasiões. Uma excelente apresentação e uma bela discussão.

terça-feira, outubro 10, 2023

Letras a mais

Os vestígios da colonização britânica da Palestina permanecem: ainda se continua a traduzir "palestinians" por "palestinianos", em lugar de lhes chamarmos simplesmente palestinos.

Baixa intensidade

Na vida internacional, há conflitos que tem vindo a ser possível manter, por bastante tempo, sem afloramentos significativos de violência. É aquilo que é vulgar apelidar de "conflitos de baixa intensidade". O caso de (e não do, por favor!) Chipre é um deles.

A verdade é só uma?

Sente-se em algumas pessoas um doentio desejo de que os comentários internacionais nas televisões se reduzam a uma única linha de análise. É preciso resistir ao unanimismo, mesmo que o custo seja o insulto. A liberdade de expressão merece isso.

Será verdade?

Um amigo de direita dizia-me esta manhã: "Com o Montenegro na liderança do PSD, o PS ainda se "arrisca" a ganhar as europeias de 2024. Nem sabe no que se mete! O Passos ainda pode vir por aí. E não se fiem demasiado na memória negativa do tempo da Troika!" Será verdade?

O dia...

... começou muito cedo assim...

... e já vai assim...


... e acaba assim!


segunda-feira, outubro 09, 2023

Obsceno

A atual liderança da Comissão Europeia revela a sua natureza de burocracia inimputável em termos morais, querendo fazer pagar à generalidade do povo da Palestina as atrocidades cometidas pelo Hamas, escondendo que uma coisa é esse grupo e outra coisa é a Autoridade Palestina.

Sondando

A minha sondagem. Nos últimos dias, conversei com bastante gente da direita serena. Em todos - todos, sem exceção - detetei um profundo desencanto com a liderança de Luís Montenegro. A maioria estava "farta" do PS mas duvida de que, "por este caminho", se consigam libertar dele.

Por que será ? (3)


Por que será que se falou tão pouco desta sondagem? O foguetório que teria sido se os resultados não fossem estes...

domingo, outubro 08, 2023

Por que será ? (2)

Por que será que as NU não instalam uma força militar de interposição, a ser colocada na fronteira entre o território que é reconhecido a Israel pela lei internacional e aquele que essa mesma lei atribui aos palestinos - ambos com limites bem claros nas resoluções do CSNU?

Por que será?

Por que será que, nos dias de hoje, já ninguém ousa sugerir que sejam cumpridas as pertinentes resoluções do CSNU sobre o conflito israelo-palestino? Lembremos que elas foram sempre aprovadas com o apoio ou a não oposição do principal aliado de Israel, os EUA.

sábado, outubro 07, 2023

Grande Porto

 




Ainda vamos a tempo?

A imensa tragédia que atravessa Israel é também o saldo de décadas de tibieza dos atores internacionais relevantes, que nunca revelaram coragem política para isolar politicamente os vários responsáveis pelos ciclos de radicalismo que se têm sucedido no conflito israelo-palestino.

Pois é!

A causa ucraniana vive, desde o início do conflito, numa insuperável contradição: os democratas e amantes da liberdade que a apoiam sentem o desconforto de encontrarem, do mesmo lado da barricada, gente que, em tudo o resto, está nos antípodas das suas opções cívicas e políticas.

sexta-feira, outubro 06, 2023

Já agora...

Há quem queira comemorar o 25 de novembro? Muito bem. Eu, como militar de Abril, desejo que seja dado idêntico destaque oficial ao 28 de Setembro de 1974, em que "quebrámos os dentes à reação", e ao 11 de Março de 1975, em que derrotámos a golpada de Estado spinolista. Concordam?

As horas difíceis de Zelensky


Ver aqui.

quinta-feira, outubro 05, 2023

Viva a República!


Há muitos anos, um grande amigo, já desaparecido, sabedor do meu apreço pela memória republicana, ofereceu-me esta estatueta, que descobriu num antiquário. 

Viva a República!

quarta-feira, outubro 04, 2023

Coroa

Uma descendente da família que titulou a monarquia portuguesa vai casar. Quem se revê nesse regime e simpatiza com aquela família mostra júbilo pelo momento. Estão no seu pleno direito democrático. Até eu, republicano e jacobino dos quatro costados, desejo felicidades aos noivos.

Clima democrático

Não duvido que as novas gerações serão a principal alavanca para garantir uma mudança de atitude da sociedade face à questão ambiental. Mas duvido que essa mesma sociedade algum dia venha a aceitar que isso possa ser feito pelo recurso a ações à margem da ordem (que, relembro, é) democrática.

terça-feira, outubro 03, 2023

Baerbock

A "boutade" da ministra verde alemã, ao falar do sonho de uma União Europeia "de Lisboa a Lugansk" é, afinal, a versão alemã da Europa "de Cascais aos Urais", que já era a corruptela irónica de uma velha fórmula gaullista.

Uma expressão com barbas...

Foi bastante criativo o poema lido por A Garota Não nos Globos de Ouro, no qual usou, a certa altura, a expressão "a sorte que tive deu-me muito trabalho", ou uma coisa parecida. A artista, claro, não reivindicou a paternidade (deverei dizer maternidade?) da expressão, mas houve, nas redes sociais, quem achasse a frase uma original "trouvaille".

segunda-feira, outubro 02, 2023

Dissídios

Há por aí uma pequena confusão na análise dos dissídios europeus. Convém, assim, separar as águas. Os governos polaco e húngaro têm vindo a mostrar, desde há anos, comportamentos inconformes com os tratados europeus, em especial pela falta de respeito pela separação de poderes e outras "malfeitorias" anti-democráticas. Por essa razão, vivem sob escrutínio das instâncias comunitárias competentes. Curiosamente, a Polónia é ferozmente anti-russa (embora tenha tido um recente e pontual conflito cerealífero com a Ucrânia) e a Hungria é precisamente o contrário (embora com idêntico problema com Kiev). Surge agora, no mercado da polémica, o caso da Eslováquia, por coincidência também com um conflito com a Ucrânia por virtude dos cereais. Se, como tudo o indica, um futuro novo governo eslovaco vier a mostrar-se mais favorável a Moscovo e mais distanciado do apoio europeu maioritário à Ucrânia, nomeadamente opondo-se à entrada desta na NATO, a Eslováquia em nada incumprirá com os tratados europeus. O facto de não gostar do governo de Zelensky não tornará o novo líder popular junto da maioria dos parceiros europeus, mas, até prova em contrário, não o faz incorrer em qualquer ilegalidade face ao normativo comunitário. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. 

Pois é!


Tenho cada vez mais a sensação de que criamos, com o dono da oficina onde levamos o carro, uma relação similar à que temos com o médico generalista. Ele já conhece as nossas mazelas recorrentes e, às vezes, deixa cair: "Sabe, com a passagem do tempo, não há milagres..."

Voltando a coisas sérias


Como todos sabemos, um pouco por todo o país, muitos restaurantes cavalgaram, quase subitamente, o tempo de inflação para colocarem os seus preços a níveis exagerados, aumentando, de paralelo, as suas cartas de vinhos. Conheço casos escandalosos, quase obscenos. Mas, enquanto a onda turística e a bolsa mais abonada de alguns lhes der alento ao exagero, e porque a vida é deles, que lhes faça bom proveito.

Há, contudo, casas de restauração onde o bom senso prevalece e, não sendo restaurantes baratos, o nível de preços, atenta a sua objetiva qualidade, segue razoável e sensato. Vou dar dois exemplos, tirados da minha experiência e gosto pessoal, que admito tão subjetivos como qualquer outros.

O primeiro é o "Salsa & Coentros", talvez o restaurante lisboeta que me aflora de imediato à memória quando penso em comer bem. Situado em Alvalade, não longe do LNEC e da Avenida da Igreja, é um pouso seguríssimo, sob a mão experiente do Duarte, com um serviço profissional irrepreensível.

O segundo é uma casa um pouco menos conhecida, mas de muito boa qualidade: o "Raposo", na Rua Passos Manuel, a dois passos do Jardim Constantino. Menos glamouroso que o anterior em termos de espaço, tem um atendimento de primeira qualidade, serve lindamente e nunca de lá saí desiludido.

Ambos os restaurantes mantêm os seus preços, sempre na sua tradicional excelente relação com a qualidade, a níveis sensatos e, a meu ver, bastante aceitáveis. Por quanto tempo, não sei. Por ora, são um magnífico exemplo. E os bons exemplos devem destacar-se.

domingo, outubro 01, 2023

Convite


Meu caro Jaime.

Soube que procuraram "cancelar-te", por motivos políticos, num qualquer evento literário. Isto lembra-me que ainda te não tinha convidado para intervires na apresentação de um livro que, dentro de semanas, vou editar. 

Aqui fica o convite público, com um forte e amigo abraço.

O fim do sonho do Nagorno-Karabakh

 


Ver aqui.

sábado, setembro 30, 2023

A Espanha cada vez mais dividida



Pode ver aqui.

Depois queixem-se!

Com a "vox populi" a encaminhar-se, dia após dia, para a atribuição das culpas aos estrangeiros residentes pela falta de casas, está-se a criar por aí, devagar, devagarinho, uma espécie de xenofobia 2.0. Depois queixem-se!

E agora, como será?

Depois da condescendência perante o ato das meninas da tinta verde, iremos também assistir a uma complacência face aos atos de destruição que tiveram lugar na manifestação pela habitação? Aguarda-se um repúdio desse vandalismo, idêntico ao que a presença do Chega suscitou.

O custo da guerra na Ucrânia e as hesitaçôes internacionais


Pode ver aqui.

Toponímia política

Quem se dedica às questões internacionais sabia que a capital do Nagorno-Karabakh se chamava Stepanakert. Convém que se desabituem: os azéris, novos donos da casa, chamar-lhe-ão Khankendi. Tal como os russos sonham poder chamar eternamente Artmovsk a Bakhmut.

Fernando Alves


Não conheço pessoalmente Fernando Alves, mas ouvia com muito agrado a sua rubrica. A certeza de que tudo tem um fim não nos deve inibir de dizer que, às vezes, é pena que assim seja.

sexta-feira, setembro 29, 2023

Passando a coisas sérias...


 ... gostava de dizer que fui hoje almoçar, com um amigo, a um excelente - e, para mim, até agora, desconhecido - restaurante em Algueirão (rua dr. João de Barros, 88), na linha de Sintra. Por feliz indicação de um outro amigo, pessoa que tem o país escrutinado em matéria gastronómica, descobri o restaurante "A Oliveira", onde comi um soberbo arroz de lingueirão, antecedido de umas ameijoas à Bulhão Pato de se lhes tirar o chapéu. O preço foi "em conta". É uma casa muito pequena, com um serviço delicado e sabedor, com necessidade imperiosa de reserva (211 978 591). Um alerta: nas próximas duas ou três semanas, por razões dos mares, não haverá por ali lingueirão, mas o resto da lista é muito apelativo. Experimentem e não se arrependerão! 

quinta-feira, setembro 28, 2023

Transnístria

Não nos devemos admirar se, um destes dias, viermos a assistir a uma ação militar da Moldova na Transnístria, seguindo o exemplo do Azerbaijão no Nagorno-Karabakh. A crescente retórica do governo moldavo pode indiciar esse caminho. E os EUA e a UE apoiariam essa ação, pela certa.

Antes que esqueçamos...

Para a história, fica a frase antológica de Luís Montenegro: "O PSD, nem na Madeira nem no país, fará um acordo com o Chega, porque não vai precisar”. A primeira parte da frase é de uma rejeição prenhe de valores! A segunda parte é só inqualificável: "porque não vai precisar"...

quarta-feira, setembro 27, 2023

O clima, por exemplo

A História prova que certas causas com forte impacto social, que convocam emoções mediatizadas, utilizam métodos cada vez mais radicais e transgressores, mesmo à margem das leis, que esperam ser tolerados, por alegarem pureza de motivos e a genuinidade dos prosélitos envolvidos.

E o HLPG, senhores?!


Imagino que o título deste post cause estranheza a quase todos os que o leem.

O mundo acordou, nos últimos dias, para a tragédia que atravessa o Nagorno-Karabakh, um território do Cáucaso do Sul cuja soberania, desde o final da União Soviética, tem sido disputado pelo Azerbaijão e pela comunidade arménia que lá vive. Esta última chegou a reivindicar a criação de um Estado, designado Artsakh, que nunca obteve reconhecimento internacional. 

Nas últimas décadas, vários sangrentos ciclos de guerra ocorreram no território, entre as forças armadas do Azerbaijão e da Arménia, sempre com tardias tentativas de apaziguamento feitas pela Rússia, que ali mantinha uma pouco eficaz "operação de paz". 

O crescente apoio da Turquia às pretensões azeris, a fragilidade conjuntural da Rússia e a incapacidade militar da Arménia para conseguir acorrer aos cidadãos com essa origem que vivem no Nagorno-Karabakh terão estimulado o Azerbaijão a executar agora um derradeiro golpe de mão para se apossar da totalidade do território. Uma tragédia humanitária é expectável.

Quando, em 2002, fui para Viena chefiar a nossa representação junto da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), durante a presidência portuguesa da organização, o tema estava bem presente na nossa agenda. 

A questão vinha a ser tratada, desde 1994, pelo chamado "grupo de Minsk", uma entidade criada no seio da OSCE para mediar o conflito, composta por 11 países (que Portugal, curiosamente, integrava), cujo trabalho negocial não tinha dado resultados visíveis, "to say the least". 

Em Viena, dependente politicamente do "grupo de Minsk" e funcionalmente da OSCE, existia uma estrutura militar, o HLPG (High Level Planning Group). Devo dizer que, até aterrar na Áustria, eu nunca ouvira falar do HLPG.

Tempos depois da minha assunção de funções, o diplomata português que seguia o dossiê na nossa presidência, José Manuel Carneiro Mendes, transmitiu-me o convite do chefe do HLPG para que eu visitasse essa estrutura. 

Fui então simpaticamente acolhido num andar central de Viena por um grupo multinacional de dez oficiais (idealmente seriam 13, mas havia países que estavam em atraso no envio dos seus oficiais), secretariados por uma simpática senhora, que me fizeram um "briefing" sobre a situação no terreno, a qual nada diferia das informações que o "Conflict Prevention Centre" da OSCE me transmitira. 

Mas, afinal, para que servia o HLPG? O objetivo da estrutura era estar preparado para montar uma operação de "peacekeeping", logo após o estabelecimento de um acordo entre as partes, eventualmente a ser obtido pelo "grupo de Minsk". 

Com exceção de algumas missões de observação no terreno, quando as partes assim o consentiam, o grupo vivia encerrado há oito anos naquele andar, com mapas desatualizados, sem um serviço mínimo de "intelligence" que o abastecesse de dados relevantes, sendo as "missões" da OSCE na Arménia e no Azerbaijão os seus escassos suportes informativos. Assim era desde 1994...

O ambiente, naquele escritório, era algo estranho. Entre um chá e um bolo que nos foi oferecido pela senhora, pressentia-se um sentimento de inutilidade por parte daqueles militares. No final, para coroar a minha visita, o militar que chefiava a entidade, um oficial suíço, ofereceu-me um canivete do seu país... 

Na ingenuidade de que a razão podia prevalecer, nas semanas seguintes sondei discretamente os "major players" da OSCE, bem como as duas partes diretamente interessadas, com vista a tentar perceber se não seria possível fazer "destroçar" a tropa acantonada naquele dispendioso andar da capital austríaca. A minha ideia era fazê-los regressar aos respetivos países, reconstituindo-se o HLPG se e quando uma hipótese remota de acordo viesse a ser viável. A poupança orçamental seria significativa, fosse para os cofres da OSCE (200 mil euros/ano, à época), fosse para os países de onde os militares (de várias patentes) eram "seconded".

O que eu fui dizer! Com maior ou menor ênfase, não houve um só dos meus interlocutores que desse a menor abertura a essa minha "bizarra" ideia, a começar pela Arménia e pelo Azerbaijão. Para todos eles, se levada à prática, a minha proposta indiciaria um menor empenhamento internacional na resolução do conflito. E assim fracassou a minha inocente ideia. E por ali foi ficando o HLPG, desde há 29 anos...

Por estas horas, em que a hipótese de uma operação de paz no Nagorno-Karabakh deixou de poder sequer conjeturar-se, imagino que o "vigilante" HLPG possa estar em processo de "destroçar", como se diz na tropa. Ou, se calhar, ainda é cedo, porque encerrar uma estrutura institucional, em regra, demora bastante mais tempo do que criá-la...

Quando ouço falar nas "gorduras do Estado" e de gastos supérfulos, lembro-me tantas vezes do HLPG...

terça-feira, setembro 26, 2023

Russofobia

A triste cena ocorrida no parlamento do Canadá, onde um equívoco histórico pôs toda a gente a saudar entusiasticamente um combatente pró-nazi, só foi possível pelo ignorante ambiente de russofobia, incapaz de separar o regime de Putin da heróica luta da URSS contra o nazismo.

Olé!

Sei que isto vai enfurecer alguns, mas quero dizer que, se há uma coisa que um futuro governo Sánchez, com todo o seu radicalismo e "political correctness", deveria fazer era pôr um imenso ponto final nas touradas. Eu, do lado de cá do Caia, aplaudiria.

segunda-feira, setembro 25, 2023

Outono

Não se consegue arranjar uma fotografia decente para ilustrar um tweet sobre o Outono. Só aparecem folhas e jardins com neblinas. Que falta de imaginação!

Macron

A entrevista de hoje de Emmanuel Macron à televisão francesa foi um repositório enfático de auto-propaganda, muito ao estilo do "o que preocupa os franceses é...", um velho truque demagógico para só dar como resposta o que se quer fazer passar. Macron é hoje uma carta esgotada. 

Ainda a tempo...

A alguém passou por um segundo pela cabeça que o líder regional da Madeira se iria demitir? Só contado p'ra você, como dizem os brasileiros.

A caça às bruxas

Pelo Twitter, vive-se alguma agitação em torno das prestações de certos comentadores televisivos sobre a guerra da Ucrânia. Pelos vistos, há gente que entende que só tem direito a falar quem diz o que essa mesma gente pensa.

A França que se foi...

Ouvir Macron falar do papel atual da França em África ou do quensignifica, em termos efetivos, o seu apoio à Arménia foi um espetáculo penoso, na entrevista televisiva de ontem. Custa ver um poder europeu em evidente declínio. E, no que me toca, custa-me mais, por ser a França.

Muita atenção a isto!

A pedido da Alemanha e da França, um grupo de especialistas elaborou um documento com propostas institucionais e de incidência nas políticas comunitárias destinadas a "preparar" a União Europeia para futuros alargamentos. 

São propostas com sérias consequências, que seria vital discutir muito bem.

... ou isto!

Percebe-se o afã de Luís Montenegro de partilhar o (razoavelmente) bom resultado do PSD Madeira. Mas é legítima uma leitura menos simpática: foi preciso que Luís Montenegro chegasse a líder nacional do partido para que o PSD Madeira perdesse a sua histórica maioria absoluta...

domingo, setembro 24, 2023

Seria um ato de coragem. Será?

Marques Mendes disse hoje, na televisão, uma coisa imensamente sensata: é preciso, com urgência, proibir as raspadinhas.

Giorgio Napolitano


Morreu Giorgio Napolitano. Tinha 98 anos.

Em 1953, Napolitano foi deputado pela primeira vez, pelo Partido Comunista Italiano. Muitos anos depois, já como membro dos Democratas de Esquerda, foi presidente da Câmara dos Deputados, ministro do Interior, senador vitalício e presidente da República italiana, neste caso por nove anos.

Foi através de Piero Fassino, que foi presidente da Câmara de Turim e ministro da Justiça (grande amigo do antigo secretário de Estado português, Victor Neto, ao tempo do exílio deste em Itália), que conheci Napolitano.

Eu havia criado com Fassino uma forte relação, que se mantem até hoje, desde o tempo em que tivemos responsabilidades similares nos nossos respetivos governos. Napolitano e Fassino, ambos oriundos do Partido Comunista Italiano, tinham colaborado no "aggiornamento" de Berlinguer e faziam parte de quantos, mais tarde, com d'Alema, haviam trazido o velho PCI de Togliatti (e de "Peppone", claro) para o "mainstream" da política italiana, também muito graças ao "compromisso histórico" que pode ter custado a vida a Aldo Moro.

Em inícios de 1997, Fassino telefonou-me para Lisboa, perguntando se eu estaria disponível para ter uma conversa com Giorgio Napolitano, à época ministro do Interior, durante uma deslocação que, na semana seguinte, eu iria fazer a Roma, já não recordo bem para quê. Acedi de imediato.

Em Portugal, por esse tempo, cabia ao secretário de Estado dos Assuntos Europeus a gestão do dossiê do Acordo de Schengen, o que era um expediente para superar a rivalidade entre os ministérios da Administração Interna e da Justiça no tratamento do tema. Assim, no ano de 1997, iria competir-me a titularidade da presidência daquele acordo, que Portugal ia assumir por regra rotativa.

A Itália tinha subscrito o acordo em 1991 (Portugal apenas em 1992), mas só veio a aplicá-lo em fins de 1997 (com Portugal a pô-lo em vigor em inícios de 1995). As principais razões do atraso da Itália prendiam-se com a falta de confiança dos parceiros na sua capacidade de controlo das fronteiras externas.

Napolitano recebeu-me no seu soberbo gabinete do ministério do Interior, em Roma. Tinha 71 anos e já parecia ter muitos mais. Os seus movimentos eram lentos, as palavras também, mas o seu raciocínio era muito ágil. Recordo sempre o comentário do meu então chefe de gabinete, Miguel de Almeida e Sousa, no final da reunião: "O velho é muito vivo!"

A nossa conversa começou em torno dos melhores chás pretos, que ambos apreciávamos e tínhamos pedido, com ele a tomar nota, com um lápis, num pequeno pedaço de papel, de uma marca inglesa que então lhe recomendei. O tempo, naquele ambiente antigo, parecia suspenso. Pelas caras de quem ia comigo, a começar pelo nosso embaixador em Roma, percebi que o ritmo da audiência poderia vir a contaminar outros encontros e reuniões que eu ainda teria nesse dia. Não tenho ideia se isso veio a acontecer.

Napolitano, numa voz cava e pausada, que mantinha num registo baixo, foi direito ao assunto: a Itália precisava de garantir, na reunião ministerial a que eu presidiria, em Lisboa, meses depois, o seu lugar de pleno direito em Schengen. Um país fundador das comunidades europeias não podia ficar fora do sistema.

Eu trazia a lição estudada. Lembrei as medidas técnicas que a Itália se comprometera a aceitar, em matéria de portos e aeroportos - que outros parceiros consideravam ainda muito incompletas, num processo de decisão que funcionava a unanimidade. Ao contrário de Fassino, que fazia esgares e se mexia na cadeira, ao ouvir, com alguma contratiedade, aquilo que eu ia dizendo, Napolitano mantinha uma atitude impassível, mesmo ao explicitar o seu contra-argumentário.

Com toda a simpatia, que era real, pela posição italiana, disse-lhe que faria o meu melhor na ministerial de Lisboa. Mas não prometi nada, a não ser a melhor boa vontade.

A reunião de Lisboa foi muito difícil, e não apenas por causa da Itália. Só consegui fazer vingar um compromisso final... pela fome! Prolonguei a reunião por horas, com sucessivos "drafts", até conseguir o resultado pretendido. O almoço oferecido aos delegados, no CCB, só começou quase às quatro horas da tarde, com alguns a perderem aviões.

Conseguimos, no final, depois de muitas horas em que isso pareceu impossível, que fosse aceite um compromisso que, segundo recordo, consagrava a plena e automática aplicação de Schengen à Itália, desde que esse país fosse ultrapassando, com sucesso, nos meses seguintes, uma lista calendarizada de exigências técnicas ainda em falta. Se assim acontecesse, mas sem necessitar de uma nova e penosa ratificação política pelos governos, o país teria o seu lugar de pleno direito no acordo. Assim sucederia, meses mais tarde. Napolitano pôde então anunciar que os ministros de Schengen tinham dado o seu acordo político para a aplicação do sistema à Itália, que apenas teria de colmatar alguns pontos técnicos residuais.

Nessa tarde no CCB, com todos nós esgotados pela longa jornada, que tivera início num jantar na véspera nas Necessidades, Giorgio Napolitano ficou tão contente com a fórmula que havíamos conseguido, que, no termo da reunião, me pregou dois repenicados beijos na cara.

Passaram, entretanto, mais de dois anos.

Em janeiro de 2000, Portugal defrontava-se com dificuldade em obter o "avis conforme" do Parlamento Europeu para poder arrancar com a Conferência Intergovernamental que iria rever o Tratado de Amesterdão. Tratava-se de superar uma exigência, suscitada por alguns e rejeitada por outros Estados, de incluir na agenda negocial um determinado ponto. Napolitano era o presidente da poderosa Comissão Institucional, por onde tudo teria de passar. Portugal tinha uma fórmula a propor, mas necessitava de ajuda para garantir que ela seria aceite.

Fui ver Giogio Napolitano ao seu gabinete em Estrasburgo. Mal eu tinha acabado de lhe expor as dificuldades com que nos confrontávamos, sempre com aquele seu fácies só aparentemente impassível, retorquiu-me: "Francisco. Nunca esqueci a ajuda preciosa que me deste em Lisboa. Agora, farei tudo o que puder para te ajudar." E fê-lo, com grande empenhamento, auxiliando-nos num momento particularmente delicado. Eu também não esqueci isso.

A Eslováquia na guerra dos cereais

Ver aqui.

sexta-feira, setembro 22, 2023

Tudo pelo melhor

Em tempos que há muito já lá vão, tive uma tia avó que, ao falar-nos de como ia a vida dos filhos e dos respetivos netos, só relatava insuperáveis venturas. Quando, uma vez por outra, passávamos a visitá-la, na cidade distante onde vivia, para um chá e uma conversa a matar saudades, as notícias eram invariavelmente gongóricas. Os casamentos ou os namoros iam sempre lindamente, com gente do melhor, de famílias simpaticíssimas (mais do que simpatiquíssimas, portanto), os empregos ou os negócios de cada um eram só sucessos, cada qual melhor do que o outro.

Depois, com a passagem dos meses e anos, ia-nos chegando a realidade. Os tais laços românticos tinham redundado, algumas vezes, em separações ou em divórcios, conflitos pessoais insanáveis tinham emergido, tinha ocorrido o desemprego de algum, a falência de outro, às vezes a forçada emigração de outro ainda. Nada que fosse incomum à generalidade das famílias, só que, ironicamente, acabavam por ser factos contrastantes com o quadro idílico que tínhamos ouvido, nas anteriores narrativas daquela senhora. E, às vezes, chegava a ser penoso, ao revê-la, encontrá-la teimosamente afirmativa, nunca querendo dar parte de fraca, embora esforçada no adaptar do discurso, já com os exageros de esperança a esconderem as verdades da vida.

A senhora minha tia não falava inglês. Por essa razão, mesmo que quiséssemos (e não queríamos) nunca lhe poderíamos explicar que os anglo-saxónicos têm a expressão "wishful thinking" para designar pensamentos e mitos auto-sossegantes, desenhados apenas pelos desejos, que frequentemente tropeçam na realidade.

Ontem, ao ouvir alguns comentários sobre os resultados da ida de Zelensky aos Estados Unidos, lembrei-me muito daquela minha tia.

"Quem quer regueifas?"

Sou de um tempo em que, à beira da estrada antiga entre o Porto e Vila Real, havia umas senhoras a vender regueifas. Aquele pão também era p...