sábado, julho 29, 2023

João Pereira Neto


No dia 29 de abril de 1974, segunda-feira, entrei fardado no Palácio Burnay, onde funcionava o Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina.

Nesse dia, entrei com todo o à-vontade, coisa que não acontecera nos dois anos anteriores, durante os quais a portaria tinha ordens expressas para impedir o meu acesso.

Eu tinha uma "história" a resolver por ali, depois desses anos muitos complicados, que tinham mudado toda a minha vida. Nesse dia, eu ia falar com o que restava da anterior direção do Instituto, então em muito precário exercício.

Quem me recebeu foi o professor João Pereira Neto. Deu-me um abraço e disse-me uma frase que gravei: "Você tem muitas e justas razões de queixa da nossa Escola". Era verdade, toda a gente o sabia. Mas, dentro do conceito plural de "Escola", eu tinha razões concretas de queixa de muita gente, por ação ou omissão. Contudo, por esses dias, eu andava muito feliz e a última coisa que pensava era tirar qualquer desforço. Nunca o procurei, nem nunca o fiz. O meu "caso" com o ISCSPU, que haveria de perder o "U" com mais rapidez do que o país deixou se ter "possessões ultramarinas", resolver-se-ia pouco depois.

Nestes quase 50 anos, em diversos contextos, fui cruzando o professor João Pereira Neto. A nossa relação tinha sido, desde sempre e sem nenhuma exceção, marcada por uma grande cordialidade, mesmo em momentos em que, claramente, não estivemos do mesmo lado. Tive sempre Pereira Neto como uma pessoa cordata, educada e dialogante.

João Pereira Neto era visto por nós, creio que com razão, como um dos "homens do Adriano", um grupo de pessoas que acompanhou de perto aquele procurou induzir à casa um sentido de escola de Ciências Sociais. Terá sido pela mão de Adriano Moreira que Pereira Neto integrou o CDS, onde chegou a secretário-geral.

A última vez que o encontrei foi, há não muito tempo, na Sociedade de Geografia, onde tinha um lugar destacado de direção. Quis ter a amabilidade de ir ouvir-me, já não sei bem sobre quê. No final, exprimi-lhe que ficava muito grato por isso.

Não tive então o ensejo de lembrar com ele, como gostaria de ter feito, algo que me ficou na memória: as suas provas de agregação, em finais de 1968, uma discussão num júri conduzido pela figura mítica da Etnologia em Portugal, o professor Jorge Dias. Eu desconhecia, até esse dia, a "animação" que podia ser um diálogo tenso, num júri, em ambiente universitário. Pereira Neto seria, pouco tempo depois, professor catedrático.

Acabo de saber que morreu, com 88 anos.

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