Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que tinha deixado a presidência com a esquerda no poder. Na realidade, foi ele quem entronizou a Geringonça. Marcelo recebeu essa herança e, não encontrando qualquer vício de legitimidade na solução governativa que herdou, deu-lhe condições de vida longa. Alguma direita nunca perdoou isso a Marcelo - embora ande agora a fingir que não foi ela que o elegeu em 2016.
Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que o seu lugar na história política da direita tinha entretanto sido raptado por Passos, pessoa de quem sempre se sentiu distante - e vice-versa. Cavaco sabe que, se bem que o PSD considere seu o património da sua década como chefe de Governo (e, muito menos, como presidente), a direita atual, no seu todo, da decente à infrequentável, revê-se muito mais em Passos Coelho do que nele próprio. Cavaco é um santo antigo no altar da direita, Passos é o prior que a freguesia gostaria de ver de novo a rezar a sua missa.
Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que Marcelo foi o seu sucessor. Deve ter espumado nos anos de "lua-de-mel" deste com Costa. Cavaco - e aqui admito estar a ser "mauzinho" - deve estar deliciado, por estas horas, com as atribulações do atual morador de Belém. Cavaco detesta o estilo de Marcelo, que, no primeiro mandato, procurou, deliberadamente, desenhar um perfil de anti-Cavaco. Ver esse estilo a ser, nos dias de hoje, criticado por grande parte da direita deve vingar Cavaco dos tempos em que viu Marcelo passear popularidade pelas ruas, pelas "selfies" e pelo mundo exterior.
Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que a direita, agora a cheirar o regresso ao poder e a tentar transformar os socialistas nos novos "idos de Março", faria isso sem si. Aproveitando as hesitações táticas de Passos, e depois de outras cirúrgicas aparições, Cavaco ressurgiu no congresso do PSD e, na passada, saiu a jogo por escrito para ajudar à nova narrativa financeira do PSD, sugerindo-se como o patrono da nova maioria, que quer ajudar a levar ao poder, tentando fazer esquecer - repito - que foi ele quem ficou, na História, como alguém que, embora "à contrecoeur", deixou Costa em S. Bento.
Finalmente, Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que quem está no olimpo histórico da direita democrática portuguesa, para o bem e para o mal, é uma figura que morreu, precisamente na data de hoje, há 43 anos. Por muito que ele se esforce, e já se percebeu que o fará enquanto a vida lhe der força e ânimo, Sá Carneiro será sempre a referência insubstituível dessa área política que o superará. E, com isso, Cavaco nunca se poderá reconciliar.
11 comentários:
Nunca se reconciliou com não ter tido contas certas =como PM
Fernando Neves
Eu diria que a esquerda nunca se reconciliou com o sucesso eleitoral "do Cavaco", isso, sim.
E eu nunca me reconciliarei com este culto dos mortos que nos é imposto onde vale mais a fantasia de alguém que não teve verdadeiramente oportunidade de mostrar o que valia do que a memória da obra de alguém que foi o político português mais bem sucedido da nossa democracia.
Sá Carneiro foi Primeiro Ministro por menos do que um ano!!!
Cavaco Silva foi PM praticamente dez anos!!! Mais o tempo como PR.
Só o doentio saudosismo sebastianista alimenta o mito de Sá Carneiro.
Excelente caracterização de Cavaco Silva. Ele assim porque de tão obcecado em construir uma narrativa pessoal, por julgar-se acima dos seus semelhantes, não vê quão triste é o papel que representa. Da boca cheia de bolo-rei à pressa em sair porque “a Maria está à espera para jantar” mostra como Cavaco se manteve igual a ele mesmo, sem nada de novo para dar, só ressabiamento e rancor.
Quanto aos livros de Cavaco, sugiro que o próximo verse as proeminentes figuras do cavaquismo, personagens que ele ajudou, por ter criado as condições política, e que elogiou, tais como, Oliveira e Costa, João Rendeiro, Dias Loureiro, Duarte Lima e afins.
Independentemente de ele não se ter reconciliado, o que cabe perguntar é que defeito de personalidade é esse, que não o deixa, pelo menos, ocultar essa não-reconciliação, e que o leva a derramar despudoradamente fel pelos jornais.
Ele poderia não se ter reconciliado mas ter, ao menos, a hombridade de o ocultar.
Poderia também omitir pôr em letra escrita disparates de todo o tamnho, como esse de dizer (ou sugerir( que as "contas certas" não importam, de facto, nada.
Enfim. A velhice é uma coisa triste.
Por este post vê-se que quem não se está a reconciliar com a ideia de que chegou ao fim a infeliz e desastrada passagem de oito anos da esquerda pelo poder é o nosso Embaixador! E por isso Cavaco, pintado de forma vingativa, serve de habitual bode expiatório. Porém, por mais que lhe custe, Cavaco, malgré um ou outro traço vingativo do seu feitio, está num pedestal da História, a que só uma figura da esquerda, que não é recente, se poderá alcandorar. Infelizmente o mundo mudou para a esquerda portuguesa, que revelou, durante estes últimos 8 anos pós troika, não apenas baixo estofo moral como grave desonestidade intelectual, censurando a direita pelas políticas que foi obrigada a fazer devido à situação em que ela, esquerda, meteu o país. Uma maneira de fazer política como essa não pode fazer caminho. Felizmente, a situação mudou. E o Sr. Embaixador, perdoe-se-me a expressão, vai ter de se habituar.
Sugestão de leitura para certificar a coerência “científica” da Cavaco Silva ou confirmar que há mesmo partes da zona cinzenta que se apagaram:
https://poligrafo.sapo.pt/fact-check/cavaco-silva-defendia-contas-certas-alinhado-com-passos-coelho-mas-agora-diz-que-sao-armadilha-do-governo-socialista?utm_source=SAPO_HP&utm_medium=web&utm_campaign=destaques
Francisco F.
Só o doentio saudosismo sebastianista alimenta o mito de Sá Carneiro.
Muitíssimo bem escrito! Tem toda a razão.
As "contas certas" não estão de facto certas e não precisei nem vou precisar de ler o que Cavaco Silva escreveu (não o leio habitualmente) para o saber.
Mas nunca percebi porque é que se acha normal que eu não discuta nunca (por exemplo) questões ligadas ao Direito - apesar de não ser totalmente leigo - e quase toda a gente ligada ao Direito (por exemplo) tenha opiniões bem assentes sobre Economia & Finanças e domine de A a Z a situação económico-financeira do país quando nem uma mercearia de esquina ou uma retrosaria de bairro alguma vez tiveram que gerir (já para não falar das "catástrofes” na economia caseira).
Como se sabe há duas maneiras de mentir: uma é não dizer a verdade e a outra é fazer estatística.
E é entre essas duas que lá vamos cantando e rindo, cada um a pensar no seu futuro a curto prazo, com umas frases bonitas pelo meio a fingir que quer saber dos outros.
Ainda há tempos mandei àquela parte alguém que me dizia "que futuro vamos deixar aos nossos netos?" e que nem sequer filhos tem.
Agora anda tudo à caça do voto dos pensionistas.
Ora como tenho filhos entre os 50 e os 54 anos, é evidente que eles já "se vêem" como pensionistas daqui a pouco mais de 10 anos, dependente de factores de sustentabilidade e esperanças de vida.
Tenho amigos, conhecidos e até irmãos com menos um par de anos que eu cujos netos quase que podiam ser meus bisnetos.
E não é preciso ser um cérebro para imaginar como é que vão ser as reformas deles, baseadas na actual "solidariedade intergeracional" (reforma da SS de 2007, governo PS de José Sócrates, ministro Vieira da Silva).
Mas como a minha geração ou não tem filhos, ou não os tem destas idades, ou se está borrifando para quem vem a seguir, está tudo numa boa.
E quando se está numa boa há uma tendência suicida para achar que não vai acabar porque não se tem ideia nenhuma dos "sinais dos tempos".
Portanto boa sorte.
Por muitas opiniões que tenha ou livros que escreva não tenho o mínimo respeito, pelo contrário, só tenho desdém, por alguém (Cavaco) que negou uma pensão vitalícia ao nosso grande herói da revolução do 25 de Abril, Salgueiro Maia, para depois, as conceder a dois Pides, um deles Óscar Cardoso, um dos Pides entrincheirados na sua sede da Rua António Maria Cardoso, que abriram fogo sobre uma multidão, causando as únicas mortes do 25 de Abril.
regresso ao poder? deixa-me rir... como canta (e bem) Jorge Palma.
Concordo, ex-PM e ex-PR saiu a terreiro nesta ocasião porque "nunca se reconciliou" com a ideia de que o mundo gira com ou sem ele como PM, como PR, ou como líder do PSD.
Aparentemente nunca teve um escravo a segredar-lhe ao ouvido: "Memento Mori" ("lembra-te que és mortal"). Pelo contrário, sem escravos, só com bajuladores, durante uma vintena de anos só lhe segredaram ao ouvido o que lhe agradava ouvir.
Não está só, essa é a triste sina dos vencedores do destrutivo sistema eleitoral em Portugal. Ainda há dias mais um terá percebido isso... ou não.
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