Acontece, às vezes. Na complexidade administrativa do Ministério dos Negócios Estrangeiros, é tomada a decisão de enviar um funcionário para um determinado posto no estrangeiro, mas, por atrasos imputáveis ao próprio ou aos serviços, o fulano demora eternidades a assumir funções. Se essa colocação havia sido motivada por razões urgentes, fica frustrada a rapidez que se pretendia imprimir ao ato.
Ao que consta, nesse final da década de 50 do século passado, o secretário-geral do MNE tinha-se empenhado em que um certo diplomata fosse colocado, com caráter de extrema urgência, num determinado posto, que era necessário reforçar. Tomada que havia sido a decisão, esqueceu o assunto, na suposição de que a sua determinação fora cumprida.
Eis senão quando, um dia, ao voltar de uma esquina dos claustros das Necessidades, o secretário-geral dá de caras com o homem (nessa altura, só havia diplomatas homens) que ele pensava, há já bastante tempo, a trabalhar algures. Sobreveio-lhe uma imensa fúria: “O que é que você está aqui a fazer?! Ainda não foi para o posto?”
O homem desfez-se em desculpas, arguindo imprudentemente com motivos pessoais imperativos que tinham atrasado a sua ida, o que irritou ainda mais o chefe da carreira, figura conhecida pelo seu feitio impaciente, que, por um instante, tinha suspeitado que tivessem sido os serviços - o “quarto andar”, como se diz no jargão da casa - a atrasar burocraticamente a partida do funcionário. Afinal, a culpa era do homem, só dele. Era imperdoável!
Com o dedo espetado e ar ameaçador, o secretário-geral intimou-o então, em voz alta e imperativa: “Ó homem, você vai JÁ, para o posto! Não quero vê-lo mais por aqui. Parta de imediato!”, e apontou para a porta do pátio, como que a querer vê-lo sair a correr.
Na memória do ministério ficou famosa a resposta do diplomata, que a doutrina se divide entre se foi dada em tom aturdido ou irónico: “Posso ainda ir almoçar a casa?”
2 comentários:
E já agora ir buscar a casa uma muda de roupa!! :) :)
Bela história.
Mas se o superior hierárquico era "figura conhecida pelo seu feitio impaciente", estou em crer que a resposta terá sido mais provávelmente em tom aturdido do que irónico.
Fôsse qual fôsse, uma resposta para "la petite histoire".
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