Em tempos que há muito já lá vão, tive uma tia avó que, ao falar-nos de como ia a vida dos filhos e dos respetivos netos, só relatava insuperáveis venturas. Quando, uma vez por outra, passávamos a visitá-la, na cidade distante onde vivia, para um chá e uma conversa a matar saudades, as notícias eram invariavelmente gongóricas. Os casamentos ou os namoros iam sempre lindamente, com gente do melhor, de famílias simpaticíssimas (mais do que simpatiquíssimas, portanto), os empregos ou os negócios de cada um eram só sucessos, cada qual melhor do que o outro.
Depois, com a passagem dos meses e anos, ia-nos chegando a realidade. Os tais laços românticos tinham redundado, algumas vezes, em separações ou em divórcios, conflitos pessoais insanáveis tinham emergido, tinha ocorrido o desemprego de algum, a falência de outro, às vezes a forçada emigração de outro ainda. Nada que fosse incomum à generalidade das famílias, só que, ironicamente, acabavam por ser factos contrastantes com o quadro idílico que tínhamos ouvido, nas anteriores narrativas daquela senhora. E, às vezes, chegava a ser penoso, ao revê-la, encontrá-la teimosamente afirmativa, nunca querendo dar parte de fraca, embora esforçada no adaptar do discurso, já com os exageros de esperança a esconderem as verdades da vida.
A senhora minha tia não falava inglês. Por essa razão, mesmo que quiséssemos (e não queríamos) nunca lhe poderíamos explicar que os anglo-saxónicos têm a expressão "wishful thinking" para designar pensamentos e mitos auto-sossegantes, desenhados apenas pelos desejos, que frequentemente tropeçam na realidade.
Ontem, ao ouvir alguns comentários sobre os resultados da ida de Zelensky aos Estados Unidos, lembrei-me muito daquela minha tia.
8 comentários:
Deve estar a referir-se ao major general com quem partilha painel, exemplo de muitos que aí andam, para o qual os ucranianos não iam sequer ser invadidos, que se o fossem era em dois dias que a coisa acabava, não ia haver contra ofensiva, está a ser inocua, etc. Mas a quem a realidade tem vindo a provar a sua tia.
Ouvi muitos comentários na TV e alguns deles não me agradaram. Se há gente que pode confundir desejos com realidades há outra que, facilmente, atira a toalha ao chão e parece que não se libertou, ainda, de um certo temor reverencial pela Rússia que vem dos tempos da URSS. Há que estar atento aos dois lados.
Interpretar as parábolas à luz das ideias feitas de cada um é uma forma pouco sofisticada de "wishful thinking".
Só posso dizer a Erk que está redondamente enganado.
ou não fora diplomata...
As análises independentes e insuspeitas (???) dos majores generais Agostinho Costa e Carlos Branco:
"Os russos já estão em Kiev" (major-general Agostinho Costa, CNN, 25/2/2022)
"Estou convencido que o senhor Zelensky já não está lá [em Kiev]. Senão a gente via-o na rua. Já não está lá. Está certamente em Lviv, está certamente em Lviv" (major-general Agostinho Costa, SIC/N, 28/2/2022).
"O senhor Shoigu, o ministro da Defesa, é um homem de barba rija" (major-general Agostinho Costa, SIC/N, 28/2/2022)
"Os russos não estão interessados em invadir a Ucrânia. Só o farão in extremis" (major-general Carlos Branco, Jornal de Negócios, 11/2/2022)
"Temos que analisar estas questões com muita cautela, com extremo cuidado, porque podemos cair nalguns engodos. Existem coisas que se chamam operações psicológicas, informações de operações... há que ter sempre muita cautela. Reparei que algumas pessoas que estavam no chão tinham uma faixa branca no braço. Essa faixa branca era utilizada pelos civis de Bucha que eram pró-russos ou coniventes com os russos e são esses indivíduos que estão no chão. Eu tenho algumas dúvidas sobre a razoabilidade dos russos matarem os indivíduos que estavam com eles." (major-general Carlos Branco, CNN, 3/4/2022, comentando as notícias sobre o massacre de 320 civis em Bucha)
Fernando Neves
Não sei porque dizes. Os ukranisno estão quase a chegar à Sibéria
Às vezes vejo comentários que não compreendo. Não compreendo, por exemplo, um crítico da posição do Zelensky sobre a retirada do veto da Rússia no Conselho de Segurança como se houvesse países de primeira e países de segunda. Como não compreendo, noutro plano, a piada do comentário anterior.
Enviar um comentário