quinta-feira, dezembro 28, 2023

A vida não tem rascunho

Dia por dia, faz hoje 50 anos. Antes, já tinham passado mais de oito de conversas a dois. Num registo civil, nesse dia 28 de dezembro de 1973, perante apenas duas testemunhas, assinámos um papel. A seguir, sorte das sortes, veio Abril (com uma eterna maiúscula) e surgiram coisas para fazer. A vida foi acontecendo, não teve um rascunho. Andámos pelo mundo, durante quase quatro décadas, com algumas passagens por cá. Um dia, já há mais de dez anos, com toda a naturalidade e sem a menor nostalgia, regressámos ao ponto de partida, para continuar a vida em novas vidas. Sempre com a família, com os amigos - muitos, bons e bem diversos. Uns continuam connosco por aí, outros ficaram-nos na boa lembrança. Correu tudo bem? Correu quase tudo muito bem. Naquele dia de 1973 fazia sol, hoje está a chover. O grande segredo, aprendemos, foi saber resistir com bonomia a todos os climas e, ao longo deste meio século, continuar a olhar, sempre que possível, para a face divertida das coisas. Juntos, claro.

Delors e o "Le Parisien"


Numa conversa com Jacques Delors, em 2009:

- Que jornais diários franceses lê, embaixador?

- De manhã, o "Le Figaro", o "Libération" e o "Les Echos". À tarde, o "Le Monde".

- Não lê o "Le Parisien"?

- Só aos fins de semana e nem sempre. Acha que é um jornal que vale a pena ler diariamente?

- Sem dúvida! Eu começo sempre o dia pelo "Le Parisien". É um jornal simples, popular, que traz muito daquilo que o cidadão comum de Paris absorve, em especial sobre política nacional. E é muito equilibrado. Para se entender o que constroi a opinião média em Paris, passar os olhos pelo "Le Parisien" é essencial.

Depois desta conversa com Jacques Delors, o "Le Parisien" passou a fazer parte da minha leitura diária. E acho que fiz bem.

Um ou dois anos depois, num dos "dîners en ville" que eram o fatigante pão nosso de cada noite, quando vivia em Paris, conheci Thierry Borsa, então diretor do "Le Parisien". Contei-lhe o comentário de Jacques Delors. Ficou entusiasmado: "Ele disse isso?! Deu-me uma ideia: vamos procurar entrevistá-lo". Nunca apurei se o tentaram e se o fizeram. À época, Jacques Delors tinha já uma vida pública muito discreta e recolhida, escolhendo parcimoniosamente as suas aparições mediáticas.

Hoje, o "Le Parisien" trata assim a morte de Jacques Delors. 

Podiam ter acrescentado: um homem que gostava do "Le Parisien"...

quarta-feira, dezembro 27, 2023

Na "Visão" de 28 de dezembro

 


Jacques Delors


Contrariamente ao que o senso comum possa pensar, a França não é um país que se distinga por ter um constante e elaborado pensamento europeu. Sendo um Estado central e que foi essencial para o lançamento do projeto económico-social coletivo que a paz no pós-guerra permitiu instituir, Paris alimentou sempre uma leitura singular, e nem sempre solidária, desse mesmo projeto.

Com o fim da Guerra Fria e o sonho da criação de uma Europa-potência que pudesse ombrear com o parceiro democrático do outro lado do Atlântico, criando simultaneamente um "modus vivendi" com o grande e inevitável vizinho a Leste, o eixo franco-alemão teve a genialidade estratégica de estimular o salto institucional que redundou no Tratado de Maastricht e na posterior criação da moeda única, cumulando o mercado interno e a liberdade de pessoas em Schengen.

A clarividência dos dirigentes europeus da época determinou que Jacques Delors viesse a ser a figura escolhida para dinamizar e pôr em prática essa ideia. Soube fazê-lo com um inexcedível brilho, elevando a Comissão Europeia a um excecional patamar de importância.

Há quem diga que o destaque conseguido por Jacques Delors à frente da Comissão pode ter "assustado" os Estados que têm assento no Conselho de Ministros e que essa terá sido a razão pela qual, a partir de então, a escolha dos seus sucessores no cargo tivesse recaído em figuras bem mais fracas e bastante menos incómodas para muitos poderes nacionais. A exceção pode precisamente ser a atual presidente da Comissão, que se destacou pelo seu meritório papel durante a pandemia e que, a partir daí, lançou uma sombra sobre a ação do Conselho na gestão da crise ucraniana. Vale a pena refletir: Delors era francês, Van der Leyen é alemã. Na Europa não há coincidências.

Portugal deve a Jacques Delors uma grande atenção à especificidade dos seus problemas, um cuidado com as suas debilidades, que nunca será demais ressaltar. Cavaco Silva e Vitor Martins, primeiro-ministro e secretário de Estado dos Assuntos Europeus, que com ele muito lidaram, são testemunhas privilegiadas dessa forte amizade que Jacques Delors dedicava ao nosso país. E Delors sabia bem a afetividade que essa sua ação gerara entre nós.

Uma vez, em Paris, há mais de uma década, à margem de uma bela conferência que Jacques Delors proferiu na delegação da Fundação Calouste Gulbenkian, tive a oportunidade de lhe reiterar, como embaixador português, o facto de o seu nome ter ficado gravado, de forma muito positiva, na imagem que cultivávamos do projeto europeu. Delors retorquiu com qualquer coisa como isto: "Portugal mereceu tudo aquilo que teve. É um país que soube forjar uma genuína dedicação à Europa. Inicialmente, os fundos europeus foram muito importantes, mas vocês souberam ir mais longe e foram capazes de construir uma maneira própria de estar na Europa. Mas, por favor, nunca digam, como às vezes ouço dizer, que Portugal é um pequeno país na Europa. Vocês, como europeus, são um grande país". Confesso que fiquei contente ao ouvir isto, mesmo que a frase só seja verdadeira a espaços.

Alguma imprensa vai, por estas horas, "ter a imaginação" de repetir a frase batida de que, com a morte de Delors, a Europa está de luto. É uma imensa banalidade, de facto. Mas também é uma imensa verdade. O que é triste ter de admitir é que, nos dias de hoje, muitos europeus não façam a menor ideia daquilo que devem a Jacques Delors.

(Publicado no site da CNN Portugal)

Wilson e o fumo


As férias dão a oportunidade de redescobrir livros que já tínhamos esquecido. Aconteceu-me agora com um volume editado em 1976, da autoria do antigo primeiro-ministro britânico Harold Wilson. Tem por título "The Governance of Britain" e dá-nos uma perspetiva muito interessante sobre o modo de funcionamento do executivo britânico, à luz da época.

A certo ponto do texto, Wilson, conhecido fumador de cachimbo, mas também de cigarros, aborda a magna questão de se poder ou não fumar nas reuniões do gabinete. Anota que, no governo Attlee, depois da guerra, tinha sido determinado que só se podia fumar nas reuniões depois da uma da tarde, com pretextos de poupança. Depois, a regra caiu, naturalmente, com Churchill. Mais tarde, os hábitos terão variado. 

Quando Wilson chegou pela primeira vez a Downing Street, já como primeiro ministro, em outubro de 1964 (ficaria até 1970), assumiu abertamente o uso do tabaco nas reuniões. Na sua interessante e interesseira perspetiva, isso evitava que alguns ministros saíssem a espaços da sala, pretextando urgentes chamadas telefónicas, ou fizessem pressão para que as reuniões acabassem mais cedo, adiando decisões.

Wilson foi substituído por Edward Heath, que ficou no cargo nos quatro anos seguintes (1970-1974). Heath, que também tinha o cachimbo na sua bem conhecida lista de vícios, proibiu o fumo nos conselhos de ministros. 

Quando, em 1974, Harold Wilson regressou a Downing Street, para um novo mandato como primeiro-ministro (ficaria até 1976), deu-se conta de que os cinzeiros tinham desaparecido por completo da casa. No dia seguinte, ao abrir a primeira reunião do conselho de ministros, fez um anúncio solene: "Aqui, não é obrigatório fumar". E acendeu o seu cachimbo.

terça-feira, dezembro 26, 2023

Não é nostalgia


Nunca fiz parte de quantos pensam que "no meu tempo é que era bom". Desde logo porque o conceito de "meu tempo" é um pouco bizarro. Cada tempo tem o seu tempo, nós fomos diferentes em cada um desses períodos, o que nos ficou dessas experiências passadas representou apenas uma escolha, embora não necessariamente deliberada: às vezes, as coisas não foram tão boas como a nossa memória as reteve, outras vezes foi o nosso mal-estar conjuntural que ajudou a fixar uma imagem menos agradável do que até foi simpático. Aprendi, com os anos, a relativizar tudo, o que, por vezes, me leva a um desapego pelas coisas que pode parecer chocante. Já concluí que essa é a minha linha de defesa. E vivo lindamente assim.

Aqui em Vila Real, olhei aquela casa, agora feita ruina. E lembrei-me de mim, criança, a brincar lá dentro, junto de familiares, há muitos anos. Tive saudades? Nenhumas. Foi outro tempo. E continuei a passear pelas ruas da cidade. Estava frio, um sol magnífico, cruzei-me com alguns amigos, comi um covilhete, bebi um fino. Este é o "meu tempo".

domingo, dezembro 24, 2023

... e, em Vila Real, vai-se à Gomes, claro!



O nome por detrás dos nomes


Viviam-se os primeiros anos da década de 90. Estava colocado na nossa embaixada em Londres. Um dia, um jornalista do "Expresso" de quem me tinha tornado um bom amigo, Benjamim Formigo, perguntou-me se acaso eu não quereria escrever, para as páginas da secção internacional que dirigia, alguns artigos de opinião, sob pseudónimo.

A tentação era grande, mas tinha uma natural limitação: não podia escrever sobre política externa portuguesa. Essa era uma linha vermelha que, por razões deontológicas óbvias, não ultrapassaria.

O Benjamim e eu combinámos então a criação de dois pseudónimos temáticos.

Um seria dedicado à abordagem de temas europeus e questões internacionais em geral. O outro nome abordaria apenas temas africanos, que, à época, muito me interessavam e estavam na moda na nossa imprensa. E, claro, eu não seria remunerado por essas tarefas.

Para o primeiro tipo de comentários, criei o nome de "Mark Kraëlsky".

Soava bem! Como é que cheguei a esse nome? Semanas antes, eu tinha andado à procura de alguém que pintasse a sala do apartamento onde vivia, em Londres. Não podia gastar muito dinheiro, porque os salários de então dos diplomatas portugueses no Reino Unido andavam pelas ruas da amargura. Uma amiga, Valerie Dawson, uma atriz que hoje aparece com frequência nas nossas televisões, a quem eu tinha falado no assunto, disse-me que conhecia um trolha polaco que podia fazer esse trabalho por um preço razoável. Falei com o homem, acordámos o pagamento e, dias depois, as minhas paredes resplandeciam. O polaco chamava-se "Mark Kraëlsky" ou algo similar que passei a grafar dessa forma (confesso que nunca vi um nome polaco escrito assim...). Como então me disse que o seu último biscate tinha sido pintar o hall de entrada de um edifício da Universidade de Londres, decidi, ao adotar o seu sonoro nome, colocar-lhe um asterisco à frente e, no final dos textos, inseria "* Universidade de Londres". Havia tantas universidades em Londres... Nos tempos atuais, com o recurso ao Google, esta mentirola de Polichinelo só duraria umas horas!

O outro pseudónimo, utilizado para abordagem de temas africanos, era bem mais prosaico - "João Urbano".

Por essa altura, no "Semanário", um jornal que, sem sucesso, ao tempo procurava rivalizar com o "Expresso", e onde então preponderava a figura de Marcelo Rebelo de Sousa (que, no "Semanário", utilizava vários pseudónimos, alguns subscrevendo artigos que chegavam a contestar outros escritos pelo mesmo autor...), surgia um regular opinador sobre política africana que assinava como "Carlos da Mata". Julgo que se tratava de um pseudónimo (o meu amigo João Amaral ainda um dia vai satisfazer a minha minha curiosidade sobre quem é que afinal estava por detrás desse nome) que era usado por mais do que um escriba. E se ele era "da Mata" eu passei a ser "Urbano". E assim escrevi no "Expresso" uns tantos artigos como "João Urbano"...

Verdade seja que não era essa a primeira vez que assinava textos, sob pseudónimo, no "Expresso". Anos antes, creio que em 1988, num mano-a-mano com o meu colega António Dias, havia subscrito dois artigos sob o então assumido pseudónimo de "Luiz da Cunha", homónimo daquele que é historicamente considerado o "pai" da diplomacia portuguesa - a figura setecentista de D. Luiz da Cunha. Esse artigos, escritos num tom elegantemente respeitoso, embora um tanto gozão, eram atribuídos pelo jornal a um "coletivo de diplomatas portugueses" (a bem dizer, bastam duas pessoas para fazer um "coletivo"...) e prendiam-se com modestas reivindicações corporativas da nossa classe profissional, num tempo em que a nossa associação sindical primava pela modéstia e ineficácia na sua ação.

Esses dois textos, nos dias subsequentes à respetiva publicação, tiveram a virtualidade de abalar a placidez das conversas pelos claustros das Necessidades. O ministro era João de Deus Pinheiro. O seu chefe de gabinete, António Sequeira Nunes, foi ter comigo: "Cheira-me que tu deves saber quem são os tipos que assinam como "Luiz da Cunha"!" Ele pensava que eram muitos... Ri-me e comentei: "Pois sei, mas não será da minha boca que ouvirás os nomes deles. Mas faço-te uma proposta: se me disseres quem são os meus colegas que tu suspeitas que podem ser os "culpados", e se acaso tiveres a perspicácia de acertar em algum deles, eu prometo confirmar. É o máximo que posso fazer". E pelo chorrilho de diplomatas que o António então avançou, como "suspeitos" daquela moderadíssima ação reivindicativa - nomes nos quais, estranhamente, nem eu nem o António Dias figurávamos -, acabei por vir a saber quem estava no "index" de potenciais dissidentes por parte do gabinete do ministro...

Sob o nome de "Pedro Leite de Noronha" eu ainda viria a escrever uma célebre carta ao diretor que o "Expresso" publicou. Mas essa é uma historieta que conto nas páginas 306/307 do meu livro "Antes que me esqueça". Façam o favor de comprar o livro e lá poderão lê-la!

sábado, dezembro 23, 2023

A explicação

Um comentador comentou: "Francisco Seixas da Costa, tanta exposição mediática, de forma regular, para quê? Uma candidatura política relevante, no futuro próximo?"

Pronto! Já não consigo disfarçar mais! No mês de janeiro, há uma assembleia geral do meu condomínio e preciso de criar condições para garantir a minha reeleição como administrador. Fui desmascarado por um comentador arguto!

BOAS FESTAS!



quinta-feira, dezembro 21, 2023

Não resisti


Hoje, estive no Europarque, em Santa Maria da Feira. Uma vez por ano, participo no almoço de Natal organizado por uma das empresas a que continuo a prestar a minha colaboração profissional, neste caso, há mais de uma década. Por ali esteve ontem mais de um milhar de pessoas, dentre as muitas dezenas de milhares que essa empresa portuguesa emprega pelo mundo.

À entrada do Europarque, não resisti. Como quem não quer a coisa, fiz-me perdido e, por alguns minutos, andei por salas onde, há 23 anos, trabalhei muitas horas para poder ajudar a concluir, com êxito, o Conselho Europeu de Santa Maria da Feira. Com António Guterres, Jaime Gama, Joaquim Pina Moura, Maria João Rodrigues e tanta e tanta outra gente que construiu a presidência portuguesa da União Europeia de 2000, recordei naquelas salas o muito que me esfalfei por ali.

Abri hoje portas que me recordaram reuniões complicadas, mas que tiveram imensa graça. Como as que tiveram lugar na sala que a imagem mostra, onde chefiei reuniões que me levaram muitas horas, mas que me deram imenso gozo. É que, para o bem ou para o mal, sempre gostei de trabalhar.

quarta-feira, dezembro 20, 2023

Palavras

Houve quem julgasse que a parcimónia na palavra pública do Dr. Pedro Passos Coelho o levaria a uma escolha prudente naquilo que entende dizer nas suas raras aparições. O "soundbite" pesadote e deselegante de ontem deve ter sido uma surpresa para quem assim pensava.

Brasil


Posso dizer, alto-e-bom-som, que sou fortemente favorável à presença em Portugal de uma forte comunidade brasileira?

terça-feira, dezembro 19, 2023

O infeliz

O árbitro do Sporting-Porto teve uma "noite infeliz"? Claro que sim! Depois de ter feito tudo aquilo que estava ao seu alcance para falsear o resultado, ter a desdita de ver o Sporting ganhar o jogo deve ter-lhe criado uma imensa infelicidade. Coitado do homem!

segunda-feira, dezembro 18, 2023

O arco da decência


O populismo xenófobo que está a começar a gerar-se em torno do tema da imigração deveria levar os partidos do "arco da decência" a uma tomada de posição, de preferência conjunta, para denunciar e esconjurar essa doença nacionalista, a montante de qualquer crise grave. 

Esgotado


O sucesso de vendas do livro "Antes que me esqueça" apanhou desprevenida a editora. Em muitas livrarias, o livro está esgotado há vários dias e uma nova edição poderá só estará disponível em 2024. Ninguém, mais do que eu, lamenta esta situação. Só me resta pedir paciência. Para quem tiver "pressa", o livro pode ser adquirido em eBook na Barnes & Noble.

"Ai Portugal, Portugal!"


Uma organização internacional da qual Portugal faz parte tem como línguas oficiais o francês e o inglês. Na porta do gabinete que nos foi atribuído, o nome do nosso país foi escrito em ambas as línguas. Se acaso o português, o alemão ou o espanhol também fizessem parte das línguas oficiais da organização, a placa teria bastante mais graça.

sábado, dezembro 16, 2023

Democracia

José Luís Carneiro era o candidato que eu desejava tivesse sido eleito líder do PS. Os militantes socialistas escolheram Pedro Nuno Santos. No próximo dia 10 de março, espero poder felicitar Pedro Nuno Santos pela sua eleição como próximo primeiro-ministro de Portugal. 

Viewmaster


Quando era miúdo, lá por Vila Real, alguém me ofereceu um dia, talvez pelo Natal, uma máquina da Viewmaster. 

Para quem não saiba, tratava-se de um pequeno aparelho de plástico, do tamanho de um palmo de adulto, onde se introduziam discos redondos de cartão, com fotografias transparentes. Colocando os olhos nos visores, mantendo um ponto de claridade à frente, obtínham-se imagens muito nítidas. Podiam ser curtas histórias com desenhos, podiam ser quadros ou paisagens. 

As imagens, em cada disco, seriam pouco mais de meia dúzia. Com o indicador, íamos carregando num cursor que as ia mudando. Lembro-me de ter recebido, como ofertas, mais de uma dezena desses discos, que vinham nuns envelopes quadrados brancos. É impressionante o que guardamos na memória de infância! E que, de repente, nos ocorre.

Presentearam-me uma vez com um disco da Viewmaster com panorâmicas de Lisboa. Eu devia ter quatro ou cinco anos - e, nessa idade, nunca tinha ido a Lisboa. Imagino que seria imperativo haver no disco fotografias da Torre de Belém, dos Jerónimos, do Castelo, da Fonte Luminosa, do Rossio ou dos Restauradores.

Contudo, por qualquer razão, a imagem desse disco que, até hoje, me marcou mais, ficando-me eternamente na retina, era uma panorâmica tirada do alto do Parque Eduardo VII, com o Tejo e a outra banda ao fundo, bem como a colina do Castelo, num dia de sol glorioso. Por muitos anos, achei que aquela paisagem era o suprassumo. Podia lá haver coisa mais bonita no mundo, pensava a criança que eu era! Ainda um dia irei ali, devo ter ansiado intimamente, abafado pelo Marão.

Há pouco, saído de um almoço no Eleven, esse panorama reaparceu-me. E tirei uma fotografia daquele área. O dia estava tão glorioso como o da Viewmaster, um verdadeiro "céu de brigadeiro", como fizem os brasileitos. Cuidei em não repetir o enquadramento da Viewmaster, porque não quero que essa coisa banal e óbvia que é a realidade possa alguma vez ter a ousadia de colocar a mínima sombra sobre as coisas únicas, e por definição imbatíveis, que guardo para sempre na minha memória de infância.
 

É tão simples!

Nas eleições internas do Partido Socialista prefiro José Luís Carneiro a Pedro Nuno Santos. Não hesito um segundo na escolha. Nas eleições legislativas de março, votarei obviamente no PS, independentemente de quem hoje vier a ser escolhido para seu líder. O PS é o partido do qual me continuo a sentir ideologicamente mais próximo. É, além disso, a força partidária que me oferece mais garantias de conseguir manter afastadas da governação certas ideias políticas que, no nosso passado democrático, nunca apreciei ver no poder e outras que detestaria o pudessem vir influenciar no futuro. Em política, as escolhas são sempre muito simples. Pelo menos as minhas.

sexta-feira, dezembro 15, 2023

América Latina


A Casa da América Latina, através de um júri a que tive o gosto de presidir, atribuiu ontem o Prémio Científico Mário Quartin Graça 2023. O Prémio distingue teses de doutoramento na área das ciências sociais e humanas, oriundas de ambos os lados do Atlântico. 

vencedor foi o investigador Francisco Javier Morales Aguilera, pelo trabalho Miradas interiores y exteriores sobre la violencia política durante la Unidad Popular. Análisis de la documentación oficial y la prensa en Chile, España y Portugal, 1970-1973. Marcela Maciel Santana recebeu uma menção honrosa pela tese Cidades de Influência Portuguesa: Patrimonialização e Gestão.

quarta-feira, dezembro 13, 2023

terça-feira, dezembro 12, 2023

As responsabilidades

Há quase oito anos, num artigo que assinei no jornal "Público", intitulado "Falemos da América, não de Trump", escrevi isto:

"Mas o problema, desculpem lá!, não se chama Donald Trump, chama-se Estados Unidos da América. A América não é vítima de Trump, ele não é um epifenómeno que, “coitados!”, os americanos sofrem. Trump foi eleito pelos americanos, ele representa a América e é à América política – ao Congresso, aos Estados, aos nossos interlocutores institucionais, a cada diplomata americano que encontremos pelas esquinas da vida internacional – que devemos pedir responsabilidades por aquilo que Washington faz enquanto este presidente lá estiver."

Fui à procura daquele meu texto, porque, ao observar o modo como muitos olham hoje para Israel e para Netanyahu, dou-me conta de que alguns procuram assestar o olhar sobre o primeiro-ministro e desfocar a vista do país Israel, das suas instituições e da responsabilidade destas.

Quer Trump quer Netanyahu chegaram ao poder pelo voto popular. Se os cidadãos dos seus países tivessem querido, poderiam ter escolhido outros líderes para os representar. Não decidiram assim, pelo que não podem "lavar as mãos". E, em especial, quem os olha não pode "ajudar à festa".

Nos dias de hoje, Israel é aquilo que Netanyhau for. Separar os dois pode ser agradável a quem não quer mostrar-se crítico sobre Israel e quer atirar as culpas todas para Netanyhau. Mas não nos atirem areia aos olhos.

segunda-feira, dezembro 11, 2023

António Costa


A entrevista de António Costa à CNN, que Nuno Santos conduziu com maestria e excelente sentido jornalístico, dispensando o tom afogueado que alguns dos seus colegas em regra usam, em que fazem a agressividade gratuita e mal-educada passar-se por assertividade profissional e independência, foi um excelente momento para o primeiro-ministro cessante. 

António Costa voltou hoje a revelar, se necessário fosse, que é, a uma grande distância, o político mais bem preparado para governar o país. Posso estar enganado, mas creio que muitos portugueses, mesmo alguns que nunca nele votaram, terão percebido esta noite que, no plano dos líderes com qualidade para o exercício de funções executivas, se despediram de uma das grandes figuras das últimas décadas.

A vida pode dar muitas voltas, mas estou em crer que António Costa não se pode furtar a ter de encarar a Presidência da República como o seu futuro destino. 

Israel (2)

 Ver aqui.

Israel (1)

 Ver aqui.

Venezuela

 As ambições da Venezuela sobre a Guiana. Ver aqui.

Guiné-Bissau

As atribulações políticas da Guiné-Bissau. Pode ver aqui.

Necessidades

Sabe-se que Zelensky está em estado de necessidade política. Mas nem isso justifica o gesto, muito pouco prudente, de ser um dos poucos chefes de Estado na posse do novo presidente de extrema-direita da Argentina. E cruzar-se por lá com Bolsonaro e Orbán. Não havia necessidade!

"Por una cabeza"

O novo presidente argentino, em alguma qualificação mediática lusa, já passou de "extrema-direita" para "ultra-liberal". Ainda há algum pejo em elogiá-lo, mas sente-se a imensa vontade de vir a absolver, daqui a dias, a brutalidade das medidas que vai impor. Estejamos atentos.

Livro



Na chuvosa noite de sábado, muitos amigos e conhecidos juntaram-se para a sessão de apresentação do meu livro "Antes que me esqueça", na Livraria Lello, no Porto. 

Foi um duplo privilégio: ver organizada a sessão naquele espaço único e ter como "apresentador" o meu amigo Augusto Santos Silva, também presidente da Assembleia da República.

Escrevi "apresentador" com aspas porque, por sugestão do próprio, a sessão teve um formato diferente de uma apresentação tradicional. Augusto Santos Silva foi-se referindo a vários aspetos do livro, mas ia-me fazendo uma espécie de "entrevista", que me servia de "deixa" para as minhas "entradas". A sessão converteu-se assim num mano-a-mano, com intervenções alternadas. 

Julgo que, para as pessoas presentes, pode ter sido curioso ver-nos "desconstruir" o Ministério dos Negócios Estrangeiros, as suas virtualidades e particularidades, alguns vícios e alguma maneira própria de ser. Sempre com um grande respeito por uma instituição onde Santos Silva deixou uma excelente marca e eu tive grande gosto de trabalhar por quase quatro décadas.

No final, ainda houve tempo para responder a questões colocadas por via digital, dado que a sessão era acessível à distância.

Achei imensa graça ao exercício. Agradeço muito a disponibilidade do meu amigo Augusto Santos Silva e o acolhimento da Lello, nas pessoas da Dra. Aurora Pinto e da sua equipa. 

domingo, dezembro 10, 2023

Que diabo de fama!


A senhora olhou para mim, com um sorriso, à entrada para o edifício da estação ferroviária das Devesas, em Vila Nova de Gaia, onde, há pouco, fui apanhar o Alfa para Lisboa. E disse: "Logo à noite, saberemos onde foi almoçar". E continuou a sorrir.

Creio ter respondido: "Desculpe, mas não percebi o que quis dizer com isso..." Ela esclareceu que iria saber isso pelas redes sociais, onde eu deixava "sempre" nota das minhas almoçaradas e jantaradas. Na realidade, nem sempre é assim, ou melhor, era só o que faltava que eu fizesse por aqui uma espécie de diário das minhas amesendações! Mas, por vezes, acontece. 

Retorqui então à senhora, satisfazendo a sua curiosidade: "Fui almoçar ao "Terra", na Foz, e comi muito bem". Fiquei por aqui e sorri de volta. Mas podia ter-lhe dito que, na véspera, jantara no "Solar Moinho de Vento", também no Porto. E igualmente bem. 

Por vezes, gosto de assinalar aqui onde comi bem. Os bons profissionais que nos servem merecem que o seu trabalho seja destacado. E acho que é, de certo modo, um "serviço público" ajudar quem faz o favor de seguir estes textos a ter boas surpresas quando decide visitar restaurantes.

Pelo contrário, não me apetece, em regra, escrever sobre restaurantes que me não agradaram, porque não quero correr o risco de, com um comentário impressionista, poder estar a afetar um negócio, bem como os empregos e rendimentos de famílias dele dependentes. É que "um dia não são dias" e o facto de as coisas poderem ter corrido menos bem durante uma minha visita não significa necessariamente que seja esse o dia a dia dessas casas. Com exceção de casos limite, de más educações ou de falta ostensiva de profissionalismo, arquivo essas más experiências na "gaveta" das memórias negativas. 

E pronto! Aqui ficaram duas brevíssimas notas sobre outras tantas casas que visitei, ontem e hoje, e de onde saí satisfeito. Alguns perguntarão: Só isso? Nem uma nota sobre os pratos, sobre os preços? Não, hoje vai ser assim. É que, neste espaço, ao contrário dos restaurantes, as coisas não são "à vontade do freguês", desculpem lá! É como "me dá na veneta", uma outra bela expressão clássica que agora me ocorreu.


Foi isto?

Passei quatro dias sem ver um instante de televisão e parece que perdi uma reunião qualquer do Chega Dizem-me entretanto que Ventura e o seu bando estão a captar cada vez mais gente ao eleitorado do PSD e que a "culpa" (claro!) é do PS, que tem as costas largas. Foi isto?

sábado, dezembro 09, 2023

Táticas e desejos

O almoço, há dias, num determinado contexto de convívio lúdico, corria de forma animada. Gente simpática, excelente ambiente, histórias e graças, bem-estar generalizado. 

Neste tipo de encontros é muito raro a conversa derivar para a política. A boa educação recomenda que esse tema - tal como religião, questões de dinheiro ou o comentar negativamente pessoas ausentes que possam ser próximas de alguns dos presentes - seja evitado, por forma a não provocar desnecessárias divisões e potenciais conflitos. Ainda por cima em período de crise política e com eleições ao virar da esquina.

Um dos convivas, porém, talvez por se ter sentido, por distração, em ambiente de "like-minded", saiu-se com esta: "Não acham que seria muito mais eficaz se houvesse uma aliança pré-eleitoral do PSD com o CDS e com a IL? O risco assim é muito grande". 

Não deixei pousar a bola e retorqui: "Essas coisas são sempre difíceis de prever. Mas é capaz de ter razão. Logo veremos. A mim, confesso, tanto me faz, desde que o PS ganhe". 

A luz da sala era artificial. Não deu para ver se alguns sorrisos foram tão amarelos como pareceram.

sexta-feira, dezembro 08, 2023

Falando de cunhas, ou quase

A meio da conversa telefónica, percebi que ia desiludir a pessoa que, do outro lado, me fazia o pedido.

Uma antiga colega de liceu, que eu já não via há muito, abordara uma pessoa da minha família, em Vila Real, pedindo a minha intervenção para facilitar a entrada da sua filha para um lugar técnico no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Havia um concurso para sete lugares, com 10 candidatos. Entendia-se que uma "palavra" minha, então ocupando um cargo de secretário de Estado, seria decisiva para a seleção da rapariga.

Recusei. Por regra, não aceito cunhas e, por maioria de razão neste caso, havendo um concurso, estar a beneficiar deliberadamente um candidato significaria estar a introduzir um fator de injusta desigualização entre os concorrentes.

A pessoa através da qual o pedido era feito conhecia muito bem esta minha posição de princípio, mas havia tentado "deitar o barro à parede". A conversa acabou, como não podia deixar de ser, com a resignação desapontada da pessoa minha interlocutora. Assunto encerrado.

Passaram umas semanas. Nova chamada telefónica. O assunto era o mesmo. A minha primeira reação foi de moderada irritação, por estar a voltar a uma questão que eu considerava fechada.

Erro meu. A pessoa não vinha reeditar a cunha. Pretendia apenas, sabendo-se que a decisão do juri já tinha sido tomada, mas ainda não tinha sido divulgada, inquirir se a candidata tinha ou não sido admitida, para, em caso negativo, poder aceitar um outro emprego, que entretanto lhe aparecera. Só isso.

Pareceu-me razoável tentar obter, por antecipação, essa informação. A minha diligência em nada influiria na decisão já tomada pelo juri, fosse ela qual fosse. Telefonei assim ao presidente do juri, pessoa que conhecia, e perguntei-lhe se me podia dizer se "fulana" tinha ou não sido admitida naquele concurso.

Estranhei que a resposta se iniciasse com uma pergunta: "Mas você estava interessado na admissão dessa candidata?". Respondi que essa não era a questão, que apenas queria saber se ela fora admitida ou não, nada mais. O que veio a seguir, da parte do meu interlocutor, deixou-me marcado para a vida: "Não, não entrou. Mas posso dizer-lhe que esteve quase a ser admitida. Só que, curiosamente, de todos os concorrentes, ela era a única que não tinha nenhuma cunha"...

Empenho a minha palavra em como esta história, com mais de 25 anos, é verdadeira.

Neste tempo em que por aí se fala tanto de cunhas, apeteceu-me contá-la.

quinta-feira, dezembro 07, 2023

Um homem de coragem


Em bom rigor, foi numa noite, no início de 1969, na rua Barata Salgueiro, em Lisboa.

Semanas antes, Mário Soares tinha regressado a Portugal, por decisão de Caetano, que pôs fim à sua deportação em S. Tomé, por cerca de um ano, determinada por Salazar.

Soares quis testar, bem cedo, a genuinidade da "primavera marcelista", organizando, na Sociedade Nacional de Belas-Artes, uma sessão "de esclarecimento", como então se dizia muito. Pelo boca-a-boca de certa Lisboa, o evento chegou-me aos ouvidos e fui lá, movido pela curiosidade de conhecer a figura de quem então bastante se falava.

À hora marcada, algumas dezenas de pessoas, tinham-se juntado à porta da Sociedade. Vi Soares chegar, com um pequeno grupo. Constatou que o edifício, ao contrário do previsto, estava fechado. Minutos depois, surgiu o capitão Maltez, da polícia "de choque". À frente de todos nós, entrou num diálogo seco com Mário Soares. Maltez ter-lhe-á dito que, "por ordem do senhor ministro", a sessão não poderia ter lugar. Recordo bem a interpelação jocosa de Soares: "Que ministro é que deu essa ordem? O da Agricultura?"

A tensão começou a subir e, como era de regra, ouviram-se palavras de ordem desagradáveis para o regime. Maltez mandou então avançar a polícia, que nos "varreu", rua abaixo. Um grande jarrão, à entrada de um vizinho restaurante chinês, atrás do qual me refugiei com uma amiga, ia sendo vítima colateral da subsequente fuga dos circunstantes.

Eu tinha acabado de conhecer Mário Soares e a sua coragem.
------
Testemunho prestado ao "Diário de Notícias", num conjunto de 34 convidados, sob o lema comum "O dia em que conheci Mário Soares", da data dos 99 anos do seu nascimento. Não conhecia a fotografia inserida pelo jornal, que reproduzo, obtida em outubro de 2002, durante o lançamento de um livro meu, que Mário Soares prefaciou.

quarta-feira, dezembro 06, 2023

Fronteira


Ao final da tarde de ontem, a convite da editora Tribuna da História, proferi no Palácio Fronteira uma intervenção no lançamento da edição renovada e aumentada do livro "Diplomacia Portuguesa - a organização da actividade diplomática da Restauração ao Liberalismo", da autoria da professora Ana Leal de Faria. 

O livro faz uma análise, muito interessante e bem documentada, desses primórdios da diplomacia portuguesa. Devo dizer, com sinceridade, que aprendi imenso sobre os meus antecessores longínquos na profissão e a natureza da sua ação. 

Procurei, naquilo que então disse, fazer um paralelo entre a prática dos agentes diplomáticos dessa altura, muito bem descrita no estudo, e os tempos atuais, sublinhando os fatores de continuidade e as imensas diferenças. Gostei do exercício, proferido perante uma audiência muito atenta, numa sala cheia, mobilizada pelo interesse na temática da História.

Para eventual surpresa de quantos não me conheciam bem, decidi começar a minha intervenção lembrando que tinha entrado pela primeira vez naquela casa, há quase 54 anos, para assistir a uma histórica reunião de forças oposicionista à ditadura, organizada, com grande coragem, pelo já desaparecido titular daquela casa, Fernando Mascarenhas.

Porque afinal a História era o cenário de fundo do nosso encontro de ontem, apeteceu-me usar o ensejo para lembrar, para a "pequena história", essa reunião naquele Palácio, no ano de 1969, onde estiveram figuras como Jorge Sampaio e Maria Barroso. Naquele que foi um ano de combate à fraude que acabou por ser a "primavera marcelista", aquela reunião política acabou por consagrar as já expectáveis divisões entre comunistas, socialistas e outros setores, num processo que veio a originar, pela primeira vez na história da oposição democrática à ditadura, uma ida às urnas sob diferente denominações - CDE e CEUD -  nas "eleições" de 5 de outubro desse ano, como se lembrarão os que têm idade, memória ou conhecimento. 

Na ocasião, optei por não contar, porque talvez fosse demasiado pesado para o ambiente que prevalecia na sala, que alguns dos participantes na reunião oposicionista acabaram "corridos" pela polícia de choque, chefiada pelo famigerado capitão Maltez.

terça-feira, dezembro 05, 2023

Quem tem amigos assim...


Luís Filipe Castro Mendes escreve hoje isto na sua coluna semanal no "Diário de Notícias". 

CARTA ABERTA A UM AMIGO QUE ESCREVE DE HISTÓRIAS E MEMÓRIAS 

Caro Francisco:

Optei por escrever-te uma carta aberta a propósito do teu livro de memórias e histórias Antes Que Me Esqueça. É que não é fácil falar do livro de um amigo, com quem partilho a mesma condição diplomática e muitas experiências de vida. E pior ainda se é para dizer bem...

O grande achado deste volumoso livro de memórias e o que torna a sua leitura mais aliciante e envolvente é a opção escolhida de não agrupar os momentos evocados numa ordem cronológica ou temática, antes deixar fluir livremente as recordações e as análises e fazer de nós, leitores, atentos ouvintes de histórias inúmeras e fascinantes, como o sultão das Mil e Uma Noites a ouvir os contos de Xerazade. E sem o nosso autor ter de sofrer a angústia de Xerazade...

Lawrence Durrell, no seu Antrobus (Cenas da Vida Diplomática) deu-nos uma visão cheia de humor e malícia da vida dos diplomatas. Em Francisco Seixas da Costa encontramos o mesmo sentido de humor e o mesmo divertimento, mas sempre aliados a uma sólida e estruturada visão da nossa política externa e do estado de um mundo que mudou profundamente no tempo de vida da nossa geração. É um livro com tantas histórias que nos custa acabá-lo quando chegamos às últimas páginas e aos últimos contos: é um livro que nos diverte e ao mesmo tempo nos informa e nos transmite conhecimento. Quem quiser ter uma visão realista, fundamentada e sem preconceitos da nossa vida diplomática nas últimas décadas encontrará neste livro muita informação, refletida e ponderada. Mas não encontrará um ensaio ou um tratado sobre a diplomacia em abstrato: encontrará histórias que são como instantâneos fotográficos da História com maiúscula dos últimos anos.

Espreitar assim os bastidores das decisões e discussões que fizeram a nossa História é o que as memórias normalmente oferecem, mas nem sempre com este tom natural e quotidiano com que o nosso autor as conta. De tantos fatores pessoais e subjetivos são afinal feitas essas grandes decisões que preparam o nosso futuro ou nos defendem do nosso presente!

Quem quiser ter uma visão realista, fundamentada e sem preconceitos da nossa vida diplomática nas últimas décadas encontrará neste livro muita informação, refletida e ponderada.

A escolha de Francisco Seixas da Costa de não arrumar as suas memórias em capítulos cronologicamente organizados, mas de as deixar brotar e surgir "antes que me esqueça", para desenvolver a partir da cada memória o seu sentido de humor ou a sua reflexão pessoal, torna a obra num livro tão diverso quanto inesperado. É que, se encontramos neste texto informações preciosas sobre a nossa história diplomática dos últimos anos, a partir de uma experiência profissional fora do comum, não ficamos por isso reduzidos, enquanto leitores, a estas matérias. As memórias são extremamente vividas e concretas, pois nada do que é humano lhes é estranho, e fazem-nos sentir a nós, leitores, bem por dentro dos variadíssimos ambientes que evocam.

E é de assinalar que nunca a sombra e o azedume de qualquer ressentimento assomam nestas páginas, atravessadas de humor e da alegria de estar vivo.

Caro Francisco, isto é o que eu escreveria sobre o teu livro no Diário de Notícias. Mas ousarei fazer assim o elogio de um amigo? Não me ficará isso mal e não te comprometerá a ti? Não falarão de "compadrio"? Deixo-te a ponderar estas graves questões e envio o texto, assim mesmo, para o Diário de Notícias. Desta vez não ouvirei os teus conselhos...

Luís Castro Mendes 
Diplomata e escritor

Apesar de tudo...

Apesar de tudo, recuso-me a acreditar na tese, que por aí anda, de que o agravamento do caso das gémeas surgiu hoje magnificado para obscurecer a chegada do Sporting à liderança isolada da Liga.

Sinceramente penso

Marcelo Rebelo de Sousa pode ter todos os defeitos do mundo. Contudo, até pelo cuidado extremo com que sempre construiu o seu perfil como figura pública, não o vejo propenso a ações deliberadas de favorecimento de alguém. É o que sinceramente penso.

Como foi?

Ao ver hoje a direita (aqui pelas redes sociais é mais a extrema-direita grunha e a direita radical e populista) falar de Marcelo Rebelo de Sousa, levanta-se esse imenso mistério, político e matemático, que é saber quem, afinal, lhe deu em 2016 os 2.411.925 votos (52,00%)? 

Caras

A cara das crianças gémeas está por todo o lado. Por que razão algumas imagens de crianças são desfocadas e as destas duas não?

segunda-feira, dezembro 04, 2023

As cinco ideias com que Cavaco não se reconciliou

Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que tinha deixado a presidência com a esquerda no poder. Na realidade, foi ele quem entronizou a Geringonça. Marcelo recebeu essa herança e, não encontrando qualquer vício de legitimidade na solução governativa que herdou, deu-lhe condições de vida longa. Alguma direita nunca perdoou isso a Marcelo - embora ande agora a fingir que não foi ela que o elegeu em 2016.

Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que o seu lugar na história política da direita tinha entretanto sido raptado por Passos, pessoa de quem sempre se sentiu distante - e vice-versa. Cavaco sabe que, se bem que o PSD considere seu o património da sua década como chefe de Governo (e, muito menos, como presidente), a direita atual, no seu todo, da decente à infrequentável, revê-se muito mais em Passos Coelho do que nele próprio. Cavaco é um santo antigo no altar da direita, Passos é o prior que a freguesia gostaria de ver de novo a rezar a sua missa.

Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que Marcelo foi o seu sucessor. Deve ter espumado nos anos de "lua-de-mel" deste com Costa. Cavaco - e aqui admito estar a ser "mauzinho" - deve estar deliciado, por estas horas, com as atribulações do atual morador de Belém. Cavaco detesta o estilo de Marcelo, que, no primeiro mandato, procurou, deliberadamente, desenhar um perfil de anti-Cavaco. Ver esse estilo a ser, nos dias de hoje, criticado por grande parte da direita deve vingar Cavaco dos tempos em que viu Marcelo passear popularidade pelas ruas, pelas "selfies" e pelo mundo exterior.

Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que a direita, agora a cheirar o regresso ao poder e a tentar transformar os socialistas nos novos "idos de Março", faria isso sem si. Aproveitando as hesitações táticas de Passos, e depois de outras cirúrgicas aparições, Cavaco ressurgiu no congresso do PSD e, na passada, saiu a jogo por escrito para ajudar à nova narrativa financeira do PSD, sugerindo-se como o patrono da nova maioria, que quer ajudar a levar ao poder, tentando fazer esquecer - repito - que foi ele quem ficou, na História, como alguém que, embora "à contrecoeur", deixou Costa em S. Bento.

Finalmente, Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que quem está no olimpo histórico da direita democrática portuguesa, para o bem e para o mal, é uma figura que morreu, precisamente na data de hoje, há 43 anos. Por muito que ele se esforce, e já se percebeu que o fará enquanto a vida lhe der força e ânimo, Sá Carneiro será sempre a referência insubstituível dessa área política que o superará. E, com isso, Cavaco nunca se poderá reconciliar.

Notícias

Nos últimos tempos, estão a ter lugar mudanças na comunicação social, por vezes polémicas. A mim, confesso, o único jornal com cuja mudança de direção fico preocupado é o "Diário da República".

domingo, dezembro 03, 2023

Visão Global


São 25 minutos de conversa, muito sobre o Médio Oriente e sobre a Ucrânia, parte sobre um livro. Foi hoje, com Rui Cardoso, na Antena 1. Pode ser ouvido aqui  ("puxar atrás" a gravação)

Mescla


No "A Arte da Guerra" desta semana, falei com o António Freitas de Sousa, a certo ponto, da vida política na Polónia, da morte de Henry Kissinger e, vá lá!, de um livrito "de bolso" que acabo de publicar...

Pode ver aqui.

Por Francisco José Viegas

 


No "Correio da Manhã", de 3 de dezembro de 2023

sábado, dezembro 02, 2023

Ai querem?!


Ai querem comparar a luz das cidades? Têm para a troca? Tenham mas é juízo!

Teste do algodão

Quando ouvirem alguém dizer que o Trump, o Chega, a Meloni ou o Milei "não são bem de extrema-direita", ficam logo a saber "do que a casa gasta "...

O nível do debate


Há poucas coisas que revelem melhor o estado de pobreza a que chegou o debate político em Portugal como o tempo que se tem perdido em torno de uma simplificação simbólica das cores da bandeira nacional, medida sem a menor importância, reversível a qualquer momento. Tenham juízo!

Diplomacia portuguesa

 


Luís Amado


No "Público" de hoje.

sexta-feira, dezembro 01, 2023

Latinos

Não sei se Brasília estará a fazer algum tipo de diplomacia para travar a crescente escalada de tensão entre a Venezuela e a Guiana. Espero que sim. O Brasil não se pode afirmar vocação de potência pacificadora à escala global se não conseguir mostrar-se relevante na sua periferia geopolítica. 

Já agora!


Vive-se um tempo do "já agora!". 

A Rússia, que achou que tinha de defender a sua gente no Donbass, bem tenta, na passada, meter ao bolso Zaporizhzhia e Kherson, somando tudo à Crimeia. O Azerbaijão, com a endémica fragilidade da Arménia como estímulo, já acabou de vez com o Nagorno-Karabakh e ameaça caminhar para sul até se recolar ao Nakishevan. Com o belo pretexto dado pelo Hamas, Israel sente-se agora tentado a tomar conta de Gaza e, se houver oportunidade, da Cisjordânia palestina e, se deixarem Netanyahu à solta, até aos Himalaias. Até o maluquinho do Maduro, para afagar o nacionalismo e dar um objetivo às suas tropas, para além dos negócios e da droga, se lembrou agora de explorar um conflito esquecido com a Guiana. Anda tudo à solta!

Neste estado de coisas, não é de estranhar que outros se sintam tentados. Com as promessas de cheques, pagos pelos outros, dos incendiários Stoltenberg e Van der Leyen, a Moldova, que parece ser a única entidade verdadeiramente europeia que ainda acha Bruxelas "sexy", pode vir a ter tentações sobre a Transnístria. E alguém pode vir a relembrar Taiwan à China. Ou as Curilhas ao Japão. Ou Guantanamo a Cuba. Ou Kalininegrado à Polónia. Ou Gibraltar à Espanha. Ou as Malkland (Malvinas ou Falkland, venha o diabo e escolha) ao doido há pouco eleito na Argentina. E então, Meloni, não há ideias frescas sobre como tomar São Marino?! E será que os suíços não querem, por uma vez com coragem, "mourir à Vaduz"? E não se está mesmo a ver, Macron, que o Mónaco é apenas uma rebelde e inútil periferia de Beausoleil? E já há novidades de Rabat, para uma ação patriótica sobre El Aaiún. E Ceuta? E Melilla? E Perejil? 

Vergonha, vergonha - mas disso ninguém fala, é o falas! - é ninguém se lembrar, por estes dias, de Olivença. Isso é que era uma proposta eleitoral de rutura! Então, Luís Montenegro? Então, Daniel Adrião (Quem é! Não interessa! Mesmo!). Ao que chegámos! É que, assim como assim, já agora!...

No "Delito de Opinião"

Ver aqui.

A falta do Arnaldinho


Telefonema de uma amiga: "Então e o Arnaldinho?" Por um segundo, não percebi: "Já dei a volta ao teu livro e não encontrei lá a história do Arnaldinho! Por que é que a não incluíste". Essa minha amiga é leitora deste blogue e, por mais de uma vez, tinha-me falado de como tinha gostado da história do Arnaldinho que contei por aqui há muitos anos. Nem eu sei a razão por que não a incluí no livro. Mas vou repeti-la.

Tínhamos convidado aquele jovem casal brasileiro para jantar, em nossa casa, em Oslo, nesse início dos anos 80. 

Ele era um diplomata que, numa situação transitória, viera fazer uma "encarregatura de negócios" - isto é, substituir o embaixador do Brasil - à Noruega, por alguns meses. A mulher e filho haviam-se-lhe juntado, por algumas semanas. Perguntaram se podiam trazer a criança, porque não tinham com quem a deixar. Dissémos que sim, naturalmente.

Eram pessoas muito simpáticas mas, desde o primeiro segundo, percebeu-se que a criança, o Arnaldinho, aí com uns três anos, era uma figura incontrolada na família. Logo após a chegada, desapareceu sozinho pela casa, sob o olhar benevolente dos pais, entrando e saindo, numa infernal correria, de todas as dependências. 

Na sala, preocupado com os efeitos dessa peregrinação turbulenta por um apartamento não preparado para agitação infantil, ousei perguntar se não seria melhor mantermos o Arnaldinho por ali. Temi - e, mais tarde vim a verificar, com razão - por um puzzle de milhares de peças com que entretinha parte das longas noites nórdicas, no meu escritório. A custo, percebendo a minha preocupação, o pai lá se decidiu a ir procurar o Arnaldinho. Que chegou, puxado pelo braço, para se sentar junto de nós.

Alguns bibelots que estavam sobre a mesa da sala concitaram, segundos depois, a atenção do Arnaldinho, que se pôs a brincar com umas delicadas peças de cristal. Os pais, esses, sorridentes, mantinham uma serenidade total. A certa altura, não me contive:

- Arnaldinho, não mexa nessas peças, por favor.

A mãe do Arnaldinho lançou-me um olhar onde se lia alguma leve reprovação pelo meu comentário repressivo, aparentemente por estar a limitar a liberdade da criança, que, por acaso, nada tinha partido. Ainda. O pai foi um pouco mais sensível e repercutiu, docemente, o meu alerta:

- Você não toca nessas coisas, querido.

Encolhido num canto do sofá, os olhos do Arnaldinho estudavam opções ofensivas. E logo brilharam ao ver uma taça com cerca de uma dúzia de ovos pintados à mão, uma compra feita, meses antes, em Praga. Eu, nervoso e distraído da conversa, seguia o Arnaldinho pelo canto do olho. Vi-o descer lentamente do sofá e acercar-se a mesa. A sua mão sapuda avançou então, rápida, para um desses ovos, agarrou-o, olhou-o por um instante e esmagou-o sobre o tampo da mesa, espalhando a casca pintada.

Fiquei furibundo por dentro. Não eram peças muito valiosas, mas eram objetos de artesanato que, meses antes, havíamos trazido bem acondicionados, de carro, durante milhares de quilómetros. Vê-las desaparecer por uma destruição gratuita excedia a minha paciência. Mas contive-me, na esperança de uma atitude por parte dos progenitores do pequeno vândalo.

O pai do Arnaldinho teve então a reação máxima que, aparentemente, o estatuto da sua autoridade sobre a criança permitia:

- Arnaldinho, não faz isso! Então partiu o ovo!? Não vai partir outro, não?

O Arnaldinho tomou o remoque como um incentivo e a pergunta como um desafio. E, claro, avançou para outro ovo, que logo teve idêntico destino.

A mãe, "cool", sorriu. O pai "reagiu":

- Arnaldinho! Arnaldinho! Não parte mais nenhum ovo, está bem? Senão papai zanga-se!

“Papai” não ia ter ocasião de zangar-se. Porque, se ia partir, não partiu. Voei para o Arnaldinho, icei-o pelos braços e arquivei-o no canto oposto do sofá. Surpreendido pelo gesto, não tugiu nem mugiu. No silêncio pesado que, por segundos, se fez na sala, coloquei a taça de ovos e, um a um, todos os bibelots que pressenti pudessem ser alvo da sua ação destruidora na prateleira mais alta de um móvel que estava em frente. As mesas ficaram tristemente desertas de decoração. 

O Arnaldinho ficou especado, sem "targets". E os nossos convidados, surpreendidos pelo meu afirmativo "preemptive strike", ficaram, em absoluto, sem graça.

- Então?! E o que bebem?, perguntei, aliviado, mas já com pena dos copos. 

E, já nem sei como, lá se passou mais um jantar... diplomático. Por onde andará o Arnaldinho, nos seus quarenta e muitos anos de hoje?

Entrevista à revista "Must"

Aque horas se costuma levantar?  Em regra, tarde. Desde que saí da função pública, recusei todos os convites para atividades “from-nine-to-f...