A revista "Ler", dirigida por Francisco José Viegas e editada por Filipa Melo, submeteu-me a um inquérito sobre (algum)as palavras de que mais desgosto e gosto.
Aqui fica a lista:
Palavras de que não gosto
Hodierno. Sempre encanitei com esta forma pedante de dizer que uma coisa é dos dias de hoje. Sei lá bem porquê! Talvez por ver a palavra usada por alguns pavões da escrita, dos que compensam a falta de conteúdo com exageros na forma.
Experienciar. Anda agora na moda, faz parte das fórmulas de uma geração que parece que não vive as coisas, para quem tudo não passa de um somatório de momentos exaltantes. Experienciem à vontade! Que lhes faça bom proveito!
Resiliência. Que raio de palavra! Andava discreta pelos dicionários, onde alguém, há uns anos, a foi buscar para o nosso dia-a-dia. Ficou-me na memória negativa de certos tempos políticos que quero esquecer. Era então dita com o significado de "ai aguenta, aguenta!". Vejo-a agora recuperada, de forma modernaça, no PRR. Está visto, não têm juízo!
Zona de conforto. Outra expressão da modernidade. "Sair da zona de conforto" é algo dito como um ato de audácia, um gesto de decidir correr riscos, a expressão da ambição. Que raio de coisa! Ousadia é saber desenhar a nossa vida até chegarmos à "zona de conforto". Só dela saem os masoquistas. Ou então, a zona não era confortável.
Procedimento concursal. A primeira vez que vi a expressão, plasmada num diploma legal, não quis acreditar, achei que estavam a gozar connosco. O termo "concurso" era redutor, o oficiês achou que tinha de ser criativo e logo se passou para um procedimento cretinativo. E já pegou, está por toda a parte!
Paraninfar. Num jornal na minha terra, semana após semana, havia notas de alguém ter "paraninfado" um casamento ou um batismo. Pobres padrinhos, vilemente acusados de tal ato! Mesmo sem lerem Nobokov!
Palavras de que gosto
Melro. É-me agradável o som da palavra dita em voz alta e isso talvez se deva ao facto de, desde criança, ouvir o meu pai recitar o poema homónimo de Guerra Junqueiro. Na pandemia, alimentei muito os melros que pousavam no meu quintal e afeiçoei-me a eles. Sou, desde então, um melrófilo.
A-Ver-o-Mar. É um subúrbio da Póvoa, onde Maria Lamas andou a falar com mulheres do seu e nosso país. É um topónimo composto que me traz uma ideia de descanso, de serenidade feliz. A simpática localidade "Água de todo o ano", perto de Ponte de Sor, não lhe chega aos calcanhares.
Bem. Apesar do termo ter vindo a ser aviltado por imbecis, pessoa "de bem" é um qualificativo que sempre tive por honroso. Uso-o muito. "Bem" é uma palavra muito boa, que soa sempre ... bem!
Melancolia. É raro eu escrever a palavra. Ligo-a muito à atitude perante a vida de pessoas que conheci e que conheço, além de algumas caras de Modigliani. O vocábulo é bonito e "ondulante", no percurso da sua pronúncia suave. O sentimento tem o seu quê de poético, reflete uma tristeza respeitável e misteriosa.
Sacripanta. Na aceção que intimamente registei da palavra, há um lado menos sério do que aquele que os dicionários registam. O termo tem de ser lido em voz alta, dito com um tom de jocosidade acusatória. "Saíste-me cá um sacripanta!", exclamo eu a um visível mas amigo malandro. Explorem a saltitante beleza fonética do vocábulo.
Espatifar. Há na sonoridade dos tempos do verbo a força de coisas a partir-se, a esfrangalhar-se (outra bela palavra), a romper-se com estrondo e efeito sempre físico. Como agora se diz, é um vocábulo "gráfico" por excelência. E, talvez não por acaso, traz um patife lá dentro.
Sem comentários:
Enviar um comentário