terça-feira, maio 08, 2018

De caleche ao barbeiro



O “Leão” era na Praça, o que, em Viana do Castelo, apenas significa a Praça da República. Era um barbeiro que ficava ao lado da Farmácia Nelsina, do velho Café Américo e da antiga Casa Aires, em frente ao Café Bar, perto do chafariz (nas casas à direita da imagem). Nos dias de hoje, já não existe no local.

Nesse tempo dos anos 60, os veículos acediam a todo o espaço da praça. Até as caleches, com que os fidalgos da Ribeira Lima, ou quem se lhes queria assemelhar, se passeavam, impantes, nas vésperas das Festas (nome por ali da romaria da Senhora da Agonia) ou nos verões de vilegiatura.

José Gonçalo Correia de Oliveira, ministro do salazarismo - aliás, dos melhores e mais competentes que a ditadura teve - chegou um dia à porta do “Leão”. Vinha da sua casa de férias, em Belinho, perto de Viana, e, com a coreografia equestre a ajudar, pensou dar a honra ao principal barbeiro da cidade de lhe cortar a ministerial cabeleira, naquele estilo puxado para trás, “brillcreamado”, muito Estado Novo. 

A sala do “Leão” estava cheia. Nas cadeiras, junto à parede, aguardavam vez vários clientes. Correia de Oliveira tinha pressa e disse-o ao dono da barbearia. Este, subindo a voz para ser escutado, explicou, com delicadeza, que havia uma ordem de prioridade de atendimento que era obrigado a respeitar, a menos que todos os clientes à espera concordassem em deixar passar o “senhor doutor” à frente. 

Pela sala, ouviu-se então um eloquente e esmagador silêncio. Correia de Oliveira, nesse tempo de prestígio em que a sua reputação não tinha sido ainda atingida pelo escândalo dos “ballet rose”, percebeu, fez meia volta e bateu em retirada, com aquela cara de mocho ainda mais fechada do que habitualmente já era a sua. E lá foi sentar-se na esplanada do Café Bar, com o seu ar inchado, botas de cano alto, que o Manel, pressuroso, correu a engraxar-lhe. E a caleche ficou à espera.

Nos dias seguintes, a história correu a cidade, entre risos e comentários jocosos. E ficou nos anais vianenses. 

Diz-se que, pouco tempo mais tarde, terá havido um “remake”, mas só parcial. Esbaforido, entrou no “Leão” um jovem vianense, expondo a sua pressa em ser atendido. Explicou que vinha de uma “direta”, da sua despedida de solteiro. Casava-se dali a horas e perguntava se podia ser servido com prioridade. A sala estava tão cheia como na data da infortunada entrada do ministro salazarista da caleche. A interrogação, em voz alta, do dono da barbearia foi a mesma. A resposta, porém, foi a oposta: todos os clientes, com simpatia, se mostraram abertos a prescindir da sua vez.

Ir de caleche ao barbeiro começava a não dar prioridade...

6 comentários:

Anónimo disse...

Estória sem graça. Correia de Oliveira foi um excelente ministro a quem o país deve imenso como hoje é concensualmente aceite pelos que sabem.

Luís Lavoura disse...

Tempos em que os homens tinham tão pouco que fazer que se podiam dar ao luxo de ficar horas à espera de ser atendidos na barbearia.

Anónimo disse...

Pois....
A mim aconteceu-me uma também boa.....
Fui ao meu barbeiro de havia 15 anos onde eu ía todas as semanas.
Estava para ser atendido e entra o Ramalho Eanes acabado de ser eleito P.R. para ser atendido pelo mesmo barbeiro. Alguém perguntou se ele poderia passar à frente. A casa estava cheia como de costume e ninguém respondeu. Muito galhardamente o mesmo Sr. esperou com a sua cara seráfica como os outros. Foi a única vez que o vi ao vivo e a cores.
Não tinha marcado hora e ainda não tinha tomado posse.

Anónimo disse...

"Estória sem graça. Correia de Oliveira foi um excelente ministro a quem o país deve imenso como hoje é concensualmente aceite pelos que sabem."
8 de maio de 2018 às 09:06

Não entendi. O que tem isso a ver com ser atendido antes dos outros na barbearia, ou onde quer que seja?

Francisco Seixas da Costa disse...

O comentador das 9:06 não leu que, no texto, eu disse que CdO tinha sido um bom ministro.

Anónimo disse...

Foi por influencia do Correia de Oliveira que a famosa fabrica de armas belga FN se instalou em S. Romão do Neiva nos anos 60,sendo ainda hoje um dos grandes empregadores da região.

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