quarta-feira, julho 19, 2023

Um amigo por medida


Há uns meses, tive de mandar ajustar uns fatos. Socorri-me de um alfaiate de Vila Real, meu velho colega de escola primária, já afastado das lides diárias mas disponível para a tarefa que lhe pedi - e que não foi tão pequena como isso. Quando fui à prova da primeira empreitada, dei com ele abismado: "Nunca tinha visto um fato tão bem feito, tão bem construído, tão perfeito! Dá gosto trabalhar um fato destes".

O fato - esse e muitos outros - era da autoria do mestre Noronha Pinto, um alfaiate lisboeta de que comecei a ser cliente em meados dos anos 80. Alguém me indicou o seu nome e, até há cerca de uma década, continuei a ser seu regular frequentador. E, como é da regra destas coisas, fui-o recomendando a amigos. Que nunca se queixaram, antes pelo contrário.

Não era um alfaiate barato, longe disso!, mas era um extraordinário alfaiate. E era, além disso, uma figura de uma simpatia ímpar, no que era acompanhado pela sua mulher, presença habitual naquele primeiro andar das Avenidas que já foram Novas. Passar pelo seu ateliê era a garantia de uma conversa serena, educada, agradável. Sabia aconselhar, conhecia as minhas manias, antecipava os meus desejos.

Com o regresso a Lisboa, as mudanças na minha vida e o consequente declínio na exigência de novos trajes, espacei bastante as idas por lá. Falávamos pelo telefone nos Natais, mantínhamo-nos atentos a episódios de vida de cada um e de familiares. A saúde do casal, entretanto, deteriorara-se. A última conversa que tive foi já com uma filha. Um dia, vi a alfaiataria desaparecer do local, com o prédio em obras. O único telefone que dele tinha não atendia.

Passou mais de um ano. Estávamos a jantar a casa de um casal brasileiro, que se tinha mudado para Lisboa. À conversa, falaram-nos de uns vizinhos excecionais, do andar de cima, que os tinham recebido muito bem. O senhor morrera dias antes, a senhora estava muito doente. Ele tinha sido um alfaiate conhecido, com ateliê ali perto. Era o meu amigo Noronha Pinto. E assim acabam histórias que já foram felizes.

2 comentários:

Nuno Figueiredo disse...

o alfaiate do Panamá...

Flor disse...

Foi o Alfaiate Noronha Pinto que há muitos anos fez o fato de casamento do meu marido.
Chegamos a uma certa idade que pessoas que conhecemos há muitos anos quando éramos mais novos damo-nos conta que já partiram. Fico triste.

Isto é verdade?