quarta-feira, dezembro 27, 2023

Wilson e o fumo


As férias dão a oportunidade de redescobrir livros que já tínhamos esquecido. Aconteceu-me agora com um volume editado em 1976, da autoria do antigo primeiro-ministro britânico Harold Wilson. Tem por título "The Governance of Britain" e dá-nos uma perspetiva muito interessante sobre o modo de funcionamento do executivo britânico, à luz da época.

A certo ponto do texto, Wilson, conhecido fumador de cachimbo, mas também de cigarros, aborda a magna questão de se poder ou não fumar nas reuniões do gabinete. Anota que, no governo Attlee, depois da guerra, tinha sido determinado que só se podia fumar nas reuniões depois da uma da tarde, com pretextos de poupança. Depois, a regra caiu, naturalmente, com Churchill. Mais tarde, os hábitos terão variado. 

Quando Wilson chegou pela primeira vez a Downing Street, já como primeiro ministro, em outubro de 1964 (ficaria até 1970), assumiu abertamente o uso do tabaco nas reuniões. Na sua interessante e interesseira perspetiva, isso evitava que alguns ministros saíssem a espaços da sala, pretextando urgentes chamadas telefónicas, ou fizessem pressão para que as reuniões acabassem mais cedo, adiando decisões.

Wilson foi substituído por Edward Heath, que ficou no cargo nos quatro anos seguintes (1970-1974). Heath, que também tinha o cachimbo na sua bem conhecida lista de vícios, proibiu o fumo nos conselhos de ministros. 

Quando, em 1974, Harold Wilson regressou a Downing Street, para um novo mandato como primeiro-ministro (ficaria até 1976), deu-se conta de que os cinzeiros tinham desaparecido por completo da casa. No dia seguinte, ao abrir a primeira reunião do conselho de ministros, fez um anúncio solene: "Aqui, não é obrigatório fumar". E acendeu o seu cachimbo.

12 comentários:

Luís Lavoura disse...

E atualmente, como será? Será proibido fumar nos Conselhos de Ministros, tal como em todos os espaços interiores públicos? Ou não será considerado um espaço público?
E em Portugal, como é? Pode-se fumar no Conselho de Ministros?

manuel campos disse...


Pouca gente sabe que Edward Heath era um excelente pianista e também um bom maestro, tendo com alguma frequência actuado como maestro convidado da London Symphony Orchestra (LSO) e gravado alguns LP, nomeadamente a abertura “Cockaigne (In London Town)” do compositor inglês Edward Elgar, o das “Marchas de Pompa e Circunstância”.
Juntamente com Helmut Schmitt, na altura o Chanceler alemão, gravou o Concerto para dois pianos e orquestra de Mozart.

Aliàs Helmut Schmitt foi o quarto pianista num Concerto para 4 pianos e orquestra de J.S. Bach gravado pela Deutsche Grammophon (com a Hamburger Philharmoniker) e já tinha sido o terceiro pianista num Concerto para 3 pianos e orquestra gravado pela EMI (com a London Philharmonic).

Edward Heath dizia que o poder do pódio (de maestro) era muito maior que o de Primeiro Ministro.

Francisco Seixas da Costa disse...

Luís Lavoura. Em Portugal, no Conselho de Ministros, cumpre-se a lei que proíbe fumar nos espaços de serviços públicos. Há décadas que isso acontece.

Anónimo disse...

Deve ser por isso que anda tanta. gente com aparelhos de oxigénio às costas que escondem em público mas que por problemas graves de saúde que contraíram com o tabaco não dispensam de usar . Lamento que os fumadores que se acham com todo o direito de fumar não percebam o mal Que fazem aos outros e a si próprios. Um não fumador não provoca efisemas pulmonares a ninguém .

Luís Lavoura disse...

Francisco, ainda bem. Ainda me lembro de ser forçado a gramar reuniões de duas horas em que alguns outros participantes fumavam... não era nada agradável.

manuel campos disse...


Nunca fumei mas cresci no meio do fumo, meu Pai fumava imenso, cachimbo ou cigarros, mas não foi o tabaco que o levou.
Serviu de vacina aos cinco filhos (por acaso todos rapazes), nenhum alguma vez fumou.
Nesta mesma sala onde escrevo estão dois móveis que herdei e, quando se abrem as gavetas - o que acontece todos os dias - ainda cheiram ao tabaco dele.
Se eu fosse de me deixar ir no tipo de memórias de que se falou ontem aqui por causa das casas “estava feito”, não preciso de que nada mo lembre, eu lembro-me muito bem sozinho.

Tenho (e li) há muitos anos um livro muito interessante de Guillermo Cabrera Infante, escritor cubano, filho de pais comunistas e ele próprio muito ligado a Fidel Castro, que o nomeou adido cultural em Bruxelas, lugar que desempenhou até cortar relações com o regime (não voltou a Cuba).
O seu livro mais conhecido será “Três tristes tigres” mas eu venho aqui falar do ensaio “Holy Smoke” que foi publicado originalmente em inglês e só depois traduzido para o castelhano com o título “Puro humo”.

É a edição da Alfaguara que tenho e permito-me citar a editora:
"Puro humo (publicado originalmente en ingles, en 1985, bajo el titulo de Holy Smoke) es el tributo que Cabrera Infante a su unico vicio: fumar puros. El resultado es este volumen, que es varios libros a la vez: una historia del tabaco; una celebracion del fumar esa hoja extrana; y una rapsodia en que intervienen el cigarrillo y la pipa. Pero es mas que nada una cronica erudita de la relacion entre el puro y el cine."
Fundamentalistas do tabaquito, s’abstenir (ou então lerem às escondidas).

Flor disse...

Sr. Embaixador, a frase "Aqui, não é obrigatório fumar" está correcta? Ou será... não fumar?

manuel campos disse...


Adenda ao meu comentário anterior.
Nenhum dos filhos alguma vez fumou "activamente", pois "passivamente" fumámos todos mas, não sei porquê, não me consta que nenhum de nós tenha problemas pulmonares.
Eu não tenho nada (não tinha há um ano, não devo ter).

E em Abril de 2024 faz 40 (quarenta anos) que não me constipo, evitar todos os aquecimentos, ares condicionados e cabeça ao sol ou à chuva ajuda sempre.
Na altura logo me dão os parabéns.

Já agora, hoje fui à Baixa a pé, aproveitar os últimos dias sem turistas.
Muito português finalmente, quase tudo idoso ou a caminhar para lá (o que explica que no WC de que vos venho falando a fila dos homens fôsse grande). Desisti e fui em passo acelerado (desta vez a visita ao WC não era só de cortesia) até ao "meu" restaurante, que estava cheio de mais reformados com ar de quem estava ali com a ideia de lá ficar todo o dia pois não tem já horários.
Acabei assim por vir ainda almoçar aqui para os meus lados, num sítio que serve a qualquer hora, não é grande coisa mas não sou complicado e muito menos quando chega a larica.

Na Praça da Figueira o mercado já está desmontado e o Christmas Market do Rossio está quase, quase desmontado.
No mercado livreiro da Rua Anchieta fiz um bom conhecido, trouxe algumas coisas, ofereceu-me ainda um bónus à minha escolha, por mais que eu lhe dissesse que o queria pagar (pois que decerto o dinheiro lhe fazia mais falta que a mim mas isto não lho disse, claro, podia ser mal interpretado).
Na FNAC reparei que foi re-editado agora o "Ana Karenina" de Tolstoi na tradução de José Saramago e que há um escaparate com livros de várias editoras sobre "escrever bem em português" e "dúvidas da língua portuguesa" e outros nesta linha, bem úteis se alguém os quisesse ler.

No entanto a Baixa estava com um ambiente "triste", nesta altura cheia de gente com parkas e casacões que, não sei se já notaram, são todos em tons muito escuros e só se vê uma massa humana entre o cinzento e o preto.
Vivement le Printemps!

Nuno Figueiredo disse...

meet John Bercow.

manuel campos disse...


Os portugueses por aqui já não indicam o caminho aos franceses com o “Sempr’en frent!” porque os franceses já só se lhes dirigem em inglês a pedir informações.
Quando me calha a vez, de tão fácil que é perceber-lhes o sotaque, lá lhes digo “Je voudrais bien vous l’expliquer mais en français” e é sempre uma festa.

O “Les Champs-Élysées” do Joe Dassin foi posto à venda em Agosto de 1969 e é um “cover” da canção inglesa “Waterloo Road” de 1968, interpretada por um grupo vagamente psicadélico de nome “Jason Crest” que não foi longe.
Como muitos dos “covers” que enxamearam a música francesa dos anos 60, a cópia era muitíssimo melhor que o original e teve um êxito enorme que aliàs continua aí.

Nota importante - Este texto está em código e é só para iniciados.
Para o decifrar há que ler o respectivo manual quase até ao fim.

Francisco Seixas da Costa disse...

Flor. Vou transcrever o texto (pag. 62): "At our first Cabinet the next day, I simply announced 'Smoking is not compulsory", and lit up"

Flor disse...

Sr. Embaixador, obrigada.

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