Faz hoje 10 anos, dia por dia. Eu era embaixador em Paris e preparava-me para "fechar" a minha carreira diplomática, no final do mês de janeiro de 2013, chegado à idade limite para prestar serviço no estrangeiro.
Tinham decorrido quase 38 anos, desde que entrara para as Necessidades. Como antes já tinha sido funcionário público por quatro anos, decidi pedir a aposentação, a ter efeitos imediatamente após o meu regresso a Lisboa. Não recorri ao estatuto da "jubilação", que me faria andar pelos corredores do MNE até à idade em que seria obrigado a ir compulsivamente para casa, embora isso fosse financeiramente um pouco mais vantajoso. Queria ficar completamente livre, para poder fazer o que me apetecesse.
A minha reforma ia ser bastante baixa (embora muitos teimem em não acreditar, um diplomata tem sempre uma reforma baixa, porque não lhe é permitido descontar sobre o que ganha quando está colocado no estrangeiro). Tinha, contudo, assegurado já a possibilidade de dar aulas numa universidade privada (não podia lecionar nas universidades públicas, porque isso é incompatível com ser-se pensionista do Estado). Ia ser um apenas um modesto “part-time” que me ajudaria a arredondar os meses.
Porém, nesse dia 12 de dezembro de 2012, todos os meus planos de vida se alteraram.
Com intervalo de algumas horas, recebi três telefonemas de Lisboa. Vinham de três pessoas de áreas muito diferentes, que apenas tinham em comum a circunstância de todos terem lido na imprensa que eu me ia aposentar. Uma não me conhecia pessoalmente, com outra tinha tido apenas um breve contacto, da terceira era amigo. Cada um à sua maneira, os três disseram-me que gostavam de poder vir a contar com a minha colaboração, para aconselhamento estratégico, no âmbito das entidades que dirigiam - duas empresas e uma fundação. Todas essas entidades tinham uma ação internacional relevante. Em nenhuma delas iria ser um trabalho "from nine to five", mas sim reuniões e tarefas pontuais: análises de conjuntura, avaliação de riscos políticos em mercados, estudos prospetivos, com algumas viagens internacionais pelo meio. Eram propostas muito sedutoras, em todos os sentidos.
Apreciei muito os convites, o terem-se lembrado de mim. E aceitei-os. Sentia-me particularmente à vontade para o fazer, porquanto essas entidades estavam a convidar alguém que, no plano político, era público e notório nada ter a ver, em termos de proximidade, com o governo que, no nosso país, chegara ao poder, pouco mais de um ano antes. Aliás, muito pouco, no trabalho que eu iria fazer, tinha a ver com as atividades dessas mesmas entidades em Portugal.
Tinha conhecido muitos colegas diplomatas - noruegueses, britânicos, espanhóis, franceses, brasileiros, etc. - que, após se terem terminado o seu serviço público, tinham ingressado, com naturalidade, no setor privado, para iniciarem uma nova carreira, que pudesse aproveitar a sua experiência de décadas. Em Portugal, contudo, salvo uma meia dúzia (se tanto!) de casos, de que tenho o privilégio de fazer parte, não havia nem há essa prática de reaproveitamento profissional dos diplomatas. É pena. Acho que o setor empresarial português perde bastante com isso, embora eu seja suspeito ao dizê-lo. Por essa ausência de oportunidades, brilhantes colegas meus, acabados de sair de postos e de experiências valiosíssimas, passaram, de um dia para o outro, de uma atividade intensa para o passeio quotidiano do seu cão. No meu caso, eu nem sequer tinha cão.
Nos dias de hoje, continuo ligado, em pleno, a duas das entidades que me contactaram, faz hoje uma década. Com a terceira, concluí, há meses, nove anos consecutivos de agradável colaboração. Quem me está a ler compreenderá agora melhor a razão pela qual a data de 12.12.12 me diz bastante.