terça-feira, maio 26, 2020

A voz do Porto


Ouvindo hoje Rui Moreira a clamar, lembrei-me do Porto e do seu poder ou falta dele.

Curiosamente, sendo embora a segunda cidade do país, o Porto só com a democracia conseguiu obter uma expressão significativa a nível do poder central. Se olharmos para a história da ditadura – e mesmo da primeira República, passado um tempo de evidência no republicanismo novecentista - verificaremos que a influência política do Porto, como cidade, junto do poder central, foi sempre muito escassa. E, curiosamente, é uma evidência que o Porto teve sempre, em particular nesse tempo, um forte tecido de instituições, formais e informais, desde logo na área empresarial, mas igualmente no domínio cultural e no terreno social.

Tudo indica que Salazar nunca gostou do Porto, talvez porque a cidade projetasse uma sofisticação, quiçá algo snobe e elitista, que se contrapunha ao ruralismo pretendidamente esclarecido que ele próprio representava e que Coimbra, com Lisboa, aqui também através da universidade, era suficiente na sua tarefa de cooptar o pessoal político da ditadura. 

Graças à sua força económica – recordo que então se dizia: “o Porto trabalha, Lisboa diverte-se” -, o Porto como que se isolou um pouco no processo político à escala nacional, mantendo uma dinâmica própria, uma burguesia longe do cosmopolitismo do dinheiro “novo” de Lisboa, mais Clube Portuense e muito pouco Linha do Estoril. O Porto ia fazendo pela vida...

Diga-se, contudo, que o Porto burguês não era maioritariamente anti-regime, muito longe disso. O peso da igreja e a proteção dos negócios encontraram sempre no Porto um terreno sólido de apoio ao salazarismo. Mas o Porto da ditadura foi também aquele que deu o maior banho de multidão a Humberto Delgado, em 1958, como já tinha proporcionado o maior comício a Norton de Matos, nove anos antes, na Fonte da Moura. E é o Porto que gera um bispo que atazanou o ditador e, verdadeiramente, abriu caminho às vias católicas dissidentes à escala nacional. Esse é, alias, o mesmo Porto que produziu Sá Carneiro, esse inesperado incómodo que veio a destapar a fraude da abertura marcelista.

Foi o 25 de Abril que levou o Porto a perder esse seu relativo isolamento político. Com Sá Carneiro e as suas adjacências, o Porto entrou muito cedo para a partilha do poder político central. E por lá tem ficado, às vezes de forma influente, outras numa presença simbólica. Quando se forma um novo governo, à esquerda ou à direita, imagino que a pergunta deve surgir: “E do Porto, quem é que se põe?”. Pode soar um tanto cruel estar a dizer isto, mas é esta parece ser a realidade. 

Desta vez, no governo, o Porto não se pode queixar... E tem mesmo a liderança da oposição. Porém, não obstante a inegável excelência de muito do pessoal que a política doméstica foi buscar ao Porto, nas últimas décadas, isso só marginalmente quis significar o peso real acrescido da cidade no jogo político nacional. 

Mas Porto desenha um outro modelo curioso, sendo nisso quase um “case-study”. Refiro-me ao seu perfil reivindicativo. A cidade do Porto assume sempre um discurso tenso, uma mostra de mal-estar permanente, uma queixa de quem se sente mal tratado. Até as distritais portuenses dos dois partidos do novo rotativismo sofrem desta obsessiva necessidade de terem uma idiossincrasia própria, um discurso façanhudo e de cara dura frente aos aparelhos de Lisboa. 

Com regularidade, o Porto convoca os poderes económicos e os seus nomes sonantes para a retoma dos vários episódios dessa espécie de permanente batalha virtual que mantém com Lisboa. E, com o tempo, mas sempre com o sobrolho cerrado, nas entrevistas e proclamações, o Porto lá vai conseguindo levar a água ao seu moinho de vento, melhorar o aeroporto, ter as suas novas pontes, o seu metro, as vias que o seu jogo de cintura interna é sempre capaz de arrancar.

Mas convém que fique muito claro: essa guerrilha política, nas formas curiosas, típicas e mediáticas que por vezes assume, não deixa de ter uma indiscutível legitimidade. Porque a verdade é que, neste país, continua a haver uma macrocefalia muito evidente em torno e em favor de Lisboa

7 comentários:

Anónimo disse...


Primeiro, deram-lhe palco e espaço mediáticos com os futebóis, porta de entrada para transformar as banalidades em verdades indiscutíveis, e por essa via conquistarem os lugares públicos e políticos numa teia de mediocridades. Por isso, hoje, Rui Moreira considera que ele é que é o Presidente da Junta, ele, o Vice-Rei do Norte !

João Pedro

Anónimo disse...

o Porto merece! é uma linda cidade trabalhadora que tem evoluído no bom sentido, com espaços verdes, bons produtos, boa produção, lindas paisagens, conservação dos seus monumentos e do seu casario típico, numa mistura bem conseguida de tradição e de modernidade
portanto desejemos boa sorte ao Porto e que as suas pretensões de desenvolvimento económico e social sejam coroadas de sucesso
para o bem da região norte e de todo o país onde ela naturalmente se insere

Jaime Santos disse...

Eu, que sou do Porto e ainda aqui vivo, mas gosto de Lisboa, devo confessar que me custa um pouco aturar um estilo quezilento que vem de trás e que passa de Pinto da Costa para Fernando Gomes e que desagua em Rui Moreira. Mas é preciso reconhecer que funciona, como diz o Sr. Embaixador. O Porto vai conseguindo levar a água ao seu moinho e é isso que interessa...

E o Porto é também a Mãe do Liberalismo em Portugal e preserva aliás essa tradição, o que só nos pode orgulhar enquanto tripeiros...

João Cabral disse...

Como costumo dizer, o Porto queixa-se de barriga cheia. E é, como se sabe, um verdadeiro eucalipto no Norte. O resto do país continua a ser paisagem.

José Figueiredo disse...

O Porto pesa pouco como pesa pouco qualquer parte do país que não seja Lisboa e a sua AM. O nosso centralismo não permitiu gerar poderes concorrentes que tivessem habituado o poder central a um diálogo e negociação permanentes. Embora a CR de 76 preveja um estado descentralizado, com regiões administrativas, tal não teve ainda qualquer progresso. Mesmo um mapa coerente de uma administração desconcentrada, com coordenação intersectorial, continua por realizar. Prevalecem a divisão distrital e a das NUTII e III consoante os sectores - uma manta de retalhos. Mesmo a actual geografia eleitoral está completamente ultrapassada e ninguém quer alterar o que quer que seja, tal a força dos pequenos poderes instalados nas federações distritais. Por isso não surpreende que o peso do Porto tenha de ser assim, de arrufos.
José Figueiredo

carlos cardoso disse...

levar água ao seu moinho de vento???

Anónimo disse...

é preciso cautela com muita descentralização que não raramente leva a conflitos políticos com objetivos de tomada de poder tornando os países muito difíceis de governar (ou até impossível)
deve imperar o bom senso

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