Há dias, durante a 3ª Conferência de Lisboa, George Friedman traçou um retrato pouco lisonjeiro da Europa dos nossos dias.
Naquele jeito simplificador, às vezes cruel, que os americanos têm para olhar a realidade, Friedman fez notar que o grande período de desenvolvimento e bem-estar europeus acabou por ter lugar num continente que, na era contemporânea recente, nunca controlou o seu destino.
Com efeito, palco principal da Guerra Fria, a Europa viveu tutelada por uma União Soviética que impunha a sua ordem ao centro e leste do continente e, a ocidente, pelos Estados Unidos, que garantiam a sua segurança, face à ameaça totalitária. O Reino Unido era o seu parceiro preferencial, os arroubos soberanistas da França eram pouco mais do que isso, a Alemanha tinha um muro a dividi-la e a limitá-la. A América era o principal poder europeu.
Entretanto, a URSS perdeu a Guerra Fria, implodiu e partiu-se em 15 países, parte dos quais passaram a hostilizar a Rússia, sua principal herdeira. Com a unificação, a Alemanha tornou-se mais assertiva e menos refém dos seus fantasmas e, com a França e outros Estados “like-minded”, criou o sonho de dar vida política, sólida e integrada, à pujança económica que o projeto integrador lhe tinha criado.
Friedman é de opinião de que o aprofundamento (aumento do corpo de políticas) e o alargamento da União Europeia, em lugar de a reforçarem, suscitou receios e tropismos nacionalistas que, nos dias de hoje, impedem o pleno sucesso do projeto e estão na origem das dificuldades que ele atravessa. Para o académico americano, ao crescer, a Europa enfraqueceu-se, perdendo em identidade.
Será assim? Com realismo, acho que Friedman não tem completa razão: as notícias sobre a morte da Europa unida parecem prematuras. A União, com todas as suas fragilidades, ainda é um espaço institucional com peso, nomeadamente nas dimensões económicas à escala global, muito embora, no plano de influência política nos grandes cenários estratégicos, apenas vá merecendo o Óscar para o melhor ator secundário.
É um facto, não passível de contestação, que a diversidade induzida na União Europeia, pelo cruzamento de culturas distintas, que configuram vontades diferentes e por vezes até conflituantes, é um fator de bloqueio à plena expressão operativa do um poder político à altura do peso económico dos seus componentes e à sua capacidade de ação conjugada – nomeadamente nos grandes dossiês comerciais, ambientais e em matéria de desenvolvimento.
A muitos custará admitir isto, mas a visibilidade europeia é sempre tanto maior quanto melhor conseguir trabalhar com o seu mais velho amigo político, ao lado de quem esteve em dois conflitos mundiais. E quando os Estados Unidos, cuja auto-determinação estratégica é feita com a liberdade que só as grandes potências têm, não vêm razões para “dar confiança” ao lado de cá do Atlântico, a Europa entra numa orfandade para a qual não consegue descobrir um lenitivo eficaz.
Trump é talvez um tempo extremo nesta deriva, mas, com alguma memória, valerá a pena lembrarmo-nos de que Obama não privilegiou a Europa e terminou o seu mandato cada vez mais voltado para a Ásia.
Verdade seja que não há muito que a Europa possa fazer neste domínio, senão tentar tornar-se relevante para Washington. Mas isso acarreta sempre o risco de seguidismo e de diluição de uma estratégia própria consequente.
A França e o Reino Unido, ao acompanharem os EUA nas simbólicas flagelações na Síria, não representaram a União Europeia, tanto mais que Londres dela está de saída. Ambos os países representaram-se apenas a si próprios e à sua vontade de reafirmar a responsabilidade estratégica que compete a aliados e membros Conselho de Segurança da ONU.
Londres e Paris, desta vez com Bruxelas à mistura, viriam aliás a aprender, dias depois, o que realmente valem (ou não) para Washington, ao serem postos perante o facto consumado do afastamento americano do acordo nuclear sobre o Irão, em que União Europeia tanto se empenhou.
Deixemo-nos de ilusões: para aquilo que os EUA de hoje definem como seu interesse prioritário, a União Europeia é praticamente irrelevante. E isso enfraquece fortemente a Europa.