Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste mais do que de figos. É verdade! Não me vou pôr aqui a falar de tudo aquilo de que sou guloso, porque isso faria um rol interminável e abriria uma inconciliável discussão entre mim e quem me lê. Cada um de nós tem as suas listas mais ou menos íntimas. Da minha, só confesso os figos. Adoro figos frescos, em especial quando estão já muito maduros - e isto não é uma contradição em termos. Mas gosto especialmente de figos secos, escuros ou claros. Alambazo-me deles pela noite, num pé-ante-pé à cozinha, à cata de vitualhas para atenuar, não a fome, mas um estranho mas intravável apetite-sem-fome que tende a invadir-me nessas horas em que tenho a certeza de não ir ouvir ninguém dizer o infernal "Não exageres! Isso faz-te mal!" Nesses momentos solitários de exercício de liberdade extrema, abordo as gavetas, as portas dos armários ou os talheres com a delicadeza de um assaltante de cofres, procurando não perturbar o silêncio (ou melhor, o sono de quem, pela certa, me iria censurar). É um alívio delicioso quando chego ao frasco dos figos secos. Em regra, só tiro três e com eles desço para o andar de baixo, numa frágil auto-convicção de que não voltarei a subir aquelas escadas apenas para ir buscar mais um figo. E é pura verdade: só lá voltarei para ir trazer, não um, mas mais dois figos. Ou três, porque ninguém me garante que o mundo não vai acabar amanhã. Este exercício, feliz ou infelizmente, não se repete muitas vezes: é que eu, e só eu, esgoto os figos secos que tenho em casa em poucos dias, ou melhor, em poucas noites. Pronto, já me confessei! Não espero ser perdoado, porque não foi para isso que aqui trouxe este magno assunto.
ps - eu sei que já um dia escrevi por aqui uma coisa similar sobre bolachas de chocolate. Mas que hei-de fazer? As tentações não param, neste mundo de pecadores saciados e não arrependidos.
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