domingo, dezembro 15, 2024

Os nossos comunistas

 

Leio que o PCP está em congresso e diverte-me a obsessão da nossa imprensa em procurar encontrar, no seio do evento, algo que abale o unanimismo a que os comunistas portugueses quase sempre fizeram jus. 

Tenho pelo partido alguns amigos e conhecidos, uns mais abertos do que outros a admitirem graças sobre a prática política dessa vetusta organização. Comentários esses que, gostem eles ou não, farei sempre que me apetecer, mesmo que isso já me tenha valido acusações públicas de ser anti-comunista. Coisa que não sou nem nunca serei. Tenho muito respeito pelo PCP, mas não uso de "respeitinho" ao analisar as suas ideias e a sua prática.

Faço parte dos portugueses que, nunca tendo sido militantes do PCP, têm uma profunda admiração e eterna gratidão pela luta que o partido levou a cabo contra a ditadura. Não tenho a mais pequena paciência para o argumentário preconceituoso de quantos acham que "o que eles queriam era impor uma nova ditadura". Essas pessoas nunca conseguirão entender que uma ideologia como a que alimentou o PCP, um partido criado há bem mais de um século, passou por fórmulas políticas que hoje estão definitivamente datadas, mas que fizeram parte indissolúvel de tempos em que a ideia da esperança na regeneração radical da vida social dos povos a elas estava ligada. Não perceber isto é não perceber a História. E o PCP está há muito na nossa história e nela ficará muito para além de alguns "parvenus" conjunturais.

Desprezo igualmente a recorrente visão de um PCP golpista, papão do PREC. Lidei de muito perto com gente do PCP por esse tempo, tive com eles profundas divergências e até alguns confrontos. É óbvio que os comunistas portugueses teriam apanhado o "comboio da Revolução", se o ano de 1975 tivesse corrido de outra forma, mas não foi por acaso que os moderados de novembro desse ano deixaram que o PCP permanecesse no governo e mantivesse sem interrupções toda a sua expressão política. Bem oposto era o projeto dos oportunistas que, sem êxito, procuraram aproveitar o fim do PREC para ensaiar um novo 28 de maio, uma vez mais anti-comunista. 

O PCP é, desde há meio século, um partido respeitador da Constituição da República, que, em muitos aspetos, até parece ser hoje o seu verdadeiro programa político. Não conheço ninguém que possa apontar ao PCP um ato que indicie o menor infringimento da ordem constitucional instituída em 1976. É sabido que os comunistas têm um endémico azar ao capital privado, com o qual convivem com evidente esforço, e que adorariam que o tecido económico do país fosse maioritariamente público. É uma evidência que o PCP "sofre" a economia de mercado, que hoje é a matriz incontornável da sociedade portuguesa. Nunca os comunistas se reconciliaram com este estado social de coisas e nunca irão perceber nem aceitar que essa é uma das fontes da nossa atual liberdade. Mas não vejo o menor inconveniente que subsista na sociedade portuguesa um partido, embora cada vez mais minoritário, que persista nesta matriz. 

Os comunistas portugueses são também órfãos inconsoláveis do fim da União Soviética, têm a Rússia como o seu "next best" e resistem a qualificar Putin como o autocrata que é. Detestam os Estados Unidos e, em geral, consideram a União Europeia uma entidade do mal. Pelo mundo, batem palmas a quem irrite o mundo ocidental, o que os leva ao ridículo de apoiarem regimes como os de Maduro, Lukashenko, Ortega ou o homem da Coreia do Norte. Mas, com toda a justiça e dignidade, estão firmemente ao lado da Palestina. No todo global, os comunistas portugueses, que sabem bem ao que andam, já se devem ter dado conta de que a vertente externa tem vindo a contribuir internamente para a sua impopularidade. Mas, para eles, o mundo há muito que é assim.

No Portugal democrático em que gosto de viver, entendo que os nossos comunistas devem ter todo o espaço para defenderem essas suas ideias, por muito que estas se afastem do "mainstream" maioritário. Comigo sempre poderão contar para ajudar a preservar publicamente esse seu direito. Desejo que o PCP tenha tido um ótimo congresso, seja lá isso o que for.

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